Resumo: O acesso à saúde, por parte das pessoas com deficiência, têm sido o maior obstáculo a efetividade dos direitos inerentes a este grupo de pessoas, que muitas vezes encontram-se à margem da sociedade, clamando por certo atitudes mais inclusivas do poder público. Nesta senda, encontramos no poder judiciário, uma possibilidade de efetivação destes direitos, para que possam realmente concretizar-se, de maneira justa e adequada. Talvez um dos meios mais adequados para esta efetividade seja a aplicação adequada dos instrumentos coletivos, que certamente irão gerar efeitos em massa de modo a efetivar em bem maior número o condão social de tais normas. O ativismo judicial é outro questão que se impõe pois a atuação firme do magistrado, pautando-se em decisões realmente efetivas, estabelecendo meios coercitivos para seu cumprimento, talvez seja um dos grandes trunfos que a sociedade têm a seu favor. Uma jurisdição crítica e inclusiva pode apresentar-se como uma saída para a inefetividade das normas que disciplinam os direitos das pessoas com deficiência, e, é neste sentido que devemos caminhar.
Palavras-chaves: direito fundamental à sáude; tutela coletiva; jurisdição crítica.
Abstract: Access to health for people with disabilities has been a major obstacle to realization of the rights inherent in this group of people, who are often on the fringes of society, calling for some more inclusive attitudes of the public. In this vein, we find the judiciary, the possibility of realization of these rights so that they can actually be realized, fairly and appropriately. Perhaps one of the most appropriate for this effectiveness is the proper application of collective instruments, which will certainly generate positive mass so as to effect much greater in the magic number of such social norms. The judicial activism is another question to be answered because the strong performance of the magistrate, and are based on decisions really effective, coercive means to establish their compliance, perhaps one of the major assets that the company has in its favor. A critical and comprehensive jurisdiction may present as a solution to the ineffectiveness of the rules governing the rights of persons with disabilities, and in this sense that we should walk.
Key-words: fundamental right to health; collective guardianship; jurisdiction critical.
Sumário: 1. Considerações iniciais; 2. O direito fundamental à saúde na Constituição de 1988; 3. A inefetividade das normas constitucionais atinentes ao direito fundamental à saúde, como pressuposto à sua judicialização supostamente excessiva; 3.1. Da inefetividade do direito fundamental à saúde; 3.2. Da atuação do magitrado; 4. Da tutela jurisdicional coletiva; 4.1 A eficácia da tutela jurisdicional coletiva para a efetividade do direito fundamental à saúde; Considerações finais; Referências bibliográficas.
Summary: 1. Initial considerations, 2. The fundamental right to health in the 1988 Constitution, 3. The ineffectiveness of constitutional rules regarding the basic right to health, as its assumption judicialization allegedly excessive; 3.1. The ineffectiveness of the fundamental right to health, 3.2. The performance of magitrado 4. Judicial protection of the collective; 4.1 The effectiveness of judicial protection for the collective effectiveness of the fundamental right to health; Final; References
1.CONSIDERAÇÕES INICIAIS.
Tratar da inefetividade do direito fundamental à saúde, nos dias atuais, implica na análise de uma série de conseqüências, que vão desde a real aplicação do direito fundamental, enquanto que norma de aplicabilidade plena e imediata, até a análise da interferência do Poder Judiciário no cenário executivo, com o fito único e exclusivo de efetivar os comandos constitucionais.
Desta maneira, em face do objeto do estudo, que enfoca a tutela jurisdicional coletiva como mecanismo processual hábil a possibilitar, a real concretização do direito fundamental à saúde, devemos considerar que em face da inefetividade deste direito, os mecanismos coletivos, servem como instrumentos capazes de garantir sua efetividade, por meio da tutela jurisdicional coletiva, de modo mais abrangente que os instrumentos individuais.
Assim, se partirmos da premissa da essencialidade das decisões coletivas, da essencialidade do processo coletivo, devemos ainda destacar que, sob o prisma da prevalência do direito fundamental à saúde, estamos diante de um direito fundamental, que visa acima de tudo contemplar o bem maior previsto na Constituição de 1988, que é o bem da vida com dignidade.
Logo, o estudo almeja traçar alguns parâmetros, trazer algumas reflexões acerca destes institutos, e de sua importância para a vida humana, sendo que acima de tudo, busca-se a prevalência da dignidade da vida humana, de tal forma que devemos considerar o direito fundamental à saúde como foco, objetivo, o qual poderá ser alcançado por inúmeros instrumentos coletivos, à disposição muitas vezes de todo cidadão (ação popular), ou mesmo da sociedade de maneira geral (ação civil pública, mandado de segurança coletivo, etc.) contando assim com uma legitimidade maximizada, e bem democrática.
2.O DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE NA CONSTITUIÇÃO DE 1988.
Pois bem, após demonstrarmos a inserção do direito à saúde no contexto jurídico brasileiro, devemos passar a analisar o tema saúde sob a ótica do texto constitucional de 1988, visando desta maneira, analisa-lo de maneira mais individualizada, sendo que neste contexto, devemos primeiramente observar as normas que tratam do tema na Constituição vigente, para em seguida visualiza-lo em nível infraconstitucional.
A Constituição de 1988, já em seu preâmbulo, dá ensejo à previsão do direito a saúde, vez que demonstra de maneira inicial a existência de um Estado democrático social de direito, elencando direitos sociais, assegurando ainda o bem-estar da sociedade.
“CF/88 – Preâmbulo Nós representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.” (grifos inexistentes no original)
Desta maneira, podemos observar que o preâmbulo do texto constitucional de 1988, já ensejou a existência de direitos sociais inseridos no texto, sendo que desta forma já acenou para a existência de um texto atento as questões sociais, daí não há como o poder público se eximir ao cumprimento destes direitos, pois cristalina se demonstra à intenção de nosso Poder Constituinte Originário por meio do qual foi promulgada a Constituição de 1988.
Ainda nesta esteira teremos no Título I da Constituição de 1988, que trata dos princípios fundamentais, sendo que a previsão ínsita no artigo 1º estabelece primeiramente que o Brasil estará sob uma República Federativa, sendo que dentre seus fundamentos traz, à previsão quanto à cidadania e a dignidade da pessoa humana, as quais estão expressas de maneira clara em seus incisos.
“CF/88. Artigo 1º: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I – a soberania;
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V – o pluralismo político.
Parágrafo único: Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”
Já no artigo 3º da Constituição de 1988, encontramos a previsão quanto aos objetivos da República Federativa do Brasil, sendo que neste contexto devemos destacar a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, erradicando a pobreza, reduzindo as desigualdades sociais e regionais, promovendo o bem de todos, sendo que desta maneira, demonstra mais uma vez o caráter social do texto, conforme dispõe ao tratar dos objetivos da República Federativa.
“CF/88. Artigo 3º: Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I – constituir uma sociedade livre justa e solidária;
II – garantir o desenvolvimento nacional;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”
Após destacarmos os dois dispositivos constitucionais acima, devemos ressaltar que a tarefa de identificar os princípios constitucionais que norteiam determinadas normas nem sempre é uma tarefa fácil, como ocorre com os artigos 1º e 3º da Constituição de 1988, afinal ambos encontram-se presentes, dentro do mesmo Título no texto constitucional, sendo que na maioria das vezes, esta não é uma tarefa fácil, mas que compete unicamente ao jurista, o qual tem o dever de fazê-la de maneira técnica, visando interpretar corretamente o texto constitucional, com base em seus princípios.
Adentrando no Título II da Constituição de 1988, teremos as previsões quanto aos direitos e garantias fundamentais, sendo que no Capítulo I deste título, teremos a previsão dos direitos e deveres individuais e coletivos, garantindo a inviolabilidade do direito à vida, e desta maneira garante a prevalência dos direitos aos meios de vida, sendo que assim dispõe o artigo 5º, em seu caput:
“Artigo 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes. […]
§1º As normas definidoras de direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”
Por uma leitura perfunctória dos dispositivos acima, torna-se possível, salientarmos, que nosso constituinte originário, preocupou-se em valorizar os direitos e garantias fundamentais, sendo que desta maneira, prestigiou o direito a vida, e vida esta com dignidade, demonstrando já de maneira inicial no texto constitucional estas previsões, que vão se multiplicando em uma série de outros dispositivos espalhados no bojo da Constituição de 1988.
Quanto à aplicabilidade, como dispõe e parágrafo 1º do artigo 5º da Constituição de 1988 “atente-se que, no intuito de reforçar a imperatividade das normas que traduzem direitos e garantias fundamentais, a Constituição de 1988 institui o princípio da aplicabilidade imediata dessas normas, nos termos do art. 5º, parágrafo 1º” (PIOVESAN, 2002, p. 59).
Outro dispositivo que merece destaque está previsto no Capítulo II, que trata dos direitos sociais, do Título II, da Constituição de 1988, mais precisamente no artigo 6º, o qual trata diretamente de prever a saúde, sendo que assim dispõe: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.
Desta maneira, podemos notar a importância do dispositivo, em função do direito à saúde, o dispositivo elenca saúde dentre os direitos sociais, atribuindo-lhe o condão social, sendo que este é o primeiro momento dentro do texto constitucional, em que encontramos a previsão do direito à saúde dentre o rol de direitos sociais.
Como já salientado pelo dispositivo acima, devemos nos remeter ao Título VIII da Constituição de 1988, que trata da ordem social, onde no Capítulo I, que cuida da disposição geral, precisamente no artigo 193, que traz as previsões quanto ao bem-estar e da justiça social, assim dispondo: “A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais”.
Neste contexto social, temos que nos remeter ainda ao Capítulo I, no que tange aos princípios gerais da atividade econômica, mais especificamente no Título VII – Da Ordem Econômica e Financeira, o qual traz o artigo 170 que tem por finalidade assegurar, a todos, existência digna, garantindo ainda o respeito, aos princípios da função social da propriedade, redução das desigualdades regionais e sociais e busca do pleno emprego, dentre outros, sendo que assim dispõe o artigo 170, e seus incisos:
“Artigo 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I – soberania nacional;
II -propriedade privada;
III -função social da propriedade;
IV -livre concorrência;
V -defesa do consumidor;
VI -defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;
VII -redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII-busca do pleno emprego; […]”
Ainda no Título VIII da Constituição de 1988, que trata da ordem social, temos o Capítulo I, que traz a disposição geral, porém agora na Seção II, que trata da saúde, onde encontramos talvez o mais importante dispositivo constitucional que trata do direito à saúde, pois este dispositivo elenca de forma clara a finalidade do direito à saúde e ainda confere responsabilidades, sendo que assim dispõe:
“Artigo 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”
Podemos salientar que o direito à saúde, está constitucionalmente consagrado, e evidenciado pelo artigo 196 da Constituição de 1988, sendo que este dispositivo representa mais que uma mera previsão constitucional, até mesmo por conseqüência de estarmos sob os auspícios de uma Constituição dirigente, a qual não representa um mero estatuto, sendo que desta forma, mesmo carecendo de atividade legiferante para se efetivar, representa uma norma que deve ser efetivada de maneira imediata gerando desta maneira, efeitos concretos para a sociedade, pois assim almejou nosso constituinte.
Pelo dispositivo constatamos de maneira aparentemente clara, seu caráter imperativo, impondo ao Estado a função básica e essencial de atuar, exercendo políticas e ações para promover a construção de uma nova ordem social, que vise o bem estar de todos aqueles que estiverem no território nacional, contemplando o princípio da isonomia, sendo que desta maneira, torna-se evidente a função precípua do Estado em atuar visando o bem estar da população, no que tange ao direito constitucionalmente consagrado à saúde.
Destaquemos também o artigo 227, caput, da Constituição de 1988, previsto no Capítulo VII, do Título VIII, sendo que este se refere à Família, à Criança, ao Adolescente e ao Idoso, sendo que o artigo 227, caput, assim dispõe:
“Artigo 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” (grifos inexistentes no original)
Desta maneira, devemos considerar que incumbe ao poder público cumprir as normas constitucionais estabelecidas, visando conferir efetividade ao direito à saúde, como forma de atuar efetivando os direitos sociais e contemplando a dignidade da pessoa humana.
Deve ainda o Estado cumprir dispositivos estabelecidos no texto constitucional, a exemplo do artigo 1º, contemplando a dignidade da pessoa humana, como no artigo 3º, no que se refere aos objetivos fundamentais da República, como sociedade livre, justa e solidária, erradicação da pobreza, reduzindo desigualdades, bem como todos os demais dispositivos que contemplem de forma direta o direito a saúde, pois só assim, estaremos dando efetividade ao texto constitucional de 1988, e não o tornando, mero estatuto, afastando, do direito à saúde a idéia de norma meramente programática, e cumprindo o disposto no parágrafo 1º do artigo 5º, da Constituição de 1988.
3. Pessoa Portadora de Deficiência.
Pois bem, cumpre-nos ressaltar de maneira inicial, que cuidaremos de desenvolver o tema, no cenário jurídico brasileiro, afinal se fossemos estudá-lo na esfera mundial, demandaríamos talvez de um estudo específico, o que não se apresenta neste momento, mesmo considerando todos os atrativos do tema.
Desta forma, destaquemos que no Brasil, o estudo evolutivo relativo à pessoa portadora de deficiência, tem origem já com os primeiros habitantes desta terra, tão logo com os índios.
Afinal nesta fase podíamos constatar que algumas anomalias já se apresentavam entre os povos, no cenário social da época, por ocasião de questões genéticas, ou também por ocasião de lutas ou mesmo acidentes.
Destaquemos ainda, que nesta fase o nascimento com qualquer tipo de deficiência, era compreendido como um castigo divino, o qual somente se corrigiria com o sacrifício daquela criança, considerava-se tal sacrifício como regra, afinal assim eram os costumes indígenas da época, ressalta-se assim, a falta de compreensão que permeava aquela população, e que por ocasião desta ignorância inúmeras atrocidades foram cometidas.
Passado este momento da história, passamos ao período da colonização, marcado pela escravidão, e desta maneira, face ao momento histórico, podemos destacar que o escravo era tido como valoroso pelos serviços que poderia prestar, e neste cenário o escravo deficiente não tinha valor, pois não poderia desenvolver as tarefas de acordo com a conveniência de seu senhor.
Com o advento da Constituição de 1824, denotamos alguns avanças quanto à pessoa portadora de deficiência, por ocasião da previsão do artigo 179, inciso XIII, que cuidou de trazer a previsão da igualdade, e com isso melhorou as condições de vida destas pessoas, afinal passaram a ser consideradas pelo texto constitucionais, titulares de uma igualdade quanto a toda sociedade.
Já com o texto constitucional de 1946, não tivemos grandes avanços, afinal, além do fato de manter em seu bojo a previsão de igualdade, apenas inovou no tocante a previdência social para o trabalhador acometido de invalidez, que cuidou no artigo 157, XVI, que assim dispôs:
“Art. 157 – A legislação do trabalho e a da previdência social obedecerão nos seguintes preceitos, além de outros que visem a melhoria da condição dos trabalhadores: […]
XVI – previdência, mediante contribuição da União, do empregador e do empregado, em favor da maternidade e contra as conseqüências da doença, da velhice, da invalidez e da morte; […]”
Desta forma, podemos salientar que após o texto constitucional de 1946, os direitos sociais passaram a ganhar relevo tanto na esfera constitucional, como a esfera infraconstitucional, a destacar-se o surgimento da Consolidação das Leis do Trabalho, o que reflete um marco nos direitos sociais.
Com a Constituição de 1967, tivemos poucos avanços no tocante ao social, sendo que neste diapasão, desenvolvemos muito pouco no que se refere à pessoa portadora de deficiência, fato este que talvez tenha ocorrido por ocasião do momento repressivo que o país atravessava, em face do período militar, sendo que desta forma apenas prevaleceram os direitos que já estavam positivados nos textos constitucionais anteriores.
Já com a Constituição de 1967, pudemos notar alguns avanços importantes, com destaque relevante à Emenda nº. 12 que cuidou de trazer a proteção das pessoas portadoras de deficiência, conforme enunciado em seu artigo único:
“É assegurada aos deficientes a melhoria de sua condição social e econômica especialmente mediante: I) educação especial e gratuita; II) assistência, reabilitação e reinserção na vida econômica e social do País; III) proibição de discriminação inclusive quanto à admissão ao trabalho ou ao serviço público e a salários; IV) possibilidade de acesso a edifício e logradouros públicos.” (g.d.)
Desta maneira temos que a Emenda nº. 12, foi base para uma série de medidas judiciais na proteção das pessoas portadoras de deficiência, tendo como especial à ação das pessoas portadoras de deficiência que requereram acesso às rampas de embarque do metrô paulista. (ARAÚJO, 2008, p. 41)
Já em 1974, merece destaque a Lei nº. 6.179, de 11 de dezembro de 1974, a qual trouxe a previsão do Amparo Previdenciário destinado aos maiores de setenta anos de idade e para os inválidos de maneira definitiva que encontrassem incapacitados para o trabalho, sendo que desta maneira, tornou-se um dos maiores avanços da época no tocante ao social.
Nesta esteira chegamos ao texto constitucional de 1988 que cuidou de inovar de maneira considerável as previsões quanto às pessoas portadoras de deficiência, talvez por ocasião de trazer em seu bojo a previsão de um Estado Democrático de Direito, e desta forma tratou de prever um rol bem extenso de direitos e garantias constitucionais a dignidade da vida humana.
Neste sentido RAGAZZI e ARAÚJO, 2007, p. 43:
“A Constituição Federal de 1988 teve o papel de resgatar a democracia no Estado Brasileiro. Estávamos mergulhados numa situação que trazia forte restrição ao exercício das liberdades democráticas, com um Poder Judiciário que exercia jurisdição de forma limitada, deixando de atuar de forma independente”. (RAGAZZI, e ARAUJO, 2007, p. 43).
Mais especificamente quanto à pessoa portadora de deficiência, pudemos observar que “a preocupação do constituinte de 1988 não se limitou à inserção de princípios inclusivos” (ARAUJO, 2001, p. 13), mas o texto constitucional de 1988 tornou-se um instrumento bastante hábil em sua defesa, sendo que naquele momento dever-se-ia apenas manusear sabiamente o que o constituinte originário já havia previsto.
Assim, neste momento, cumpre-nos definirmos pessoa portadora de deficiência já sob os auspícios do texto constitucional de 1988, sendo que neste contexto, acerca do conceito dispõe ARAUJO, 2001, p. 13:
“O que define a pessoa portadora de deficiência não é falta de um membro nem a visão ou audição reduzidas. O que caracteriza a pessoa portadora de deficiência é a dificuldade de se relacionar, de se integrar na sociedade. O grau de dificuldade de se relacionar, de se integrar na sociedade. O grau de dificuldade para a integração social é que definirá quem é ou não portador de deficiência.”
Outro ponto relevante no estudo do tema, e muito discutido pela doutrina é atinente à terminologia empregada para determinar a pessoa deficiente, sendo que o termo mais frequentemente utilizado, concebido até mesmo pelo texto constitucional é o termo pessoa portadora de deficiência, sendo que é um termo de bastante utilização e tem como vantagem evidenciar a pessoa e não a deficiência, conforme leciona ARAUJO, 2001, p. 10:
“A última expressão, «pessoas portadoras de deficiência», tem o condão de diminuir o estigma da deficiência, ressaltando o conceito de pessoa; é mais leve, mais elegante, e diminui a situação de desvantagem que caracteriza esse grupo de indivíduos. Pelos motivos acima, a expressão «pessoas portadoras de deficiência», onde o núcleo é a palavra «pessoa» e «deficiência» apenas um qualificativo, foi aquela que julgamos mais adequada para este estudo. Há valorização da «pessoa» a qualificação, apenas, completa a idéia nuclear.”
Porém, devemos ainda destacar como outra opção, sendo que já nos manifestamos nossa opção pelo termo pessoa portadora de deficiência, o termo “pessoas portadoras de necessidades especiais”, terminologia esta utilizados por alguns autores, a exemplo de ASSIS e POZZOLI, 2005, p. 236:
“Argumentam que o termo ‘deficiência’, em virtude da força semântica, os coloca em uma situação perene de desvantagem em relação a outras pessoas, ao passo que o termo “necessidades especiais” implica desvantagem apenas circunstancial. Por exemplo, um professor que depende de muletas para se locomover não apresentaria nenhuma deficiência em relação aos seus colegas de profissão; a sua situação implicaria apenas necessidades especiais ligadas ao ambiente de trabalho: necessidade de rampas ou elevadores”. (ASSIS, 2005, p. 236)
Pois bem o texto constitucional de 1988, garantiu diversos direitos específicos das pessoas portadoras de deficiência, a exemplo da proibição de discriminação; reserva de vagas em concursos públicos; o direito à saúde; educação especial; o direito à integração social; o direito à habilitação e reabilitação; o direito a uma renda mensal de um salário mínimo[1]; o direito de acesso a logradouros e edifícios de uso publico; o direito de locomoção; o direito de tratamento adequado, dentre outros direitos dispersos no texto constitucional.
Assim, podemos salientar que “o constituinte de 1988, preocupado com o número de pessoas portadoras de deficiência, dez por cento da população brasileira, tratou de reconhecer o processo de exclusão que vivia tal grupo, entendendo de garantir uma proteção especial [2]”.
Desta maneira, devemos destacar que além das previsões que já mencionamos, a nível Constitucional, temos ainda normas infraconstitucionais disciplinando os direitos da pessoa portadora de deficiência a exemplo da reserva de empregos na iniciativa privada, através do sistema de cotas previsto no art. 93 da Lei nº. 8.213/91[3] bem como a isenção de impostos (IPI e IPVA) na compra de veículo automotor (Lei nº. 10.182/01 e Lei Estadual nº. 6.606/89), dentre outros direitos esparsos na legislação.
4.A INEFETIVIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS ATINENTES AO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA, COMO PRESSUPOSTO À SUA JUDICIALIZAÇÃO SUPOSTAMENTE EXCESSIVA.
4.1.Da inefetividade do direito fundamental à saúde.
As normas constitucionais, especialmente aquelas que disciplinam direitos fundamentais, devem ser respeitadas, e acima de tudo cumpridas com seriedade, especialmente pelo poder público, pois estas normas explicitadas no texto constitucional de 1988 gozam de aplicabilidade plena e imediata, incumbindo ao Poder Judiciário, sempre que chamado a manifestar-se, a este respeito, cumprir seu papel de efetivá-las enquanto comandos constitucionais, afinal elas não se apresentam como recomendações, mas sim como normas de cunho impositivo.
Desta maneira, devemos reconhecer a imperatividade das normas constitucionais, as quais devem ser aplicadas, tornando os comandos constitucionais efetivos, sob pena, de assim não agindo estar afrontando diretamente o texto constitucional de 1988.
Neste cenário é de suma importância a atuação do Poder Judiciário, vez que a ele incumbe à função de concretizar o texto constitucional, sempre que estiver sendo violado, ou mesmo na iminência de violação. Portanto, deverá o magistrado, enquanto representante do Poder Judiciário, atuar com responsabilidade na concretização do texto constitucional, especialmente no que pertine aos direitos fundamentais, e nesta seara, o direito fundamental a saúde.
Assim, em face das inúmeras vezes em que o Poder Judiciário, é chamado a manifestar-se quanto ao desrespeito ao texto constitucional de 1988, no que pertine ao direito fundamental à saúde torna-se eminentemente claro o constante desrespeito, vilipendio, a este direito, ensejando sua quase total inefetividade, no cenário atual.
4.2.Da atuação do magistrado.
A atuação do magistrado, frente ao direito fundamental à saúde, é de extrema importância, pois, o magistrado é, na esfera processual, aquele que deverá ensejar maior efetividade aos mecanismos processuais, pois estes mecanismos encontram-se à disposição dele para serem devidamente manuseados visando efetivar estes direitos fundamentais, ressaltando ainda, que a função do magistrado não é discricionária, mas sim vinculada, tem este o dever de atuar visando efetivar os direitos fundamentais.
Ao analisar questões atinentes ao direito fundamental à saúde temos ainda, a necessidade de enfocar sua fundamentalidade, o que por certo leva a um maior cuidado do magistrado quando estiver analisando questões que o envolvam, afinal, não se trata de um direito qualquer, sendo que nestes casos, o manuseio inadequado dos instrumentos processuais trará sérios gravames em função de sua fundamentalidade e por estar intimamente ligado ao direito à vida.
Atualmente o magistrado encontra-se atuando com um número de processos imensamente superior ao que poderíamos considerar razoável, sendo que desta forma, muitas vezes, este se vê na necessidade de julgar de forma célere, sem que possa desta maneira atuar de forma efetiva no que se refere aos direitos envolvidos.
Pois bem, mesmo considerando o número excessivo de processos que se encontram na responsabilidade de cada magistrado, devemos salientar que este deverá atuar de forma mais responsável com aqueles que envolvam o direito fundamental à saúde, em face de sua estreita relação com o direito à vida, sendo, porém, que a todos os direitos deveriam os magistrados, dispensarem tal atenção, afinal, o acesso à justiça, a uma tutela jurisdicional efetiva também é um direito fundamental (MARINONI, 2006, p. 462) que merece ser efetivado.
Desta forma, entendemos que o magistrado ao atuar frente ao direito fundamental à saúde deve atuar de maneira mais efetiva, visando “[…] a construção do procedimento adequado ao caso concreto, derivado do direito de ação – já que igualmente se pode falar em direito à construção da ação adequada ao caso concreto” (MARINONI, 2006, p. 461), desta maneira estará cumprindo seu dever de prestar uma efetiva tutela jurisdicional aos direitos.
Ainda, incumbe ao magistrado atuar de ofício no que lhe couber, sendo que em momento algum poderá argüir-se a possibilidade deste estar atuando de forma a exacerbar quanto a suas funções, ou mesmo, sem que esteja ele julgando extra petita ou ultra petita.
Com isso, estamos ressaltando a necessidade do magistrado aplicar e efetivar os direitos fundamentais, sendo que, em hipóteses em que “[…] o juiz nega uma norma infraconstitucional em razão de um direito fundamental, seu raciocínio decisório, expresso na justificativa, deve ser capaz de convencer que a lei desconsidera o valor social guardado no direito fundamental”. (MARINONI, 2006, p. 460)
Portanto incumbe ao magistrado, enquanto representante do poder judiciário, não a possibilidade, mas o dever de intervir, sempre que necessário para a efetivação dos direitos fundamentais. (ALEXY, 2002, p. 527)
Destaca Zollinger, 2006, p. 72:
“Ainda no que diz respeito à perspectiva positiva da vinculação do Judiciário aos direitos fundamentais, os juízes e tribunais devem aplicar diretamente os direitos fundamentais diante de omissão legislativa ou de proteção legal insuficiente, considerando, entretanto, o grau de densidade normativa da norma de direito fundamental e visando atender ao mandado de otimização que exige a proteção mais ampla possível dos bens jusfundamentais” (grifos inexistentes no original).
5.DA TUTELA JURISDICIONAL COLETIVA.
Muito se tem discutido atualmente acerca do instituto “tutela jurisdicional coletiva” fato este que tem ensejado a grande evolução do tema, e como conseqüência, as grandiosas descobertas acerca do tema, face ao estudo permanente que o permeia. Devemos salientar atualmente a ligação do direito coletivo com o direito constitucional, pois “é dentro desse segundo plano do direito processual que se fundamenta o direito processual coletivo como um novo ramo do direito processual. Portanto, é no direito processual constitucional que se encontram as normas constitucionais pertencentes ao direito processual coletivo”. (ALMEIDA, 2003, p. 142)
Pois bem, em nosso estudo, buscaremos análises mais focadas acerca do tema, focando assim, a tutela jurisdicional coletiva frente ao direito fundamental a saúde, visando sua efetividade, sua real concretização no Estado democrático e social de direito, afinal, para um estudo mais minucioso demandaríamos maior tempo, e espaço, o qual não seria possível neste breve estudo ao qual nos dispusemos.
Sempre que tratamos do tema coletividade e dos institutos de defesa em massa nos surpreendemos com a forma com que temos que desenvolver, porém, atualmente podemos salientar que nos surpreendemos também, com o que já evoluímos, afinal, o tema tutela coletiva vêm ganhando espaço em nosso ordenamento jurídico a cada dia, sendo que em todo momento, destacam-se novos posicionamentos, tanto na doutrina, como na jurisprudência visando efetivar ainda mais a tutela coletiva.
5.1.A eficácia da tutela jurisdicional coletiva para a efetividade do direito fundamental à saúde.
Pois bem, pelo que já discorremos, acerca do direito à saúde, e posteriormente quanto à tutela jurisdicional coletiva nos é possível salientar, à importância da tutela coletiva, e ainda, podemos vislumbrar os efeitos desta tutela no que se refere especificamente ao direito à saúde, no tocante a fazer a diferença em prol da sociedade.
Afinal devemos destacar que por meio da tutela coletiva podemos em uma única lide, alcançar benefícios a um número realmente indeterminado de pessoas, não limitando-nos a resolver um único problema, mas resolvendo inúmeros problemas, modificando a realidade e de muitas pessoas.
Neste contexto devemos destacar os ensinamentos de GIDI, 2007, p. 33:
“O terceiro objetivo buscado pela tutela coletiva dos direitos é o de tornar efetivo o direito material e promover as políticas públicas do Estado. Isso é obtido de duas formas. A primeira é através da realização autoritativa da justiça no caso concreto de ilícito coletivo, corrigindo de forma coletiva o ilícito coletivamente causado (corrective justice). A segunda é realizada de forma profilática, através do estímulo da sociedade ao cumprimento voluntário do direito, através do desestímulo à prática de condutas ilícitas coletivas, por meio da sua efetiva punição (deterrence). Numa posição intermediária, entre compensação e prevenção, está o cumprimento voluntário através da ameaça de realização autoritativa: os acordos coletivos.”
Podemos ainda destacar que ao tratarmos do direito à saúde e da possibilidade de efetivá-lo por meio da tutela coletiva, estaremos acima de tudo contemplando do bem maior previsto em nossa Constituição, que é o bem da vida, e vida com dignidade absoluta ao ser humano.
6.JURISDIÇÃO CRÍTICA E INCLUSIVA NO QUE TANGE AO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE.
A análise da jurisdição em uma sociedade moderna, ou mesmo como podem preferir outros autores sociedade de modernidade tardia, implica muito mais do que se aferir apenas seu conceito material do termo, o qual poderia nos remeter ao seguinte significado: “extensão e limite do poder de julgar de um juiz” (Silva, 2003, p. 802).
Nesta esteira, torna-se necessária uma interpretação muito mais substancialista de que procedimentalista, a qual nos remeta a essência real da jurisdição, e para que assim possamos fixar nossas críticas.
De modo que a jurisdição deve ir além desse sentido já aclamado por alguns, abandonar esta mera concepção de atividade jurisdicional, e passar a ser entendida como a prestação ativa do magistrado, no a fã de concretizar direitos, de modo a afastar-se do ativismo processual do magistrado.
Neste sentido CAMARGO, 2009, p. 79:
“Enfim, uma atividade mais aberta e principiológica dos juízes e tribunais, caracterizada e agregada pela busca efetiva e pelo respeito indeclinável aos parâmetros de justiça, aos princípios jurídico-constitucionais e às diretrizes axiológicas que alfim protejam os bens soberanos mais importantes.”
Portanto, torna-se necessária uma atividade jurisdicional mais efetiva, que realmente concretize direitos fundamentais, dentre os quais o direito fundamental a saúde, uma vez que neste ponto repousa nossa crítica à jurisdição, uma vez que esta vem seguindo um viés cada vez mais ativista, em detrimento a sua verdadeira tarefa, a de efetivar direitos fundamentais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS.
O direito fundamental à saúde representa, dentro do rol de direitos fundamentais, o que mais infere no direito a vida, vez que não há vida sem saúde, logo, para a prevalência do direito à vida deve-se contar com uma saúde pública digna e efetiva, visando com isso consagrar efetivamente o direito fundamental à vida digna.
A inefetividade do direito fundamental à saúde é uma realidade no cenário brasileiro, sendo que a sociedade em todo momento clama melhorias nesta seara, melhorias estas que merecem ser realizadas, sendo que somente com a interferência hábil do Poder Judiciário poderão ocorrer de modo a efetivar este direito fundamental.
O Poder Judiciário deve intervir, sempre que provocado, ensejando desta maneira o cumprimento ao texto constitucional de 1988, sendo que assim agindo, não estará de forma alguma atuando de maneira supostamente excessiva, afinal, é dever do magistrado, atuar, e atuar de forma a efetivar os direitos fundamentais sempre que estes estiverem à margem das prioridades do Poder Executivo.
É fato a existência de limitações no orçamento público, não estamos aqui tentando nos furtar a esta realidade, mas sim considerando que, se bem utilizado, o erário certamente poderá cumprir seu dever constitucional, conferindo desta forma melhorias nas condições de vida da sociedade, transformando a realidade social brasileira, e por certo wefetivando a dignidade da pessoa humana.
Desta maneira, concretizar o direito fundamental à saúde por meio de instrumentos coletivos têm se apresentado como a melhor forma de efetivá-lo, pois as decisões nesta seara possuem maior abrangência e implicam em melhores condições de acesso, celeridade, economia, e outros benefícios os quais só podem ser alcançados por meio dos mecanismos coletivos.
Informações Sobre o Autor
Dirceu Pereira Siqueira
Doutorando e Mestre em Direito Constitucional pelo Centro de Pós-Graduação da ITE/Bauru – SP. Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela UNIRP. Pesquisador do Núcleo de Pesquisas e Integração do Centro de Pós-Graduação da ITE. Professor no Curso de Direito das Faculdades Integradas de Ourinhos (FIO); Advogado.