A omissão na prestação de contas dos convênios celebrados com a administração pública


A presente abordagem tem como escopo apontar algumas irregularidades encontradas quando da apresentação da prestação de contas por parte de todos aqueles que celebram convênios com o Poder Público, visando cobrir despesas previamente definidas no plano de trabalho apresentado nem sempre encaradas como importantes.


Ao ser apresentada, a prestação de contas geralmente passa pelo crivo do sistema de controle interno dos órgãos públicos, entretanto, nem todas as pequenas falhas são percebidas. Por exemplo, é comum a entidade receber certa quantia e prestar contas de valor inferior, alegando que o valor (mesmo de centavos) que faltaram foram gastos nas despesas de CPMF, o que é vedado pela Instrução Normativa 01/97 em seu art. 8°, inciso VII, mesmo com o caráter compulsório dessa cobrança.


Além disso, vê-se constantemente que a documentação apresentada não carrega o título de crédito exigido para a comprovação de seus pagamentos, in casu, cheques individuais e nominativos para cada despesa realizada, tampouco a relação ex causa, individualizando a destinação do recurso àquele documento fiscal correspondente. A Instrução em comento é veemente quando se refere à movimentação dos recursos financeiros, devendo estes serem “sempre  através  de  cheques  nominativos  e  individualizados  por  credor,  sendo obrigatória a utilização de cópia de cheque ou de documento ou controle equivalente por ocasião da emissão dos cheques”.


A Egrégia Corte de Contas da União, em seu manual “Convênios e Outros Repasses”, pág. 35, assim orienta:


“Os recursos depositados na conta corrente específica somente podem ser utilizados para o pagamento de despesas referentes ao objeto do convênio. Obrigatoriamente, os pagamentos devem ser feitos mediante a emissão de cheques nominativos ou ordem bancária, configurada a relação causal entre as despesas efetuadas e o objeto conveniado”.


O saque dos valores recebidos visando facilitar o pagamento de despesas menores e em diversos estabelecimentos acaba por contrariar não apenas as cláusulas expressas dos próprios convênios, mormente, as orientações do Tribunal. No mesmo manual são apontadas as principais falhas e irregularidades encontradas pelos auditores do TCU, dentre elas, saque dos recursos para pagamento em espécie de despesas.


Apesar de juntarem à prestação de contas todas as notas fiscais, comprovantes de extrato bancário etc, algumas entidade, como se não bastasse o atraso na apresentação da prestação de contas, ainda têm o costume realizarem as despesas em desacordo com o plano de aplicação dos recursos. E mais, recebem do Poder Público, em alguns casos, sem a apresentação de um orçamento acerca dos bens que se pretende adquirir ou serviços a contratar. A falha também, neste caso, pode ser atribuída ao sistema de controle interno da Administração Pública, liberando o pagamento da subvenção ou contribuição sem o cuidado necessário quanto ao preço e às reais necessidades pleiteadas pela entidade. Na ausência de orçamento prévio, será mais difícil verificar, mesmo in loco, se o bem adquirido foi avaliado corretamente, a fim de que seja devolvido à Administração o valor excedente.


As mencionadas orientações estabelecem que o valor das subvenções seja, sempre que possível, calculado com base em bens efetivamente visados ou pretendidos, na exata medida de seu custo e proporcional às reais necessidades da entidade interessada. Noutras palavras, significa que a verba pleiteada deve ser suficiente e na medida exata do que se pretende adquirir. E o que eventualmente sobrar deve ser devolvido ao órgão concedente do recurso.


Ademais, o espírito da Instrução Normativa 01/97, é no sentido de que para a concessão de subvenções de natureza social, é razoável que o Poder Público proceda à exigência da demonstração dos bens adquiridos que as entidades beneficiadas pretenderiam ou poderiam cumprir, demonstrando, através de documentos hábeis, os bens ou serviços pretendidos inicialmente e demonstrados num plano de trabalho bem elaborado, o que nao significa descer ás minúcias nas especificações de produtos comuns; mas claro o bastante para se aferir o tipo, qualidade e finalidade dos mesmos. Sem esta relação entre o plano de trabalho e o que efetivamente foi adquirido pode-se, inclusive, ser caracterizada uma  despesa irregular, com conseqüências para a Administração. Se o plano de trabalho previa inicialmente o total aproximado das despesas, v. g., de R$ 8.000,00 (oito mil reais), a prestação de contas, se empregado todo o recurso, deve ser também de R$ 8.000,00 (oito mil reais), excluídas as despesas com taxas bancárias. Se não for gasto, o restante deve ser devolvido.


Outro problema é o atraso na apresentação da prestação de contas sem a devida justificativa, ocasionando outro motivo para a devolução do que não foi gasto e apresentação de justificativas a respeito. Independentemente da existência expressa de cláusula, obrigando a convenente a prestar contas ao final da vigência, a mesma estará obrigada a fazê-lo. A entidade, quando assim não o faz, é considerada como em “situação de inadimplência” das obrigações assumidas, nos termos do art. 5º, inciso I, § 1º da IN 01/97, ipsis litteris:


“Art. 5º É vedado:


I – celebrar convênio, efetuar transferência, ou conceder benefícios sob qualquer modalidade, destinado a órgão ou entidade da Administração Pública Federal, estadual, municipal, do Distrito Federal, ou para qualquer órgão ou entidade, de direito  público ou privado, que esteja em mora, inadimplente com outros convênios ou não esteja em situação irregular com a União ou com entidade da Administração Pública Federal Indireta;


§ 1º Para os efeitos do item I, deste artigo, considera-se em situação de inadimplência, devendo o órgão concedente proceder à inscrição no cadastro de inadimplentes do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal – SIAFI e no Cadastro Informativo – CADIN, o convenente que:


I – não apresentar a prestação de contas, final ou parcial, dos recursos recebidos, nos prazos estipulados por essa Instrução Normativa”;


A apresentação da Prestação de Contas, no tempo exigido pelo art. 7º, VIII, in casu, 90 (sessenta) dias após a vigência inicial constitui, na definição do Egrégio Tribunal de Contas da União, elemento essencial, vez que, in verbis:


 “permite à Administração aferir a legalidade dos atos praticados e comprovar o efetivo cumprimento do convênio. Essas duas vertentes de avaliação do convênio são consideradas quando da análise da prestação de contas pelo órgão que disponibilizou o recurso. Impropriedades detectadas podem resultar em rejeição das contas e instauração de Tomada de Contas Especial, a ser julgada pelo Tribunal de Contas da União”. (Convênios e Outros Repasses, Tribunal de Contas da União, Brasília-DF, 2003).


Quanto às notas fiscais, o problema maior é detectado na realização de despesas com data anterior à liberação do recurso ou posterior à vigência. Quando recebe o recurso público, a entidade deve se ater estritamente ao prazo conveniado, sendo vedado pela Instrução Normatica 01/97 a realização de despesas anteriores ou posteriores à vigência (art. 8°, V).


Bem se vê, portanto, que o atraso, bem como a falta de apresentação da prestação de contas constituem motivos graves, logo, “comprometem a confiabilidade e a consistência quanto à real destinação dos recursos repassados, não se consistindo, pois, mera irregularidade formal. Sem tais formalidades, faz-se impossível constatar a finalidade do Convênio firmado, pois, ao efetuar despesas torna-se necessário comprovar como estas foram destinadas”. (Promotoria de Justiça da 120ª Vara de Valente(MS). Parecer 10/2005 – Prestação de Contas)


Ademais, o art. 22 da Instrução Normativa nº 01/97 define que o Convênio deverá ser executado fielmente pelas partes, de acordo com as cláusulas pactuadas e a legislação pertinente, respondendo cada uma delas pelas conseqüências de sua inexecução total ou parcial. Ao transcrever o caput do art. 28 c/c art. 31, §§ 4º e 5º não resta dúvida que a entidade que recebe recursos de órgão público ficará sujeita a apresentar a prestação de contas dos recursos recebidos. O mesmo artigo 37, em seu § 7º, prevê a dualidade de opções. Caberá ao órgão público a escolha de conceder novo prazo ao convenente ou exigir que a entidade recebedora dos recursos públicos recolha o montante recebido, devidamente atualizado, no prazo máximo de 30 (trinta) dias.


Considerando a discricionariedade da Administração Pública, em especial os órgãos fiscalizadores das etapas de execução e prestação de contas dos convênios, de aceitar uma justificativa ou a regularização das pendências após as devidas orientações, uma solução nestes casos é antes de mais nada dar ciência à entidade inadimplente para que, no prazo improrrogável a critério da Administração,  apresente as devidas justificativas acerca da não emissão de cheques nominativos para cada despesa; do atraso injustificado na prestação de contas; despesas fora dos prazos previstos etc, além de outras irregularidades apontadas, antes da aplicação das sanções ou, se reprovadas as contas, a instauração de Tomada de Contas Especial e encaminhamento ao Egrégio Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais para os fins legais. Tais sanções, qualquer delas, em alguns casos será bastante severa para as entidades, carentes de recursos, caso tenham que devolver o que recebeu, daí a necessária cautela nas penalidades.


Algumas entidades nem se manifestam acerca de como foram destinados os recursos, deixando de apresentar qualquer documento da despesa realizada, mesmo já excedido o prazo limite para a apresentação da prestação de contas, desconhecendo e desconsiderando a gravidade que essa omissão representa por parte da entidade. E pior ainda é a omissão da Administração abstendo-se de cobrar da entidade como foram feitas as despesas.


O Egrégio Tribunal tem admitido como excludente de culpabilidade, dentre outas, a ausência de dolo (intenção) em desrespeitar as cláusulas avençadas, falta de orientação do próprio Tribunal e conduta amparada em parecer jurídico. Esgotas as tentativas de solucionar o problema e após notificada, persistindo as irregularidades, pode-se requerer junto ao setor compente a devida anotação no cadastro da entidade quando da solicitação de novos recursos, para que seja observada e alertada quanto ao descumprimento das cláusulas conveniadas, para que fique a mesma impossibilitada de receber qualquer benefício do Poder Público, além das penalidades previstas.



Informações Sobre o Autor

Bruno Soares de Souza

Acadêmico do Curso de Direito das Faculdades Integradas do Oeste de Minas – FADOM/Divinópolis/MG


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