Levar justiça para quem não tem acesso à Justiça


A bem-aventurada Lei Complementar Federal n. 132, de 7 de outubro de 2009, pontificou em solo da assistência judiciária integral e gratuita o seguinte:


“Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras: (…)


II – promover, prioritariamente, a solução extrajudicial dos litígios, visando à composição entre as pessoas em conflito de interesses, por meio de mediação, conciliação, arbitragem e demais técnicas de composição e administração de conflitos”.


O emprego do advérbio “prioritariamente” utilizado pelo legislador não deixa margem de dúvidas ao intérprete. Assim, a solução extrajudicial dos conflitos em sociedade deverá preceder o ajuizamento da demanda junto ao Poder Judiciário, retomando-se, destarte, a natureza substitutiva desta Instituição.


Caberá aos Defensores Públicos em seu mister a precípua função de esgotar dentro dos conflitos de interesses entre as partes a possibilidade e oportunidade de se evitar a propositura de ação judicial, com todos os seus conhecidos e detestáveis consectários de fato, quais sejam, a morosidade da Justiça, o excesso de formalismo na tramitação dos feitos e a sua dificuldade de compreensão pelas partes, o acúmulo de serviço forense que torna sinuoso ou demorado o atendimento pessoal ao jurisdicionado etc.


Dentre as técnicas sugeridas pelo legislador, no seio da Lei Complementar Federal 132, foram arroladas a mediação, conciliação e a arbitragem. Mas, deixou claro este novel Diploma salvífico que todas as “demais técnicas de composição e administração de conflitos” serão servientes, o que assegura ao Defensor Público dinamismo e envergadura invejáveis bem distante e desapegado das ortodoxas fórmulas mirabolantes e ultrapassadas dos Códigos de Processo, que sempre tornarão a figura do juiz um refém de artigos e alíneas.


Claro que é completa e absolutamente equivocado, ou mesmo maldoso, a definição de que o princípio do monopólio da jurisdição se traduz no fato de que só o Poder Judiciário pode dizer o direito entre as partes. Ora, o Poder Judiciário, no exercício de sua função típica, é claro que diz o direito. Mas, duas crianças, quando resolvem, em acordo, a questão de quem e porque levará a bola de futebol comum para casa determinado dia, também estão dizendo o direito. Quando um cidadão aceita tacitamente numa padaria algumas balas como troco outra coisa não está fazendo senão o acerto de sua relação jurídica negocial de compra e venda.


O monopólio da jurisdição, em sua plasticidade máxima, quer se referir estritamente aos atos de execução forçada, aos atos de invasão na esfera jurídica alheia. Aí, sim. Só o Poder Judiciário poderá intervir na vida, propriedade e liberdade alheias. Mas, perceba-se, nestes casos o direito já foi dito, não há mais indefinição legal nesse passo. A execução do que restou decidido não passa pela perscrutação do direito.


Pelo que, os Defensores Públicos, por meio da mediação, conciliação, arbitragem e demais técnicas de composição e administração de conflitos, como única e extraordinária solução para a razoável distribuição do direito, deverão com afinco e persistência buscar o não ajuizamento de demandas, senão antes de esgotadas todas as possibilidades de composição entres os assistidos em situação de conflito.


E só assim poderá ser desafogada a serôdia justiça brasileira, retomado seu sentido e natureza. Mas, para tanto, é preciso que se dê às Defensorias Públicas estrutura e recursos suficientes e dignos, sob pena de condenar o cidadão à mansão da loucura em razão da demora na entrega da prestação jurisdicional. A criação de Núcleos da Defensoria Pública de Solução Extrajudicial dos Litígios, muito bem equipadas e aparelhadas, é a bola da vez.



Informações Sobre o Autor

Carlos Eduardo Rios do Amaral

Defensor Público do Estado do Espírito Santo


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