A longínqua Emenda Constitucional n.º 19/98 instituiu no âmbito do Poder Público, a chamada Reforma Administrativa. Dentre as inovações trazidas está a caracterização da remuneração ou vencimento do servidor público como subsídio.
O subsídio é o pagamento do crédito do servidor em razão do exercício de sua função pública através de parcela única, vedado o pagamento de verbas desmembradas, excetos as de caráter indenizatório.
O pagamento de verba desmembrada caracterizou, por muitos anos na história da Administração Brasileira, os marajás. Incorporações sobre incorporações, efeitos reflexos de verbas sobre verbas foi por tantos e tantos anos a bandeira de luta dos políticos, e, a piada do povo.
O choque dos princípios da Administração estampados na Constituição gerou a necessidade da inversão dos conceitos: o que era regra passou a ser exceção.
Assim o pagamento de verbas desmembradas que era a regra passou somente ser possível quando o Estado tiver que repor aos servidores as quantias por estes gasta em razão da necessidade de cumprimento da função pública.
A Administração, conforme a Professora Di Pietro, deve realizar a devida compensação pecuniária ao servidor que gasta ou tenha que gastar para exercer seu munus público.
Apesar da EC 19/98, conforme já foi ressaltado, apenas permitir o pagamento desmembrado de verba de caráter indenizatório, é mister ressaltar a definição de todas as espécies de vantagens pecuniárias para que fique a questão clarividente.
Introdutoriamente vale transcrever os ensinamentos preliminares sobre as vantagens pecuniárias Recorremos ao mestre administrativista Hely Lopes Meirelles sobre as duas espécies de vantagens pecuniárias: os adicionais (ex facto temporis; ex facto officii) e as gratificações (propter laborem; propter personam). [1]
O que caracteriza o adicional é a característica de ser uma recompensa ao tempo de serviço do servidor, ou uma retribuição pelo desempenho de funções especiais que fogem da rotina normal de trabalho.[2]
O adicional pode ser uma recompensa ao tempo de serviço do servidor, como o adicional de tempo de serviço que é progressivo proporcionalmente ao tempo trabalhado pelo servidor (ex facto temporis), ou ainda, pode ser uma retribuição pelo desempenho de alguma função ou cargo em condições especiais, podendo a Administração exigir habilitação especifica ou dedicação de tempo diferenciada (ex facto officii).
As gratificações são pagas aos servidores que estão prestando serviços comuns da função em condições anormais de segurança, salubridade ou onerosidade (gratificações de serviço – propter laborem), ou concedidas como ajuda aos servidores que reúnam as condições pessoais que a lei específica (gratificações especiais – propter personam).[3]
Em relação as verbas indenizatórias propriamente ditas, a sistematicidade jurídica brasileira concede aos servidores públicos duas espécies de verba indenizatória: a ajuda de custo,e, as diárias.
A ajuda de custo é perceptível pelo servidor que porventura tiver que mudar seu domicilio em razão de interesse da Administração. Já as diárias são valores para cobrir gastos do servidor público, também, em razão do interesse da Administração, conforme os ensinamentos de Reis Friede.[4]
A respeito de possibilidade da criação de uma verba indenizatória sui generis, Celso Antonio Bandeira de Mello já prontificou sobre o universal conceito de verbas indenizatórias: “indenizações, cuja finalidade é ressarcir despesas a que o servidor seja obrigado em razão do serviço…”[5].
Qualquer verba paga de forma linear, ou seja, guardando para todos os integrantes da categoria uma mesma proporção, sem requisito específico, e, sem a configuração da compensação pecuniária não tem caráter de verba indenizatória. É revisão salarial.
Assim a maquiagem legal frágil que ao menor chuvisco se desfaz, tenta dar revisão salarial o pseudo-caráter de verba indenizatória, porém não tem sustentação prática. Não passa de uma verborragia legal para contornar o direito dos aposentados a paridade plena.[6]
O texto constitucional é claro. A paridade plena é a extensão aos aposentados de qualquer verba concedida aos servidores da ativa, menos as verbas realmente indenizatórias.
Não passa de uso mecanismo de indevido contigencionamento de despesas, prejudicando claramente os servidores aposentados, que ficariam sem a extensão da quantidade auferida pela tal verba.
Os órgãos de cúpula do Poder Jurisdicional já detectaram está conceitual farsa, e, têm reiteradas vezes estendido o direito aos aposentados de receberam estas verdadeiras revisões salariais.
O Superior Tribunal de Justiça por reiteradas ocasiões manifestou favorável a destorção destes conceitos legais de caracterização de revisões salariais como verbas indenizatórias, consagrando o princípio constitucional da paridade plena.[7]
A Corte Constitucional Suprema Brasileira na analise de casos semelhantes também se posiciona em favor a concessão de tutela do direito constitucional à paridade plena.[8] Um exemplo destes apontamentos hermenêuticos jurisprudenciais são os comentários feitos pelo Ministro Ilmar Galvão, na relatoria do RE n.º 395.186-6:
“Acontece, entretanto, que se está diante de gratificação de caráter geral, porquanto extensiva, como visto, a todos os servidores em exercício no Departamento de Estradas de Rodagem, não podendo se falar em vantagem funcional concedida em razão de condições peculiares de trabalho ou do local onde esse é exercido. De outra parte, não impede sua extensão aos aposentados a circunstância de haverem-se inativado antes de sua instituição, situação que justamente é contemplada pela norma da redação original do § 4° do art. 40 da Carta da República, ao estabelecer que sejam “estendidos aos inativos quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente concedidos aos servidores em atividade. ”
A modernidade tardia da Administrativa brasileira trouxe a tecnoburocracia como etapa desenvolvida da burocracia, exsurgindo como efeito não mais a retórica com meio de obstaculização dos direitos dos administrados, mas a verborragia legal para a sustentação de desvios do interesse público.
Verbas são criadas não acrescentando qualquer requisito novo, e também, não instituindo qualquer nova condição anormal ao exercício da função pública. Assim não haveria o que se falar em caráter propter laborem destas verbas, e muito menos propter personam.
A Administração usa expediente de caracterizar revisões salariais como se fossem verbas indenizatórias, dando a elas nomenclaturas dos mais variados tipos. Mas tais verbas indenizatórias nem são indenizatória, e, nem verbas pois não compensam gasto e não se caracterizam como vantagem ex facto temporis ou ex facto officii.
O requisito destas verbas indenizatórias é universal: paga à quem estiver na ativa. Os prejudicados, ou, melhor dizendo, os excluídos mais uma vez são os idosos que compõem a classe dos servidores públicos aposentados.
As aposentadorias defasadas não satisfazem as mais básicas necessidades, e, a Administração no engenhoso mundo de saídas da tecnoburocracia brasileira inventa mais uma para prejudicar os velhinhos e velhinhas: a inconstitucionalidade da caracterização legal de revisão salarial como verba indenizatória pela afronta ao princípio constitucional da paridade plena.
Informações Sobre o Autor
Bruno José Ricci Boaventura
Advogado militante em Cuiabá em direito público, sócio-gerente da Boaventura Advogados Associados S/C; Assessor Jurídico do Sindicato dos Trabalhadores do Ensino Público de Mato Grosso – SINTEP/MT; Assessor Jurídico da Presidência da Câmara Municipal de Campo Novo do Parecis/MT e Associações ligadas a radiodifusão comunitária. Especialista em Direito do Estado, com ênfase em Constitucional, pela Escola Superior de Direito de Mato Grosso.