Estudo sobre os terrenos de mangue, seu domínio e tutela jurídica

Resumo: O presente estudo versa sobre os manguesais, terrenos onde crescem árvores da espécie das Rizoforáceas e que são considerados, por sua natureza, como de preservação permanente e área de proteção ecológica, muito embora não sejam esses imóveis discriminados expressamente como bens da União na Constituição Federal.


Palavras-chave:  Manguezal – mangue – Preservação Permanente – Domínio


Mots-clés: Mangrove – mangrove – permanente préservation – domaine


Sumário: 1. Introito 2. A definição legal 2.1.  Atos administrativos 3. Conceituação 4. Do domínio do manguezal 5. Conclusão.


“Não basta conhecer as regras aplicáveis para determinar o sentido e o alcance dos textos. Parece necessário reuni-las e, num todo harmônico, oferecê-las ao estudo, em um encadeamento lógico.”[1] Carlos Maximiliano


1. Introito. – A gestão dos bens públicos no Brasil, segundo bem observa Marcos Luiz da Silva, se apresenta como uma das mais complexas e de difícil solução, notadamente no que concerne à conservação e guarda desses bens, pois envolve o seu estudo uma vasta legislação, normas administrativas e notariais, em alguns casos com textos que remetem ao período colonial da história do país, tornando a pesquisa do assunto tarefa quiçá cansativa na apreciação da doutrina e jurisprudência nacional, esta nem sempre pacífica.[2]


O presente estudo versa sobre os manguezais, ecossistema onde crescem árvores da espécie das Rizoforáceas, como, por exemplo, o mangue-vermelho (Rhizofora Mangle), o mangal branco (Avicenia marina) a Brugghiera gymnorhyza e a Ceriopstagal, que são considerados, por sua natureza, como de preservação permanente e área de proteção ecológica, muito embora não sejam esses imóveis discriminados expressamente como bens da União na Constituição Federal (art.20).


2. A definição legal – O Conselho Nacional do Meio Ambiente-CONAMA, através da Resolução 303/2002, adota a seguinte definição para manguezal: “Art. 2º omissis – IX – manguezal: ecossistema litorâneo que ocorre em terrenos baixos, sujeitos à ação das marés, formado por vasas lodosas recentes ou arenosas, às quais se associa, predominantemente, à vegetação natural conhecida como mangue, com influência flúvio-marinha, típica de solos limosos de regiões estuarinas e com dispersão descontínua ao longo da costa brasileira, entre os Estados do Amapá e Santa Catarina.”


São esses ambientes considerados áreas de preservação permanente pela lei nº 4.771/1965, instituidora do Código Florestal, conforme está expresso no art. 2º, “a” e “f”, que assim dispõe:


Art. 2º – Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:


a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d`água desde o seu nível mais alto em   faixa marginal cuja largura mínima será:


1 – de 30 (trinta) metros para os cursos d`água de menos de 10 (dez) metros de largura;


2 – de 50 (cinqüenta) metros para os cursos d`água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinqüenta) metros de largura;


3 – de 100 (cem) metros para os cursos d`água que tenham de 50 (cinqüenta) a 200 (duzentos) metros de largura;


4 – de 200 (duzentos) metros para os cursos d`água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;


5 – de 500 (quinhentos) metros para os cursos d`água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros; (…)


f) nas restingas, como fixadoras de duna ou estabilizadoras de mangues.”


2.1.Também, a resolução CONAMA nº 04/1985 já dispunha que o manguezal é considerado como Reserva Ecológica (art. 3º, VIII), e a lei 7.661/88, que instituiu o Plano de Gerenciamento Costeiro, em seu art. 3º, inciso I, impõe prioridade à sua conservação e proteção, em caso de zoneamento, entre outros, aos mangues. Atualmente, o art. 3º, X, da Resolução CONAMA nº 303/2002 é expressa ao prescrever que são de preservação permanente as áreas situadas em manguezal, em toda a sua extensão.


O dicionário Aulete define o substantivo masculino manguezal como mangue, e o Michaelis como: “1. Terreno pantanoso das margens das lagoas, portos, desaguadouros dos rios, onde, em geral, vegeta o mangue (planta). Margem lamacenta de portos, rios etc., aonde chega a água salgada. 2.Floresta junto às praias e às fozes dos rios.”


3. Portanto, somente tem ele em comum com os terrenos de marinha[3] a sujeição às ações das marés e a unicidade de domínio, pois ambos pertencem à União. Durante a maré alta, o manguezal mostra-se salgado. Na maré baixa, exibe uma lama fina, rica em raízes trançadas e duas vezes ao dia ocorrem fluxo e refluxo, cobrindo e descobrindo o terreno lamacento. Em conexão a esse processo, estão dois fatores do ambiente que limitam e especializam a vegetação do mangue: o conteúdo salino e a carência de oxigênio. Devido à grande quantidade de matéria orgânica em decomposição, o mangue apresenta odor de enxofre característico. Mas, por apresentar essa grande quantidade de matéria orgânica e por ser uma região abrigada das ondas, o mangue é escolhido por muitas espécies de crustáceos e de outros organismos como local de desova: as características do mangue fizeram, pois, com que surgissem adaptações na flora para conseguir sua sobrevivência e evolução. Um exemplo é a existência de raízes de escora, raízes aéreas (pneumatóforos), espécies essas produtoras de frutos.[4]


Fica, portanto, bem evidenciado que a conceituação dos terrenos de marinha[5] é incompatível com a configuração física dos manguezais. A existência de um manguezal exclui de plano a faixa de terrenos de marinha, seja no interior da área de mangue, seja a partir de onde ela termina para o lado do mar.


4. Do domínio do manguezal RODRIGO OCTÁVIO, comentando a primeira Carta republicana,[6] em monografia premiada pelo Instituto dos Advogados, anota que “na cidade do Rio de Janeiro os mangues occupavam uma grande área, em parte desecada depois da construcção do Canal do Mangue. Extendia se, assim, muito além da faixa dos terrenos de marinha, e, fazendo parte do domínio privado do Estado, foram sempre tratados do mesmo modo que os terrenos de marinha e nos mesmos actos, conjuntamente com estes. O domínio nacional sobre esses terrenos decorre da ordem régia de 4 de Dezembro de 1678, por força da qual foram os moradores da cidade mantidos na posse, em que se achavam, de cortar mangue, por serem taes mangues da regalia d`el rey. [7]


4.1Nessa excelente obra leia-se que, “além dos terrenos de marinha devem, como bens do domínio do Estado, ser tomados em consideração os terrenos de mangue. (…) Só ultimamente, por força do art. 2º, V, § 5º, da lei n.3979 de 31 de dezembro de 1919, foi pelo Dec. n. 14.596 de 31 de dezembro de 1920, dado regulamento para arrendamento dos terrenos de mangue, de propriedade da União. Por esse acto, taes terrenos, divididos em lotes de cinco hectares, cada um, poderão ser arrendados alternadamente. O arrendamento será feito mediante concorrência pública e pelo prazo máximo de nove anos.”


Observou esse autor que a lei 38, de 3 de outubro de 1834, art. 37, § 2º, havia autorizado a Câmara Municipal do Rio de Janeiro a aforar tais terrenos, percebendo os respectivos foros, havendo, em data de 30 do mesmo mês e ano, expedido o Ministério da Fazenda instruções para as ditas concessões. Essa mesma situação foi mantida pelo decreto n. 4105, de 22 de fevereiro de 1868, que, regulando a concessão dos terrenos de marinha, dos reservados nas margens dos rios e dos acrescidos natural ou artificialmente, aos terrenos do mangue vizinho à cidade nova do Rio de Janeiro se referiu no art. 10, para determinar que fossem aforados como o eram os terrenos de marinha no distrito da Corte.


Atualmente, em decorrência das limitações legais incidentes sobre os terrenos de mangue, a concessão do uso desse ecossistema é absolutamente inviável, sujeitando-se os infratores da legislação protetiva especial e de atos administrativos, às sanções do ordenamento repressivo, tais como contravenções e crimes previstos no Código Penal (art.28 do Código Florestal).


5.Conclusão – Assim, temos que pela legislação do Brasil-Colônia, as leis infraconstitucionais do Império e da primeira República, estabelecido ficou, sem maior indagação, a titularidade do domínio desses terrenos pela Coroa, como privilégio do Rei e posteriormente pela União. De qualquer forma, arredando dúvidas, temos ainda que o vigente decreto-lei 9.760/1946 inclui entre os bens da União os imóveis que foram do domínio da Coroa (art. 1 º, letra “j”), e, obviamente, como tais devem ser considerados os manguezais, que eram de regalia e do domínio privado da Casa Real de Orleans e Bragança.


 


Notas:

[1] “Hermenêutica e Aplicação do Direito”, p.5, 9ª edição/1ª tiragem-Forense-RJ. -1980.

[2]   “Dos terrenos marginais da União: Conceituação a partir da Constituição Federal de 1988”-AGU nº 82-Nov/2008.

[3]  Leia DIOGENES GASPARINI, Direito Administrativo, 2003, p.727/728: “Os terrenos de marinha não se confundem com os acrescidos, os reservados e os de mangue, salvo pela unicidade do domínio, pois todos pertencem à União.”

[4]  www.vivaterra.org.br/zona costeira

[5]  Decreto-Lei 9768/1946, art. 2º – São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha de preamar- médio de 1831: a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés; b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde se faça sentir a influência das marés.- § único. Para os efeitos deste artigo a influência das marés é caracterizada pela oscilação periódica de 5 (cinco) centímetros pelo menos, do nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano.

[6]  “DO DOMÍNIO DA UNIÃO E DOS ESTADOS”, pp. 156/159, 2ª edição, 1924-Livraria Acadêmica Saraiva & C-Editora- S.Paulo. (Obra também citada em “Constituição Federal Brazileira de 1891”, pág. 272, comentada por JOÃO BARBALHO UCHOA CAVALCANTI, Rio de Janeiro).

[7] Redação original.


Informações Sobre o Autor

Sergio Miranda Amaral

Advogado (OAB 34438/SP) Procurador do Município (aposentado)


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