Resumo: O presente estudo visa analisar os limites do planejamento tributário, especialmente suas formas, evasão e elisão fiscal, assim como criticar a norma antielisiva, disposta no art. 116, parágrafo único do Código Tributário Nacional. Trata, preliminarmente, dos princípios constitucionais, aborda o nascimento e concretização da relação jurídico-tributária, por fim, passa a criticar a norma antielisiva (art. 116, parágrafo único do CTN).
Sumário: 1. O poder de tributar delimitado pela Constituição Federal. 1.1 Considerações Iniciais. 1.2 Princípios Constitucionais. 1.2.1 Legalidade e Tipicidade. 1.2.2 Isonomia ou Igualdade Tributária. 1.2.3 Capacidade Tributária. 1.2.4 Irretroatividade da Lei Tributária. 1.2.5 Anterioridade da Lei Tributária. 1.2.6 Vedação de Tributo Confiscatório. 1.2.7 Livre Iniciativa e Legalidade Negativa. 2. Relação jurídico-tributária. 2.1 Generalidades. 2.2 Hipótese de Incidência. 2.3 Fato Gerador. 2.4 Obrigação Tributária. 2.5 Crédito Tributário. 3. Planejamento tributário. 3.1 Generalidades. 3.2 Evasão Fiscal. 3.3 Elisão Fiscal. 3.4 Norma Antielisiva. Considerações finais. Referências bibliográficas.
1. O PODER DE TRIBUTAR DElimitaDO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
1.1 Considerações Iniciais
O professor Eduardo Sabbag[1] introduz a matéria direito tributário, em sua obra “Elementos do Direito”, dispondo:
“O direito tributário é uma disciplina componente do direito público, tendo natureza obrigacional, pois se refere à relação de crédito e débito que nasce entre sujeitos da relação jurídica. Por essa razão, ganha o Direito Tributário o rótulo de ramo do Direito das Obrigações.
Tal relação jurídica é polarizada, destacando-se no pólo ativo (credor) os entes tributantes: pessoas jurídicas de Direito Público interno, também conhecidas como Fiscos, isto é, União, Estados, Municípios e o Distrito Federal. No pólo passivo (credor), encontra-se a figura do contribuinte representado pelas pessoas físicas ou jurídicas.
Dessa forma, cria-se o cenário afeto à natural invasão patrimonial, caracterizadora do mister tributacional, em que o credor (Fisco) avança em direção ao patrimônio do devedor (Contribuinte) de maneira compulsória, a fim de que logre retirar valores, que denominamos tributos, carreando-os para os seus cofres. Tal invasão é inexorável, não havendo como dela se furtar, exceto se o tributo apresentar-se ilegítimo, i.e., fora dos parâmetros impostos pela Constituição Federal, o que poderá ensejar a provocação do Poder Judiciário, no intuito de que se proceda à correção da situação jurídica.
A Constituição Federal impõe limites ao poder de tributar, ou seja, limites ao poder de invadir o patrimônio do contribuinte. […].”
Dessa forma, o contribuinte, frente à fúria arrecadatória dos entes tributantes, deve analisar a atividade estatal considerando os limites do poder de tributar (especialmente os princípios constitucionais), como forma de defender seu patrimônio e gerenciar seus custos.
Nesse sentido, o planejamento tributário visa à diminuição de gastos através da redução da carga tributária. Contudo, para o estudo da matéria, faz-se necessário verificar os princípios constitucionais, que, além de serem norteadores do direito material, são aliados do contribuinte no projeto de redução fiscal.
Por conseguinte, passa-se a discutir os princípios constitucionais assecuratórios do planejamento tributário.
1.2 Princípios Constitucionais
1.2.1 Legalidade e Tipicidade
O princípio da legalidade garante aos cidadãos a concretização dos ideais de justiça e segurança jurídica, pois, em regras, os tributos devem ser instituídos ou aumentados em virtude de lei.
A legalidade tributária não permite a mera autorização de lei para a instituição de tributos. Ao contrário, exige-se que a norma defina todos os elementos da regra matriz de incidência tributária, ou seja, descrição do fato tributável, definição da base de cálculo e da alíquota, ou critérios para o estabelecimento do valor do tributo, identificação dos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária.
O art. 150, I, da Constituição assim dispõe:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; […]”
Dessa forma, não terá a autoridade administrativa discricionariedade para definir a incidência e aplicação do tributo. Então, diante da obrigatoriedade do legislador em fixar todos os pontos essenciais à norma tributária, Luciano Amaro (2003, p. 113), destaca o princípio da tipicidade tributária, como derivação da legalidade:
“Isso leva a uma expressão da legalidade dos tributos, que é o princípio da tipicidade tributária, dirigido ao legislador e ao aplicador da lei. Deve o legislador, ao formular a lei, definir, de modo taxativo (numerus clausus) e completo, as situações (tipos) tributáveis, cuja ocorrência será necessária e suficiente ao nascimento da obrigação tributária, bem como os critérios de quantificação (medida) do tributo. Por outro lado, ao aplicador da lei veda-se a interpretação extensiva e a analogia, incompatível com a taxatividade e determinação dos tipos tributários.”
A obrigatoriedade de lei para disciplinar a incidência de tributos impõe sua plenitude, ou seja, lei material e formal. A legalidade não se contenta com a simples existência do comando abstrato, geral e impessoal (lei material), na valoração dos fatos. A segurança jurídica exige lei formal, ou melhor, obriga-se que aquele comando, além de abstrato, geral e impessoal (reserva de lei material), seja formulado por órgão do poder legislativo.
A fim de enfatizar a correlação entre a segurança jurídica e o princípio da legalidade, cumpre transcrever o entendimento do doutrinador Hugo de Brito Machado, ao comentar o art. 150, I da Constituição Federal[2]:
“Legalidade e Segurança Jurídica […]
Sendo a lei a manifestação legitima da vontade do povo, por seus representantes e parlamentares, entende-se que o ser instituído em lei significa ser o tributo consentido. O povo consente que o Estado invada seu patrimônio para dele retirar os meios indispensáveis a satisfação das necessidades coletivas. Mas não é só isto. Mesmo não sendo a lei, em certos casos, uma expressão desse consentimento popular, presta-se o princípio da legalidade para garantir a segurança nas relações do particular (contribuinte) com Estado (fisco), as quais devem ser inteiramente disciplinadas, em lei, que obriga tanto o sujeito passivo como o sujeito ativo da relação obrigacional tributária.
Não é necessário discorrer a respeito da importância da segurança jurídica como valor fundamental a ser preservado pelo Direito. Sabemos todos que a segurança, além de ser importante para viabilizar as atividades econômicas, é essencial para a vida do cidadão. Nem é necessário demonstrar a importância do princípio da legalidade como instrumento de realização da segurança jurídica. Ela é evidente. E qualquer amesquinhamento do princípio da legalidade implica sacrificar a segurança.
Por tais razões o princípio da legalidade tem sido concebido pela doutrina como uma exigência de previsão legal específica das hipóteses de incidência tributária, tendo essa concepção doutrinaria sido incorporada pelo Código Tributário Nacional, que explicitou em seu art. 97, estabelecendo que somente a lei pode estabelecer, entre outros elementos essenciais nas relação tributária, a definição do fato gerador da obrigação principal, vale dizer, o fato gerador do dever jurídico de pagar tributo.
Isso que dizer que temos em nosso sistema jurídico o princípio da legalidade a exigir tipos tributários, tal como no direito penal existem os tipos penais. Ao legislador cabe, para preservação a segurança jurídica propiciada pelo princípio da legalidade é a esta diretamente proporcional. Como assevera João Dácio Rolim, com inteira propriedade, “Quanto maior a precisão desse tipos, menor a margem de incerteza e a possibilidade de arbitrariedade por parte do interprete da lei ou das próprias regras surgidas pela jurisprudência.”
Embora, o absolutismo do princípio da legalidade, a Constituição Federal, em determinados casos, o excepciona, no que tange a certos impostos e contribuições de intervenção no domínio econômico. Nesses casos, é facultado ao Poder Executivo, somente, a alteração de alíquotas legalmente fixadas.
O doutrinador Leandro Paulsen (2005, p. 184) expõe os tributos que rompem com a restritividade legislativa:
“A legalidade tributária constitui direito fundamental do contribuinte, sendo, portanto, cláusula pétrea, conforme destacado em nota introdutória às limitações ao poder de tributar. As atenuações à legalidade (autorizações para que o Executivo altere alíquotas) são apenas as expressas no art. 153, §3°, 1°, da CF. A referência a tal dispositivo, ao II, IE, IPI e IOF é taxativa, não admitindo ampliação sequer por Emenda Constitucional. […]”
Como se verifica, o princípio da legalidade é regra essencial ao sistema tributário. Historicamente foi uma das primeiras garantias a surgir em favor do contribuinte, contudo, figurando hoje como um importante instrumento de limitação ao poder de tributar.
Salienta-se que no decorrer do estudo será abordado o princípio da legalidade negativa em conjunto com a livre iniciativa, já que garantem ao cidadão ampla liberdade de agir e empreender, excepcionada apenas por lei específica.
Demonstrada, então, a importância da legalidade, passa-se a enfocar o Princípio da Isonomia Tributária, como forma de preservar a retidão na cobrança de tributos.
1.2.2 Isonomia ou Igualdade Tributária
O princípio da isonomia está inserido, primeiramente, no capítulo dos direitos e deveres individuais e coletivos da Carta Magna (artigo 5°, caput,), assegurando que todos são iguais. Assim, em diversos outros pontos do dispositivo constitucional, de forma incessante o legislador originário dispôs sobre o tema.
Dessa forma, o princípio da igualdade é novamente assegurado, mas agora, exigindo isonomia na cobrança de tributos, como dispõe o artigo 150, II da Constituição Federal:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: […]
I- instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos; […]”
Em regra, o princípio da igualdade determina que todo o contribuinte que se enquadre na hipótese legalmente descrita estará sujeito ao mandamento legal. Nesse caso, a isonomia dedica-se ao aplicador da lei, ou seja, não poderá o administrador diferenciar os indivíduos para efeito de submetê-lo ou não ao mandamento legal. Contudo, o princípio é mais amplo ainda, pois veda ao legislador que disponha sobre tratamentos diversos para situações iguais ou similares.
O princípio da isonomia possui como objetivo direto a afirmação de que todos são iguais, sendo proibidas quaisquer discriminações. Já de forma indireta, o preceito visa garantir aos indivíduos perseguições e favoritismos de determinados setores, particularmente, no campo tributário.
O doutrinador Luciano Amaro (2003, p. 134) discute, aproveitando-se do pensamento de Celso Antonio Bandeira de Mello, a efetivação do princípio da igualdade tributária e a sua íntima relação com o princípio da capacidade contributiva:
“Tem-se de pôr, agora, outra face do princípio, segundo a lição clássica de que a igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade. Celso Antônio Bandeira de Mello, reconhecendo a procedência dessa assertiva, coloca a questão de identificar quem são os iguais e quem são os desiguais, ou seja, “que espécie de igualdade veda e que tipo de desigualdade faculta a discriminação de situações e pessoas sem quebrar a agressão aos objetivos transfundidos no princípio constitucional da isonomia?”
O problema – parece-nos – deve ser colocado em termos mais amplos: além de saber qual a desigualdade que faculta, é imperioso perquirir a desigualdade que obriga a discriminação, pois o tratamento diferenciado de situações que apresentem certo grau de dessemelhança, sobre decorrer do próprio enunciado do princípio da isonomia, pode ser exigido por outros postulados constitucionais, como se dá, no campo dos tributos, à vista do princípio da capacidade contributiva, com o qual se entrelaça o enunciado constitucional da igualdade. Deve ser diferenciado (com isenções ou com incidência tributária menos gravosa) o tratamento de situações que não revelem capacidade contributiva ou que mereçam um tratamento fiscal ajustado à sua menor expressão econômica.
Hão de ser tratados, pois, como igualdade aqueles que tiverem igual capacidade contributiva, e com desigualdade os que revelem riquezas diferentes e, portanto,diferentes capacidade de contribuir.”
Por certo, o princípio da igualdade tributária é pressuposto essencial do ordenamento jurídico, no entanto, no que tange a incidência de tributos, o princípio da capacidade tributária, de certa forma, efetiva o ajuste da igualdade ao mundo dos fatos.
Portanto, diante da grande importância do princípio da capacidade contributiva para operacionalizar o principio da igualdade, bem como para promover o equilíbrio social, será, a seguir, melhor detalhado.
1.2.3 Capacidade Tributária
O princípio da capacidade contributiva operacionaliza, em matéria tributária, os valores de “solidariedade” e “justiça”, que constituem objetivos fundamentais da República[3]. (Moschetti, apud SCHOUERI, 2005, p. 281)
Assim dispõe o artigo 145, §1° da Constituição Federal:
“Art. 145- A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: […]
§1° Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.”
O princípio da capacidade contributiva baseia-se, fundamentalmente, na ordem natural dos acontecimentos, ou seja, onde não houver riqueza é inútil instituir impostos. Contudo, o princípio visa, não só preservar a eficácia da lei de incidência, mas também preservar o contribuinte, buscando evitar uma tributação excessiva (incoerente com sua capacidade contributiva) que inviabilize sua subsistência econômica.
Cumpre distinguir, no entanto, os termos “capacidade contributiva” e “capacidade econômica”, utilizado este no §1° do referido dispositivo constitucional. Para tanto, destaca-se as conclusões de José Maurício Conti, citado por Edílson Pereira Nobre Júnior (2001, p. 33) quando promoveu a diferenciação desses dois institutos:
“A capacidade econômica é aquela que todos- ou quase todos- têm. É a aptidão dos indivíduos de obter riquezas- exteriorizada sob a forma de renda, consumo ou patrimônio. Já a capacidade contributiva- fazemos a análise aqui apenas quanto ao seu aspecto subjetivo, que dá origem às diversas interpretações- refere-se à capacidade dos indivíduos de arcar com os ônus tributários, de pagar tributos. A capacidade contributiva é, pois, uma capacidade econômica específica- refere-se à aptidão para suportar determinada carga tributária.”
O princípio da capacidade contributiva, inserido no contexto econômico, instrumentaliza-se através da progressividade e da seletividade, considerados, por alguns doutrinadores, como princípios. A progressividade ocorre quando o imposto possui sua alíquota majorada, na medida em que aumenta sua base tributável, de forma a onerar aquele que possui maior riqueza. Já a seletividade acontece quando as alíquotas dos impostos são diferentes, tendo em vista o objeto tributável.
Assim, passa-se a análise do princípio da irretroatividade da lei tributária, intimamente relacionado à segurança jurídica.
1.2.4 Irretroatividade da Lei Tributária
A norma jurídica, normalmente, projeta sua eficácia para o futuro. A própria Lei de Introdução ao Código Civil[4] dispõe que a lei em vigor terá efeito imediato e geral. No entanto, em muitos casos, de forma expressa, pode a lei referir-se a fatos pretéritos atribuindo-lhes ou modificando-lhes efeitos jurídicos.
A Constituição Federal estabelece a irretroatividade relativa da lei ao expor que está não poderá atingir o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, como dispõe o artigo 5°, XXXVI. Então, obedecidas às restrições, a lei poderá, em princípio, voltar-se para o passado, se o disser expressamente ou se isso decorrer da própria natureza da lei; contudo se nada disso ocorrer ela vigorará para o futuro.
Nesse sentido, a Carta Magna consagra no artigo 150, III, “a” o princípio da irretroatividade da lei tributária:
“Art. 150- Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: […]
II- cobrar tributos:
a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituídos ou aumentados; […]”
Por certo, o princípio da irretroatividade da lei tributária constitui um dos marcos de preservação do contribuinte contra o arbítrio do Estado, por assegurar o conhecimento prévio, da carga tributária a que está sujeito. A cláusula de irretroatividade está baseada no princípio da segurança jurídica, o qual deve nortear a atuação do legislador e do aplicador do direito.
Humberto Bergamnn Ávila citado por Leandro Paulsen (2005, p. 221), trata da importância do princípio da segurança jurídica na sociedade:
“O principio da segurança jurídica (CF: preâmbulo, art. 5°, caput; art. 6°, caput) tem por finalidade garantir estabilidade aos direitos estabelecidos em nível constitucional e previsibilidade quanto aos efeitos jurídicos dos atos normativos, razão pela qual é exteriorizado, particularmente, por meio de normas específicas que instituam garantias: irretroatividade (CF: art. 5°, XXXVI e XL; art. 150, III, ‘a’), legalidade (CF: art. 5°, II, e art. 150, I) e anterioridade tributária (CF: art 150, III, ‘b’).”
Em síntese, o princípio da irretroatividade da lei tributária veda a aplicação da lei nova que crie ou aumente tributo relativo a fato pretérito. Tal preceito, em nome da segurança jurídica e da igualdade, é dirigido, não só ao aplicador da lei, lhe sendo vedado fazer incidir sobre fatos pretéritos, mas também ao legislador, a quem fica proibido de estabelecer normas de tributação de fatos passados ou para majorar tributos já existentes.
Contudo, passa-se a analisar o princípio da anterioridade da lei tributária, norma de suma importância para a estabilidade do ordenamento jurídico no que tange a cobrança de tributos.
1.2.5 Anterioridade da Lei Tributária
A anterioridade de exercício, disposta no artigo 150, III, “b” da Constituição Federal, soma-se à irretroatividade, já analisada, bem como à anterioridade mínima de 90 dias, estabelecida pela alínea “c”, inciso III do mesmo dispositivo constitucional, como forma de garantir ao contribuinte segurança jurídica. Para verificar a vigência de uma norma tributária, em regra, não bastará, apenas, a obediência a anterioridade de exercício, mas, cumulativamente, o interstício mínimo de 90 dias desde a sua publicação.
Primeiramente, passa-se a análise da anterioridade de exercício determinada no art. 150, III, “b” da Constituição Federal:
“Art. 150- Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: […]
III – cobrar tributos: […]
b) no mesmo exercício financeiros em que haja sido publicado a lei que os instituiu ou aumentou; […]”
O texto garante, em princípio, que o contribuinte somente estará sujeito, no que tange à instituição e majoração de tributos, às leis publicadas até 31 de dezembro do ano anterior.
Para tanto, a anterioridade visa proteger o contribuinte contra eventuais surpresas de alterações tributárias, ao longo do exercício financeiro que se encontre, situação que afetaria o planejamento de suas atividades. Em observância a esse princípio, sabe-se, ao início de cada exercício, quais as normas que serão aplicadas ao longo do exercício.
No entanto, a fim de atender as necessidades do contribuinte, assegurando a segurança jurídica em matéria tributária, foi acrescido ao texto constitucional, através da Emenda Constitucional n.° 42/2003, a alínea “c” do artigo 150, III. A anterioridade mínima determina a impossibilidade de ocorrer alterações na legislação, por exemplo, em 31 de dezembro, instituindo ou majorando tributos, para começarem a viger a partir de 1° de janeiro do exercício seguinte, como forma evidente de burlar a legislação[5].
Assim trata o referido disposto constitucional:
“Art. 150- Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: […]
III- cobrar tributos: […]
c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea “b”; […]”
O doutrinador Leandro Paulsen (2005, p. 235-236), em sua obra, Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência, expõe, com propriedade, a anterioridade mínima associando-a com a anterioridade de exercício:
“Denominamos esta nova garantia de ‘anterioridade mínima’ justamente porque estabelece o prazo mínimo a ser observado; antes do seu decurso, não mais é possível a vigência válida da lei que aumente a carga tributária, salvo exceções constitucionalmente previstas. A anterioridade mínima vem reforçar a garantia da anterioridade de exercício. Os tributos em geral continuam sujeitos à anterioridade de exercício (a lei publicada num ano só pode incidir a partir do ano seguinte), mas não haverá incidência antes de decorridos, no mínimo, 90 dias da publicação da lei instituidora ou majoradora. Assim, e.g., publicada a lei majoradora em março de um ano, só a partir de 1° de janeiro é que poderá incidir, pois observadas cumulativamente a anterioridade de exercício (publicação num ano para incidência no exercício seguinte) e a anterioridade mínima (decurso de 90 dias desde a publicação). Publicada, contudo, no final de dezembro de determinado ano, não poderá incidir já a partir de 1° de janeiro (o que atenderia à anterioridade de exercício mas não à anterioridade mínima), tendo, sim, que aguardar o interstício de 90 dias incidindo, então, a partir do 90° dia, que se completará no final de março; publicada a lei em novembro, apenas em fevereiro, satisfeitas cumulativamente a anterioridade de exercício e a anterioridade mínima de 90 dias, é que poderá incidir, gerando obrigações tributárias. A aliena “c” traz regra que se aplicará, pois, cumulativamente à anterioridade de exercício, reforçando a garantia de previsibilidade concedida ao contribuinte.”
Apesar da severidade da anterioridade de exercício associada à anterioridade mínima, a própria Constituição Federal dispõe sobre exceções ao referido preceito. Contudo, no mesmo dispositivo legal (artigo 150), no parágrafo 1°, são elencados tributos que pelo seu caráter excepcional não obedecem à anterioridade de exercício e/ou a mínima, note-se que o rol é taxativo e específico para o assunto:
“§1° A vedação do inciso III, “b”, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, IV e V; e 154, III; e a vedação do inciso III, c, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, III e V; e 154, II, nem à fixação da base de cálculo dos Impostos previstos nos art. 155, III, e 156, I.”
Portanto, verifica-se que o princípio da anterioridade, lato sensu, é de grande valia para a organização e estruturação do ordenamento jurídico tributário, assim como o princípio do não confisco, que será a seguir mais bem estudado.
1.2.6 Vedação de Tributo Confiscatório
O texto constitucional, nos artigos 5°, XXIV e artigo 170, II, garante o direito de propriedade e coíbe o confisco, ao estabelecer prévia e justa indenização nos casos que permite a desapropriação
Dessa forma, a fim de vedar a cobrança de tributos de maneira excessiva, comprometendo o patrimônio do contribuinte, a Constituição Federal reafirmou o princípio econômico da propriedade, proibindo a tributação confiscatória junto ao artigo 150, IV:
“Art. 150- Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: […]
III- utilizar tributo com efeito de confisco; […]”
Por certo, a cobrança de tributos traduz transferências compulsórias de valores individuais para o Estado, a fim de que esse possa reafirmar-se em seus propósitos sociais, econômicos e políticos. Assim, desde de que a tributação se faça nos limites autorizados pela Carta Magna, a mudança de propriedade será legitima e não confiscatória.
Em síntese, tal preceito objetiva evitar que, por meio do tributo, o Estado anule a riqueza privada. Para tanto, utiliza-se do princípio da capacidade contributiva, já mencionado, para conservar a capacidade econômica do indivíduo.
Antonio Roque Carraza, citado por Leandro Paulsen (2005, p. 237), discute o princípio do não-confisco como fundamento da capacidade contributiva:
‘Estamos também convencidos de que o princípio da não-confiscatoriedade… deriva do princípio da capacidade contributiva. Realmente, as leis que criam impostos, a levarem em conta a capacidade econômica dos contribuintes não podem compeli-los a colaborar com os gastos públicos além de suas possibilidades. Estamos vendo que é confiscatório o impostos que, por assim dizer, esgotar a riqueza tributável das pessoas, isto é, que não leva em conta suas capacidades contributivas.’
Entretanto, em muitos casos, os tributos poderão aparentar caráter confiscatório, tendo em vista sua natureza não apenas tributária, mas também econômica.
Igualmente, tratando dos fundamentos do Estado Brasileiro, cumpre expor o princípio da livre iniciativa associado a legalidade negativa.
1.2.7 Livre Iniciativa e a Legalidade Negativa
A livre-iniciativa constitui um dos pilares do liberalismo tanto que o art. 170 da Constituição Federal a define como fundamento da República Federativa do Brasil, como se verifica:
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes: […]
Parágrafo Único: É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”
A livre-iniciativa permite aos indivíduos ousarem na criação de produtos, idéias ou serviços, a fim de conquistarem o maior número de adeptos.
Conforme Gilvanci Antonio de Oliveira Sousa[6]:
“A livre iniciativa e o planejamento tributário se relacionam na medida em que ambos decorrem do exercício de liberdade no contexto de uma atividade empresarial, na escolha de um procedimento ou forma de negócio menos onerosa, do ponto de vista impositivo, do que se realiza de outro modo, no exercício da atividade econômica particular. Tais procedimento são realizados com base no direito de o empresário auto organizar-se, procurando sempre uma melhor eficiência administrativa, o que inclui a tributária, e que se submete apenas à Lei . Assim na ausência de dispositivo legal em contrário, o planejamento tributário é garantido como corolário da livre iniciativa, já que sempre buscará um incremento de resultados econômicos, ainda que decorrentes da redução da carga tributária.”
O princípio da livre iniciativa encontra-se intimamente relacionado com o princípio da legalidade negativa, garantido no a art. 5°, inciso II da Constituição Federal, já que ambos conferem autonomia ao cidadão, como se verifica:
“Art. 5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos seguintes termos: […]
II- ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. […]”
O princípio da legalidade negativa garante a todos os cidadãos liberdade de agir na sociedade, não podendo qualquer atividade ser obstada pelo Estado, sem prévia legislação proibitiva.
Como se verifica, a legalidade negativa apresenta-se como a outra face da legalidade tributária, anteriormente abordada. Assim, o contribuinte não terá seu patrimônio invadido pelo Estado, através da cobrança de tributos, se não pela autorização expressa de lei.
Para muitos, talvez a legalidade negativa não necessitasse ser abordado, já que a temática é inversa a do princípio da legalidade tributária. Contudo é primordial ao estudo do planejamento tributário sua especificação, pois é ele, associado à livre iniciativa que garantem ao contribuinte projetar a redução fiscal, mediante a visualização da legislação e dos possíveis negócios jurídicos lícitos.
Por conseguinte, após a análise dos princípios constitucionais delimitadores do poder de tributar do Estado e, em contrapartida, asseguradores do patrimônio particular do contribuinte, prossegue-se o estudo com os elementos essenciais da relação jurídico-tributária.
2. RELAÇÃO JURÍDICO-TRIBUTÁRIA
2.1 Generalidades
O direito surgiu como forma de ordenar a vida social dos seres humanos, disciplinando seus comportamentos e suas relações interpessoais, através da instituição de direitos e obrigações, assegurados por uma relação jurídica legalmente prevista.
Segundo Paulo de Barros Carvalho a relação jurídica “é definida como o vínculo abstrato, segundo o qual, por força da imputação normativa, uma pessoa, chamada de sujeito ativo, tem o direito subjetivo de exigir de outra, denominada sujeito passivo, o cumprimento de certa prestação.”[7]
Transpondo tal conceito para o direito tributário, verifica-se que a relação jurídico-tributária apresenta-se como o vínculo legal e abstrato no qual o Fisco, sujeito ativo, possui a prerrogativa de exigir do contribuinte, sujeito passivo, o pagamento do tributo ou algum fazer ou deixar de fazer.
Dessa forma, são elementos da relação jurídico-tributária a hipótese de incidência (mandamento legal abstrato), o fato gerador (concretização no mundo dos fatos da abstração legal), a obrigação tributária (direitos e deveres resultantes após a subsunção do fato a norma abstrata) e o crédito tributário (momento em que a obrigação tributária passa a ser exigível pelo Fisco).
2.2 Hipótese de Incidência
A hipótese de incidência tributária consiste no momento abstrato, previsto em lei, capaz de desencadear a relação jurídica. Apresenta-se como a abstração definida em lei de fatos e atos capazes de ensejar o nascimento da relação jurídica, momento em que direitos e deveres estarão determinados[8].
Apesar da aparente sinonímia entre hipótese de incidência e fato gerador, cumpre diferenciar tais institutos já que representam individualmente fases de concretização da relação jurídico-tributária.
Para tanto, transcrever-se parte dos ensinamentos do Ilustre Juiz Federal Leandro Paulsen[9] sobre o assunto:
“Hipótese de incidência X fato gerador. A melhor técnica aconselha que façamos a exata diferenciação entre hipótese de incidência e fato gerador. Aquela, a hipótese de incidência, corresponde à previsão em lei, abstrata, da situação que implica a incidência da norma tributária; este, o fato gerador, é a própria concretização da hipótese de incidência prevista na norma tributária, chama-se de fato gerador, pois, ao sofrer a incidência prevista na norma tributária, dá origem a obrigação tributária. A hipótese de incidência constitui o antecedente ou pressuposto da norma tributária impositiva.”
Dessa forma, a fim de avançar no estudo da relação jurídico-tributária passa-se a análise do fato gerador da obrigação tributária.
2.3 Fato Gerador
2.3.1 Considerações Iniciais
O Código Tributário Nacional conceitua e diferencia o fato gerador da obrigação tributária. O fato gerador da obrigação principal é a situação descrita em lei como indispensável a sua ocorrência (art. 114 do CTN). Já o fato gerador da obrigação acessória apresenta-se como qualquer situação que imponha a pratica ou abstenção de atos que não configure a obrigação principal (art. 115 do CTN).
O fato gerador, então, é a materialização da hipótese de incidência, ou seja, o indivíduo realiza um fato que se adapta (subsume) ao comando da lei. A partir desse momento o cidadão, passa a condição de “obrigado” ao pagamento de determinada quantia ou a prática ou a abstenção de determinados atos.
Para Amilcar Falcão[10] citado por Leandro Paulsen “o fato gerador é, pois, o fato, o conjunto de fatos ou o estado de fatos, a que o legislador vincula o nascimento da obrigação jurídica de pagar um tributo determinado”.
É importante enaltecer que o fato gerador, nos termos do art. 4° do CTN, define a natureza jurídica do tributo (taxas, impostos, contribuições de melhoria), valendo lembrar a irrelevância para qualificá-lo do nome e da definição expressa em lei e da destinação legal do produto de sua arrecadação.
Cabe ressaltar, ainda, que o fato gerador ganha expressivo destaque por definir a lei (no tempo) a ser aplicada no momento da cobrança do tributo, em respeito ao Princípio da Irretroatividade da Tributária (art. 150, III, “a”, da CF). Nota-se que em uma autuação fiscal, deve a fiscalização valer-se da lei contemporânea ao fato gerador, sob pena de veicular uma retroatividade legal, o que é expressamente proibido pela Constituição Federal.
Por conseguinte, passa-se a análise dos elementos, também chamados de aspectos ou critérios, do fato gerador, essenciais ao estudo da obrigação tributária e conseqüentemente do planejamento tributário.
2.3.2 Elementos do Fato Gerador
Como estudado, o fato gerador nasce de uma situação material concreta prevista em lei; como por exemplo, adquirir renda diz-se que é o fato gerador do imposto de renda; exportar mercadorias constitui-se o fato gerador do imposto de exportação; e a industrialização de produtos define-se como o fato gerador do imposto sobre produtos industrializados.
Nota-se que o núcleo do fato gerador é a ação ou situação prevista em lei, também chamada de elemento material. Contudo, em torno desse núcleo existem diversas circunstâncias também essenciais para a identificação da obrigação tributária, tais como elementos subjetivos, quantificativos, temporais e espaciais.
O elemento subjetivo se desdobra na análise dos sujeitos da relação jurídico-tributária. O sujeito ativo é a pessoa (Estatal ou não) que ocupa a condição de credora da obrigação tributária. O sujeito passivo é o devedor da obrigação, é identificável geralmente pela sua vinculação ao critério material. Para tanto, destaca-se que a situação concreta “auferir renda”, gera ao adquirente o dever de pagar o imposto de renda (sujeito passivo) e ao Fisco o direito de “impor”[11] o pagamento do tributo.
Já o “quantum debeatur” (elemento quantificativo) possui suas premissas na lei criadora do tributo. Nas situações mais singelas, o valor do tributo já vem estabelecido na própria norma, é o caso de muitas taxas.
Contudo, em diversas situações, a fim de obter a justiça fiscal conciliada aos princípios constitucionais, a legislação utiliza-se de outros critérios para a quantificação do tributo, a base de cálculo e a alíquota. Chama-se de base de cálculo a medida de grandeza do fato gerador, seja o número de unidades de mercadorias, o peso, a metragem, o valor, o preço e etc. Já a alíquota é representada por um percentual que aplicado sobre a base de cálculo determina o valor do tributo.
Outrossim, o aspecto espacial do fato gerador do tributo determina o lugar que nasceu a obrigação tributária. É importante tal critério, pois a mesma situação material na cidade de Rio Grande/RS pode não ser na cidade de Pelotas/RS, vizinhas geograficamente.
Finalmente, analisa-se o elemento temporal, para tanto cumpre transcrever parte dos ensinamentos de Luciano Amaro (2003. p.259) sobre o tema:
“O fato ocorre no tempo. O referido aspecto é relevante para efeito, em primeiro lugar, de identificação da lei aplicável: se o fato ocorreu antes do início da vigência da lei, ele não se qualifica sequer como gerador; se já era à vista da lei anterior (sob cuja vigência ocorreu), ele estará submetido, em regra, às disposições daquela lei, e não às da nova; se o fato ocorreu no período de vigência de uma isenção, ele é um fato isento, e não um fato gerador de obrigação. Deve-se, ainda destacar, o relevo das coordenadas de tempo do fato gerador do tributo à vista da existência de uma série de prazos para cumprimento de obrigações, ou exercício de direitos, que se contam a partir (ou em função) do momento em que ocorre o fato gerador do tributo.”
Após a decomposição do fato gerador em seus critérios, especialmente o temporal, faz-se necessário estudar as formas de concretização do fato gerador apoiadas pela doutrina.
2.3.4 Fatos Geradores Instantâneos, Periódicos e Continuados
A distinção doutrinária das formas de concretização do fato gerador é de significativo relevo, pois permite ao jurista focalizar, dentro os tantos fatos que envolvem o surgimento do tributo, o que realmente desencadeia o seu nascimento.
O fato gerador do tributo é considerado instantâneo quando sua concretização se dá em um determinado momento do tempo, sendo caracterizado por um ato ou negócio jurídico singular, que cada vez que é realizado, implica no nascimento do fato gerador e conseqüentemente da obrigação tributária. Exemplo típico é o imposto sobre circulação de mercadorias e serviços, o qual advém da simples saída da mercadoria do local de armazenagem.
Outrossim, o fato gerador do tributo pode ser, ainda, periódico, ou seja, quando sua realização se põe ao longo de um determinado espaço de tempo. Como explica Luciano Amaro (2003. p.260):
“Não ocorre hoje ou amanhã, mas sim ao longo de um período de tempo, ao término do qual se valorizam ‘n’ fatos isolados que, somados, aperfeiçoam o fato gerador do tributo. É tipicamente o caso do imposto sobre a renda periodicamente apurado, à vista de fatos (ingressos financeiros, despesas etc.) que, no conjunto realizam o fato gerador. […] o fato gerador periódico é um acontecimento que se desenrola ao logo de um lapso de tempo, tal qual um peça de teatro, em relação à qual não se pode afirmar que ocorra no fim do último ato; ela se completa nesse instante, mas ocorre ao longo do tempo, sendo inegável o relevo das várias situações desenvolvidas durante o espetáculo.”
Por fim, o fato gerador pode ser igualmente continuado, quando é representado por um evento que se perpetua no tempo e que é avaliado em cortes temporais.
Luciano Amaro[12] com propriedade compara o fato gerador continuado com os demais (periódico e instantâneo), como se verifica:
“Esse fato (continuado) tem em comum como o instantâneo a circunstancia de ser aferido e qualificado para fins de determinação da obrigação tributária, num determinado momento de tempo (p. ex., todo dia “x” de cada ano); e tem em comum com o fato gerador periódico a circunstancia de incidir por períodos de tempo. […]
Observe-se que, diferentemente do fato gerador periódico, não se busca computar fatos isolados ocorridos ao longo do tempo, para agregá-los num todo idealmente orgânicos. O fato gerador dito continuado considera-se ocorrido, tal qual o fato gerador instantâneo, num determinado dia, sem indagar se as características da situação alteram ao longo do tempo; importam as características presentes no dia em que o fato se considera ocorrido. […]”
Após a análise das formas de concretização do fato gerador (instantâneos, periódicos e continuados), criados pela doutrina, passa-se ao estudo do momento da ocorrência do fato gerador disciplinado pelo art. 116 do CTN.
2.3.5 Momento da Ocorrência do Fato Gerador
O art. 116 do Código Tributário Nacional visa disciplinar o momento da ocorrência do fato gerador, como se verifica:
“Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos:
I- tratando-se de situação de fato, desde o momento em que se verifiquem as circunstancias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios;
II- tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos do direito aplicável.”
Nota-se que o código preocupa-se em asseverar que situações de fato e jurídicas são capazes de proporcionarem o nascimento do fato gerador. Na verdade sua intenção é pontuar que determinados fatos (ou circunstâncias fáticas), que não tenham relevância jurídica para outras áreas do direito, possam ser eleita para fixar o tempo do fato gerador do tributo. Exemplo característico é o ICMS, normalmente o seu fato gerador é à saída da mercadoria do estabelecimento comercial, não obstante essa exata situação não produza efeitos na esfera comercial.
Dessa forma, o fato gerador ocorrerá a partir de uma situação material, quando ocorrer no mundo dos fatos à exata descrição da lei. No citado exemplo do ICMS, a legislação impõe a saída da mercadoria do estabelecimento comercial.
Já o fato gerador nascido a partir de uma situação jurídica, se concretiza quando o ato tornou-se perfeito ao direito, ou seja, capaz de produzir efeitos. Paulo de Barros Carvalho[13] cita como exemplo:
“Auferir renda líquida tributável (isto é, acima do limite anualmente estipulado) é fato jurídico, enquanto disciplinado normativamente, mas não consubstancia em si mesmo, um instituto jurídico, assim compreendido o plexo de disposições legais, reunidas pela ação de um fator aglutinante. […] No primeiro exemplo, havemos de perquirir se os efeitos próprios foram alcançados, examinando como se processou a percepção da renda líquida oferecida a tributação. […]”
Salienta-se, ainda, a preocupação Código Tributário Nacional com a identificação do fato gerador quando esse provenha de uma situação jurídica. O art. 117, nesse sentido, vem supletivamente regulamentar, que os atos ou negócios jurídicos condicionais reputam-se perfeitos e acabados, quando provenientes de condição suspensivas, desde o momento de seu implemento, e quando originários de condição resolutória, a partir do momento da prática do ato ou da celebração do negocio.
Pontuado o momento da ocorrência do fato gerador, passa-se a análise da forma, determinada pela legislação, de definição e interpretação do fato gerador.
2.3.6 Tributação de Atos Ilícitos e Ineficazes
O art. 118 do Código Tributário dispõe:
“Art. 118. A definição legal do fato gerador é interpretado abstraindo-se:
I- da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem com da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos;
II- dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos.”
Dessa forma, são irrelevantes para a ocorrência do fato gerador, a natureza do objeto dos atos praticados e os efeitos desses atos. Por conseguinte, haverá a incidência de imposto de renda sobre os proventos gerados pelo tráfico de drogas, por exemplo.
Nota-se que para análise do fato gerador deve prevalecer à interpretação objetivo (arts. 118 c/c 126 do CTN), ou seja, pontua-se a “fria” concretização do fato gerador, desconsiderando, para tanto, os aspectos subjetivos atinentes ao destinatário do tributário.
O professor Eduardo Sabbag[14] expõe didaticamente o tema:
“A guisa de curiosidade, diga-se que a máxima “tributo ‘non olet’”, na acepção de “tributo não tem cheiro”, deriva, historicamente, do diálogo entre o Imperador Vespasiano e seu filho Tito, em que este, indagando o pai sobre o porquê da tributação dos banheiros ou mictórios públicos, na Roma Antiga, foi levado a crer pelo Imperador que a moeda não exalava odor, como as cloacas, e, portanto, não se devia levar em conta aspectos extrínsecos ao fato gerador.
Por essa razão todos que realizarem o fato gerador deverão, em princípio, pagar o tributo. Não se avaliam dessarte, a nulidade ou anulabilidade do ato jurídico do ato jurídico, a incapacidade civil do sujeito passivo, ou mesmo a ilicitude do ato que gera o fato presuntivo de riqueza tributável; prevalece, sim, em caráter exclusivo, a análise do aspecto objetivo do fato gerador, em abono da equivalência necessária à sustentação do postulado da isonomia tributária.”
Frente a necessidade de uma interpretação restritiva do fato gerador, a fim de, até mesmo, preservar o princípio da igualdade, passa-se ao estudo da obrigação tributária.
2.4 Obrigação Tributária
2.4.1 Definição
Após a concretização da norma abstrata (hipótese de incidência) a um fato legalmente previsto (fato gerador), o contribuinte passa a compor uma relação jurídico-tributária (obrigação tributária), ocupando a condição de devedor e o Fisco a qualidade de credor. Contudo, até o momento, o Estado não tem condições de exigir o pagamento forçado, situação que ocorrerá com a constituição do crédito tributário mediante o lançamento.
Nos termos do art. 113 do CTN, a obrigação tributária será principal ou acessória. A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tendo como objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se junto com o crédito dela decorrente (§1°). Já a obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto prestações, positivas ou negativas nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos (§2°).
O código ainda ressalta que pela simples inobservância da obrigação acessória, converte-se essa em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária (§3°).
Segundo Hugo de Brito Machado, citado por Leandro Paulsen (2005. p. 935) a obrigação e o crédito tributário são figuras distintas no direito tributário:
“Obrigação e crédito tributário. “É sabido que obrigação e credito, no Direito privada, são dois aspectos da mesma relação. Não é assim, porém, no direito tributário brasileiro. O CTN distinguiu a obrigação (art. 113) do crédito (art. 139). A obrigação é um primeiro momento na relação tributária. Seu conteúdo ainda é determinado e o seu sujeito passivo ainda não esta formalmente identificado. Por isto mesmo a prestação respectiva ainda não é exigível. Já o crédito tributário é um segundo momento na relação de tributação. No dizer do CTN, ele decorre da obrigação principal e tem a mesma natureza desta (art. 139). Surge com o lançamento que confere à relação jurídica liquidez e certeza.
À obrigação corresponde não o crédito, mas o direito de lançar. […] ressalta, ainda, que a obrigação tributária corresponde não o credito, mas o direito do Fisco lançar.”
Dessa forma, a fim de aprofundar o estuda da obrigação tributária, ressaltam-se seus elementos.
2.4.2 Elementos da Obrigação Tributária
Conforme dispõe o professor Eduardo Sabbag[15] são elementos da obrigação tributária: 1) Sujeito ativo; 2) Sujeito passivo; 3) Objeto e; 4)Causa.
2.4.2.1 Sujeito Ativo
O sujeito ativo da obrigação tributária é pessoa jurídica de Direito Público titular da competência para exigir o seu cumprimento (art. 119 do CTN).
A sujeição ativa refere-se ao pólo ativo da relação jurídica. É afeto ao lado credor da relação intersubjetiva tributária, formada pelos entes que devem realizar a invasão patrimonial para a cobrança do tributo.
Nos termos do art. 7° do CTN, pessoas jurídicas, de Direito Público ou não, também podem ocupar a sujeição ativa na relação jurídico-tributária, nesses casos atuam por delegação, podendo ser titulares das funções de arrecadar ou fiscalizar tributos (parafiscalidade), executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária.
Dessa forma, existem duas possíveis categorias de sujeitos ativos:
– Sujeito Ativo Direito: São os entes tributantes detentores da competência tributária- União, Estados, Distrito Federal e Municípios;
– Sujeito Ativo Indireto: São os entes parafiscais, possuindo a capacidade tributaria ativa, representativa do poder de arrecadação e fiscalização de tributo).- OAB, CREA, CRM, CRC e etc.
Já a sujeição passiva mostra-se como a outra face da relação jurídico-tributária, como se passa a observar.
2.4.2.2 Sujeito Passivo
Em contrapartida, o sujeito passivo da obrigação tributária é a pessoa obrigada ao pagamento do tributo ou penalidade pecuniária (art.121 do CTN).
A sujeição passiva refere-se ao pólo passivo da relação jurídica. É afeto ao lado do devedor da relação intersubjetiva tributária, formado pelos destinatários da invasão patrimonial na retirada compulsória de valores, a título de tributos.
Para tanto, existem dois tipos de sujeitos passivos: o Direto (o contribuinte propriamente dito) e o Indireto (terceira pessoa escolhida pela legislação para pagar o tributo).
– Sujeito Passivo Direito- Contribuinte (art. 121, parágrafo único, I do CTN):
O contribuinte consiste na pessoa física ou jurídica que possui uma relação pessoal e direta com o fato gerador.
Sobre o tema, Luciano Amaro[16] dispõe:
“O contribuinte, numa noção rigorosamente técnica, pode ser identificado como a pessoa que realiza o fato gerador da obrigação tributária principal. Essa noção não é precisa, porquanto o fato gerador muitas vezes não corresponde a um ato do contribuinte, mas a uma simples situação na qual se encontra (ou com a qual se relaciona) o contribuinte.
É por isso que a figura do contribuinte (como devedor de tributo) é geralmente identificável à vista da simples descrição da materialidade do fato gerador. Assim, “auferir renda” conduz à pessoa que aufere renda; “serviços”leva ao prestador dos serviços; “importar” bens evidencia a figura do importador etc. Posto o fato, ele é atribuído a alguém, que o tenha “realizado” ou “praticado”. Essa pessoa, via de regra, é o contribuinte.”
– Sujeito Passivo Indireto- Responsável (art. 121, parágrafo único, II do CTN)
A responsabilidade tributária ocorre quando a pessoa física ou jurídica ocupa a condição de contribuinte em virtude de lei. Destaca-se que ele não realizou o fato gerador da obrigação tributária.
Nota-se que a presença do responsável como devedor da obrigação tributária representa uma modificação subjetiva do pólo passivo da obrigação, já que tal posição seria ocupada pelo contribuinte.
Sendo assim, passa-se ao estudo doutrinário das espécies de responsabilidade tributária:
– Responsabilidade por Substituição:
Sua ocorrência se dá no momento em que a lei coloca como sujeito passivo da relação tributária uma pessoa qualquer, diversa daquela de cuja capacidade contributiva o fato tributável é indicador (contribuinte)[17].
A fim de ilustrar o tema cumpre citar alguns exemplos:
– Imóvel alienado com dívidas de IPTU (art. 130 do CTN): O adquirente do imóvel ocupara o pólo passivo da relação jurídico-tributária, sendo para tanto responsável pelo pagamento. Salienta-se que o adquirente não possui qualquer vinculação com o fato gerador que ocasionou o tributo.
– Retenção e recolhimentos pelo empregador do imposto de renda do funcionário: A lei confere ao empregador a obrigação de reter, no momento do pagamento da remuneração do empregado, o imposto de renda, assim como recolher aos cofres públicos a quantia, sob pena de o Fisco exigir daquele os valores (art. 7°, I da Lei n.° 7.713/1988).
– Responsabilidade por Transferência:
Sua ocorrência se dá no momento em que existe legalmente o contribuinte e, mesmo assim, o legislador, sem ignorá-lo, atribui a outrem o dever de pagar o tributo, tendo em vista eventos posteriores ao surgimento da obrigação tributária[18].
A lei, levando em conta um evento posterior à ocorrência do fato gerador (morte do contribuinte, aquisição de bens, compra do fundo de comércio e etc.), desloca para terceiro a obrigação de pagar o tributo, o qual até então recaia sobre o contribuinte.
A responsabilidade tributária por transferência divide-se ainda em: por solidariedade, dos sucessores e de terceiros.
– Responsabilidade por Solidariedade: Dá-se quando cada um dos devedores solidários responde pela obrigação tributária, apesar de mais de uma pessoas estarem vinculados ao seu pagamento.
Como dispõe o art. 124 do CTN, ocorrerá quando existam pessoas que tenham interesse em comum na situação que constitua fato gerador da obrigação principal ou quando a lei expressamente designar.
Sendo a solidariedade um instituto característico do direito civil, o Código Tributário obrigou-se em elencar seus efeitos: o pagamento do tributo efetuado por um dos obrigados aproveita aos demais; a isenção ou remissão do crédito exonera todos os obrigados, salvo se outorgada pessoalmente a um deles, momento em que subsistirá a solidariedade entre os demais sobre o saldo; a interrupção da prescrição, em favor ou contra um dos obrigados, favorece ou prejudica aos demais (art. 125 do CTN).
Salienta-se, outrossim, que inexiste no direito tributário a solidariedade no pólo ativo, pois somente se paga tributo a um único ente credor, sob pena de se deparar o contribuinte com o fenômeno da bitributação.
– Responsabilidade dos Sucessores: Ocorre quando a obrigação se transfere para outro devedor em virtude do devedor originário deixar de existir. Esse desaparecimento do primeiro devedor pode ser por morte, momento em que os herdeiros o substituíram (art. Art.131, II e III do CTN) ou por venda do imóvel, bem como do estabelecimento comercial, nesse caso a obrigação se transfere ao novo proprietário (arts. 130, 131, I, 132 e 133 do CTN).
– Responsabilidade de Terceiros: Tal instituto não se prende à transmissão patrimonial, como se estudou na responsabilidade dos sucessores, mas no dever de zelo, contratual ou legal, que certas pessoas devem ter com relação ao patrimônio de outros indivíduos, os quais geralmente são pessoas físicas incapazes ou entes despidos de personalidade Os terceiros são, na maioria das vezes, administradores ou gestores da vida patrimonial de determinados contribuintes.
Então, após o estudo do devedor da relação jurídico-tributária, faz-se necessário o estudo do objeto da obrigação tributária, como um de seus elementos.
2.4.2.3 Objeto
O objeto da obrigação tributária consiste na prestação que deve ser submetido o contribuinte e/ou o responsável.
Conforme explanado sobre o fato gerador, a prestação poderá ser de cunho pecuniário ou não pecuniário. Dessa forma, a obrigação principal consiste no ato de pagar (tributo ou multa), sendo, por conseguinte, uma obrigação de dar, com cunho eminentemente patrimonial. Já a obrigação acessória refere-se ao ato de fazer ou de não fazer, despido de qualquer conotação patrimonial. Salienta-se que o descumprimento do dever acessório poderá converter-se no pagamento de pecúnia.
Prosseguindo ao estudo dos elementos da obrigação tributária, afere-se em seguida a sua causa.
2.4.2.4 Causa
Em atenção ao princípio da legalidade, a causa da obrigação tributária motivadora do liame jurídico entre sujeito ativo e passivo é a legislação tributária, seja quando estatui a hipótese de incidência, prevê o fato gerador e consagra a obrigatoriedade do pagamento do tributo.
Encerrando o instituto da obrigação tributária, infere-se a importância do crédito tributário junto à relação jurídico-tributária e conseqüentemente ao planejamento tributário.
2.5 Crédito Tributário
2.5.1 Definição
O crédito tributário representa o momento em que a obrigação tributária passa a ser exigível pelo Fisco. Seu nascimento ocorre com o lançamento tributário, situação que permite definir o crédito tributário como uma obrigação tributária lançada ou obrigação tributária em estado ativo.[19]
Paulo de Barros Carvalho, citado por Leandro Paulsen (2005. p. 1029), define o crédito tributário “como o direito subjetivo de que é portador o sujeito ativo de uma obrigação tributária e que lhe permite exigir o objeto prestacional, representado por uma importância em dinheiro”.
Já Hugo de Brito Machado[20] pontua que o crédito tributário “é o vinculo, de natureza obrigacional, por força do qual o Estado (sujeito ativo) pode exigir do particular, o contribuinte ou responsável (sujeito passivo), o pagamento do tributo ou da penalidade pecuniária (objeto da relação obrigacional)”.
O Código Tributário Nacional dispõe no art. 139 que “o crédito tributário decorre da obrigação principal e tem a mesma natureza desta”.
Nota-se que a relação jurídico-tributária, analisada sob a órbita do contribuinte, ganha status de obrigação tributária. Contudo, se vista pelo enfoque do Fisco, passa a chamar-se crédito tributário. Por conseguinte, o lançamento é o instrumento apto a conferir ao Fisco a exigibilidade do tributo, em face da ocorrência do fato gerador.
2.5.2. Constituição do Crédito Tributário – Lançamento
O art. 142 do CTN define o lançamento tributário como forma de constituição do credito tributário, como se verifica:
“Art. 142- Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo, e sendo o caso, propor a aplicação da penalidade cabível.”
Através do lançamento o crédito tributário é constituído apontando o montante devido correspondente à obrigação tributária principal, o que abrange não somente o tributo, mas também eventual penalidade pecuniária pelo descumprimento do dever tributário (principal ou acessório).
Paulo de Barros Carvalho (2007, p.423) define o lançamento tributário como:
“Lançamento tributário é o ato jurídico administrativo, da categoria dos simples, constitutivos e vinculados, mediante o qual se insere na ordem jurídica brasileira uma norma individual e concreta, que tem como antecedente o fato jurídico tributário e, como conseqüente, a formalização do vinculo obrigacional, pela individualização dos sujeitos ativo e passivo, a determinação do objeto da prestação, formado pela base de cálculo e correspondente alíquota, bem como pelo estabelecimento dos termos espaço-temporais em que o crédito há de ser exigido.”
Nota-se que nessa fase a obrigação tributária adquire status de dever para o contribuinte e direito para o Fisco.
Como exposto, o lançamento tributário é um ato privativo do Fisco. Contudo, em seu processamento, pode haver um auxilio maior ou menor do contribuinte no ato de lançar, situação que muitas vezes é confundida por alguns especialistas e taxadas como contraditórias ao mandamento do CTN.
Dessa forma, são espécies de lançamento determinadas pelo CTN:
– Lançamento Direto, de Ofício ou ex officio (art. 149, I do CTN): Dá-se quando o Fisco possui todos os dados para proceder à apuração e conseqüente cobrança do tributo, dispensando do auxílio do contribuinte. São exemplos IPTU, IPVA, taxas e contribuições de melhoria;
– Lançamento Misto ou “Por Declaração” (art. 147 do CTN): Ocorre quando Fisco e contribuinte procedem à ação conjunta, restando ao sujeito ativo o trabalho de lançar. Por exemplo, o imposto de importação e o imposto de exportação.
– Lançamento por Homologação ou Autolançamento (art. 150 do CTN): Acontece quando o contribuinte auxilia ostensivamente ao Fisco na atividade de lançar, cabendo ao ente competente, realizá-lo e homologá-lo, conferindo sua exatidão. Essa modalidade de lançamento quase que impera entre os tributos brasileiros, para tanto se destaca ICMS, IR, IPI, PIS, COFINS e CSLL.
Nota-se que, apesar de em alguns momentos o contribuinte auxiliar o Fisco no fornecimento de dados, a atividade de constituir o crédito tributário é privativa da Fazenda Pública, não merecendo opiniões contrárias.
Salienta-se que o ato jurídico administrativo confere ao crédito tributário certeza, liquidez e exigibilidade, dessa forma o não pagamento pelo sujeito passivo da quantia apurada ocasiona na inscrição em dívida ativa (arts. 201/204 do CTN) e na propositura da respectiva ação de execução fiscal (Lei n.° 6.830/1980).
Por conseguinte, o estudo da relação jurídico-tributária, apesar da abordagem sintética no presente trabalho, mostra-se de extrema importância ao trabalho de delimitar o poder de tributar e, em fim, permitir o planejamento tributário.
Nesse sentido, após o estudo preliminar das garantias do contribuinte e propriamente da formação do crédito tributário, passa-se à pontuar o planejamento tributário.
3. PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO
3.1 Generalidades
O crescente aumento da carga tributária nos últimos anos tem obrigado as empresas a organizarem-se internamente de forma a assegurar sua competitividade no mercado.
Conforme pontua o site Gestão e Liderança[21] “Em média, 33% do faturamento empresarial é dirigido ao pagamento de tributos. Do lucro, até 34% vai para o governo. Da somatória dos custos e despesas, mais da metade do valor é representado pelos tributos.”
Diante do exposto, a redução dos custos tributários mostra-se uma questão de sobrevivência a qualquer empresa que almeje progredir, dessa forma a busca de permissivos na legislação tributária que diminuam, zerem ou posterguem o pagamento de determinados tributos é medida que se impõe.
Conforme abordado no primeiro capítulo, os princípios constitucionais autorizam o contribuinte a planejar e a realizar práticas que não gerem ou que reduzam o pagamento de tributos, assim como a abster-se de práticas que importem no adimplemento tributário.
A estrita observância das normas tributárias, sem qualquer estudo ou planejamento, tem prejudicado seriamente a competitividade dos empreendedores, ocasionando, em muitos casos, a falência e o fechamento de muitos deles.
Portanto, o planejamento tributário, também denominado de gestão tributária, elisão fiscal, planejamento fiscal, surge como uma alternativa ao empresário para tentar manter a carga tributária global em patamares aceitáveis e racionalizando os procedimentos fiscais, sem, contudo, incorrer em práticas criminosas.
Em síntese, o planejamento consiste na reorganização dos negócios de forma a evitar, reduzir ou postergar o pagamento de tributos, sem infringir dispositivo legal.
Segundo o site Gestão e Liderança[22]são três as finalidades do planejamento tributário:
“1) Evitar a incidência do fato gerador do tributo.
Exemplo: substituir a maior parte do pró-labore dos sócios de uma empresa, por distribuição de lucros, pois a partir de janeiro de/1996 eles não sofrem incidência do IR nem na fonte nem na declaração. Dessa forma, evita-se a incidência do INSS (20%) e do IR na Fonte (até 27,5%) sobre o valor retirado como lucros em substituição do pró-labore.
2) Reduzir o montante do tributo, sua alíquota ou reduzir a base de calculo do tributo.
Exemplo: ao preencher sua Declaração de Renda, você pode optar por deduzir até 20% da renda tributável como desconto padrão (limitado a R$ 9.400,00) ou efetuar as deduções de dependentes, despesas, plano de previdência privada, etc. Você certamente escolherá o valor maior, que lhe permitirá uma maior dedução da base de calculo, para gerar um menor Imposto de Renda a pagar (ou maior valor a restituir).
3) Retardar o pagamento do tributo, postergando (adiando) o seu pagamento, sem a ocorrência da multa.
Exemplo: transferir faturamento da empresa do dia 30 (ou 31) para o 1° dia do mês subseqüente. Com isto, ganha-se 30 dias adicionais para pagamento do PIS, COFINS, SIMPLES, ICMS, ISS, IRPJ e CSLL (lucro real por estimativa), se for final de trimestre até 90 dias de IRPJ e CSLL (Lucro presumido ou lucro real trimestral) e 10 a 30 dias se a empresa pagar IPI.”
Outrossim, cabe salientar que o planejamento tributário deixa de ser uma faculdade do bom administrador, mas sim uma obrigação. A Lei n.° 6.404/1976 (Lei das Sociedades Anônimas) prevê a obrigatoriedade do planejamento tributário por parte dos administradores, como se verifica pela leitura do seu art. 153: “O administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligencia que todo o homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios.”
Nesse sentido, recapitulando o estudo da relação jurídico-tributária (capítulo 2), verifica-se que o fato gerador consiste na materialização da hipótese de incidência, ou seja, o indivíduo realiza um fato que se adapta ao comando da lei. Nesse momento o cidadão, passa a condição de contribuinte “obrigado” ao pagamento do tributo.
Assim, a operacionalização do planejamento tributário está condicionada a, após a análise da legislação, evitar a ocorrência do fato gerador. Então, a partir do nascimento do fato gerador, via de regra, está o diferencial entre a elisão e a evasão fiscal, temas a seguir estudados.
3.2 Evasão Fiscal
A evasão fiscal ocorre quando o contribuinte realiza atos ilegais ou fraudulentos após a concretização do fato gerador, visando suprimir, reduzir ou retardar o cumprimento da obrigação tributária.
Dificilmente, encontra-se na doutrina uma abordagem exclusiva da evasão fiscal, já que a elisão mostra-se como o contraponto da ilegalidade, dessa forma cumpre transcrever o entendimento de Hermes Macedo Huck, citado por Leandro Paulsen (2005. p.949):
“Evasão é sempre ilegal; a elisão é lícita. “Evasão é sempre ilegal. A fuga do imposto devido, manifestada sob a forma de fraude, simulação ou embuste de qualquer natureza, sofre condenação em todos os sistemas jurídicos nacionais. Elisão, elusão ou evasão lícita é a subtração ao tributo de manifestações de capacidade contributiva originalmente sujeitas a ele, mediante a utilização de atos lícitos, ainda que não congruentes com o objetivo da lei. Em essência, surge como uma forma jurídica alternativa, não prevista na lei tributaria, de alcançar o mesmo resultado negocial originalmente previsto, sem o ônus do tributo. Em principio, é licita a elisão. São tênues e difusos os limites que separam a evasão ilegal da elisão lícita. Distingui-los é tão difícil quanto defini-los. Várias tentativas de distinção surgem na doutrina. A mais freqüente delas fala no fator tempo. Ainda que sujeita a exceções, os autores procuram estabelecer a elisão como a manobra do particular praticada antes do surgimento do fato gerador, evitando exatamente que este apareça. Evasão é o procedimento destinado à fuga tributária, cujos atos constitutivos foram praticados após a ocorrência do fato imponível. O imposto já é devido e o contribuinte deixa de recolhê-lo. Em resumo, segundo essa orientação, elisão é tentar não entrar na relação tributária e evasão é tentar sair dela, como sintetizava Narciso Amorós. Essa distinção cronológica, ainda que bem concebida, não responde a todas as hipóteses de elisão e evasão, pois são freqüentes os casos nitidamente evasivos detectados antes da ocorrência do fato gerador. A fraude à lei, de forma genérica, está incluída na hipótese de evasão, e sua prática consiste em evitar ardilosamente, consciente e dolosamente o surgimento do fato gerador do tributo.”
Dessa maneira, a evasão fiscal possui caráter ilícito, o contribuinte de maneira ardilosa visa o não pagamento do tributo, mesmo após o nascimento da obrigação tributária. Já a elisão fiscal consiste nas escolhas preliminares autorizadas pela legislação, ou não proibidas por esta, que evitam, diminuem ou protelam o pagamento do tributo.
Contudo, como demonstrado pelo autor, à distinção entre elisão e evasão fiscal, apenas, sob o enfoque do momento da concretização do fato gerador, torna-se, em muitas vezes falha, assim, associado ao critério cronológico, faz-se necessária a analise da situação sob o enfoque dos meios utilizados no “planejamento tributário”.
Na elisão fiscal são utilizados meios sempre lícitos, entretanto na evasão empregam-se meios ilegítimos, como a fraude, sonegação e simulação. Nota-se que os princípios da legalidade negativa cumulado com o da livre iniciativa asseveram que toda a atividade do contribuinte, buscando a economia tributária é autorizada, desde que não seja expressamente vedada pelo legislador.
Pontuado o conceito da evasão fiscal, bem como suas principais diferenças entre com a elisão fiscal, passa-se a detalhar as espécies do “planejamento ilícito”.
3.2.1 Espécies de Evasão Fiscal
Antônio Roberto Sampaio Dória citado por Miguel Delgado Gutierrez[23]foi um dos primeiros doutrinadores do país a construir uma classificação sistêmica do fenômeno da evasão fiscal, contudo para esse autor a evasão não possui apenas a face ilegal do planejamento tributário. Diante dessa situação, o jurista distinguiu a evasão em dois grandes grupos (evasão omissiva e a evasão comissiva).
3.2.1.1 Evasão Omissiva
A evasão omissiva ocorre quando o contribuinte deixa de realizar uma ação. Dessa forma se subdivide em imprópria e por inação:
– Evasão Imprópria: Nessa espécie de evasão o contribuinte se abstém do comportamento fiscalmente relevante no país, devido à alta carga tributária. Assim, passa a exercê-lo em outro país que tenha uma retenção fiscal menor. A modalidade é chamada imprópria, segundo Sampaio Doria, pois o sujeito não chega a praticar a situação geradora do tributo, dessa forma não incorrendo em qualquer ilegalidade.
– Evasão por Inação: Resulta de uma negativa do contribuinte ao pagamento do tributo depois de ocorrido o fato gerador, situação que causa prejuízo ao erário. Contudo, a omissão pode ocorrer por ignorância do contribuinte (diante da complexidade da legislação tributária, é quase impossível efetivamente conhecer todas as normas) ou de forma intencional (ocorre quando o contribuinte/devedor voluntariamente não salda no prazo legal as obrigações fiscais ou quando se abstém de fornecer elementos às autoridades para que procedam ao lançamento tributário). Essa última espécie, para o autor, constitui sonegação[24], podendo, de acordo com a gravidade, ser tipificada como crime ou contravenção, desde que a lei defina como tal.
3.2.1.2 Evasão Comissiva
Por fim, Sampaio Doria expõe a evasão comissiva, ou seja, quando o contribuinte efetivamente pratica determinados atos, os quais poderão ser lícitos ou ilícitos.
– Evasão Ilícita: O individuo consciente e voluntariamente procura eliminar, reduzir ou protelar o pagamento do tributo devido, por meios ilícitos. Essa forma de evasão, também designada pelo autor, como fraude fiscal foi por ele subdividida em fraude[25], simulação e conluio fiscal.
– Evasão legítima: Igualmente denominada como elisão ou economia fiscal, nessa situação o contribuinte também visa à diminuição da carga tributária, contudo utilizava, para tanto, meios permitidos pelo ordenamento jurídico. Nesse caso, não existe qualquer infração ou ilegalidade.
Nota-se que entre a evasão ilícita e a evasão legítima (elisão fiscal) existe uma linha tênue de distinção, dessa forma cabe ao aplicador do direito apontar os limites do planejamento tributário, ou seja, as fronteiras entre a licitude e a ilicitude da conduta do contribuinte em tentar reduzir o ônus fiscal. A partir dessa percepção pode-se apontar os limites da Fiscalização quando desconsidera atos do contribuinte por supor serem esses ilegais.
Diante da complexidade do tema, importante adentrar da elisão fiscal, preliminarmente já tratada nesse capitulo, contudo merecendo maior destaque.
3.3 Elisão Fiscal
No direito tributário, a palavra elisão, como salientado anteriormente, tem sido utilizada para representar a forma legitima de evitar, retardar ou diminuir o adimplemento de tributos, antes, em regra, da ocorrência do fato gerador e conseqüentemente do nascimento da obrigação tributária. Inclusive, tal prática é autorizada pelo ordenamento jurídico, especialmente, pelos princípios constitucionais.
Diante do exposto, torna-se importante enaltecer as espécies de elisão fiscal criadas, igualmente, por Sampaio Doria.[26]
3.3.1 Espécies de Elisão Fiscal
3.3.1.1 Elisão Induzida pela Lei
Na elisão induzida pela lei o próprio ordenamento jurídico dispõe no sentido de diminuir a tributação suportada pelo contribuinte, para tanto, normalmente, requer, para o gozo do benefício, o preenchimento de certos requisitos em prol do interesse nacional ou regional.
Essas regras são chamadas por Luis Eduardo Schouer (2005. p.43) de normas tributárias indutoras. O Estado, visando estimular determinados setores da economia, reduz a carga tributária ou, até mesmo, isenta contribuintes do pagamento de tributos.
Salienta-se que, atualmente, o Governo Brasileiro em função da crise econômica mundial, reduziu o Imposto sobre Produtos Industrializados dos automóveis e de determinados eletrônicos de uso doméstico, tudo isso para estimular o consumo e, finalmente, evitar a demissão de funcionários desses setores.
Nota-se que a elisão fiscal por indução tem um caráter de extrafiscalidade, não se caracterizando como planejamento tributário, o que efetivamente ocorre com existe lacuna na lei.
3.3.1.2 Elisão por Lacuna na Lei
A elisão por lacuna na lei ocorre em função do princípio da legalidade negativa associado à livre iniciativa. Ninguém é obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei que expressamente a proíba. Dessa forma, poderá o contribuinte escolher a melhor forma de administrar seus negócios e, portanto, de reduzir seus gastos tributários.
Essa forma de elisão é extremamente combatida pelo Fisco, pois foge ao seu controle a possibilidade de impor ao contribuinte o pagamento do tributo, já que pelo princípio da legalidade a Administração Publica não poderá realizar atos que não sejam determinados pela legislação.
Miguel Delgado Gutirrez (2006. p. 73) explicando o entendimento de Sampaio Doria pontua:
“Para o autor, a verdadeira elisão tributária é a que resulta de lacunas ou imperfeições da lei tributária. Por mais previdente que se demonstre o legislador, sempre existiram lacunas e fissuras no sistema tributário, das quais os contribuintes e seus assessores se aproveitam para, de forma criativa, escapar da tributação, moldando juridicamente os fatos com o intuito de serem tributados da forma mais benéfica possível, sem, no entanto, desnaturá-los a tal ponto que não mais produzam os efeitos econômicos ou possuam a utilidade negocial que incita à sua realização.
Com efeito, o contribuinte tem a liberdade de optar, entre duas ou mais formas jurídicas disponíveis, por aquela que lhe seja fiscalmente menos onerosa. Não existe preceito legal que proíba ao contribuinte a escolha do caminho fiscalmente menos oneroso dentre as várias possibilidades que o ordenamento jurídico oferece para a realização de um ato ou negocio jurídico. Assim, se o legislador deixou de tributar determinados fatos ou os tributou de forma menos gravosa, o contribuinte pode optar por realizá-los, ao invés de praticar outros fatos que o legislador escolheu como hipótese de incidência tributária.”
Entretanto, é importante destacar que a elisão fiscal por abuso, poderá ser tornar ilegal. Nota-se, para tanto o entendimento de Hermes Marcelo Huck citado por Leandro Paulsen[27]:
“Nada deve impedir o individuo de, dentro dos limites da lei planejar adequadamente seus negócios, ordenando-os de forma a pagar menos impostos. Não lhe proíbe a lei, nem tampouco se lhe opõe razões de ordem social ou patriótica. Entretanto, essa formula de liberdade não pode ser levada ao paradoxismo, permitindo-se a simulação e o abuso de direito. A elisão abusiva deve ser coibida, pois o uso de formas jurídicas com à única finalidade de fugir ao imposto ofende a um sistema criado sobre as bases constitucionais da capacidade contributiva e da isonomia tributária. … uma relação jurídica sem qualquer objetivo econômico, cuja única finalidade seja de natureza tributária, não pode ser considerado como comportamento licito. Seria fechar os olhos à realidade e desconsiderar a presença do fato econômico na racionalidade da norma tributária. Uma interpretação jurídica atenta a realidade econômica subjacente ao fato ou negocio jurídico, para efeitos de tributação, é a resposta justa, equitativa e pragmática. […]”
Nota-se que a simulação fiscal consiste em uma das técnicas mais utilizadas pelos contribuintes na busca da redução fiscal, situação que deve ser totalmente combatida pelos operadores do direito, assim como pela fiscalização.
3.3.2 Elisão e Simulação Fiscal
A simulação ocorre quando existe um desacordo entre a vontade interna e a exteriorizada pelo individuo, fazendo, assim, nascer um negócio jurídico que somente existe na aparência, sem qualquer correspondência com a realidade, ou ocultando o negócio almejado através da declaração de vontade enganosa.
A partir dessa conceituação é fácil entender a intima relação entre a elisão e a simulação, assim como a opção de muitos contribuintes em optarem por essa ilicitude no momento de realizarem o planejamento tributário.
Porém, o Código Civil, de forma geral, desconsidera os negócios jurídicos simulados, como se verifica:
“Art. 167- É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que dissimulou, se válido for na substancia e na forma.
§1° Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:
I- aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem;
II- contiverem declaração, confissão, condição ou clausula não verdadeira;
III- os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós datados.
§ 2° Ressaltam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado.
Art. 169- O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso de tempo.”
Verifica-se que o legislador pátrio considerou três espécies de simulação, as quais culminou com a nulidade. A primeira, simulação por interposta pessoa, ocorre quando a pessoa que deve aproveitar os resultados do negócio jurídico não participa da operação, já que pretende esconder-se de terceiros. A segunda, a simulação por ocultação da verdade na declaração, apresenta-se quando o negocio jurídico apresentar declaração, confissão, condição ou clausula inverídica. Já a terceira, simulação por falsidade da data, há premeditada divergência nas datas apostas nos documentos, considerando o momento em que foram realizados.
A doutrina[28] caracteriza a simulação, ainda, como absoluta e relativa:
– Simulação Absoluta: Ocorre quando o ato simulado não encontra qualquer relação com o ato efetivamente desejado pelos indivíduos, pode-se dizer, figuradamente, que se está diante de um fantasma. O ato jurídico praticado inexiste no mundo jurídico.
– Simulação Relativa: Nesse caso apresentam-se dois negócios: um simulado, aparente, que não representa a verdadeira vontade das partes e o dissimulado, oculto, que justamente constitui a exata relação jurídica. Aqui, ao contrário da simulação absoluta, está-se diante de uma mascara que só encobre a verdadeira intenção das partes.
Silvio Rodrigues (2002, p. 296) ao tratar sobre a simulação exalta a necessidade, para configurá-la, dos seguintes requisitos:
“a) acordo entre os contratantes, que no mais das vezes se apresenta por meio de uma declaração bilateral de vontade;
b) desconformidade conscientes entre a vontade e a declaração, pois as partes não querem o negocio declarado, mas tão-somente fazê-lo aparecer como querido;
c) propósito de enganar terceiros, …”
Diante do exposto, destaca-se que na elisão fiscal deverá haver unicidade das vontades subjetiva (intrínseca ao pensamento) e objetiva (aquela efetivamente expressada), caso contrário estar-se-ia frente à evasão fiscal, punível pelo ordenamento jurídico.
Outrossim, retomando a teoria da relação jurídico-tributária, na elisão evita-se o nascimento da obrigação tributária, mediante a fuga do fato gerador. Já na simulação, mesmo que mascarado por outro negócio jurídico, o fato gerador é concretizado, por conseguinte devido o tributo pelo contribuinte.
Outra importante peculiaridade sobre a simulação é sobre o ônus da prova. Apesar da simulação constitui-se em uma ilegalidade, o ônus da prova cabe a quem a alega, já que se presume a boa-fé dos contratantes. Sob o enfoque do direito tributário, ficará a cargo da Fazenda Pública provar que houve simulação do negócio jurídico, principalmente, pois incumbe a essa constituir as provas que embasam o lançamento tributário.
Por conseguinte, como a simulação apresenta-se por um vicio de caráter subjetivo, torna-se mais difícil ao Fisco percebê-lo, dessa forma, com freqüência são criadas regras genéricas proibindo todas as formas de planejamento tributário.
3.4 Norma Antielisiva
3.4.1 Considerações Iniciais
O art. 116, parágrafo único do Código Tributário Nacional, introduzido pela Lei Complementar n.° 104/2001 é um exemplo do “desespero” do governo em aumentar a sua arrecadação.
Para tanto, cumpre transcrevê-lo:
“Art. 116- Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos:
I- tratando-se de situação de fato, desde o momento em que se verifiquem as circunstancias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios;
II- tratando-se da situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos do direito aplicável.
Parágrafo Único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.” (grifado)
Como já abordado no segundo capítulo (2.3.5) o “caput” e os incisos do art. 116 referem-se ao momento do nascimento do fato gerador. Contudo, nesse tópico será analisada propriamente a norma antielisiva, disposta no parágrafo único, assim como seus reflexos no ordenamento jurídicos.
Preliminarmente, cumpre salientar que tal dispositivo não é auto-aplicável, ou seja, necessita de lei ordinária específica que trate dos procedimentos utilizados pelo Fisco na desconstituição dos atos ou negócios jurídicos celebrados pelo contribuinte.
Entretanto, a contestação da norma, pelos aplicadores do direito, é de suma importância, a fim de alertar a violação de diversos princípios e garantias fundamentais, não permitindo a normatização do dispositivo e até mesmo a sua declaração de constitucionalidade.
3.4.2 Violação à Separação dos Poderes
A Constituição Federal, no art. 2°, determinou a independência e harmonia entre os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, apontando tal principio como clausula pétrea (art. 60, §4°).
Como é sabido, via de regra, ao poder legislativo incumbe a criação de lei, ao executivo, a execução dessas, e ao judiciário, a sua aplicação no mundo jurídico.
Entretanto, o parágrafo único do art. 116 do CTN, autoriza ao agente fiscal (representante do poder executivo) criar leis e a deixar aplicá-las, situação que exorbita sua competência constitucional.
Para tanto, transcreve-se o entendimento de Ives Gandra da Silva Martins apud Leandro Paulsen (2005. p. 948):
“… o referido dispositivo… despoja o Congresso Nacional do poder de produzir e transforma o agente fiscal em verdadeiro legislador, para cada caso aplicando-o, não a lei parlamentar, mas aquela que escolher. Afeta, o artigo 116, uma outra clausula pétrea (artigo 60, §4°, inciso II), que é a separação dos poderes, pois autoriza o representante do Fisco a deixar de aplicar a lei ao fato a que se destina, e a escolher, no arsenal de dispositivos legais, aquele que resulte mais oneroso, a partir presunção de que o contribuinte pretendeu utilizar-se da ‘lei’ para pagar menos tributos. Como pelo novo artigo 116, não é a lei que deverá ser aplicada à hipótese impositiva, mas sim a intenção do agente de obter mais tributos, qualquer lei, apesar de rigorosamente seguida pelo contribuinte poderá ser desconsiderada, para dar lugar à aplicação daquela que representar a maior incidência. A figura da ‘elisão’, diversa da ‘evasão’- aquela objetivando a economia legal de tributos e esta a ilegal- deixa de existir o direito brasileiro. Pela nova forma, nenhum contribuinte terá qualquer garantia, em qualquer operação que fizer, pois, mesmo que siga rigorosamente a lei, sempre poderá o agente fiscal, a luz do despótico dispositivo, entender que aquela lei não vale e que o contribuinte pretendeu valer-se de uma ‘brecha legal’ para pagar menos tributos, razão pela qual, mais do que a lei, a sua opinião prevalecerá. Se não vier a ser suspensa a eficácia dessa norma pelo STF, em eventual exercício de controle concentrado, o direito tributário brasileiro não mais se regerá pelo principio da legalidade, mas pelo princípio do ‘palpite fiscal’.”
Nota-se que o parágrafo único do art. 116 do CTN, alem de violar a separação dos poderes, também contraria os princípios da legalidade e da segurança jurídica, situação totalmente refutável.
3.4.3 Crítica ao Parágrafo Único do art. 116 do CTN
Conforme exposto, o dispositivo confere ao fiscal de tributos total liberdade para, de acordo, com sua percepção desconsidera atos ou negócios jurídicos que “palpite” serem simulados.
Nota-se que a legislação conferiu ao agente público largo poder discricionário, esse, de acordo com seus pré-conceitos, poderá entender pela ilegalidade de determinados atos sem, contudo, ter provas suficientes.
Outra questão criticável no dispositivo é a inversão do ônus da prova. Normalmente, a comprovação do negócio jurídico simulado, considerando as regras do Código Civil, deve ser alegada em ação própria, cabendo ao requerente a comprovação da simulação. Entretanto, o parágrafo único do art. 116 do CTN, permite, ao servidor público, deliberadamente, anular ato jurídicos “viciados”, incumbindo, em contrapartida, ao contribuinte comprovar que não houve ilegalidade.
Infere-se que a Administração Pública, na tentativa de cobrir suas despesas, avança contra o contribuinte, a fim de obter uma maior arrecadação. Dessa forma, o tributo deixa de ter uma natureza razoável de sustento dos serviços públicos, passando a uma grosseira invasão do patrimônio do cidadão, situação contrária aos princípios constitucionais.
Em contrapartida, o Poder Legislativo, apesar de independente, por pressões políticas, acaba por, cada vez mais, aprovando normas, leis ordinárias, leis complementares e até emendas constitucionais, que conferem legitimidade a fúria arrecadatória do governo.
Salienta-se que não se está defendendo a evasão fiscal, mas sim alertando para o risco que corre o contribuinte em praticar a elisão fiscal. Nota-se que, nos termos do art. 116 do CTN, poderá a fiscalização, após analisar a documentação da empresa, supor ilegalidades que simplesmente colocaram o contribuinte na condição de “acusado”, devendo, esse, comprovar a legalidade de seus atos.
Diante do exposto, pretende-se com o presente estudo, após analisar os princípios constitucionais e a formação da relação jurídico-tributária, verificar os limites do planejamento tributário e até mesmo da fiscalização.
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
O contribuinte, considerando os direitos e garantias expostos na Constituição Federal, possui total liberdade de agir na sociedade, excepcionada, apenas, quando lei específica dispuser de forma contrária.
Dessa forma, é natural e salutar que os empresários, especialmente no campo do direito tributário, utilizem-se de todas as “brechas” da legislação para, fugindo do fato gerador do tributo, reduzam sua carga tributária. Nota-se que é de suma importância o conhecimento dos princípios constitucionais tributários, assim como do nascimento e formação da relação jurídico-tributário, já que protegem e asseguram o contribuinte contra a invasão patrimonial arbitraria do Fisco. Por conseguinte, nos dois primeiros capítulos tentou-se, sinteticamente, abordar essas temáticas, permitindo ao leitor uma visão propedêutica do direito tributário e conseqüentemente do planejamento tributário.
Nesse sentido, verificou-se que a distinção entre um planejamento tributário lícito (elisão fiscal) e ilícito (evasão fiscal) está, justamente, na legitima fuga da concretização, no mundo dos fatos, da hipótese de incidência, ou seja, do nascimento do fato gerador.
Como elucidado, durante o presente trabalho, o planejamento tributário lícito é direito constitucional do contribuinte, não cabendo qualquer restrição do Estado. Contudo, diante do aumento das despesas governamentáveis, cresce a fúria arrecadatória do Fisco, bem como a pressão sobre o contribuinte ao pagamento, cada vez maior, de tributos, chegando ao ponto de proibir, até mesmo, a elisão fiscal.
O art. 116, parágrafo único do CTN, acrescido pela Lei Complementar n.° 104/2001, chamada de norma antielisa, permite ao Fisco desconsiderar atos ou negócios jurídicos que visem dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo. Notem a discricionariedade que a legislação confere ao agente público, pois o permite, de acordo com seus pré-conceitos, desconsiderar e punir o contribuinte sem provas concretas, considerando apenas indícios. Pontua-se que essa insegurança é totalmente rechaçável pelo ordenamento jurídico, devendo Poder Judiciário decretar a sua inconstitucionalidade.
Entretanto, infelizmente, normas antielisivas se tornarão, cada vez mais, comuns em nosso ordenamento jurídico, assim como a violação dos direitos constitucionais, caso não ocorra uma mudança de pensamento dos dirigentes, já que o Estado “tem como fundamento o povo e foi criado para o povo” (cidadão).
Informações Sobre o Autor
Roseli Quaresma Bastos
Advogada, Especialista em Direito Tributário UNISUL/LFG, Especializanda em Direito e Processo do Trabalho UNIDERP/LFG.