A validade jurídica dos regulamentos disciplinares

Resumo: Este artigo pretende abordar a aplicação dos Regulamentos Disciplinares das Forças Armadas, editados através de Decretos do Poder Executivo, enfrentando o polêmico debate acerca da constitucionalidade dos mesmos frente aos princípios constitucionais da reserva legal, recepção e hierarquia das leis. Trata-se de tema levado aos Tribunais e interpretado de forma diversa pelas Instâncias Superiores. Pela análise da doutrina e da jurisprudência encontrada, é mister concluir que, em relação ao RDE e ao RDM, apresenta-se erro jurídico que fere frontalmente os ditames constitucionais.


Palavras-chave: Regulamentos Disciplinares. Constitucionalidade. Reserva Legal.


Sumário: 1. Introdução. 2. Os regulamentos disciplinares da marinha, do exército e da aeronáutica e suas alterações face à Constituição Federal. 2.1. Princípio da recepção das leis. 2.2. Princípio da hierarquia das leis. 2.3. Princípio da reserva legal. 3. Posicionamento do Poder Judiciário. 3.1. Supremo Tribunal Federal. 3.2. Superior Tribunal de Justiça. 3.3. Posicionamento da Justiça Federal. 4. Considerações acerca do tema proposto. 5. Conclusão. Referências bibliográficas.


1. INTRODUÇÃO


O presente trabalho tem por objetivo analisar a constitucionalidade dos Regulamentos Disciplinares das Forças Armadas diante da obrigatoriedade, ou não, de sua edição dar-se através de lei, visando à adequação ao texto constitucional.


Para possibilitar o estudo do tema proposto utilizar-se-á pesquisa doutrinária e jurisprudencial, a fim de buscar subsídios capazes de embasar uma conclusão científica do mesmo. Serão abordados os Regulamentos Disciplinares da Marinha do Exército e da Aeronáutica, considerando os textos anteriores à Constituição Federal de 1988, sua recepção pela nova ordem constitucional, bem como as alterações dos referidos textos ocorridas já sob a égide da nova Carta Magna.


Tal estudo apresenta-se extremamente relevante em face dos atuais posicionamentos dos Tribunais Superiores e a insegurança que o tema pode trazer ao bom funcionamento das Organizações Militares, as quais devem primar pelo resguardo da hierarquia e da disciplina conforme preceitua o artigo 142 da Constituição Federal/88.


2. OS REGULAMENTOS DISCIPLINARES DA MARINHA, DO EXÉRCITO E DA AERONÁUTICA E SUAS ALTERAÇÕES FACE À CONSTITUIÇÃO FEDERAL


Com o advento da Constituição Federal de 1988, o ordenamento jurídico passou a pautar-se por seus dispositivos legais.


Em seu artigo 142, a Carta Política dispõe que:


“As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da república, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. (grifo nosso)”.


Assim, os sustentáculos das Forças Armadas são a hierarquia e a disciplina, as quais vêm definidas no Estatuto dos Militares1, e possibilitam que as Instituições Militares cumpram sua destinação constitucional.


Para possibilitar a manutenção da hierarquia e da disciplina, faz-se necessário a regulamentação das chamadas transgressões disciplinares para que a Administração possa apurar a falta cometida e aplicar a sanção disciplinar cabível ao infrator, o que se dá através dos Regulamentos Disciplinares da Marinha, do Exército e da Aeronáutica.


Já o art. 5º, inciso LXI, da CF/88, determina que:


“- ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;” (grifo nosso)


Trata-se de preservação do princípio garantidor da liberdade de ir e vir, vez que a aplicação de sanções disciplinares por transgressão disciplinar pode implicar em prisão ou detenção do infrator, o que, segundo a nova ordem constitucional, somente pode ocorrer com base em Regulamento editado através de lei submetida ao processo legislativo.


Os Regulamentos Disciplinares das Forças Armadas regulamentam as transgressões disciplinares e delimitam as sanções e o modo de aplicação das mesmas.


O Regulamento Disciplinar da Marinha foi editado pelo Decreto nº 88.545, de 26 de junho de 1983, com alterações introduzidas através do Decreto nº 1.011, de 22 de dezembro de 1993. No Exército o atual Regulamento Disciplinar foi baixado pelo Decreto nº 4.346, de 26 de agosto de 2002, que revogou o Decreto nº 90.608, de 08 de dezembro de 1984. Já o Regulamento Disciplinar da Aeronáutica foi instituído através do Decreto nº 76.322, de 22 de setembro de 1975.


2.1. Princípio da recepção das leis


Em relação às normas infraconstitucionais editadas antes da nova Constituição, desde que não contrariem a nova ordem serão recepcionadas, inclusive com o status ditado pela Norma Maior, sendo exigido, então, que sua alteração ou revogação se dê através de Lei de mesma hierarquia.


No caso dos Regulamentos Disciplinares das Forças Armadas, instituídos através de Decretos editados pelo Poder Executivo, por força da nova Constituição, foram recepcionados com status de Lei Ordinária, somente podendo ser alterados ou revogados através de outra Lei oriunda do Poder Legislativo.


No caso do Regulamento Disciplinar da Aeronáutica, cujo Decreto instituidor é datado de 22 de setembro de 1975, não há qualquer dúvida acerca de sua constitucionalidade, uma vez que foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 com o status de Lei Ordinária, coadunando-se com a nova ordem jurídica.


Já os Regulamentos Disciplinares da Marinha e do Exército, os quais haviam sido recepcionados pela atual Constituição, padecem de certeza quanto a sua constitucionalidade, pois, o da Marinha foi alterado e o do Exército foi revogado, após sua recepção no novo ordenamento jurídico, ambos através de Decreto do Poder Executivo, embora detivessem o status de Lei.


2.2. Princípio da hierarquia das leis


O sistema normativo de um Estado compõe-se de um conjunto de normas encadeadas entre si, onde umas encontram seu fundamento e sua validade em outras de escalão superior. Uma norma de escalão inferior somente poderá ser considerada válida se não conflitar com a norma de escalão superior que determina sua criação. Podemos afirmar, então, que as normas jurídicas encontram-se hierarquizadas dentro do sistema normativo.


O direito, através das normas postas, regula o comportamento humano e, em um momento anterior, fixa quais as normas que podem pautar esse comportamento, não podendo produzir efeitos no mundo jurídico as normas inválidas, que não se adequam ao ordenamento como um todo.


2.3. Princípio da reserva legal


Segundo José Afonso da Silva:


“É absoluta a reserva constitucional de lei quando a disciplina da matéria é reservada pela Constituição à lei, com exclusão, portanto, de qualquer outra fonte infralegal, o que ocorre quando ela emprega fórmulas como: a lei regulará, a lei disporá, a lei complementar organizará, a lei criará, a lei definirá, etc.”2


Ao tratar da regulamentação das Organizações Militares, seus Regulamentos versam sobre a caracterização das transgressões disciplinares e sobre a amplitude e aplicação das sanções disciplinares cabíveis, o que, segundo o disposto no artigo 5º, inciso LXI, da CF/88, deve dar-se através de lei.


3. POSICIONAMENTO DO PODER JUDICIÁRIO


O tema vem sendo enfrentado pelo Poder Judiciário, sendo que ainda não há um entendimento unânime acerca da constitucionalidade dos Regulamentos Disciplinares que sofreram alteração ou revogação, após o advento da Constituição de 1988, através de Decretos editados pelo Poder Executivo.


3.1. Supremo Tribunal Federal


O Supremo Tribunal Federal foi chamado a manifestar-se sobre o assunto através do ajuizamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o Regulamento Disciplinar do Exército, proposta pelo Procurador-Geral da República, a qual, por maioria de votos, não foi conhecida por ter sido considerado, o pedido, muito genérico.3


3.2. Superior Tribunal de Justiça


Pronunciando-se, incidentalmente, nos autos do MS nº 9.710-DF, em que foi Relatora a Ministra Laurita Vaz, assim posicionou-se o STJ:


“Tem-se, portanto, a possibilidade de punição administrativa por transgressões disciplinares, prevista no Estatuto dos Militares, regulamentada pelo Decreto n.º 4.346/2002, com o fim de preservar a hierarquia e a disciplina nas Forças Armadas. Inexiste ofensa à Constituição Federal ou à Lei. A medida constritiva, do ponto de vista formal, está em consonância com o Ordenamento Jurídico pátrio.”4


3.3. Posicionamento da Justiça Federal


Há decisões proferidas por Juízes Federais de Primeira Instância que declaram a inconstitucionalidade do Regulamento Disciplinar do Exército, tanto garantindo a aplicação do Decreto 90.608/84, revogado pelo atual Decreto 4.346/02, como impedindo sua aplicação.


A 1ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do Amapá, julgando o HC nº 2004.31.00.001279-2, entendeu ser inconstitucional o Decreto Presidencial nº 4.346/02 e concedeu em parte a ordem, para determinar à autoridade impetrada que promova o enquadramento da conduta do paciente, com a imposição da respectiva pena, de acordo com as disposições do Decreto 90.608/84, abatendo-se os dias de detenção já cumpridos5.


O juiz prolator da sentença entendeu que se trata de reserva legal determinada pela Constituição Federal, não podendo o Presidente da República, editar novo Regulamento Disciplinar, por ser matéria afeta à competência do Congresso Nacional, ressaltando, ainda, que conforme o artigo 25 do ADCT, não é possível a regulamentação através de Decreto baseado na previsão constante no artigo 47 da Lei nº 6.880/80.


O magistrado, ao declarar a inconstitucionalidade do citado Regulamento, salvaguardou a aplicação do Regulamento anterior, em razão de o atual ser nulo, o que implica na nulidade da revogação por ele promovida.


Entretanto, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, ao apreciar o recurso necessário, por unanimidade, cassou a decisão recorrida e determinou à autoridade impetrada que reenquadrasse a conduta do paciente ao Decreto nº 4.346/02, o qual foi considerado em consonância com o ordenamento jurídico vigente, tendo sua inconstitucionalidade afastada.


Por outro lado, o Juiz Federal da 1ª Vara Federal de Santa Maria/RS, ao declarar a inconstitucionalidade do Regulamento Disciplinar do Exército por entender que afronta os artigos 5º, inciso LXI, da CF e 25 do ADCT, determinou que não é passível de aplicação o anterior Decreto nº 90.608/84, por padecer dos mesmos vícios de validade.


O Tribunal Regional Federal da 4ª Região ao julgar o Recurso em Sentido Estrito não conheceu do mesmo e deu parcial provimento à remessa ex officio nos termos do voto do Relator:


“PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO DISCIPLINAR MILITAR. NÃO-RECEPÇÃO PELA MAGNA CARTA DO ART. 47 DA LEI 6.880/80. PRECEDENTES. Consoante recente jurisprudência desta Corte, o artigo 47 da Lei 6.880/80 não foi recepcionado pela Constituição Federal, mostrando-se com ela incompatível, pois quando delegou competência ao regulamento para estabelecer as transgressões disciplinares e respectivas penas privativas de liberdade (prisão e detenção: incidiu em manifesta contrariedade ao inciso LXI do artigo 5º da CF.”6


A 5ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, julgando o HC nº 2005.51.01.505416-7, acolheu a tese da inconstitucionalidade formal, por entender que o Decreto Presidencial n.º 4.346/2002, ao definir transgressões militares, violou o princípio da reserva legal expresso no art. 5º, LXI da CF/88, determinando à autoridade impetrada que se abstivesse de impor sanção disciplinar ao paciente com fundamento no RDE.


Ao examinar o recurso necessário, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região, afastou a inconstitucionalidade do Regulamento Disciplinar do Exército nos termos do voto do Relator que assim se posicionou:


“De fato, o Decreto nº 4.346 de 26/08/2002, nos 113 itens do Anexo I, apenas especifica e detalha as hipóteses a serem enquadradas como transgressões disciplinares no âmbito do Exército Brasileiro. Nesse passo, à luz do disposto na Lei nº 6.880/80, o Decreto 4.346/2002 (RDE) não criou as penas disciplinares restritivas de liberdade, mas, tão-somente, especificou as situações em que podem ser aplicadas. (…) Tenho, no entanto, pelas razões acima e na esteira de outros julgamentos desta Corte, que o Regulamento Disciplinar do Exército não padece de vício de inconstitucionalidade, razão pela qual o fundamento basilar da sentença remetida, data venia, há de ser afastado.”7


4. CONSIDERAÇÕES ACERCA DO TEMA PROPOSTO


Independentemente de qualquer questionamento sobre a inconstitucionalidade dos atuais Regulamentos Disciplinares das Forças Armadas, indiscutível é o fato de que se faz indispensável à existência de tais normas reguladoras de condutas capazes de abalar os pilares das Organizações Militares, consubstanciados na hierarquia e na disciplina.


Entretanto, não se pode conceber a hipótese das Organizações Militares basearem seus regulamentos em normas que não se coadunem com o Ordenamento Jurídico, eis que eivadas de vício formal.


Conforme já exposto, existem posicionamentos favoráveis e contrários à constitucionalidade dos Regulamentos Disciplinares, em especial, ao do Exército.


Pedimos venia para discordar dos que entendem que o referido Regulamento não afronta a norma Constitucional, pelos seguintes motivos:


O artigo 5º, inciso LXI, da CF/88, ao fazer a ressalva que poderá ocorrer prisão nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei, deve ser interpretado levando em consideração os termos empregados, pois, estando o adjetivo no plural não deixa dúvidas de que o texto constitucional está a exigir que tanto os crimes propriamente militares quanto as transgressões militares devam estar previstos em lei.


O princípio da legalidade adotado pela Carta Magna, constitui uma garantia para os militares, uma vez que impede abusos e arbítrio por parte da Administração Militar ao aplicar sansões disciplinares que podem configurar cerceamento do direito fundamental de liberdade dos mesmos.


Embora uma corrente entenda que tais Regulamentos são decretos de execução, de competência do Presidente da República, alicerçados no art. 47 da Lei nº 6.880/80 – Estatuto dos Militares, o qual estipula que os Regulamentos Disciplinares das Forças Armadas disciplinarão as transgressões disciplinares e as normas relativas à aplicação e amplitude das sanções disciplinares, temos que o referido artigo encontra-se revogado pela nova Constituição Federal por força do mandamento do artigo 25, caput, do ADCT, que determina:


“Ficam revogados, a partir de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição, sujeito este prazo a prorrogação por lei, todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente (…).”8


No que tange à recepção dos Decretos instituidores dos Regulamentos Disciplinares das Forças Armadas, merece acolhida a explicação apresentada por Michel Temer:


“A Constituição nova recebe a ordem normativa que surgiu sob o império de Constituições anteriores se com ela forem compatíveis. É o fenômeno da recepção, que se destina a dar continuidade às relações sociais sem necessidade de nova, custosa, difícil e quase impossível manifestação legislativa ordinária. Ressalte-se, porém, que a nova ordem constitucional recepciona os instrumentos normativos anteriores, dando-lhes novo fundamento de validade e, muitas vezes, nova roupagem”.9


Dessa forma, como a Constituição de 1988 passou a exigir que a instituição dos Regulamentos Disciplinares, que regulam as transgressões disciplinares e as sanções aplicáveis a seus infratores, se dê através de lei afeta ao Congresso Nacional, os Regulamentos então vigentes foram recepcionados pela nova ordem constitucional, agora com status de Lei Ordinária. Assim, sua revogação ou alteração somente poderá dar-se através da edição de Lei de mesma hierarquia, o que não ocorreu com os Regulamentos Disciplinares da Marinha e do Exército, os quais foram alterados através de Decretos editados pelo Poder Executivo, acarretando erro jurídico configurador da inconstitucionalidade dos mesmos.


Diante das colocações acima, constata-se que as sanções disciplinares aplicadas com respaldo nos Regulamentos Disciplinares da Marinha e do Exército são nulas de pleno direito, eis que tais normas se encontram em descompasso com a atual Constituição Federal, constituindo, assim, ato abusivo e coativo de poder, sendo admissível a impetração de habeas corpus, visando a garantir a liberdade individual, em razão do princípio da inafastabilidade da jurisdição.


Por fim, cabe salientar, que ao administrador resta apenas aplicar as normas, não cabendo, no caso às Organizações Militares, qualquer juízo de constitucionalidade das mesmas, enquanto não declarada pelo Poder Judiciário, o que passa a implicar em possível responsabilização por imposição de dispositivos advindos de Decretos inconstitucionais.


Quanto à possibilidade de aplicação dos Decretos recepcionados pela Constituição Federal/88 e alterados através de normas inconstitucionais, nos filiamos ao posicionamento de Henrique Savonitti Miranda que entende que a norma declarada inconstitucional é norma inexistente, portanto nunca ingressou no mundo jurídico não podendo, dessa forma, ter revogado a norma anterior, não se falando, então, em repristinação da norma derrogada. Fundamentando tal posicionamento argumenta que, ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, o Supremo Tribunal Federal reconhece que a norma impugnada nunca existiu não gerando nenhum efeito jurídico, podendo, porém ter desencadeado efeitos materiais, o que justifica que a declaração judicial declaratória produza efeitos ex tunc, ou seja, desde a sua edição.


Sustentando esse posicionamento assim se manifesta o referido doutrinador:


“(…) cremos que o reconhecimento da natureza declaratória da decisão judicial de inconstitucionalidade só pode levar à conclusão da inexistência da lei inconstitucional. E, mais ainda, se em razão dessa nulidade conclui-se que “do ato inconstitucional não decorre eficácia derrogatória das leis anteriores”, só podemos concluir, também, pela inocorrência da repristinação. Ora, como é possível que volte ao sistema jurídico uma lei que nunca o deixou, em virtude da lei inconstitucional que a revogaria não o ter feito, por não haver sequer ingressado no ordenamento jurídico?”10


5. CONCLUSÃO


Através da análise realizada, considerando a doutrina e a jurisprudência pertinentes, pode-se afirmar que a norma Constitucional que passou a exigir que a regulação de transgressões disciplinares e as sanções a serem aplicadas se dê através do devido processo legislativo, visa impor limites à restrição da liberdade que pode vir a ser cerceada em nome da preservação da disciplina e da hierarquia em autêntico ato de autoridade.


Porém, para que as vigas mestras das Instituições Militares, quais sejam, a hierarquia e a disciplina, sejam resguardadas para possibilitar o cumprimento da missão constitucional das Forças Armadas, mister se faz à existência de Regulamentos Disciplinares editados em consonância com o ordenamento jurídico pátrio, o qual é ancorado no Estado Democrático de Direito e resguarda, sem exceções, os princípios fundamentais consagrados.


Com o estudo realizado foi possível concluir que os atuais Regulamentos Disciplinares da Marinha e do Exército padecem de vício formal, porquanto não atendem ao mandamento constitucional que determina que sua instituição seja através de lei submetida ao devido processo legislativo, configurando matéria sujeita à reserva legal. Não foi o que ocorreu quando da edição dos referidos Atos Normativos os quais foram editados através de Decretos do Poder Executivo afrontando ao sistema normativo vigente.


Dessa forma, necessário se faz que a flagrante inconstitucionalidade de tais Regulamentos seja declarada pelo Poder Judiciário com vistas a evitar que as Instituições Militares, indispensáveis à defesa da Pátria e dos Poderes constituídos, continuem a utilizar normas desconformes com Estado Democrático de Direito para embasar decisões relativas à manutenção da hierarquia e disciplina.


Importante se faz, ainda, tal reconhecimento pelo Poder Judiciário, de modo a evitar que, diante de ações judiciais que venham a ser interpostas com fundamento na citada inconstitucionalidade, transgressores venham a se transformar em vítimas e autoridades aplicadoras de sanções disciplinares em réus, o que poderá acarretar recusa dos mesmos em aplicar os citados regulamentos por temor de virem a responder por possíveis indenizações ou, até mesmo, por responsabilidade penal advinda de suas decisões.


 


Referências bibliográficas

ASSIS, Jorge César de. Curso de Direito Disciplinar Militar: da simples transgressão ao processo administrativo. Curitiba: Juruá, 2007.

______. Os Regulamentos Disciplinares Militares e sua conformidade com a Constituição Federal. Disponível em <www.jusmilitaris.com.br>. Acesso em: 15/nov/2008, às 10h25min.

BARROS, Daladier Miguel. Da Inconstitucionalidade dos Regulamentos Disciplinares das Forças Armadas. Disponível em <www.faceb.edu.br/faceb/RevistaJuridica/m222-023.htm>. Acesso em: 11/nov/2008, às 15h13min.

CERVO, A. L.; BERVIAN, P. A. Metodologia Científica: para uso dos estudantes universitários. 3. ed. São Paulo: McGraw-Hill do Brasil, 1983.

FERREIRA, Fabio Leandro Rods. A inconstitucionalidade dos Regulamentos Disciplinares – O caso do Regulamento Disciplinar da Brigada Militar (PMRS). Disponível em <www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=seminarios_artigos&id_s=36> Acesso em: 14/nov/2008, às 14h45min.

MIRANDA, Henrique Savonitti. Curso de Direito Administrativo. 3. ed. Brasília: Senado Federal, 2005.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. In: MIRANDA, Henrique Savonitti. Curso de Direito Administrativo. 3. ed. Brasília: Senado Federal, 2005.

TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1995.

 

Notas:

1 Lei nº 6.880, de 09 de dezembro de 1980.

2 José Afonso da SILVA. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo. 1997.

3 STF – ADI nº 3340.

4 STJ – MS nº 9.710-DF.

5 HC 2004.31.00.001279-2, Juiz Federal Anselmo Gonçalves da Silva.

6 RSE em HC nº 2004.71.02.005966-6.

7 RHC nº 2005.51.01.505416-7

8 CF/88, art. 25 do ADCT.

9 Michel TEMER. Elementos de Direito Constitucional. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 38.

10 Henrique Savonitti MIRANDA. Curso de Direito Constitucional. 3ª. ed. Brasília: Senado Federal, 2005. p. 135.


Informações Sobre o Autor

Maria Denise Abeijon Pereira Gonçalves

Especialista em Direito Militar pela Universidade Castelo Branco, RJ. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pelotas, RS. Analista Judiciária da Justiça Militar da União, desde 2000, atualmente lotada em Porto Alegre/RS


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