Resumo: O artigo trata de análise do artigo 62, §6º da Constituição Federal e se a não apreciação da medida provisória no prazo do parágrafo obsta a apreciação de toda e qualquer matéria na casa em que esteja pendente de votação.
É importante analisar primeiramente, ainda que de forma superficial, o instituto da Medida Provisória (MP) para um melhor entendimento da questão.
Esta ferramenta, prevista no artigo 62[1] da República Federativa do Brasil (CRFB), substituiu o decreto-lei na Legislação Constitucional como forma de o Chefe do Poder Executivo tomar medidas que, pelo menos temporariamente, tenham força e possam se transformar em lei (LENZA, 2009, p. 422).
A MP foi idealizada como uma ferramenta que o Presidente da República utilizaria em casos de “relevância e urgência”, possuindo força de lei, e devendo ser encaminhada imediatamente ao Congresso Nacional. De fato não foi o que ocorreu, não sendo dada a devida atenção aos quesitos relevância ou urgência, existindo um abuso na edição de tais edidas[2], tendo tal instituto, consequentemente, tornado inútil a Lei Delegada, simplesmente porque a Medida Provisória tem mais abrangência e agilidade em sua edição (NOVELINO, 2008, p. 571).
Mesmo não sendo uma lei em sentido formal, como ressaltado acima, a Medida Provisória tem força de lei, produzindo efeitos até por 60 dias, sendo prorrogável, por uma vez, pelo mesmo prazo[3], sendo tal limitação temporal um dos freios impostos pela Constituição Federal à sua utilização.
Outro freio previsto à MP pela Lei Maior foi o §6 de seu artigo 62, que afirma que se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cinco dias contados de sua publicação, entra em regime de urgência, subsequentemente, tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal, ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações da Casa em que estiver tramitando.
Como tal Medida é provisória, urgente e seu conteúdo possui relevância, tal dispositivo serve ao propósito de evitar que a omissão das Casas do Congresso Nacional gerasse insegurança jurídica, com a perda de eficácia da referida Medida. Tanto é perceptível tal preocupação do Legislador Constituinte que, como ressaltado pelo professor Vicente Paulo (2008, p.583), caso o trancamento ocorra na Câmara dos Deputados, após ela votar a MP, destrancando sua pauta, a matéria, quando chegar no Senado, já trancará a pauta de votação, não havendo contagem de novo prazo.
A doutrina não vinha demonstrando preocupação com a questão levantada pelo Deputado Michel Temer, que foi objeto do Mandado de Segurança 27931/DF acerca de quais matérias são afetadas pelo trancamento de pauta gerado pela Medida Provisória. O referido deputado afirmou, em apertada síntese, que as Medidas Provisórias só devem trancar a pauta de matérias que possam ser reguladas por ela[4], que estão listadas no rol do artigo 62, §1º, inciso I, que não é exaustivo, não afetando o andamento de qualquer outro processo legislativo.
Os motivos que levaram o ilustre professor a adotar tal posição são que, primeiramente, as Casas do Congresso ficam completamente paralisadas pelas referidas medidas, não podendo cumprir a sua missão constitucional, que é a de Legislador, ferindo assim, a Tripartição dos Poderes. Também afirma ser necessária uma interpretação sistêmica do referido artigo, demonstrando que, como uma medida provisória não pode versar sobre Emenda à Constituição, por exemplo, não poderia a pauta das Emendas ser trancadas por tal instrumento.
Analisando os argumentos da Medida Cautelar pedida no referido Mandado de Segurança, o eminente Ministro Celso de Mello que a interpretação (sistêmica) dada pelo Deputado Michel Temer é pertinente no sentido de evitar um esvaziamento do Princípio da Separação dos Poderes e no Princípio do Estado Democrático de Direito, considerando que “a crescente apropriação institucional do poder de legislar, por parte dos sucessivos Presidentes da República, tem causado profundas distorções que se projetam no plano das relações políticas entre os poderes Executivo e Legislativo”[5].
Termina por decidir o Ministro que é certo que as relações institucionais entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo devem ser reguladas e orientadas pelo Texto Constitucional, mas também entendeu que é necessário que essa leitura (interpretação) se dê por meio do postulado da Separação dos Poderes para evitar preponderâncias de um Poder sobre outro[6].
Termina por decidir, o excelso Ministro, pelo indeferimento da medida cautelar de impedir efeito ao posicionamento do Presidente da Câmara dos Deputados, impedindo, então, que as Medidas Provisórias tranquem a pauta de assuntos sobre os quais não podem versar.
Após a análise dos elementos apresentados no presente trabalho conclui-se que a não apreciação da medida provisória no prazo de quarenta e cinco dias não obsta a apreciação de toda e qualquer matéria na casa em que esteja pendente a votação, paralisando somente a pauta das matérias que possam ser alvo de Medidas Provisórias.
É importante ressaltar que tal questão ainda não foi apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, sendo a decisão do Ministro Celso de Mello, monocrática, relativa à Medida Cautelar do Mandado de Segurança, que poderá reverter, ou não, o entendimento quanto ao trancamento da pauta das Casas do Congresso Nacional.
Bibliografia:
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 27.931/DF, última movimentação em 12 de fevereiro de 2010. Min. Celso de Mello (relator). Disponível em: http://www.stf.jus.br
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado São Paulo: Editora Saraiva, 2009.
NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional, São Paulo: Ed. Método, 2008.
PAULO, Vicente. ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado, Rio de Janeiro. Ed. Método, 2008.
Informações Sobre o Autor
Rodrigo Vaz Silva
Mestre em Ciências Criminais pela PUC/RS Pós-Graduado em Direito Constitucional pela Anhanguera-Uniderp Graduado em Direito pela Furg Professor de Direito na Universidade do Contestado Campus Concórdia Policial Rodoviário Federal.