Sumário: 1. Introdução. 2. Considerações gerais. 3. Cabimento das ações possessórias. 4. Ações de manutenção e de reintegração de posse. 5. Do interdito proibitório. 6. Fungibilidade das ações possessórias. 7. Conclusão. Referências bibliográficas.
1. Introdução
O presente trabalho tem a finalidade de apresentar um breve estudo sobre o princípio da fungibilidade nas ações possessórias, onde serão demonstradas as hipóteses de cabimento.
As Ações Possessórias estão previstas no Livro IV- Dos Procedimentos Especiais, Título I – Dos Procedimentos Especiais de Jurisdição Contenciosa, Capítulo V – Das Ações Possessórias, do Código de Processo Civil.
O Código de Processo Civil se subdivide em IV Livros, sendo eles: Livro I – Processo de Conhecimento, Livro II – Processo de Execução, Livro III – Processo Cautelar, Livro IV – Dos Procedimentos Especiais e Livro V – Das Disposições Finais e Transitórias.
Como visto acima, não existe um livro específico sobre o “Processo das Possessórias”. Pois é, as Ações Possessórias, podemos dizer que não é um “Processo” e sim um procedimento especial, razão pela qual para estar inserida no Livro IV do Código de Processo Civil.
2. Considerações gerais
“A ação possessória é expressão que se apresenta no gênero, desdobrando-se nas espécies da ação de reintegração de posse, da manutenção de posse e da ação de interdito proibitório, todas se apoiando na defesa da posse de que afirma o autor ser o seu titular, posse que está sendo esbulhada, turbada ou ameaçada por atos praticados pelo réu, a merecer a proteção perseguida.[1]”
As Ações Possessórias, “qualifica-se como o instrumento jurídico-processual utilizado pelo autor para prevenir ou repudiar turbação ou esbulho originado do réu, no qual a discussão jurídica estabelecida por iniciativa do promovente centra-se no instituto da posse, não assumindo a natureza de demanda petitória, apoiada na discussão de domínio, característica presente nas ações reivindicatórias.”[2]
“As Ações Possessórias têm tem por escopo, unicamente, proteger a posse. Nelas, não se discute a propriedade, podendo, até mesmo, o possuidor intentar a ação (e ter protegida sua posse) contra o proprietário.”[3]
3. Cabimento das ações possessórias
“O cabimento de cada ação possessória cirge-se à moléstia que tenha ocorrido, ou possa vir a ocorrer, à posse.
Esbulho é perda total da posse, ou seja, é a situação na qual a coisa sai integralmente da esfera de disponibilidade do possuidor, quando ele deixa de ter contato com ela, por ato injusto do molestador. Por exemplo, se alguém invade uma propriedade rural, cercando-a e impedindo que o possuidor nela adentre, cometeu esbulho.
Turbação é o esbulho parcial, ou seja, é a perda de algum dos poderes fáticos sobre a coisa, mas não a totalidade da posse. O possuidor continua possuindo, mas não mais pode exercer, em sua plenitude, a posse. Por exemplo, ocorre turbação quando alguém adentra no imóvel e passa a cortar árvores, seguidamente, mas não impede o acesso do possuidor à área.
Assim, se ocorreu perda da posse sobre parte da coisa (por exemplo, apenas uma parcela do imóvel foi isolada, e nessa parcela o possuidor tem o acesso impedido), ocorre esbulho, e não turbação. O que diferencia os institutos é a possibilidade, ou não, de o possuidor continuar exercendo posse, não importando se sobre toda a coisa ou apenas parte dela.
A ameaça se caracteriza quando há receio sério (fundado) de que a posse venha a sofrer alguma ameaça, seja turbação, seja esbulho. Assim, ocorrerá ameaça se, embora nenhum ato de afronta à posse ainda tenha sido praticado, houve indícios concretos de que poderá ocorrer moléstia à posse, como, por exemplo, se o molestador posicionar máquinas na entrada da área rural, noticiando que nela pretende entrar.”[4]
Para fácil entendimento, “na hipótese de ameaça de turbação ou de esbulho (ainda não consumado), a ação adequada é a de interdito proibitório; no caso de ocorrência do esbulho (perda da posse), a demanda cabível é de reintegração de posse; diante de uma turbação (molestamento da posse), justifica-se o ingresso da ação de manutenção de posse.”[5]
4. Ações de manutenção e de reintegração de posse
Para o Professor Antonio Carlos Marcato, “os arts. 926 a 931 do CPC estabelecem regime procedimental único para o processamento das ações de manutenção e de reintegração de posse, embora os escopos de ambas sejam diversos: enquanto a ação de manutenção tem por finalidade a obtenção de provimento jurisdicional que mantenha o possuidor na sua posse, impedindo que contra ela o terceiro perpetre qualquer ofensa, a de reintegração visa a restabelecer a posse do autor, ofendida pelo esbulhador, mediante a saída deste e a reintegração daquele.”[6]
Vicente Greco Filho defende a idéia de que, “o possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação e reintegrado no caso de esbulho.”[7]
“As ações de manutenção e de reintegração de posse variam de rito conforme sejam intentadas dentro de ano e dia da turbação ou esbulho, ou depois de ultrapassado dito termo. Na primeira hipótese, tem-se a chamada ação possessória de força nova. Na segunda, a de força velha. A ação de força nova é de procedimento especial e a de força velha observa o rito ordinário (…). A diferença de procedimento, no entanto, é mínima e fica restrita à possibilidade ou não de obter-se a medida liminar de manutenção ou reintegração de posse em favor do autor, porque, a partir da contestação, também a ação de força nova segue o procedimento ordinário.”[8]
5. Do interdito proibitório
“Denomina-se interdito proibitório a ação possessória que objetiva evitar que a posse seja afrontada, quando houver fundado de receio de moléstia. Nessa hipótese a turbação ou esbulho ainda não terá havido. O possuidor ainda não terá sofrido qualquer óbice ao exercício da posse, mas os indícios de vir a sofrer são veementes, o que autoriza a proteção possessória preventiva. Trata-se de ação de caráter mandamental. O possuidor, temendo ser turbado ou esbulhado, postula a proteção possessória, mediante a expedição de ordem acompanhada de cominação de pena pecuniária, para o caso de o réu vir a agredir sua posse.”[9]
Para o Professor Antonio Carlos Marcato, “o mandado proibitório tem natureza mandamental e é dotado de auto-executoriedade, de tal sorte que, descumprindo-o o réu, ficará sujeito à pena pecuniária fixada pelo juiz, sem prejuízo, evidentemente, da manutenção ou reintegração de posse e, ainda, de eventual indenização por perdas e danos.” Ainda, “o procedimento do interdito proibitório em nada difere daquele das demais ações possessórias típicas.”[10]
6. Fungibilidade das ações possessórias
Fungibilidade significa, no conceito jurídico, a substituição de uma coisa por outra.
O princípio da Fungibilidade indica que uma ação proposta de forma inadequada, pode ser considerada válida, permitindo que o magistrado receba e processe a demanda equivocada (ação de reintegração de posse), quando o caso reclamava o ajuizamento de outra espécie possessória (ação de manutenção de posse), nos moldes do art. 920 do CPC.
Na lição do Professor Antonio Carlos Marcato, “essa fungibilidade é justificável, pois o autor pleiteia, junto ao órgão jurisdicional, a tutela possessória pertinente e idônea, sendo irrelevante, portanto, uma vez demonstrada a ofensa à sua posse, tenha ele originalmente requerido tutela diversa daquela adequada à solução da injusta situação criada pelo réu. Aliás, por vezes o autor promove ação em razão de determinada conduta do réu e este modifica o estado de fato no curso do processo, impondo ao juiz, constatada tal circunstância, a concessão da tutela possessória pertinente. Importa, pois, para a concessão da tutela adequada a que alude o art. 920 do CPC, que a causa de pedir seja, genericamente, a ofensa ao direito de posse do autor e, ainda, que este tenha postulado a concessão da tutela possessória.
A fungibilidade diz respeito às ações possessórias típicas, pouco importando o procedimento adotado para seu processamento em juízo.”[11]
No mesmo sentido, Vicente Greco Filho ensina que “a propositura de uma ação possessória em vez de outra não obstará a que o juiz conheça do pedido e outorgue a proteção legal correspondente àquela, cujos requisitos estejam provados. Justifica a regra a sutil diferença que pode existir entre uma situação de esbulho e uma situação de turbação ou entre esta e a simples ameaça, devendo juiz dar o provimento correto, ainda que a descrição inicial não corresponda exatamente à realidade colhida pelas provas. Essa regra, porém, como exceção aos princípios consagrados nos arts. 459 e 460 (…), deve ser interpretada estritamente, não admitindo extensão analógica para outros casos. Ela se refere exclusivamente à fungibilidade entre as possessórias; não é aplicável, por exemplo, entre o pedido possessório e petitório. A propositura de possessória quando caberia reivindicatória, ou vice-versa, leva à carência da ação por falta de interesse de processual adequado. Não há possibilidade de o juiz aceitar uma pela outra.”[12]
Cumpre salientar que “a fungibilidade das ações autorizadas pelo art. 920 do CPC é apenas para ações possessórias, e não para as demais. A ação de imissão de posse, sabidamente, não é ação possessória destinada à proteção da posse, mas sim ação petitória a favor de quem vai em busca da posse. Configura julgamento extra petita a decisão de lide não proposta, diferente daquela que resultou da pretensão formulada em juízo”.[13]
Na esteira, decidiu o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo “Bem móvel. Reintegração de posse. Fungibilidade da ação possessória. Prova dos autos que permite auferir que a ré causou dissabor à autora e lhe criou situação de necessidade de vir a Juízo postular seus direitos. Inteligência do art. 3o, da Lei 9610/98, que considera como coisa móvel os direitos autorais. Proteção possessória parcialmente concedida de interdito proibitório, para vedar à ré o uso dos dados eletrônicos em seu poder, fruto do trabalho intelectual da autora e para, também, reconhecer que foi a ré, com seu comportamento, quem deu ensejo à ação e que, por isso, deve arcar com os ônus sucumbenciais.” (APL-CRev No.1059991- 0/7; São Paulo; 34ª Câmara de Direito Privado; Rel. Des. Rosa Maria de Andrade Nery; Julg. 18/06/2008).
7. Conclusão
Do presente estudo posto, é possível concluir que é faculdade do Juiz, ao receber uma ação de reintegração de posse, convertê-la em uma ação de manutenção de posse, como também proceder no sentido contrário.
Essa faculdade é limitada, pois conforme dispõe o art. 920 do CPC, somente caberá aplicação do princípio da fungibilidade nas ações possessórias, uma vez que, neste caso, as ações são destinadas para proteção da posse e não para requer uma posse, que seria o caso das petitórias.
Informações Sobre o Autor
Michel Gouveia
Advogado – Pós Graduado em Direito Civil e Processual pela Escola Paulista de Direito – São Paulo.