Da idéia que inspirou Maiakosvki em seu poema de maior sucesso, referindo-se às
nossas omissões diárias: …um dia eles chegam à porta de nossa casa e
timidamente olham nosso jardim, e não fazemos nada; no dia seguinte entram em
nosso quintal, colhem nossas flores, vemos, e não fazemos nada; até que por fim
entram em nossa casa, roubam nossos bens, nossas mulheres, nossos filhos, e aí
já não podemos mais fazer nada…
A Constituição
Federal, inspirada na idéia de que os tribunais devem passar pelo chamado
“choque cultural”, mesclando a têmpera dos juízes de carreira com a
visão diferenciada dos advogados e membros do ministério público (como se a
aplicação da lei dependesse de algum choque), e, para serem órgãos bem
representativos de instituições (como se tribunais devessem ser órgãos
representativos), criou o chamado “quinto” constitucional pelo qual
uma quinta parte dos tribunais estaduais é integrada por advogados e membros do
ministério público, alternadamente, nomeados como representantes dessas classes.
A magistratura de carreira, aquela que
se inicia por concurso público e cujo mister é extenuante, árduo, espinhoso, e
cuja partida se dá nas entrâncias mais inferiores possíveis e cujo progresso é
lento e demorado, ouviu esse agora já longevo “princípio do
quinto”… e não falou nada.
Criaram-se os tribunais de alçada.
Neles, igualmente, lá veio o “quinto” e partir daí a “boa
hermenêutica” começou a aprontar das suas. Ao ascenderem os juízes dos
tribunais de alçada ao tribunal de justiça considera-se, com “engenho e
arte” que os “representantes” das classes dos advogados e
ministério público perderam essa qualidade e tornaram-se magistrados
desagregados da origem!
Nunca se cogitou que essa interpretação
inutiliza a própria “ratio essendi”
da idéia de representação?
O que tem sucedido – invariavelmente e
sem exceção alguma nos estados, salvo aqueles que percebendo
isso extinguiram os tribunais de alçada – é que os tribunais de justiça não
mais contam com quatro quintos de magistrados de carreira.
Nunca se cogitou que a garantia aos
“quatro quintos” é relevante no mesmo diapasão do “um
quinto”?
A magistratura de carreira ouviu mais
essa… e não falou nada.
Criou-se o Superior Tribunal de
Justiça. Nele o “quinto” transformou-se em “terço”, conforme
o art. 104 da Constituição, e mais uma vez a magistratura de carreira ouviu… e não falou nada.
E na progressão paulatina dessa
inversão de valores, os membros dos tribunais que acedem ao STJ o são sem
considerar a origem do ingresso, o que só poderia resultar, como resultou, em
que dos 33 ministros daquela corte apenas 16 são magistrados de carreira,
o significa que o terço virou metade!
Nem vá se falar do STF!
É. Foram-se os dedos; ficaram os anéis!
Informações Sobre o Autor
Gerardo Silva Jardim
Magistrado aposentado em Minas Gerais