A decisão do STF no HC 82.959-7/SP e a vedação à progressão de regime prisional para condenados por crime hediondo

Resumo: No presente artigo é defendido que a vedação à progressão de regime para condenados por crime hediondo é constitucional e que a decisão proferida pelo STF no HC 82.959-7/SP não vincula aos demais Órgãos do Poder Judiciário.


Sumário: 1. Introdução. 2. A constitucionalidade do artigo 2º, 1º, da Lei n.º 8.072/90. 3. A ausência de eficácia vinculante da decisão tomada pelo STF no HC 82.959-7/SP. 4. O argumento da mutação constitucional. 5. Conclusões articuladas.


1. Introdução


Em 23.02.2006, o Pleno do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Habeas Corpus n.º 82.959-7/SP, decidiu que o artigo 2º, § 1º, da Lei n.º 8.072/90, padecia de vício de inconstitucionalidade por vedar a progressão de regime prisional aos condenados por crimes hediondos.


Amparados por tal entendimento, que equivocadamente supõem vinculante, a maioria dos demais órgãos do Poder Judiciário vêm concedendo progressão de regime para condenados por crimes hediondos, o que, salvo melhor juízo, além de constituir erro técnico-jurídico, serve apenas para fomentar a impunidade.


No presente artigo tem-se, basicamente; dois objetivos: a) defender a constitucionalidade da vedação à progressão de regime para crimes hediondos, e b) demonstrar que a decisão tomada pelo STF no habeas corpus acima referido não possui efeito vinculante para os demais órgãos do Poder Judiciário.


2. A constitucionalidade do artigo 2º, § 1º, da Lei n.º 8.072/90.


Inicialmente, não se pode deixar de registrar o inusitado da decisão do Supremo Tribunal Federal, que, por 16 anos afirmou a constitucionalidade do artigo 2º, § 1º, da Lei dos Crimes Hediondos para, em fevereiro do corrente ano, declará-lo como violador de mandamento constitucional que rege a aplicação e execução da pena.


O Plenário do STF havia reconhecido a constitucionalidade do regime integralmente fechado para o cumprimento de penas por crime hediondo no habeas corpus 69.657, julgado em 18.12.1992. Naquela oportunidade, foram vencidos os Ministros Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence, sendo redator para o acórdão o Ministro Francisco Rezek. A orientação foi seguida majoritariamente pelos demais tribunais e juízes do país.


A novel decisão – pela inconstitucionalidade – vem sendo seguida pela maioria dos Órgãos do Poder Judiciário, contando-se aos milhares os agravos em execução providos para deferir-se a progressão de regime para apenados por crimes hediondos, inclusive daqueles em que a sentença já transitou em julgado.


Cabe salientar que alguns julgadores, mesmo acreditando que o regime integralmente fechado para crimes hediondos, ao invés de ferir a Carta Magna, concretiza um comando constitucional, decidem em conformidade com a nova orientação jurisprudencial emanada do STF. Chamam a isso de pragmatismo, pois argumentam que a decisão contrária será revista pelas instâncias superiores, e não consideram proveitoso ‘obrigar’ a parte a recorrer, atulhando ainda mais o Poder Judiciário.


Indubitavelmente, tal postura ‘pragmática’ dá margem a alguns questionamentos por parte dos operadores do Direito: não deve o juiz decidir de acordo com sua consciência, independentemente de posicionamentos jurisprudenciais majoritários em sentido contrário? Deve o juiz chancelar, por ‘pragmatismo’, situação que considera juridicamente injusta? A consciência do juiz deve ser sacrificada no altar da economia e celeridade processuais? Mas estas são indagações que refogem ao objetivo principal deste artigo.


Não há qualquer vício de inconstitucionalidade no §1º do artigo 2º da Lei n.º 8.072/90. O legislador positivo a editou com o escopo de individualização da pena, posto que os delitos contidos na Lei dos Crimes Hediondos estão a merecer maior rigor da constrição da liberdade topográfica de locomoção, e, somente desse modo, se estaria contemplando o caráter ressocializador da reprimenda.


Em relação à constitucionalidade da norma proibitiva da progressão de regime para crimes hediondos, preciosas são as palavras do Desembargador Fernando Mottola no Agravo em Execução Criminal n.º 696061282, julgado pela 4ª Câmara Criminal do TJRS em 15.05.1996:


“Pessoalmente, estou convencido do acerto e da absoluta justiça dessa medida, que priorizou a proteção social em detrimento de teorias que se têm mostrado cada vez mais utópicas. A manutenção do preso no regime fechado corta-lhe regalias, dificulta-lhe a fuga, exprime a repulsa da sociedade pelo seu ato, mas não o deixa sem incentivos à correção de rumos e ao bom comportamento carcerário, que serão os caminhos para o livramento condicional.”


No julgamento do Agravo em Execução n.º 700014578322, o Des. Ranolfo Vieira, da 1ª Câmara Criminal do TJRS, faz judiciosas considerações sobre a constitucionalidade da vedação à progressão de regime para crimes hediondos, que praticamente esgotam o tema. Pela excelência das razões, seguem abaixo transcritas:


“Não vejo ofensa aos princípios constitucionais da individualização da pena e da proibição de penas cruéis”.


Observo, quanto ao primeiro, que a individualização da pena não é um princípio absoluto. Não pode o juiz, a pretexto de ajustar a pena ao indivíduo, afastar-se dos preceitos legais que disciplinam o apenamento e sua execução”.


“Assim, o juiz não pode fixar a pena aquém ou além daquela cominada pela lei. Se o legislador determinou pena de reclusão de três a quinze anos para o tráfico ilícito de entorpecentes ou drogas afins, por exemplo, não pode o julgador, a pretexto de dar atendimento ao princípio da individualização, entender suficiente, para o caso, pena de dois anos, ou insuficiente o máximo legal de quinze anos”.


 “Não pode, a seu bel-prazer, aplicar pena de natureza diversa da correspondente ao tipo penal, reclusão por detenção ou multa; multa por detenção, etc”.


“Não pode substituir a pena privativa de liberdade por restritivas de direitos quando a condenação decorre de crime praticado com violência a pessoa ou quando excedente, a primeira, ao quantitativo fixado na lei”.


“Não pode determinar o cumprimento da privação de liberdade em regime inicial menos gravoso do que aquele fixado pelo legislador, tendo em conta o quantitativo de pena aplicado. Por exemplo, regime semi-aberto ou aberto quando a pena aplicada for superior a oito anos (CP, art. 33)”.


“No âmbito da execução, não pode conceder progressão de regime ou livramento condicional independentemente do cumprimento da parcela de pena fixada na lei; por maior que pareça ao juiz o mérito do condenado ou que, para aquele indivíduo, o regime menos brando ou a liberdade sob condições seja, no entendimento pessoal do julgador, o que melhor atenda ao processo de reeducação”.


“Parece-me que a Constituição, embora impondo o princípio da individualização da pena, permite ao legislador dosar as penas de acordo com a maior ou menor gravidade do crime cometido, regulando sua aplicação e execução. Deixa ao Poder Legislativo o juízo de conveniência e oportunidade, de política criminal, para repressão dos delitos. Aos crimes mais graves, conforme, repito, o entendimento do legislador, sanções mais severas”.


“E é o próprio constituinte que atribui maior reprovabilidade aos crimes hediondos (deixando ao legislador a faculdade de defini-los), à prática da tortura, ao tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e ao terrorismo, declarando-os inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia (CF, art. 5º, XLIII)”.


“Assim, se o princípio da individualização da pena não é absoluto, permitido ao legislador traçar limites, neste ponto, à atividade do juiz, de acordo com critérios de política criminal, não é lícito, no meu entender, aos membros do Poder Judiciário substituir o critério adotado pelo legislador por seu entendimento próprio de que tal ou qual medida melhor atende a ressocialização do condenado”.


“O mesmo se diga, mutatis mutandis, com referência à proibição de penas cruéis. O regime fechado não é cruel em si mesmo. Já disse, em outras oportunidades: Saliente-se que o regime fechado, previsto e disciplinado no Código Penal e na Lei de Execução Penal, não caracteriza pena desumana ou cruel. O regime fechado não é sinônimo de cumprimento da pena em masmorra, a ferros, como se fazia na idade média, de modo desumano, sem reconhecimento de qualquer direito ao preso. Conforme a legislação em vigor, o preso em regime fechado conserva todos os seus direitos, como qualquer outro apenado. Pode trabalhar no interior do estabelecimento prisional e remir a pena com seu trabalho. Satisfeitos determinados requisitos, também pode exercer trabalho externo. Recebe visitas nas mesmas condições dos outros presos. Pode estudar e instruir-se. Participa das atividades culturais, religiosas, esportivas e de lazer proporcionadas aos demais condenados. Pode alcançar o livramento condicional. Enfim, o regime fechado é apenas um regime pouco mais severo do que o semi-aberto”.


“Também não se pode considerar cruel ou desumana a proibição de progressão de regime”.


“Ainda que se possa entender desacertado o entendimento do legislador, o que não me parece, não se o pode dizer ilegítimo ou contrário à Constituição. Afinal, o tema é polêmico, como resulta do próprio posicionamento do Supremo Tribunal Federal, que anteriormente sumulara: “Não se estende aos demais crimes hediondos a admissibilidade de progressão no regime de execução da pena aplicada ao crime de tortura.” (Súmula 698, DJU de 12.10.2003)”.


“Ocorre que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente, nos termos desta Constituição” (CF, art. 1º, Parágrafo Único). É no Legislativo que, precipuamente, radica a representatividade popular. A vontade do povo é expressa, basicamente, pela lei.”


“Verdade que a mesma Constituição, expressão máxima da vontade do povo, atribui ao Poder Judiciário a interpretação e a aplicação da lei. Mas não legitima a ação do juiz que nega aplicação a norma legitimamente estabelecida, salvo quando a obra do legislador ordinário conflite com a própria Constituição. E o critério para aquilatar a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da lei não pode ser, como já expressei, cogitações teóricas sobre melhor forma de alcançar a reinclusão do apenado no convívio social. Tal avaliação é reservada aos representantes eleitos do povo, que traçam a política criminal a ser seguida num determinado momento.”


3. A ausência de eficácia vinculante da decisão tomada pelo STF no HC 82.959-7/SP.


Por diversas razões, o entendimento externado pelo Supremo Tribunal Federal quanto à inconstitucionalidade da progressão de regime para crimes hediondos não pode prosperar.


Em primeiro lugar, trata-se de julgamento em que o controle de constitucionalidade deu-se pela via de exceção (incidental). Assim, tem-se “inconstitucionalidade” incidenter tantum, que ostenta eficácia inter partes (efeito particular), ou seja, opera seus efeitos apenas em relação às partes litigantes, nada modificando em relação a terceiros, quanto menos para beneficiá-los.


Nas palavras de MICHEL TEMER (in Elementos de Direito Constitucional; 14ª Edição; 1998; pág. 43): “A via de exceção (ou de defesa) (…) não é declaração de inconstitucionalidade de lei em tese, mas exigência imposta para a solução do caso concreto”. (grifou-se).


Nota particularizadora dessa espécie de controle de constitucionalidade é a ausência de efeito que vincule o julgamento das instâncias verticalmente inferiores do Poder Judiciário à decisão do STF acerca da inconstitucionalidade de determinada matéria, declarada incidenter tantum.


Portanto, a decisão do STF não tem o condão de arranhar o princípio do livre convencimento motivado dos demais Órgãos do Poder Judiciário.


Caso a decisão fosse tomada no âmbito do controle concentrado, que fulmina a lei em tese, a solução seria diversa, mas isso não ocorreu – ao menos até à presente data – com relação ao artigo 2º, § 1º, da Lei dos Crimes Hediondos.


Em segundo lugar, o princípio da tripartição dos Poderes, um dos elementos estruturantes das repúblicas democráticas, não autoriza que o Poder Judiciário legisle em tese.


 


Oportuno aqui relembrar a sábia lição de Ferrara: “..alguns intérpretes tentam colocar, na lei, o que na lei escrito não está, de acordo com as suas preferências, ou dela suprimir aquilo que não lhes agrada, transfigurando-se mais em legislador do que em hermeneutas (Interpretação e Aplicação das Leis, 2ª ed., Coimbra, 1963, p. 129).


Infelizmente, o ‘fenômeno’ exprobrado por Ferrara vem acontecendo com muita freqüência no âmbito do Poder Judiciário, em que os juízes criminais, tão-somente por antipatia com a Lei dos Crimes Hediondos e por terem idéias peculiares sobre a melhor forma de reinserção do condenado na sociedade – desprezando o critério posto pelo legislador – conferem o direito à progressão de regime prisional.


Não se convencem esses julgadores – por mais sólidos que sejam os argumentos técnico-jurídicos que se lhes apresentem – que a ruptura do texto legal somente deve ocorrer em situações de gritante injustiça. Por preconceitos ideológicos, muitos juízes sempre buscam, para a situação do réu, uma medida menos severa, acreditando-se magnânimos, a quintessência do humanismo; no entanto, o que fazem, via de regra, é trazer com tais posicionamentos jurídicos um sentimento de desalento para a população, que passa a descrer do sistema de justiça para a solução dos conflitos.


Por carecer de efeito vinculante, a declaração de inconstitucionalidade na via difusa, em especial, com relação a pessoas estranhas à demanda, fica a depender da intervenção do Senado Federal, a quem compete, precipuamente (artigo 52, inciso X), suspender a execução, no todo ou em parte, da lei assim declarada.


Neste sentido, JOSÉ AFONSO DA SILVA, em lapidar lição, com acerto ensinou (in Curso de Direito Constitucional Positivo, Malheiros Editores, págs. 53/54):


“A declaração de inconstitucionalidade, na via indireta, não anula a lei nem a revoga; teoricamente, a lei continua em vigor, eficaz e aplicável, até que o Senado Federal suspenda sua executoriedade nos termos do art. 52, X (…).


Mas, no sistema brasileiro, qualquer que seja o tribunal que a proferiu, não faz coisa julgada em relação à lei declarada inconstitucional, porque qualquer tribunal ou juiz, em princípio, poderá aplicá-la por entendê-la constitucional, enquanto o Senado Federal, por resolução, não suspender sua executoriedade,…”(grifo não constante do original)


O Senado não está obrigado a suspender a execução de lei declarada inconstitucional por decisão terminativa do Pleno do Supremo Tribunal Federal. Tem essa Casa Legislativa discricionariedade (política) para cumprir o disposto no artigo 52, inciso X, da Constituição Federal de 1988.


Entender em sentido diverso significaria afrontar o princípio da separação de poderes.


Ainda, consoante clara dicção dos artigos 386 e 387 do Regimento Interno do Senado Federal, regulamentando o assunto, a comunicação do Pretório Excelso não prescinde de manifestação do Procurador-Geral da República para, então, ser encaminhada à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, que poderá, caso decida pela suspensão da execução da lei, formular projeto de resolução que o faça de maneira parcial.


Não se mostra desarrazoado supor que, pela repercussão negativa junto à opinião pública, o Senado poderá não concordar com a decisão do Supremo Tribunal Federal, especialmente quando a sociedade clama por maiores rigores na esfera penal, cansada do estado de anomia que reina no país, propiciadora da corrupção e da escalada ascendente de crimes.


Desse modo, a lei que veda a progressão de regime tem existência jurídica e se encontra em plena vigência. O entendimento do Pretório Excelso no habeas corpus 82.959-7/SP pode mudar novamente (por que não?), voltando-se a afirmar a constitucionalidade da norma hoje objurgada.


Impossível deixar de referir que em um dos votos vencedores se afirma que cumprir somente um sexto da pena é equiparar um crime hediondo a um delito comum, o que, evidentemente, é inconstitucional.


 Nesse passo, importante citar as decisões dos Ministros do STF, Carlos Ayres Britto e Ricardo Lewandowski, entendendo que a decisão proferida no HC 82.959-7/SP não tem efeito vinculante e eficácia “erga omnes”, sendo aplicável tão somente ao caso concreto (Reclamações nºs 4.263/MT e 4.299/MS):




































RECLAMAÇÃO Nr. 4263



PROCED.



:



MATO GROSSO



RELATOR



:



MIN. CARLOS BRITTO



RECLTE.(S)



:



ÉDER DE MOURA PAIXÃO MEDEIROS OU ÉDER MOURA PAIXÃO MEDEIROS



ADV.(A/S)



:



FÁBIO DE SÁ PEREIRA



RECLDO.(A/S)



:



JUIZ DE DIREITO DA VARA DE EXECUÇÕES PENAIS DA COMARCA DE CÁCERES (PROCESSO Nº 4/2006 – 50391)



INTDO.(A/S)



:



MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO




DECISÃO: Vistos, etc.
Cuida-se de reclamação, manejada por Éder de Moura Paixão Medeiros, contra o decisum proferido pelo MM. Juiz Substituto da 3a Vara Criminal da Comarca de Cáceres/MT. Ato decisório que teria desrespeitado a autoridade das decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal no HC 82.959-SP.
2. Sustenta o acionante que: (…)
1. … foi condenado a cumprir 5 (cinco) anos de pena privativa de liberdade (reclusão), por ter, em tese, praticado uma das condutas descritas no artigo 12 da Lei de Entorpecentes. A sentença estabeleceu, como regime de cumprimento da pena, integralmente, o fechado. Tudo conforme cópia do processo executivo de pena anexo. 2. o reclamante já cumpriu mais de um sexto da pena total, tendo direito, portanto, seja apreciado pelo Juízo da Vara de Execuções Penais pedido seu de progressão de regime de pena, exatamente nos moldes do entendimento exarado por este Sodalício Superior nos autos do HC nº 82.959, de cuja decisão restou reconhecida, finalmente, a inconstitucionalidade do § 1º, do art. 2º, da Lei 8.072/1990. 3. O reclamante ajuizou pedido de progressão, que foi indeferido, porque, segundo a sentença do Juízo da Vara de Execuções, a decisão do STF não tem (ou não teria) efeito erga omnes, sim, somente inter partes. Contudo, notório que o assunto vem ganhando dimensão dentro do STF no sentido de que algumas decisões de controle difuso de constitucionalidade devem também emanar eficácia erga omnes e vinculante (controle difuso abstrativizado, consoante expressão de Fredie Didier Júnior, Transformações do recurso extraordinário:. Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e assuntos afins. Teresa Wambier e Nelson Nery Jr. (coord.). São Paulo: RT, 2006, p. 104-121. 4. No caso do HC 82.959 acham-se presentes todos os requisitos dessa nota abstrativizadora4. No caso do HC 82.959 acham-se presentes todos os requisitos dessa nota ‘abstrativizadora’ (ou generalizadora). Com efeito, a decisão foi do Pleno do referido Tribunal. De outro lado, cabe asseverar que a matéria (progressão de regime em crimes hediondos) não foi discutida só em relação ao caso concreto relacionado com o pedido de condenado, sim, o tema foi debatido e discutido olhando-se para a lei ‘em tese’ (não se voltou unicamente para o caso concreto). Ademais, houve a preocupação de se definir a extensão dos efeitos da decisão, para disciplinar as relações jurídicas pertinentes a todos (não exclusivamente ao caso concreto). 5. Assim, conclui-se que o julgamento de inconstitucionalidade de um texto legal pelo STF, na prática, mesmo quando se dá num caso concreto, no que diz respeito à sua validade, acaba produzindo efeitos ¿contra todos¿ e possui eficácia vinculante, sobretudo frente ao Poder Judiciário. O descumprimento da decisão do STF, por qualquer órgão judiciário brasileiro, para além de retratar uma convicção ideológica conflitiva com o Estado constitucional e democrático de Direito, dará ensejo à interposição de Reclamação junto ao STF, contra a decisão que está violando a declaração de inconstitucionalidade mencionada. É o presente caso. (…) 3. Assim sumariado o caso, passo a decidir. Ao fazê-lo, observo que não se juntou instrumento de mandato, falha que, se fosse única, poderia ser objeto de sanação. Noves fora essa questão formal, entendo ser a reclamatória manifestamente incabível. Isto porque a reclamação constitucional prevista na alínea ‘l’ do inciso I do artigo 102 da Carta-cidadã se revela como uma importante ferramenta processual para o fim de preservar a competência desta colenda Corte e garantir a autoridade das suas decisões. Nesta última hipótese, contudo, sabe-se que as reclamatórias podem ser manejadas ante o descumprimento de decisórios proferidos, com efeito vinculante, nas ações destinadas ao controle abstrato de constitucionalidade, tanto quanto em processos de índole subjetiva (desde que, neste último caso, o eventual reclamante deles haja participado). 4. Com os olhos postos no caso concreto, observo que a decisão tomada no processo apontado pelo reclamante não possui efeito vinculante e eficácia erga omnes, razão pela qual o pronunciamento jurisdicional exarado nesse feito apenas tem a finalidade de atar as partes neles envolvidas. Se é assim, vale repisar, se o reclamante não figurou em nenhum dos pólos da relação processual instaurada no seio do precitado processo, é de se inferir que falta ao acionante legitimidade ativa ad causam. 5. Por tudo isso, frente ao § 1º do artigo 21 do RI/STF, nego seguimento à reclamação, restando prejudicado o exame da medida cautelar. Publique-se. Brasília, 06 de abril de 2006. Ministro CARLOS AYRES BRITTO. Relator.































RECLAMAÇÃO Nr. 4299



PROCED.



:



MATO GROSSO DO SUL



RELATOR



:



MIN. RICARDO LEWANDOWSKI



RECLTE.(S)



:



ADEMAR DUARTE MENDES



ADV.(A/S)



:



CECÍLIA DORNELLES RODRIGUES



RECLDO.(A/S)



:



JUIZ DE DIREITO DA 1ª VARA DE EXECUÇÃO PENAL DA COMARCA DE CAMPO GRANDE




Trata-se de reclamação, com pedido de medida liminar, na qual se afirma o descumprimento do decidido pelo Supremo Tribunal Federal no HC 82.959/SP, na qual se afastou a vedação à progressão de regime aos condenados pela prática de crimes hediondos.
O reclamante alega afronta ao referido julgado pela decisão pelo MM. Juiz de Direito da 1ª Vara de Execução Penal da Comarca de Campo Grande, que indeferiu o pedido de progressão de regime prisional, aos seguintes fundamentos:


(…) O julgamento pelo Supremo Tribunal Federal do habeas corpus 82.959, que considerou inconstitucional o artigo 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, não em o condão de anular ou revogar a lei, vez que tal decisão se deu por via de controle difuso, valendo-se tão somente para o caso julgado, isto é, não se estende aos demais sentenciados que se encontram em situação semelhante e que não fizeram parte da relação processual.
Para que uma decisão de inconstitucionalidade tenha eficácia erga omnes e efeito vinculante, é preciso que se dê por via de controle concentrado ou via de ação direta (artigo 102, § 2º, CF) o que não ocorreu na hipótese.
Sendo assim, o artigo 2º, § 1º, da Lei 8.072, encontra-se em vigência e deverá ser aplicado até a edição de uma nova Lei que discipline os benefícios referentes aos crimes hediondos e equiparados ou até que o Senado Federal declare suspensa ou revogada a aplicabilidade do óbice à progressão de regime.
(…) (Fls. 19-20)


Pede, ao final, a concessão de medida liminar para afastar o óbice à progressão de regime, determinando-se à autoridade reclamada que examine os requisitos necessários à progressão de regime do Reclamante (fl. 08).
Passo a decidir.
Bem examinados os autos, vê-se que a pretensão não merece acolhida, pois não se enquadra em nenhuma das duas hipóteses permissivas inscritas no art. 102, I,, da Constituição Federal, seja para preservar a competência desta Suprema Corte, seja para garantir a autoridade de suas decisões.
É que a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal nos autos do HC 82.959/SP, em 23.2.2006, Relator o Ministro Marco Aurélio, no qual esta Corte declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90, não possui efeito vinculante e eficácia erga omnes, não havendo o reclamante figurado na relação processual no referido writ.
Nesse sentido, sabe-se que as reclamatórias somente podem ser manejadas ante o descumprimento de decisórios proferidos, com efeito vinculante, nas ações destinadas ao controle abstrato de constitucionalidade, ou, então, nos processos de índole subjetiva (desde que, neste último caso, o eventual reclamante deles haja participado) (Rcl 4.295/MT, Rel. Min. Carlos Britto).


Isso posto, nego seguimento, por incabível, à presente reclamação (§ 1º do art. 21 do RI/STF), restando prejudicada, em conseqüência, a apreciação do pedido de medida liminar.


Arquivem-se os presentes autos.
Publique-se.Brasília, 03 de maio de 2006.Ministro RICARDO LEWANDOWSKI – Relator –
A contrariedade ao decidido pelo STF no HC 82.959-7/SP quanto à vedação de progressão de regime também vem externada nos julgamentos de muitas câmaras criminais de tribunais de importantes estados da federação, como RS, SP, RJ e PE.


É de se perguntar aos Ministros do Supremo Tribunal Federal: para que servirão então as ações declaratórias de inconstitucionalidade, as de argüição de descumprimento de preceito fundamental e as ações declaratórias de constitucionalidade, se o mesmo efeito seria obtido erga omnes em decisão de habeas corpus ou outro recurso criminal inter partes envolvendo a matéria?


A situação é surrealista: vemos uma decisão do Supremo Tribunal Federal ser tomada pelos aplicadores do direito como precedente da common law, como se nosso sistema jurídico não fosse de caráter romano-germânico.


A decisão do STF agride, ainda, o princípio da isonomia, já que redundará em tratamento jurídico idêntico para situações ontologicamente desiguais. Não se pode obscurecer o fato de que, conforme artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição da República, “a lei regulará a individualização da pena…”, e uma destas leis é a dos Crimes Hediondos, onde o legislador fez uma opção política, lastreada na vontade constitucional de tratar mais severamente os crimes hediondos.


Os doutos Ministros do STF, no julgamento do HC 82.959-7/SP, parecem ter esquecido a velha lição de CARLOS MAXIMILIANO: ‘Os tribunais só declaram a inconstitucionalidade de leis quando esta é evidente, não deixa margem à séria objeção em sentido contrário. Portanto, se entre duas interpretações mais ou menos defensáveis, entre duas correntes de idéias apoiadas por jurisconsultos de valor, o Congresso adotou uma, o seu ato prevalece. A bem da harmonia e do mútuo respeito que devem reinar entre os poderes federais (ou estaduais), o Judiciário só faz uso de sua prerrogativa quando o Congresso viola claramente ou deixa de aplicar o estatuto básico, e não quando opta apenas por determinada interpretação não de todo desarrazoada” (Hermenêutica e aplicação do direito, Forense, 19ª edição, Rio de Janeiro, 2005, p. 251).


Em se tratando do princípio da dignidade humana, como reagirão vítimas e população em geral ao vislumbrarem soltos, em tempo exíguo, perigosos criminosos?


Alguns exemplos podem aclarar esse ponto.


Considerando a decisão do STF no HC 82.959-7/SP, um traficante de drogas, apenado com 03 anos de reclusão (aumentada atualmente a pena mínima para 05 anos, em razão da Lei n.º 11.343/2006) terá de passar apenas 06 meses no regime carcerário fechado antes de postular a progressão para o semi-aberto.


Um criminoso que tenha cometido homicídio qualificado, sendo apenado com 12 anos de reclusão, poderá obter a progressão de regime para o semi-aberto com tão-somente 02 anos de cumprimento de pena.


Nesses dois singelos exemplos não estão computadas eventuais remições de pena por trabalho ou estudo, que tornarão os prazos mencionados ainda menores.


Ora, se de um lado o Estado deve proteger o cidadão contra os excessos/arbítrios do direito penal e do processo penal (garantismo no sentido negativo, que pode ser representado pela aplicação do princípio da proporcionalidade enquanto proibição de excesso – Übermassverbot), esse mesmo Estado não deve pecar por eventual proteção deficiente (garantismo no sentido positivo, representado pelo princípio da proporcionalidade como proibição de proteção deficiente – Untermassverbot).


No julgamento do agravo 700014578322, já referido nesse trabalho, o Des. Ranolfo Vieira, da 1ª Câmara Criminal do TJRS, também demonstra que a decisão do STF no HC 82.959-7 tem efeitos apenas entre as partes:


 “Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal é o guardião e o intérprete máximo da Constituição da República. Compete-lhe, com primazia, o controle de constitucionalidade da lei. E esse controle, como sabido, é exercido por duas formas: o controle concentrado, que lhe é privativo, e o controle difuso, este comum a todo o Poder Judiciário.


“O controle concentrado, direto, é exercido sobre a lei em tese, independentemente dos efeitos jurídicos que ela produziu ou que poderia ter produzido. Tem por objeto paralisar a norma, retirar-lhe a eficácia; produz efeitos erga omnes. O Parágrafo Único do art. 28 da Lei nº 9.868/99, que disciplina o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade, dispõe: “A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.


“Já o controle difuso que, como dito, pode ser exercido por qualquer órgão judicial, é incidental. Produz efeitos na ação em que exercido. Não tem aplicação automática a casos análogos.


“Este é o ponto central da questão ora em análise. A recente decisão do Supremo Tribunal Federal é incidental. Produziu efeitos jurídicos diretos apenas em relação à causa em que proferida. Não se estende a outros casos nem tem efeito vinculante, com relação aos demais órgãos do Poder Judiciário.


(…)  “O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, ao dispor sobre a declaração incidental de inconstitucionalidade, estabelece: “Declarada, incidentalmente, a inconstitucionalidade, na forma dos arts. 176 e 177, far-se-á comunicação, logo após a decisão, à autoridade ou órgão interessado, bem como, depois do trânsito em julgado, ao senado Federal, para os efeitos do art. 42, VII, da Constituição Federal.” (RI do STF, art. 178).


“Sobre o inciso VII do art. 42 da Constituição Federal de 1967/69, em cuja vigência foi elaborado o Regimento Interno do STF, o eminente Pontes de Miranda sintetizava: “A suspensão (eficácia erga omnes contra a regra jurídica) é da competência do Senado Federal.” (Comentários à Constituição de 1967 com a emenda nº 1 de 1969, Editora revista dos Tribunais, São Paulo, 1970, Tomo III, pág. 90).


“A Constituição ora vigente reproduz, na essência, a referida disposição da Carta anterior, no inciso X do art. 52: Compete privativamente ao Senado Federal: “suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;


“A extensão a todos dos efeitos da decisão incidental do STF, depende, pois, de manifestação do Senado Federal, suspendendo a execução da lei declarada inconstitucional pelo STF.


4. O argumento da mutação constitucional


Mutação constitucional, sabemos, é uma espécie de reforma da Constituição, mas sem a alteração do texto. O que se modifica é apenas a interpretação dada à norma objeto do processo de reforma.


Sobre o tema, transcrevem-se as seguintes considerações[1]:


“…denomina-se mutação constitucional o processo informal de mudança da Constituição, por meio do qual são atribuídos novos sentidos, conteúdos até então não ressaltados à letra da Lex Legum, quer através da interpretação, em suas diversas modalidades e métodos, quer por intermédio da construção (construction), bem como dos usos e costumes constitucionais.”


Finalmente, ainda nos aproveitando do entendimento do Prof. Uadi, ressalta o mestre, na direção do caminho que estamos construindo desde o Capítulo 1, que: “De fato, as mudanças informais são difusas e inorganizadas, porque nascem da necessidade de adaptação dos preceitos constitucionais aos fatos concretos, de um modo implícito, espontâneo, quase imperceptível, sem seguir formalidades legais.”


“Atuam modificando o significado das normalizações depositadas na Constituição, sem vulnerar-lhes o contudo expresso; são apenas perceptíveis quando comparamos o entendimento dado às cláusulas constitucionais em momentos afastados no tempo.”


“Desta feita é válido asseverar que a mutação constitucional constitui uma alteração no conteúdo de alguma(s) norma(s) constitucional(is), sem qualquer alteração no Texto Maior, objetivando o acompanhamento da evolução do pensamento do corpo social, mantendo intacto o entrosamento entre soberania popular e Norma Fundamental.”


Os defensores do efeito vinculante da decisão tomada pelo STF no HC 82.959-7/SP pretendem encontrar guarida na doutrina de GILMAR FERREIRA MENDES, Eminente Ministro do Supremo Tribunal Federal, e autor do excelente artigo “O papel do Senado Federal no controle de constitucionalidade: um caso clássico de mutação constitucional”, publicado na Revista de Informação Legislativa n.º 162 (abr/jun. 2004), páginas 149/168.


Diz o autor, em síntese:


a) a ampliação do sistema concentrado, com multiplicações de decisões dotadas de eficácia geral, acabou por modificar radicalmente a concepção sobre a divisão de poderes, tornando comum no sistema a decisão com eficácia geral, que era excepcional sob a EC 16/65 e sob a Carta de 1967/69;


b) A ação de argüição de descumprimento de preceito fundamental admitiu a impugnação ou a discussão direta de decisões judiciais das instâncias ordinárias perante o Supremo Tribunal Federal, constituindo-se em uma ‘ponte’ entre os dois modelos de controle de constitucionalidade, ao atribuir eficácia geral a decisões de perfil incidental;


c) os órgãos fracionários de outros tribunais ficaram exonerados do dever de submeter a declaração de inconstitucionalidade ao Plenário ou Órgão Especial, na forma do artigo 97 da CF/88, quando já houver decisão plenária do STF reconhecendo a inconstitucionalidade, orientação incorporada ao direito positivo (art. 481, parágrafo único, parte final, na redação da Lei n.º 9.756/98);


d) a finalidade da decisão do Senado (art. 52, X, da CF/88) é apenas tornar pública a decisão do STF, levando-a ao conhecimento de todos os cidadãos;


e) em conseqüência, as decisões legislativas e judiciais referidas significam autêntica mutação constitucional em razão da completa reformulação do sistema jurídico, devendo ser dada nova interpretação ao artigo 52, X, da CF/88.


Os argumentos utilizados pelo culto e operoso Ministro, em que pesem substanciosos, salvo melhor juízo não se apresentam suficientes para infirmar o disposto no artigo 52, inciso X, da CF/88.


Crê-se que duas vetustas normas de interpretação das leis salvam a interpretação tradicional do texto do artigo 52, inciso X, da Constituição Federal.


A primeira delas é: ‘Commodissimum est, id accipi, quo res de qua agitur, magis valeat quam pereat (Prefira-se a inteligência dos textos que torne viável o seu objetivo, ao invés da que os reduza à inutilidade), que deve ser conjugada com a segunda: Verba cum effectu, sunt accipienda (Não se presumem, na lei, palavras inúteis).


Com efeito, o sistema jurídico deve ter uma coerência interna, funcional, ou seja, o controle difuso não pode ser igualado ou equiparado ao controle concentrado. Assim, o art. 52, X não é velharia, relíquia jurídica, letra morta por ter “caído em desuso”, até mesmo porque, no nosso sistema romano-germânico, costume não revoga lei.


Se o costume revogasse a lei, nosso sistema jurídico seria caótico, pois como aferir objetivamente se determinada norma está em desuso? Como suplantar, pelo costume, a norma positivada (elaborada pelo Parlamento, e supostamente fruto da vontade geral) e vigente?


Existe uma longa tradição brasileira de controle difuso de constitucionalidade que não pode ser quebrada, ainda que por louvável pragmatismo.


Não se olvide que forte é a presunção de constitucionalidade de uma interpretação de dispositivo constitucional quando data de longos anos – no caso, desde a Constituição de 1934.


Lembre-se que o STF, no ano de 1966, afirmou, no Mandado de Segurança n.º 16.512, que o Senado não estava constitucionalmente obrigado a suspender o ato declarado inconstitucional.


Pelo voto do então Ministro Victor Nunes Leal, firmou-se que a suspensão trata-se de ato discricionário do Senado Federal, atrelado a critérios de conveniência e oportunidade.


 Pode o Senado Federal não entender conveniente tal suspensão pelos mais variados motivos: a decisão não estar suficientemente pacificada, aposentadoria iminente de ministros que votaram pela inconstitucionalidade da norma, a iminência da norma impugnada ser alterada legislativamente, com novo regramento para a matéria, desgaste político de suspender a execução da norma declarada inconstitucional, etc.


Mencione-se, também, que quando uma Constituição mantém os mesmos institutos da Constituição anterior, sem alteração significativa de redação, é porque não pretendeu introduzir mudanças, devendo ser aplicada a mesma interpretação aceita para a Constituição anterior. E é justamente o que ocorre com o artigo 52, inciso X, da Constituição Federal, ‘sucessor’ do artigo 42, inciso VII, da Constituição de 67/69. Isso é tão óbvio que nem precisaria ser dito, mas o problema é que muitas vezes nos meios jurídicos não se consegue ver o óbvio.


Aliás, a interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal torna letra morta o artigo 52, inciso X, da CF/88, o que equivale a dizer que tal norma nenhuma eficácia teria e que permanece no texto constitucional como ‘alma penada’, simples ornamento, o que não é admissível.


Retomando os ensinamentos de CARLOS MAXIMILIANO, é de se dizer que a prática constitucional longa e uniformemente aceita pelo Poder Legislativo ou Executivo tem mais valor para o intérprete do que as especulações engenhosas dos espíritos concentrados, não sendo a Constituição repositório de doutrinas (op. cit. p. 255).


Ora, afirmar, como fazem alguns, que o papel do Senado na declaração incidental de inconstitucionalidade é apenas ‘dar publicidade à decisão do STF, levando-a ao conhecimento dos cidadãos’ é aviltar o papel daquela Casa Legislativa, atribuindo-lhe um papel de ‘mero divulgador’ das decisões da Suprema Corte brasileira.


 Para tal objetivo – dar publicidade à decisão do STF em controle incidental de constitucionalidade – certamente o legislador constituinte de 1988 prescindiria do Senado Federal, bastando que a decisão fosse publicada no Diário da Justiça da União, como ocorre nas decisões em controle concentrado de constitucionalidade.


Nada pode ser mais lógico do que isto! Não se olvide, aqui, a sábia advertência de que a interpretação das normas jurídicas não pode levar a absurdos.


Caso o Senado Federal, dentro do seu juízo de discricionariedade, suspenda a execução da lei ou ato normativo declarado inconstitucional pelo STF, a eficácia será erga omnes e ex nunc.


A decisão não pode ter efeitos ex tunc (retroativos) porque há diferenças entre a retirada de eficácia de uma lei (no controle concentrado) e a suspensão da execução feita pelo Senado em sede de controle incidental ou difuso.


Venia concessa para novamente dizer o óbvio: suspensão de execução de lei não é sinônimo de retirada de eficácia de lei, sob pena de supressão de diferenças entre as formas de controle concentrado e difuso de constitucionalidade.


A suspensão de vigência de lei é atribuição do Poder Legislativo, e não do Poder Judiciário. Este último atua no plano da eficácia, motivo pelo qual a decisão de suspensão de execução da lei não pode ter efeitos retroativos.


Quando a execução de uma lei é suspensa, os efeitos remanescem, diferentemente do que acontece quando uma lei é nula, ou seja, írrita. Se não houvesse tal distinção, seria suficiente que o STF encaminhasse ao Senado a lei que afirmou inconstitucional em sede de controle incidental para que os efeitos fossem idênticos aos de uma ação direta de inconstitucionalidade. Mas não o são, já que até 23.02.2006, data em que finalizado o julgamento do HC 82.959-7/SP, o artigo 2º, § 1º, da Lei n.º 8.072/90 era norma jurídica plenamente vigente e válida.


A decisão do Supremo Tribunal Federal no HC 82.959/SP ainda causa outros ‘danos’ ao sistema jurídico enquanto ordenamento concatenado e coerente.


A interpretação do STF consagrará um desrespeito à legitimação ativa prevista na Constituição para deflagar-se o procedimento de controle abstrato das normas. Se no artigo 103 da atual Constituição estão previstos os legitimados ativos para a propositura das ADINs e ADECONs, é porque o poder constituinte originário, por seus representantes, não quis que essas espécies de ações fossem ajuizadas por qualquer pessoa do povo. Considerando-se que foi admitido pelo STF a abstração dos efeitos da decisão de caráter difuso (o que equivale aos efeitos das ações de controle concentrado de constitucionalidade), quebrou-se a regra de legitimação.


Qual os benefícios para o ordenamento jurídico em quebrar-se regras de competência estabelecidas constitucionalmente? Contrariar uma norma constitucional, a pretexto de ‘modernidade’, mas com a intenção inequívoca (e não revelada) de somente esvaziar presídios, robustecerá nossas instituições? Concretizará o direito fundamental à segurança que a população tem direito? Hipertrofiar o Poder Judiciário, permitindo ao STF que retire do ordenamento jurídico uma lei elaborada pelo Parlamento, em razão de julgamento em caráter incidental de qualquer processo subjetivo, não será abrir a porta para a tirania dos juízes?


5. Conclusões articuladas


1. O artigo 2º, § 1º, da Lei n.º 8.072/90, não padece de qualquer vício de inconstitucionalidade, já que o legislador constituinte deixou ao encargo do legislador ordinário a fixação dos parâmetros de individualização da pena;


2. Não pode o juiz se substituir ao legislador, aquilatando a constitucionalidade de um dispositivo legal pelas suas predileções pessoais sobre a melhor forma de se proceder à reinserção social do condenado;


3. A decisão proferida pelo STF no HC 82.959-7/SP não tem efeito vinculante, pois proferida em sede de controle incidental de constitucionalidade, valendo apenas inter partes;


4. Para que a decisão do STF possa ter eficácia erga omnes, deve ser obedecido o disposto no artigo 52, X, da CF/88;


5. O Senado Federal possui discricionariedade para suspender a execução de ato normativo julgado inconstitucional incidentalmente pelo Supremo Tribunal Federal;


6. O argumento de que houve uma mutação constitucional que tornou possível a extensão de efeitos erga omnes da decisão tomada no HC 82.959-7/SP é um tanto frágil, pois: a) torna o Senado Federal mero divulgador das decisões proferidas em sede de controle incidental pelo STF, o que não se coaduna com a importância dessa Casa Legislativa; b) quebra a coerência interna, funcional, do sistema jurídico constitucional, pois praticamente faz desaparecer as diferenças entre controle concentrado e controle difuso de constitucionalidade; c) ignora que a suspensão de vigência da lei é atribuição do Legislativo, enquanto o Poder Judiciário, no controle difuso, trabalha com a questão da eficácia da lei; d) a suspensão da lei não pode ter efeitos retroativos, pois até a declaração da inconstitucionalidade em controle difuso a norma era válida e eficaz; d) quebra a regra de legitimação do art. 103 da CF/88, permitindo que os efeitos de decisões de processos subjetivos (caráter incidental) sejam equiparados aos das decisões de caráter concentrado de controle da constitucionalidade.



Nota:



[1] Ronaldo Guimarães Gallo. Mutação constitucional . Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 63, mar. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3841>. Acesso em: 16 jan. 2007.




Informações Sobre o Autor

Cláudio da Silva Leiria

Promotor de Justiça no RS


logo Âmbito Jurídico