Resumo: O objeto do estudo desenvolvido, com base em pesquisas bibliográficas, é tecer algumas considerações a respeito da utilização do cheque pós-datado, suas particularidades, implicações, e principalmente, tratar do contraponto existente entre este instrumento e a Lei n.º 7.357/85.A pesquisa aborda brevemente em seu primeiro capítulo, o aspectos históricos dos títulos de crédito, seu conceito e princípios, além de tratar também do cheque, sua origem, conceito, natureza jurídica e função econômica, juntamente com seu suporte legal no ordenamento jurídico brasileiro.O tema principal deste trabalho será abordado no segundo capítulo, o cheque pós-datado, seus elementos básicos, como histórico, natureza jurídica, entre outros. Merece destaque, a importância que este instituto tem na economia do país, e a falta de legislação específica sobre o tema, o que gera enorme insegurança jurídica na população.Será exposto também, o tratamento do código de defesa do consumidor, do código penal, e a responsabilidade civil frente a pós-datação, além do entendimento doutrinário e jurisprudencial. Busca-se no desenvolvimento deste, comentar sobre as novas jurisprudências e decisões sobre o assunto, possibilidades de alteração e atualização da legislação em vigor, comparação com regramentos já existentes em países vizinhos, e por fim, esclarecer situações como a licitude e legitimidade do cheque pós-datado. Este trabalho foi orientado pelo Prof. Mestre Rafael Corte Mello.
Palavras-chave: Títulos de Crédito. Cheque. Cheque Pós-Datado.
Abstract: The object of the study developed, based on literature searches, is to make a few remarks about the use of post-dated check, its characteristics, implications, and mainly deal with the contrast between this instrument and Law No. 7.357/85. The research discusses briefly in his first chapter, the historical aspects of the debt, the concept and principles, and also handles the check, its origin, and concept, legal and economic function, along with legal support in the Brazilian legal system. The main theme of this work will be addressed in the second chapter, the check post-dated, and its basic elements, such as historical, legal, among others. Noteworthy, the importance of this institute is the country’s economy, and lack of specific legislation on the subject, which creates significant legal uncertainty in the population. Also be exposed, the treatment of consumer protection code, the penal code, civil liability and post-dating front, beyond the understanding of doctrine and jurisprudence. The aim is to develop this, commenting on the new rulings and decisions on the subject, scope for changes and update the legislation in force, compared with specific regulations that already exist in neighboring countries and eventually clarify situations such as the legality and legitimacy of the check-post dated.
Keywords: Securities Credit. Check. Post-Dated Check.
Sumário: Introdução. 1. As características dos títulos de crédito: um olhar voltado ao cheque. 1.1. A importância dos títulos de credito. 1.2. Princípios fundamentais dos títlos de crédito. 1.2.1 Cartularidade. 1.2.2. Literalidade. 1.2.3. Autonomia. 1.3. Breve incursão na origem do cheque e seu suporte no ordenamento jurídico brasileiro. 1.4. A natureza jurídica do cheque e sua forma. 1.5. Função econômica do cheque. 2. Cheque pós-datado. 2.1. Considerações iniciais. 2.2. A natureza jurídica do cheque pós datado. 2.3. Cheque pós-datado frente a legislação brasileira. Conclusões. Referências bibliográficas.
“Bom mesmo é ir a luta com determinação, abraçar a vida com paixão, perder com classe e vencer com ousadia, por que o mundo pertence a quem se atreve e a vida é “muito” para ser insignificante”. (Augusto Branco)
Introdução
O presente trabalho tem por objetivo principal discorrer a respeito do tão popular “cheque pré-datado”, ou como deveria se chamar e assim é tratado pela doutrina: cheque pós-datado. Seus usos e costumes pela sociedade de consumo podem justificar a relativização das prescrições da Lei 7.357/85?
Com o aumento das relações de consumo nos dias atuais, um ponto importante a ser tratado é com relação aos instrumentos responsáveis pela circulação de valores. Apesar do crescimento dos meios de pagamento eletrônicos, o cheque continua sendo largamente utilizado pela população em geral, além de ser uma das formas de recebimento preferida dos comerciantes devido a facilidade com que pode ser utilizado, ele também proporciona aos consumidores a ampliação de seu crédito de forma ágil e descomplicada.
Cada vez mais difundido na cultura da população brasileira, o cheque pós-datado tem sua utilização incentivada pelo comércio que vê no cheque uma forma rápida e segura de concessão de crédito, e que não onera a empresa com taxas e tarifas como é o caso dos cartões de crédito.
Faz-se necessário para abordar o tema em questão, recordar a razão de sua origem, que é a necessidade de se criar mecanismos para circulação de riquezas e para concessão de crédito. Tais mecanismos são os títulos de crédito, que de forma breve também serão objeto de destaque deste trabalho. Nesse passo, a conceituação dos títulos de crédito, a identificação de sua origem, características, particularidades e princípios; considerando que o cheque é uma das inúmeras modalidades dos títulos de crédito, consistirá em tarefa necessária para viabilizar os desdobramentos jurídicos que se pretende adotar na pesquisa.
Discorrer sobre o cheque é fundamental, tratando de sua origem, conceitos e função econômica, para que possamos mais a frente detalhar como este instrumento está enquadrado na legislação de nosso país.
A abordagem terá que passar necessariamente pela apresentação da Lei nº 7.357 de 2 de setembro de 1985, a chamada Lei do Cheque, visto que no Brasil, o cheque é regido pela mesma. Esta lei regula sua emissão, suas modalidades, prazos e particularidades de apresentação para pagamentos junto às instituições financeiras, as possibilidades de transferências dos direitos sobre o cheque, entre outros. Porém não regula a utilização do tão popular costume nacional, o cheque pós-datado.
A emissão do cheque pós-datado está amplamente difundida na cultura brasileira, a aquisição de bens e o consumo de serviços são bastante facilitados pela utilização deste instrumento, visto sua forma de emissão simples, a qual não se faz necessário aprovisionamento de recursos imediatamente. Ocorre que, apesar de sua utilização já estar enraizada no cotidiano, a legislação não prevê tal modalidade, e, além disto, a mesma vai contra o ordenamento legal, que diz que o cheque é uma ordem de pagamento à vista, gerando assim, um contraponto entre a natureza contratual da pós-datação de um cheque e a autorização que a Lei 7.357/85 dá ao sacado para pagamento deste na apresentação, mesmo que esta ocorra antes da data aprazada.
A partir do contraponto existente é que este estudo se desenvolverá, falando sobre o cheque pós-datado, seus conceitos, natureza jurídica e tópicos pertinentes sobre o assunto, buscando identificar o entendimento comum e jurídico que o instituto possui hoje. Por fim, questões polêmicas como a legitimidade e a licitude da pós-datação, a responsabilidade do sacado frente a uma apresentação antecipada e a falta de regramento jurídico pátrio.
Apesar de não regulamentado, a utilização do cheque pós-datado é reconhecida pela doutrina e também pela jurisprudência, através de decisões e súmulas de tribunais de hierarquia elevada. Assim, é necessário falar também a respeito de suas implicações jurídicas frente aos ramos do direito civil, penal e frente ao Código de Defesa do Consumidor.
O objeto principal deste estudo é o cheque pós-datado, suas implicações e conseqüências, a falta de ordenamento legal sobre o tema, e principalmente a lacuna existente na legislação atual, a qual gera enorme insegurança jurídica em nosso país. Busca-se no desenvolvimento deste, relatar sobre as jurisprudências voltadas ao tema, novas súmulas que orientam futuras decisões, e possibilidades de alteração da legislação em vigor, inclusive trazendo exemplos de ordenamentos jurídicos de países vizinhos como Argentina e Uruguai, além de projetos de lei existentes em nosso país, que desde 1991 estão em estudo no Congresso Nacional.
Assim, estando posta a questão da relevância e conveniência na pesquisa voltada ao uso do cheque como elemento de contrato da forma de pagamento parcelada, ao invés de seu uso original como ordem de pagamento à vista, convém iniciar o presente estudo investigando as características dos títulos de crédito.
1 As características dos títulos de crédito: um olhar voltado ao cheque
O cheque é instrumento de movimentação monetária, criado a partir da noção de títulos de crédito. Este capítulo, tem por objetivo tecer algumas considerações a respeito da importância dos títulos de crédito no desenvolvimento da economia, abordando os aspectos históricos, conceitos e princípios acerca destes títulos.
Neste primeiro capítulo, busca-se tratar também sobre o cheque, sua origem, conceito, natureza jurídica, emissão, forma e função econômica, a fim de introduzir o leitor ao tema principal de nosso trabalho, que é o cheque pós-datado e a discrepância existente entre o instituto previsto em lei e a aplicação prática levada a efeito pela sociedade brasileira.
1.1. A importância dos títulos de credito
O crédito é fundamental ao desenvolvimento das operações comerciais e bancárias, chegando a ser na economia moderna um objeto de comércio, um valor patrimonial suscetível de troca. O exercício do crédito se dá através da emissão de títulos de crédito, seja por nota promissória, letra de câmbio, cheque ou outras formas de documentação da existência de uma dívida ou de um crédito.
Como bem afirma Perrone de Oliveira[1]: “crédito é a resultante de uma relação obrigacional, ou seja, há uma manifestação de vontade, e alguém assume perante outrem a obrigação de em um determinado tempo entregar-lhe determinada prestação”, ou seja, o crédito é apenas uma forma de movimentação de valores.
A criação do título de crédito, que é o principal instrumento para circulação da riqueza, proporciona facilidade à circulação dos direitos neles incorporados. Os títulos de crédito, pela rápida circulação, tornam-se mais úteis e mais produtivos, permitindo que deles melhor se disponha a serviço da produção de riqueza.
A origem dos títulos de crédito está ligada ao enfraquecimento do Império Romano. Devido a grande dificuldade de transporte de valores pelo mar e pela terra por parte dos comerciantes da época, que seguidamente sofriam com a ação dos piratas que infestavam o Mediterrâneo e com os ataques dos bandos salteadores, passaram os comerciantes a depositar quantias junto aos banqueiros da época que em contrapartida emitiam um certificado referente à quantia depositada,esse certificado seria a origem da Nota Promissória, e, os saques contra os banqueiros das ordens de pagamentos teriam originado a Letra de Câmbio, tendo a partir daí o aperfeiçoamento dos títulos de crédito.
Com o passar dos tempos, com o natural desenvolvimento das atividades econômicas, tudo indica que novas espécies surgiram com as necessidades do mercado, como o vencimento a certo tempo de vista, como bem esclarece Perrone de Oliveira[2] :
“Gradativamente, foi-se evoluindo, incluindo-se além do vencimento à vista (que ocorria nas feiras, onde se encontravam comerciantes, banqueiros e cambistas, no sentido de operadores de câmbio), o vencimento a certo tempo de vista, o que passou a ocorrer com a coobrigação do sacado, criando a figura do aceite cambial. Aquilo que até ali era uma mera troca de dinheiro, passou a ter então a nítida configuração de uma verdadeira operação de crédito (troca de dinheiro, por dinheiro futuro)”.
O título de crédito como é conhecido atualmente, deu-se somente no século dezenove, após o surgimento do endosso na França.
Segundo Coelho[3], o conceito mais utilizado atualmente entre os doutrinadores para Títulos de Crédito é o conceito criado por Cesare Vivante, onde o título de crédito é o documento necessário para o exercício do direito, literal e autônomo, nele mencionado, tal conceito reúne todos os preceitos básicos do título de crédito, ou seja, é um documento onde prova a existência de uma relação jurídica, possui literalidade exigindo assim que sua forma seja rigorosamente conforme modelo legal, e é autônomo, não dependendo assim de qualquer outro negócio.
Por ser o título de crédito um documento, é indispensável que isto reflita em um documento escrito, isto é, em algo material, palpável, corpóreo, não podendo ser uma declaração oral, ainda que mesmo que essa declaração esteja, por exemplo, gravada em disco, e possa ser reproduzida a qualquer instante. Deve ser escrito lançado em documento corpóreo, em regra, uma coisa móvel, para facilitar a circulação dos direitos, já que esses, incorporados no título circulam com o mesmo.
De acordo com Martins[4] “esse documento é necessário para o exercício dos direitos nele mencionados”. Daí resulta ser, o título de crédito, um título de apresentação, sendo essa pela qual o título de crédito é um documento necessário para o exercício dos direitos nele mencionados. A menção desses direitos é indispensável para que haja um limite, por parte do portador, quanto ao seu exercício.
Coelho[5]·, afirma , que os títulos de crédito possuem três distinções básicas, quais sejam, referem-se unicamente a relações creditícias, tem relativa facilidade na cobrança do crédito em juízo e possui o atributo de negociabilidade.
1.2. Princípios fundamentais dos títulos de crédito
Os títulos de crédito nas suas mais variadas espécies guardam em si três características fundamentais, as quais são, a cartularidade, a literalidade e a autonomia. Para que ocorra a satisfação de seu principal objetivo, que é a circulação, os títulos devem estar revestidos destes princípios, os quais se destacam como necessários para efetivação de sua movimentação.
1.2.1 Cartularidade
A Cartularidade é a característica do título que tem por base sua existência física, ou seja, o título tem que existir como elemento efetivo e representativo do crédito. Este princípio determina que o título de crédito deve-se representar através de uma cártula, ou seja, um papel em que se específica à obrigação.
Afirma Coelho[6] que: “O título incorpora de tal forma o direito creditício mencionado, que a sua entrega a outra pessoa significa a transferência da titularidade do crédito e o exercício das faculdades derivadas dessa, não se pode pretender sem a posse do documento”.
Já Vivante apud Requião[7] conceitua Cartularidade como:
“O título de crédito se assenta, se materializa, numa cártula, ou seja, num papel ou documento. Para o exercício do direito resultante do crédito concedido torna-se essencial a exibição do documento. O documento é necessário para o exercício do direito de crédito. Sem a sua exibição material não pode o credor exigir ou exercitar qualquer direito fundado no título do crédito.”
Sendo assim, somente quem possui o papel, a cártula, pode reclamar seus direitos de credor, e tendo a posse do mesmo poderá exercer o direito nele mencionado. Em virtude desse princípio é que se faz necessária a apresentação do título de crédito original na instrução de petição inicial de execução. Por outro lado, para livrar-se da obrigação assumida quando da emissão da cártula, deve o devedor fazer o recolhimento do título quando do pagamento, ficando assim livre de cobranças futuras.
1.2.2 Literalidade
A Literalidade carrega em si a formalidade e o rigor do que deve estar expresso no título de crédito, pois representa o conteúdo escrito no próprio documento. Toda a obrigação se dá de acordo com o que está escrito e descriminado no título, só produzem efeitos jurídicos e cambiais os atos lançados no próprio título de crédito. Os limites do direito estão exclusivamente no conteúdo do título de crédito. Mamede[8] bem nos ensina:
“Diante de um título de crédito, a pessoa não precisa, em tese, preocupar-se com toda uma gama de questões que poderiam ser-lhe incidentes, pois na face do papel estão inscritos, nos limites disciplinados pela lei, todos os elementos indispensáveis à compreensão jurídica do problema […] Fundamentalmente, o título de crédito é a expressão literal de uma obrigação, pois o que não está no título, não está no mundo.”
No entendimento de Almeida[9] destaca:
“Os títulos de crédito são literais porque valem exatamente a medida nele declarada. Caracterizam-se tais títulos, como lembra Carvalho Mendonça, pela existência de uma obrigação literal, isto é, independente da relação fundamental, atendendo-se exclusivamente ao que neles expressam e diretamente mencionam.”
Em decorrência da Literalidade, o devedor tem a garantia de que até a data do vencimento, não lhe será exigido obrigação cambiária em valor superior ao que está literalmente expresso no documento. Por outro lado, o credor tem a garantia de que o devedor na data aprazada lhe pagará a efetiva quantia expressa no título de crédito, sob pena de incorrer obrigações adicionais, a exemplo de juros, multa e honorários advocatícios.
1.2.3 Autonomia
A Autonomia representa a independência das obrigações vinculadas a um mesmo título, ou seja, com a Autonomia tem-se a desvinculação do título de crédito em relação ao negócio jurídico que motivou sua criação.
Mamede[10] conceitua Autonomia como sendo uma característica técnica do Título de Crédito, cunhada pelo Direito para dar ao instrumento jurídico, em abstrato (na previsão da lei) e em concreto (em cada caso verificado na realidade social), um regime e uma vida própria.
Sem dúvida a Autonomia é o mais importante dos princípios do Direito Cambial, Coelho[11]afirma que “segundo esse princípio, quando um único título documenta mais de uma obrigação, a eventual invalidade de qualquer delas, não prejudica as demais”.
Dentre os diversos conceitos sobre o princípio da Autonomia, o explanado por Requião[12] é um dos mais claros:
“Diz-se que o título é autônomo (não em relação à sua causa como às vezes se tem explicado), mas, segundo Vivante, porque o possuidor de boa fé exercita um direito próprio, que não pode ser restringido ou destruído em virtude das relações existentes entre os anteriores, possuidores e o devedor. Cada obrigação de deriva do título é autônomo em relação às demais.”
Então, uma vez criado, o título se desvincula do negócio eventuais vícios que poderiam comprometer a validade de uma relação jurídica, tendo por base um título de crédito, não se estendem as demais relações abrangidas no mesmo documento. Cada obrigação que deriva do título é autônoma em relação às demais.
1.3. Breve incursão na origem do cheque e seu suporte legal no ordenamento jurídico brasileiro
A superação da base jurídica que forjou a relevância e as características peculiares dos títulos de crédito permite a incursão naquele que é o título de crédito eleito para a investigação que hora se propõe, qual seja o cheque.
No que tange a sua origem, não há um consenso quanto a data de criação do cheque, bem como da sua atual denominação.
Alguns autores, procurando antecedentes para a origem do cheque, chegaram a afirmar que documentos no Egito antigo, que também foram encontrados na Grécia e em Roma, contendo ordens de pagamento em favor de terceiros, possuíam características de cheque. Ocorre, porém, que muitos não reconhecem estes documentos como antepassados do cheque. Há sim, uma corrente histórica que reconhece uma grande semelhança dos cheques atuais com documentos surgidos a partir da segunda metade da Idade Média, em países europeus, que eram ordens de pagamentos contra bancos.
Foi na Inglaterra, porém, a fase embrionária da letra de câmbio, e a partir do século XVII, o cheque tomou impulso, se aprimorando e tomando o contorno do título que hoje representa Martins[13]muito bem esclarece quando se passou a emitir o cheque na Inglaterra:
“Criado, em 1694, o Banco da Inglaterra, esse passou a ser banco de emissão em 1742. A partir dessa data, em virtude de não poder mais o Banco emitir ordens de pagamento aos seus depositantes contra os depósitos dos mesmos, foi difundida a prática de serem sacadas contra os bancos, letras de câmbio a vista…”
O sistema inglês, tal qual o americano, define o cheque, como uma letra de câmbio à vista sacada contra um banqueiro. Porém, a Lei de 14 de junho de 1865, que regulamentou o cheque na França, definiu-o como “ o escrito que, sob a forma de um mandato de pagamento, serve ao sacador para efetuar a retirada, em seu proveito ou em proveito de um terceiro, de todos ou parte dos fundos disponíveis, levados a crédito de sua conta pelo sacado”, encontrou maior utilização nos demais países.
A referida lei francesa sofreu algumas alterações ao longo do tempo, até que em outubro de 1935, através de Decreto-Lei, adotaram-se os princípios da Lei Uniforme da Conferência de Genebra de 1931.
No Brasil a primeira referência ao cheque data de 1845 conforme explana Martins[14]:
“A primeira referência que se tem sobre o uso do cheque no Brasil é a constante do Regulamento do Banco da Província da Bahia, aprovado pelo Decreto nº 438, de 13 de novembro de 1845. Nesse regulamento se dispunha que o Banco receberia ‘gratuitamente dinheiro de qualquer pessoa’, cabendo-lhes igualmente, ‘verificar os respectivos pagamentos e transferências por meios de cautelas cortadas dos talões, que devem existir no Banco[…]”
Na legislação brasileira, a palavra cheque surgiu com a Lei nº 149-B, de 20 de julho de 1893, tendo referido título sido contemplado com a Lei especial nº 2.591, de 7 de agosto de 1912, que regulou sua emissão e circulação.
Ocorre que em 1931 promulgou-se a Lei Uniforme, em Genebra, Perrone de Oliveira[15] explica a seqüência de acontecimentos após a promulgação da Lei Uniforme:
“Em 1931, foi celebrada em Genebra a Convenção para a Adoção de uma Lei Uniforme sobre o Cheque. O nosso país, embora não fosse firmatário, a ela aderiu em 1943, mas somente em 1964, pelo Decreto Legislativo nº 54, houve a aprovação pelo Congresso Nacional. Em 1966, foi editado o Decreto Presidencial nº 57.595, que promulgou a Convenção, implantando a exemplo do que ocorrera com a Letra de Câmbio, texto traduzido da Lei Uniforme.”
Somente em 7 de janeiro de 1966, através do Decreto nº 57.595, que foi promulgada a Lei Uniforme sobre cheques, adotada em Genebra em 1931, que está em vigor no Brasil e que foi incorporada pelo Lei nº 7.357, de 2 de setembro de 1985. Esta Lei, na verdade, é uma consolidação dos princípios da Lei Uniforme e das leis que anteriormente regulavam o cheque no Brasil, com ênfase para a Lei nº 2.591, de 1912.
Em nosso país, a legislação sobre o cheque está concentrado na lei 7.357 de 2 de setembro de 1985, a chamada Lei do Cheque. Essa lei regula o cheque, sua emissão, as modalidades de cheque existentes, os prazos e particularidades para apresentação para pagamentos junto às instituições financeiras, as possibilidades de transferência dos direitos sobre o cheque.
A Lei n.º7.357/85 não estabelece um conceito propriamente dito para o cheque. No entanto, tal normativo estabelece requisitos essenciais que o caracterizam e o distinguem, conforme artigo 1º:
“Art. 1º O cheque contêm:
I – a denominação “cheque” inscrita no contexto do título e expressa na língua em que este é redigido;
II – a ordem incondicional de pagar quantia determinada;
III – o nome do banco ou da instituição financeira que deve pagar (sacado);
IV – a indicação do lugar de pagamento;
V – a indicação da data e do lugar de emissão;
VI – a assinatura do emitente (sacador), ou de seu mandatário com poderes especiais.
Parágrafo único – A assinatura do emitente ou a de seu mandatário com poderes especiais pode ser constituída, na forma de legislação específica, por chancela mecânica ou processo equivalente.”
Com base na referida lei, podemos extrair a conceituação das pessoas envolvidas no referido título de crédito: sacador ou emitente é a pessoa que emite o cheque, é quem dá a ordem; sacado é o banco ou instituição assemelhada para quem parte a ordem; tomador ou beneficiário, que pode ser em alguns casos simplesmente portador, é a pessoa e favor de quem é dada a ordem.
A grande maioria dos doutrinadores define, basicamente, o cheque como uma ordem de pagamento à vista, veja o conceito de Martins[16] :
“Entende-se por cheque uma ordem de pagamento, à vista, dada a um banco ou instituição assemelhada, por alguém que tem fundos disponíveis no mesmo, em favor próprio ou de terceiro.”
De forma semelhante, o doutrinador Coelho[17]conceitua cheque como sendo: “Ordem de pagamento à vista, emitida contra um banco em razão de provisão que o emitente possui junto ao sacado, proveniente essa, de contrato de depósito bancário ou de abertura de crédito”.
Já na lição de Mamede[18], encontramos um conceito de cheque mais completo:
“O cheque é uma ordem de pagamento emanada de uma pessoa (emitente ou sacador) que mantém contrato com uma instituição bancária (sacado) para que esta pague, imediatamente (a vista), determinada importância ao beneficiário nomeado, a sua ordem ou, não havendo nomeação do beneficiário ou nomeando-se genericamente o portador aquele a apresentar. O beneficiário do cheque pode ser igualmente chamado de tomador.”
Teixeira[19] tem um conceito, que apesar de ultrapassado no que diz respeito às formas de movimentação de conta corrente, define com maestria a finalidade e a forma do cheque:
“Cheque é a ordem dada por escrito. É instrumento. Não se coaduna com o cheque a idéia de uma ordem verbal de pagamento. O cheque constitui, na verdade, a forma clássica de o depositante retirar fundos que possui em poder do banco sacado”.
Diz ainda o mesmo autor, sobre as formas de movimentação de conta corrente, que o cheque é classificado como a forma mais clássica de retirada de fundos a qual o cliente dispõe, tal conceito é ultrapassado, pois nos dias atuais cartões magnéticos, transferências via internet banking e outras formas disponibilizadas pela tecnologia superam e muito a utilização da tradicional folha de cheque.
1.4. A natureza jurídica do cheque e sua forma
Quanto à natureza jurídica do cheque, encontramos enorme controvérsia na doutrina. Alguns doutrinadores defendem a teoria do instrumento de pagamento e, quando endossado o terceiro, título de crédito; ocorre, porém, que tal teoria tem encontrado oposição conforme afirma Martins[20] alega-se “que o sacado na realidade se constitui devedor do sacador, não seu representante, ademais, podendo o cheque ser emitido em favor do próprio sacador, tal ocorrendo, ter-se-ia o fato de o mandante dando ordens a si mesmo”.
Há doutrinadores que negam a condição de título de crédito ao cheque, considerando-o um “meio de pagamento”, pensar desta forma seria ignorar as demais formas de utilização do cheque criadas pela sociedade, observando-se e valendo-se apenas da sua forma de utilização mais comum.
Autores como Coelho[21] e Requião[22] conceituam cheque como uma ordem de pagamento, como as letras de câmbio, por exemplo, contudo, à vista, emitida contra um Banco, em razão de provisão que o emitente possui junto ao sacado, proveniente essa de contrato de depósito bancário ou de abertura de crédito.
Já Costa[23] trata o cheque como “uma promessa indireta de pagamento feita pelo emitente, cujo conteúdo […] corresponde a uma ordem de pagamento a um Banco ou Instituição Financeira assemelhada para pagar uma quantia determinada ao emitente ou a terceiro, havendo fundos disponíveis em poder do sacado.”.
No ordenamento jurídico brasileiro, é possível perceber que a teoria que tem maior aceitação sobre a natureza do cheque, é a da promessa unilateral.
Costa[24] justificando os argumentos de seu conceito sobre cheque, explica que:
“Alguns autores atribuem ao cheque caráter de ordem de pagamento à vista, negando-lhe por isto a natureza de título de crédito. Ordem de pagamento é o teor da declaração cambial inicial, que equivale à emissão do cheque e não ao título em si. Se fosse assim, a letra de câmbio não passaria também de uma ordem de pagamento, pois o teor de sua declaração inicial implica também numa ordem de pagamento.”
A principal diferença existente entre os conceitos exposto acima, como se pode ver reside em qual teoria o cheque se encaixa: a da ordem de pagamento, ou a da promessa unilateral, o que acaba se tornando pivô de outra questão sobre a natureza jurídica do cheque, ou seja, a deste documento ser ou não um título de crédito.
Para aqueles que discordam acerca da natureza cambiária do cheque, como Miranda[25], por exemplo, os argumentos pode se condensar em: I – existência obrigatória de provisão disponível em poder do sacado desde a emissão de um cheque, ao contrário da situação aplicada a uma letra de câmbio; provisão esta que, até a emissão do título, pertence ao emitente, e após, ao beneficiário; II – relação jurídica contratual, e não cambiária, existente entre o emitente e o sacado (contrato de conta corrente ou de abertura de crédito); III – tal documento ser utilizado como meio de pagamento, ou seja, um instrumento de apresentação e resgate.
Já para os que defendem a natureza cambiária do cheque, como Coelho[26] ; Costa[27] e Requião[28] , por exemplo, afirmam que não se precisa ir muito longe para enxergar características de um título de crédito, como: I – lei que determina sua existência jurídica (Lei n.º 7.357/1985) e que regula sua utilização, possuindo a Lei Uniforme de Genebra (1931) , como fonte primária de sua estrutura; II – aplicação ao cheque, de institutos típicos dos títulos de crédito, como o “endosso” e o “aval” (declarações cambiais); III – ser documento necessário para o exercício nele mencionado, ou seja, possuir cartularidade, incorporação, literalidade e autonomia.
O cheque é um título de crédito dotado de cartularidade ou incorporação, de formalismo, de literalidade, de abstração, de autonomia, de solidariedade cambial, e de inoponibilidade das exceções pessoais, pelo fato de que o obrigado do título não pode recusar o pagamento ao portador alegando relacionamento pessoal com os signatários anteriores.
São predicados que caracterizam o cheque como uma cártula, cujo valor está contido no documento que deve ser preenchido obedecendo as formalidades legais e onde os direitos do beneficiário se materializam.
Em seu art. 1º, I, a lei 7.357/85 determina que deva constar a denominação “cheque” no contexto do título e ser expressa na língua empregada para a redação do cheque, tal determinação não encontra resistência por parte dos sacados, tendo em visa que o Banco Central padroniza através de circular específica os requisitos que o cheque deve conter tais como dimensão, divisão, medidas de segurança, etc.
O inciso II do referido art. da lei acima citada, dispõe que deve conter o cheque “A ordem incondicional de pagar quantia determinada”, esse texto traduz a natureza jurídica do cheque: determinação de pagamentos de dinheiro, sem nenhuma condição imposta pelo sacador. Teixeira[29] afirma:
“Não se deve, todavia interpretar o adjetivo “incondicional” como sinônimo de “irrevogável”, em determinadas circunstâncias, o emitente pode sustar o pagamento do cheque, mediante contra-ordem ou oposição expedida ao banco sacado”.
Já em seu inciso III, o art. fala da indicação do sacado, ou “nome do banco ou instituição financeira que deve pagar”, Mamede[30] bem define sacado como sendo: ”O sacado é a instituição financeira na qual o emitente mantém uma conta bancária em que haja fundos disponíveis para satisfazer ao crédito constante do saque”.
Em seu inciso IV, a lei determina que a folha de cheque deva indicar o lugar de pagamento, indica o lugar onde o portador deverá apresentar o cheque ao banco sacado, o art. 2º da lei 7.357/85, enumera “soluções” para a falta deste requisito:
“Art 2º – O título a que falte qualquer dos requisitos enumerados no artigo precedente não vale como cheque, salvo nos casos determinados a seguir:
I – na falta de indicação especial, é considerada lugar de pagamento o lugar designado junto ao nome do sacado; se designamos vários lugares,
o cheque é pagável no primeiro deles; não existindo qualquer indicação, o cheque é pagável no lugar de emissão;
II – não indicado o lugar de emissão, considera-se emitido o cheque no lugar indicado junto ao nome do emitente.”
O inciso V da lei 7.357/85[31] determina que deva constar no cheque “a indicação da data e do lugar da emissão”. A data é requisito fundamental, pois determina a capacidade ativa do emitente do cheque e o prazo para sua apresentação ao pagamento. Será objeto de estudo mais aprofundado neste trabalho, a colocação de data futura no cheque. A data deve ser escrita contendo dia, mês e ano.
O local de emissão é de grande importância, pois determina o prazo de apresentação, prazo esse dado pelo art. 33 da lei 7.357/85, que preceitua que o cheque deve ser apresentado, a contar da data da emissão, em 30 dias, se emitido na praça de apresentação e. , em 60 dias, se emitido em outro lugar do país ou no exterior.
Mamede[32] afirma que “invalida o título de crédito a utilização de lugar fictício ou absurdo”. A falta de indicação do ligar de emissão pressupõe que o cheque fora emitido no lugar onde deveria ser pago.
E por fim, o inciso VI do artigo indica que deve conter o cheque “a assinatura do emitente (sacador), ou de seu mandatário com poderes especiais”. Teixeira[33] afirma ser a assinatura “insuprível”. Conforme o art. 11 da Resolução 2.025/93 do Banco Central do Brasil, deve a instituição financeira manter cartão com autógrafos atualizados do depositante.
A obrigação de conferir a autenticidade é do banco, e um cheque somente poderá ser pago quando conferirem as assinaturas, sendo a instituição financeira a responsável pelo pagamento de cheques com assinaturas falsas. Mamede[34]bem coloca: “A responsabilidade do banco, não se elide com o argumento de que era obrigação do correntista cancelar o talão subtraído ou perdido, já que assinatura é requisito legal que deve ser conferido pelo sacado”.
Além dos requisitos elencados na Lei 7.357/85, normas do Banco Central do Brasil disciplinam e regulamentam a emissão de cheques no Brasil, exigindo padronização no tamanho do cheque, indicação do número do banco sacado na câmara de compensação, número do cheque, o número do emitente no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) para facilitar o controle administrativo e fiscal dos emitentes de cheques.
No espaço reservado para assinatura deve listar quem é o titular da conta de depósitos sobre a qual se determina o saque, a data de sua inclusão como cliente de instituição financeira, inscrita na forma “cliente desde”, o CPF e o RG com órgão expedidor e sigla da unidade de federação emissora do documento.
Quanto aos pressupostos da emissão do cheque, estão disciplinados nos arts. 3º e 4º da Lei do Cheque, que dispõe in verbis:
“Art. 3º – O cheque é emitido contra banco, ou instituição financeira que lhe seja equiparada, sob pena de não valer como cheque.
Art. 4º – O emitente deve ter fundos disponíveis em poder do sacado e estar autorizado a sobre eles emitir cheque, em virtude de contrato expresso ou tácito. A infração desses preceitos não prejudica a validade do título como cheque.
§ 1º – A existência de fundos disponíveis é verificada no momento da apresentação do cheque para pagamento.
§ 2º – Consideram-se fundos disponíveis:
a) Os créditos constantes de conta corrente bancária não subordinados a termo;
b) Saldo exigível de conta corrente contratual
c) A soma proveniente de abertura de crédito.”
Ser o sacado um banco ou instituição financeira a ele equiparada, Martins[35] define banco ou instituição financeira como sendo “as sociedades de crédito, financiamento e investimentos, as caixas econômicas e as cooperativas de crédito”. Não se consideram cheques no sentido literal e legal da palavra o ticket em forma de cheque, disponibilizados por empresas, associações e entidades de classe, para que seus funcionários, associados e filiados realizem pagamentos em estabelecimentos conveniados.
Possuir fundos disponíveis em poder do sacado e estar autorizado a emitir cheques, o pressuposto da provisão de fundos disponíveis na verdade, não se dá no momento da emissão do cheque, e sim no momento da apresentação, então nada impedindo o sacador de emitir o cheque e depois provisionar recursos para o pagamento do mesmo. Quanto à autorização para emitir cheques, com o advento da tecnologia e o uso da informática, a possibilidade de o sacado entregar talão de cheques a alguém que não possui contrato prevendo tal benefício, tornou-se praticamente nula.
A inexistência de fundos não prejudica a validade do cheque, pode não possuir saldo, porém não deixa de ser cheque. Martins[36] fala das penalizações ao emitente de cheques sem fundos:
“Quem emite cheques sem a necessária provisão, comete o delito de estelionato. O portador continuará credor do sacador pela importância constante do cheques, pois sua dívida só deixará de existir com o pagamento feito pelo sacado. Se, por acaso, o cheque houver circulado por endosso, cada endossante se constitui coobrigado pelo pagamento; se tiver sido avalizado, o avalista responde ao portador nos termos do seu aval, equiparado à pessoa avalizada.”
Este delito somente se caracteriza quando verificada a falta de provisão de fundos no ato de apresentação e liquidação do cheque pelo sacado.
1.5. Função econômica do cheque
A função econômica do cheque é de grande importância, como diz Perrone de Oliveira[37], citando Rubens Requião, a “sua utilização substitui vantajosamente a mobilização de valores monetários no meio comercial e social”.
O dinheiro pode inclusive, efetivamente, não chegar a circular, pois, os cheques emitidos, podem vir a não ser “trocados” nos guichês das instituições financeiras, sendo depositados na conta do portador , o que evita a circulação de valores entre as instituições.
Sua primeira função é a de meio de pagamento, constituindo pela compensação um meio de liquidação de débitos e créditos e posto a circular pelo endosso, operando como título de crédito. Essa compensação se dá, porque as pessoas ao invés de circular com dinheiro para liquidar suas obrigações, o fazem através do cheque, dando uma ordem de pagamento a ser cumprida pelo sacado. Tem, assim, as funções de ser o cheque um meio de pagamento econômico, funcional e acessível.
Cabe ressaltar que o cheque não representa moeda, e sim um instrumento de pagamento, Martins[38] define bem dizendo que:
“Cheque é apenas uma ordem de pagamento, e na realidade esse pagamentos só se verifica quando a ordem é cumprida, seja com a entrega real do dinheiro, seja com o lançamento em conta da importância mencionada no cheque.”
O cheque é instrumento probatório eficaz para demonstrar a existência de pagamentos, e tornou-se um meio de pagamento usual pela população brasileira, visto substituir com vantagem a circulação de moeda corrente pela segurança que oferece, ainda mais nos dias de hoje em que circular com recursos em espécie está cada vez mais perigoso.
Assim, depois de verificarmos os mais diversos aspectos, características e funcionamentos dos títulos de crédito e do cheque, passaremos a verificar aspectos específicos do cheque pós-datado, com base na doutrina, jurisprudência e na lei 7.357/85, a chamada Lei do Cheque.
2. Cheque pós-datado
Uma vez amadurecidos os conceitos e as ponderações doutrinárias acerca dos títulos de crédito, mormente o cheque, cumpre destacar importante questão a respeito da lacuna jurídica de uma das modalidades mais utilizadas consuetudinariamente pela população brasileira: o cheque pós-datado.
2.1. Considerações iniciais
O tema é relevante para os operadores do Direito e principalmente para sociedade em geral, visto discorrer a respeito do tão popular cheque “pré-datado” ou como deveria se chamar e assim é tratado pela doutrina: cheque pós-datado.
Tem se discutido quanto a existência, a validade e a eficácia da relação jurídica originária do dito “cheque pré-datado”, e se a apresentação antecipada do título de crédito pós-datado pode fundamentar pretensão indenizatória, a título de dano moral e material, uma vez que a doutrina diverge sobre o tema, e nossos juízes não decidem uniformemente sobre a matéria, gerando uma insegurança jurídica.
O fato gerador da alteração do instituto do cheque, previsto em nosso ordenamento jurídico na Lei nº 7357/85, artigo 32[39], como instrumento de pagamento à vista, pagável no dia da apresentação, é o enraizado costume nacional de realizar compras emitindo cheques datados para um dia futuro àquele da emissão de fato, como se nesse dia tivesse sido emitido.
Entretanto, a legislação, que daria juridicidade a este fato cotidiano, não reconhece o cheque pós-datado como fato jurídico, considerando que o cheque supostamente emitido em data posterior à sua emissão é pagável normalmente na data de apresentação, conforme citado anteriormente (artigo 32 da Lei 7357/85 – Lei do Cheque); nesse contexto o depósito antecipado do cheque é ato jurídico sadio, pleno de juridicidade e incapaz de tornar-se fato gerador de dano moral.
Tal entendimento desconsidera que além de ser o “pré-datado” prática comum entre a população, há inegáveis danos resultantes da apresentação antecipada de cheque com data diferida, já que a massa assalariada da população freqüentemente utiliza-se desta forma para fazer frente as suas necessidades de consumo, exatamente por não dispor de outro instrumento assemelhado (cartão de crédito, por exemplo), e muitas vezes nem de fundos em conta corrente no momento da avença para honrar com o compromisso assumido à vista.
O cheque revela-se um importante instrumento de circulação de valores, de uso comum no dia-a-dia do consumidor, ele passou a ser utilizado fora dos objetivos padrões de sua criação.
A princípio o cheque trata-se de uma “ordem de pagamento à vista”, onde se presume que o sacador possui fundos disponíveis no momento da emissão. Inclusive, o art. 32 da Lei 7.357/85, versa que “o cheque é pagável à vista. Considera-se não escrita qualquer menção em contrário”.
Consta que o cheque teve desvirtuada essa sua função de ordem de pagamento à vista. Para facilitar a concessão de crédito, criou-se o cheque pós-datado, ou como é popularmente chamado: “cheque pré-datado”. Coelho[40] fala do cheque pós-datado:
“O cheque pós-datado é importante instrumento de concessão de crédito ao consumidor. Embora a pós-datação não produza efeitos perante o banco sacado, na hipótese de apresentação para liquidação, ela representa um acordo entre tomador e emitente. A apresentação precipitada do cheque significa descumprimento do acordo”.
Perrone de Oliveira[41] ao falar da importância da data no cheque, diz que: “A data, como visto, é requisito essencial do cheque. Sua importância é grande, pois dela conta o prazo para apresentação, com todas as suas conseqüências”.
A utilização de cheques pós-datados, como forma de concessão de crédito, viabiliza as compras a prazo. Trata-se de uma das principais modalidades de parcelamento de valores em transações comerciais, sendo talvez superado apenas pela utilização de cartões de crédito. Sua utilização desperta interesse nas instituições bancárias e empresas de factoring, que realizam a “troca” dos cheques com datas futuras, mediante desconto de determinado percentual de seu valor nominal.
Sem sombra de dúvida, sua utilização está bastante difundida no dia-a-dia dos brasileiros, Andreatta[42] apresenta as seguintes estatísticas a respeito da circulação de cheques pós-datados no país:”Em suma, de 1997 a 2003, a movimentação de cheques pós-datados aumentou 13,3%. Em 1997, o varejo registrava 59,02% de cheques pós-datados contra 40,8% de cheques à vista. Em 2003, foram 72,5% de folhas pós-datadas”.
Vista a importância desse meio de pagamento, faz-se necessário conceituar cheque pós-datado e falar de suas implicações jurídicas. Andreatta[43] conceitua cheque pós-datado como sendo “cheque com data posterior à data em que foi efetivamente emitido”.
Sidou apud Andreatta[44] conceitua cheque pós-datado:
“Pré” (latim, prae) é afixo que denota anterioridade, antecipação; contraposto à “pós” (latim, post), que indica ato ou fato futuro. Tanto quanto pré-natal significa antes do nascimento, uma ordem, ou qualquer ordem expedida post diem, indica que ela deverá ser executada na ou a partir da data indicada, não antes.”
Para Covello apud Andreatta[45]:
“O cheque pré-datado, ou pós-datado, como prefere parte da doutrina, é o cheque emitido com cláusula de cobrança em determinada data, em geral a indicada como data da emissão, ou a consignada no canto direito do talão.”
Coelho[46] e Requião[47] compartilham o entendimento de que o cheque pós-datado poderia ser conceituado como aquele em que sua data de apresentação para pagamento é determinada, via pacto, para além do dia de seu efetivo e real nascimento.
Na prática, o cheque pós-datado é um “acordo de cavalheiros” entre o sacador e o tomador, nada impede que o portador vá ao banco e efetue a “troca” do cheque antes ou depois do prazo acordado, obviamente respeitando os prazos de apresentação e prescrição do título de crédito. O fato é que o cheque pós-datado caiu nas graças da sociedade brasileira, ao se mostrar um instrumento de fácil manuseio do crédito, desprovido de qualquer burocracia.
Dentro dos conceitos expostos anteriormente, o cheque pós-datado possui grande utilidade, se a avença de apresentação em data futura, em relação a real data de emissão, for respeitada. Mas alerta Costa[48] que “é preciso ter cuidado para que até o dia marcado, o prazo não seja superior ao da prescrição”, o que levaria a perda da força executiva do título.
Atualmente, apesar de não encontrarmos na legislação brasileira disposição específica sobre o cheque pós-datado, verificamos que este tema já foi abordado em lei anterior. No artigo 6º da antiga e revogada Lei nº 2.591/1912 previa-se a existência do cheque pós-datado (denominado ‘cheque com data falsa’), punindo o seu emitente com multa de 10% sobre o montante nele descrito. Entretanto, tal punição foi criada exclusivamente com fito tributário, de acordo com Andreatta[49].Em 1966, honrado o compromisso de inserir em seu ordenamento jurídico pátrio, o texto uniforme elaborado na Convenção de Genebra de 1931, o Estado brasileiro promulgou o Decreto nº 57.595, e através de seu artigo 28,repetiu o reconhecimento jurídico da Lei Uniforme para a existência da pós-datação, repelindo, ao mesmo tempo, todas as menções contrárias a natureza de ordem de pagamento à vista do cheque, considerando-as não escritas, o que atualmente a Lei nº 7.357/1985 que está em vigor, mantêm.
É importante lembrar, que países vizinhos como Argentina e Uruguai possuem legislações que disciplinam o uso da pós-datação no cheque, enquanto que no Brasil, apesar de sua grande circulação e utilização, o cheque pós-datado não dispõe de regulamentação legal, pelo contrário, ele vai de encontro ao artigo 32 da Lei 7.357/1985. Urge a necessidade de normas que disciplinem o cheque pós-datado em nosso país, e nada melhor que uma análise no exemplo de países vizinhos como a Argentina e o Uruguai.
O princípio cultural argentino era muito amplo e geral de cumprimento das obrigações assumidas enquanto elemento de prestígio das pessoas, entidades, empresas e instituições, sendo a palavra dada entre as partes, o mais valioso bem que se poderia ter. Contudo, a situação de crise econômica que se instalou naquele país, mudou costumes, conceitos e padrões culturais, fomentando o crescimento da utilização da pós-datação no cheque.
Assim, como há no Brasil, houve na Argentina a necessidade social de regulamentação do chamado cheque de pago diferido, ou simplesmente, cheque pós-datado; porém, ao contrário de nosso, não demorou muito para que os argentinos promulgassem a Lei nº 24.452/1995, acabando com o imbróglio sobre a pós-datação e sanando o anseio social.
Com a regulamentação, a Lei Argentina nº 24.452/1995 diferenciou o cheque comum daquele pós-datado, instituindo para este último, a obrigatoriedade de registro em instituição autorizada; as duas modalidades de cheque são descritas por Andreatta[50], a seguir, especificando:
“1. O cheque comum, mantidas as suas características de ordem de pagamento à vista.2. O “cheque de pago diferido”, em talonário distinto para ser pago a dias de vista, a contar de sua apresentação a registro, em uma entidade financeira autorizada. Tal registro se condiciona à existência de margem de crédito estabelecida pelo Banco sacado, que definirá tal limite, pela análise da situação do ciente e sua perspectiva de pagamento. Embora o registro perante uma instituição bancária não garanta o pagamento, impede-se a prática de cheques pré-datados, que desnaturalizam o cheque comum e coíbe-se de certa forma as ações de má-fé.”
Mesmo com esta iniciativa argentina, Andreatta[51] alerta que ‘cheques de pago diferido’ sem o devido registro, continuam a ser emitidos, e que a burocracia desse ato de se registrar tal modalidade de cheque, impede uma melhor aplicabilidade dessa nova lei.
Já no Uruguai, também foi instituído o cheque de pago diferido, Decreto Lei 14.412 de 8 de agosto de 1975; a diferença para Argentina são basicamente duas: além da legislação uruguaia anteceder a do país vizinho, ela não apregoava a necessidade de registro para que esse tipo de cheque fosse emitido. Resultado prático: menor complexidade jurídica e menor burocracia, gerando maior aceitação social.
Em nosso país, esta modalidade de cheque já está mais do que consagrada e aceita pela sociedade, o que se torna necessário é a criação de uma legislação específica que aborde o tema. Inclusive, existem projetos de lei que prevêem a legalização do cheque pós-datado em nosso país.
O Projeto de Lei 7308/10, atualmente na pauta da Câmara dos Deputados, altera os artigos 32 e 33 da Lei 7357/85, e conforme o autor do projeto, o Deputado Silas Câmara (PSC-AM) ele busca suprir esta lacuna existente em nossa legislação. Ele afirma que o uso do cheque pós-datado já é consagrado pelo comércio no Brasil, e mesmo com a jurisprudência criada pelo Superior Tribunal de Justiça (Súmula 370) a lacuna permanece.
Pelo texto deste projeto, o cheque apresentado antes da data indicada para seu pagamento será recusado e devolvido pelo banco, e o beneficiário do pagamento ficará sujeito a multa de até três vezes o valor do cheque, caso seja comprovado o dolo ou má-fé. A proposta indica ainda, que o cheque poderá ser pago tanto a vista quanto na data indicada para o vencimento, tendo como prazo máximo de 30 dias após a data indicada para ser descontado, quando tiver sido emitido no local onde será pago. No caso de cheques emitidos em outro local, o cheque poderá ser apresentado para pagamento em até 60 dias após a data indicada.
Em pesquisa, verificamos que este não é o único projeto de lei referente ao tema, e que a busca pela alteração da lei vigente começou a muitos anos, através do Projeto de Lei 1029/91[52] da Deputada Fátima Pelaes (PFL-AP). Posterior a este, vários outros projetos já foram criados sobre o tema, são eles: PL 2230/91, PL 4025/93, PL 992/95, PL 1169/99 , PL 3373/00, PL 4235/01, PL 4985/01, PL 5267/01, PL 5289/01, PL 2391/96, PL 5385/01, PL 5990/01, PL 6377/02, PL 7354/02, PL 360/03, PL 456/03, PL 1327/03, PL 388/07, PL 499/07, PL 2365/07, PL 3149/08, PL 3554/08, PL 4832/09, PL 7308/10, sendo que todos estes estão apensados ao primeiro (PL 1029/1991), por tratarem do mesmo tema.
2.2. Natureza jurídica do cheque pós-datado
Com relação à natureza jurídica, a Lei do cheque estabelece os requisitos para validade do cheque. Preenchidos tais requisitos formais de validade, a projeção de data futura para apresentação do cheque, configura um contrato entre o tomador e o sacador.
Pode o tomador respeitar o prazo e apresentar o cheque na data acordada ou simplesmente apresentar imediatamente e desrespeitar o acordo. Andreatta[53] ao analisar sob o prisma do Direito Cambiário afirma:
“No âmbito cambiário, podemos dizer que o destinatário do cheque não é obrigado a respeitar a cláusula de pagamento à prazo, e nem tampouco o banco deve obedecer a qualquer cláusula que obste o pagamento à vista, devido a natureza legal que coroa o cheque como ordem de pagamento à vista.”
A natureza cambiária do cheque pós-datado é quase que óbvia e não sobrevêm da pós-datação. Por sinal, a pós-data nem pode ser considerada uma cláusula inserida no cheque com a pretensão de alterar o dia de sua apresentação, pois será considerada não escrita qualquer menção inserida na cártula que contrarie o seu pagamento à vista.
“Cabe mencionar sua função de ordem de pagamento à vista, mesmo porque a data futura não produz nenhum efeito, nem lhe retira o efetio cambiário, por ser mesmo ignorada pelo sacado, que deve efetuar o pagamento assim que o título lhe for apresentado, caso o emitente tenha provisão de fundos por ocasião de sua apresentação, ou recusá-lo pela insuficiência ou inexistência de fundos”[54].
Ainda mais incisivo quanto ao pagamento à vista, próprio do cheque é Martins[55], afirmando que:
“Se, por acaso, do cheque constar qualquer menção em contrário, essa menção é considerada como não escrita, não perdendo, assim, o cheque a sua validade nem podendo o pagamento ser retardado, transformando-se em um título de pagamento a prazo.”
Já do ponto de vista jurídico, a emissão de cheque pós-datado, é um contrato verbal ou convenção, no qual o cliente ou sacador promete que na data estipulada terá fundos para saldar o cheque e o tomador promete que só apresentará o cheque na data acertada. Andreatta[56] ao comentar esse acordo conclui: ”Contudo, a parte que desrespeitar o pactuado quando da emissão do cheque, poderá ser responsabilizada civilmente pelos prejuízos que porventura vier a causar”.
Ele também apresenta cunho contratual devido ao estabelecimento de uma relação jurídica extracambiária, não inviabilizada pela legislação vigente, visto que as partes se garantem reciprocamente: o emitente/consumidor compromete-se a ter fundos disponíveis na ocasião da apresentação pactuada, enquanto o tomador/fornecedor assume a obrigação de apresentar o cheque somente no dia estipulado pelas partes.
Esta relação tanto possui cunho contratual (além de sua natureza cambiária) que se o pacto for quebrado com a apresentação precipitada do cheque, o primeiro terá o direito de demandar o segundo, pelos prejuízos e danos que sofrer, desde que existente o dano comprovado. Conclui Venosa[57] que:
“[…] o descumprimento por parte de um dos contratantes deve ter ocasionado prejuízo ao outro contratante. Quando não existe prejuízo, pode o interessado pedir a rescisão do contrato, mas não há perdas e danos a serem indenizados. Só deve ser indenizado prejuízo efetivamente provado e decorrente de ato imputado ao outro contratante. […]”
Por fim, apesar de muitos doutrinadores entenderem que a natureza cambiária do cheque permanece ilesa diante da pós-datação, sendo esta última, apenas mais uma atribuição dada a este título por força de avença, outros como Peixoto[58] defendem um entendimento alternativo, afirmando que a pós-data no cheque, desvirtua sua função típica, transformando-o de ordem de pagamento em instrumento de crédito.
2.3. Cheque pós-datado frente à legislação brasileira
Não existem dúvidas que o cheque pós-datado já se tornou um costume enraizado no cotidiano consumista brasileiro. Também é fato que a maioria dos doutrinadores concordam com a eficácia do instituto, e que muitos tribunais já abonaram esta prática, protegendo juridicamente o acordo pós-data e punindo aqueles que precipitadamente realizam apresentação causadora de dano ao emitente.
Apesar do clima de “simpatia” pelo instituto, o cheque pós-datado não dispõe de regulamentação legal, pelo contrário, ele vai de encontro ao artigo 32 da Lei nº 7357/1985, que menciona ser o cheque pagável a vista. Portanto, as decisões não ocorrem uniformemente, e a própria doutrina diverge sobre o tema, causando insegurança jurídica para toda a população.
No Código de Defesa do Consumidor, a lei 8.078 de 11 de setembro de 1990, surgiu da reconhecida hipossuficiência dos consumidores, da sua esmagadora maioria no mercado e da urgente proteção destes pelo ordenamento jurídico.
O código inovou o comportamento das relações de consumo, aqui entendidas como relações jurídicas entre as partes negociantes, tornando-as mais equilibradas, com vistas à obtenção de produtos e serviços, que é o objeto ou resultado final da transação comercial.
É prática comum por parte dos comerciantes, anunciarem a venda dos produtos em parcela a serem pagas com cheques pós-datados. Essa publicidade da forma de pagamento perpetrada integra o contrato a ser celebrado.
O art. 30 do Código de Defesa do Consumidor assim determina:
“Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obrigam o fornecedor que fizer veicular ou dela se utilizar, e integra o contrato que vier a ser celebrado”.
Sendo assim, obriga-se o fornecedor a cumprir o que foi acordado e apresentar os cheques no prazo estabelecido. Caso descumpra esse prazo, fica facultado ao consumidor, no caso o emitente do cheque pós-datado, a rescisão do contrato e o ressarcimento do que já foi pago mais perdas e danos (art. 35 do Código de Defesa do Consumidor).
Andreatta[59] assim sintetiza a relação jurídica consumidor/comerciante:
“Se o comerciante informa ao consumidor que seus produtos e serviços podem ser adquiridos mediante a entrega de cheques pós-datados, fica, após a concretização da compra, imediatamente obrigado a apresentar o documento ao banco sacado na data combinada, sob pena de ser responsabilizado civilmente (materialmente e/ou moralmente) pela quebra contratual.”
Abaixo segue jurisprudência envolvendo o cheque pós-datado e o código de defesa do consumidor:
“CHEQUE PRÉ-DATADO. CAMBIARIDADE. PERDA DA QUALIDADE. CÓDIGO DO CONSUMIDOR. APLICAÇÃO. Perde sua qualidade de cambiaridade o cheque pré-datado, dado como garantia de pagamento por eventuais serviços, cuja correção se discute. Ademais, na forma do Código do Consumidor (Lei 8078/90 art. 39, V e 51, IV) tal exigência nulifica o documento abusivamente exigido.” TÍTULOS DE CRÉDITO – EMBARGOS DO DEVEDOR – APELAÇÃO CÍVEL 5616/94 – Reg. 531-3 – Cod. 94.001.05616 QUINTA CÂMARA – Unânime – Juiz: JORGE MIRANDA MAGALHAES – Julg: 08/03/95
Além do princípio da responsabilidade contratual, as relações de consumo devem abraçar o princípio da boa-fé, somente assim, o equilíbrio das obrigações e deveres contratuais e a confiança entre as partes podem ser mantidas.
Com relação ao Código Penal, existe uma grande discussão a respeito do crime de estelionato previsto no art. 171[60] deste código. Para alguns o delito de emissão de cheques pós-datados sem a devida provisão de fundos configura o delito de estelionato, para outros não. O momento consumado desse tipo penal ainda causa algumas discussões nos tribunais e na doutrina; na verdade, existem duas vertentes: a primeira, majoritária, informa que o crime ocorre no instante em que o estabelecimento sacado nega o pagamento do cheque; a segunda, minoritária, diz que a consumação se dá no momento em que o cheque é entregue ao tomador.
Costa[61] está entre os que defendem a segunda corrente, apesar do mesmo reconhecer que, a idéia não vinga devido à enorme quantidade de cheques sem fundos emitidos nos dias atuais. Já Requião[62] sustenta a corrente majoritária:
“O delito de emissão de cheques sem fundos constitui um crime contra o patrimônio, e se caracteriza […], como “fraude no pagamento por meio de cheque”. Assim, somente quando se verifica a falta de provisão, no ato da apresentação e a liquidação do cheque pelo sacado, é que se caracteriza o delito. […] A lei vigente, repita-se, dispôs que a existência de fundos disponíveis é verificada no momento da apresentação do cheque para pagamento. Aí então se configura a falta de provisão de fundos”
Primeiramente, devemos analisar o intuito do emitente, se tinha ele a intenção ou não de lesar, ou seja, o dolo. O devedor imagina que terá fundos disponíveis na data da apresentação do cheque para pagamento, porém, não pode garantir.
Contudo, o crime só existe realmente, diante da prova de dolo no induzimento a erro (fraude) do credor do cheque. Conforme preceitua Andreatta[63] , “entregue cheque pro solvendo, em razão de obrigação anterior, pelo fato de não ser honrado, por siso, não caracteriza fraude”.
Outra situação, já pacificada nos tribunais e na doutrina, é o entendimento de que, o cheque apresentado antes da data de emissão, não caracteriza crime (subentende-se que a data de emissão é futura em relação a real data de saque – uma forma de pós datação). Também não é crime a apresentação antecipada de qualquer tipo de cheque pós-datado; matéria esta, inclusive sumulada pelo STF. Vale ressaltar também, por outro lado, que a súmula 246 do STF[64] declara que ”comprovado não ter havido fraude, não se configura o crime de emissão de cheques sem fundos”, logo, a emissão de cheque “pré-datado” devolvido sem fundos em decorrência da apresentação prematura, descaracteriza a fraude e conseqüentemente não constitui crime.
A jurisprudência é muito ampla nesse sentido e afirma em sua imensa maioria que por ser o cheque pós-datado emitido somente como garantia de pagamento, não se configura o crime previsto no art. 171 do Código Penal, ficando facultado apenas a via judicial para reparação de danos civis. Temos a seguir dois exemplos jurisprudenciais:
“RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS. ESTELIONATO. REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. EMISSÃO DE CHEQUE PRÉ-DATADO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO PARA TRANCAR A AÇÃO PENAL.
1. Em que pese o pedido do recorrente se restringir a revogação da prisão preventiva por ausência dos requisitos que autorizam a segregação cautelar, percebe-se, conforme pacífica jurisprudência desta Corte, que a emissão de cheque pré-datado descaracteriza a cártula de um título de pagamento à vista, transformando-a numa garantia de dívida. Atipicidade da conduta.
2. Recurso conhecido para conceder, de ofício a ordem, para trancar a ação penal. (RHC 16880 / PB; RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS 2004/0161224-3, Relator Ministro Hélio Quaglia Barbosa, 06/10/2006.
ESTELIONATO – CHEQUE PÓS-DATADO – SEM FUNDOS NA DATA DA APRESENTAÇÃO – Para configurar o dolo, é necessário que o agente tenha consciência e vontade de empregar meio fraudulento para iludir alguém, obtendo vantagem ilícita, em prejuízo alheio. A vítima, ao aceitar cheque pós-datado para descontá-lo no banco alguns dias depois de sua emissão concorreu para que a cártula fosse desfigurada de ordem de pagamento à vista para promessa de pagamento a prazo, perdendo a tipicidade do crime previsto no art. 171, § 2º, VI do CP. Apelo Improvido.” (TJRS, Acr 699089892, RS, 7ª C. Crim., Rel. Des. Aido Faustino Bertocchi, j. 06/05/1999)[65]
Quanto à responsabilidade civil diante do cheque pós-datado, amplamente falando, seria a obrigação de reparar danos causados a outrem, em sua pessoa ou no seu patrimônio.
Na legislação pátria, podemos visualizar isto na norma do artigo 186[66] do Código Civil: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” O ato ilícito da margem à reparação do dano e a responsabilidade civil, independentemente da modalidade, é sempre de reparação desse dano.
Pode ser essa responsabilidade subjetiva ou objetiva. Na primeira, a prova da culpa é pressuposto necessário do dano indenizável. Já a responsabilidade objetiva, nos obriga a reparar um dano cometido, mesmo sem culpa, se satisfaz apenas com o dano e o nexo de causalidade.
Cabe distinguir também a responsabilidade negocial da responsabilidade civil. A responsabilidade negocial caracteriza-se pela obrigação de reparar danos que sejam conseqüência do inadimplemento de contratos e outros negócios jurídicos, enquanto que a responsabilidade civil tem como objeto a reparação de danos resultantes de violação de deveres gerais, havendo casos em que há concurso entre as duas responsabilidades.
Venosa[67] demonstra claramente as conseqüências da responsabilidade civil:
“Quando o contratante descumpre sua parte no contrato, pode ser obrigado a adimpli-lo judicialmente, tanto que o estatuto processual tem normas específicas de procedimento para as obrigações de dar, fazer e não fazer. No entanto, quando o cumprimento em espécie não é possível, quer porque não mais exista o objeto do contrato ou não seja ele idôneo, quer porque o cumprimento coativo da obrigação se converteria numa violência contra a liberdade do individuo, o denominador comum do descumprimento é o pagamento de uma indenização em dinheiro. O Direito não tem outra forma geral de ressarcimento. A indenização substitui o cumprimento da obrigação, mas não equivale a ela.”
Com relação ao princípio da boa-fé, Conforme Andreatta[68] traduz muito bem:
“O interesse social de segurança das relações jurídicas, diz-se, como está expresso no Código Civil alemão, que as partes devem agir com lealdade e confiança recíprocas. Numa palavra, devem proceder com boa-fé, advindo daí, que , ao emitir-se cheque pós-datado, o consumidor confia em que a data aprazada será respeitada pelo credor.”
A emissão do cheque pós-datado é legal, portanto com base no princípio da boa-fé e do contrato, mesmo que verbal, entre o vendedor e o comprador, fica facultado ao devedor requerer a reparação de danos materiais e morais oriundos da conduta ilícita do credor, que antes do prazo combinado apresenta o cheque para pagamento.
Conforme Andreatta[69] assim coloca:
“A concessão de prazo para apresentação é resultado de um acordo entre o sacador e seu beneficiário, portanto lícita é a prática de emissão desse tipo de cheque, remanescendo controvérsia apenas a respeito da ilicitude da apresentação antecipada. A maior parte dos doutrinadores se manifesta favoráveis à ilicitude dessa apresentação, em atenção ao que dispõe o art. 32, parágrafo único da Lei do Cheque, contudo, asseveram que o descumprimento atingirá o acordo entre o sacador e o beneficiário, violando o princípio da boa-fé.”
A Constituição Federal de 1988, art. 5º, X[70], estabelece que:
“São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”
Os tribunais vêm reconhecendo na jurisprudência a validade do acordo firmado entre emitente e credor, tanto que reconhece responsabilidade pela apresentação antecipada do título:
“INDENIZAÇÃO – DANO MORAL – CHEQUE PRE-DATADO. A apresentação prematura de cheque a estabelecimento bancário, resultando em encerramento da conta do emitente, acarreta ao responsável obrigação indenizatória por dano moral, que deve ser fixada de acordo com a gravidade da lesão, intensidade da culpa ou dolo do agente e condições sócio-econômicas das partes. (TAMG – Ap. 190.931-9- 5ª C. – Rel. Juiz Aloysio Nogueira – DJMG 09.08.95).
INDENIZAÇÃO – DANO MORAL – CHEQUE PRÉ-DATADO – APRESENTAÇÃO PREMATURA PELO ESTABELECIMENTO COMERCIAL – Importa dano moral o comportamento do estabelecimento comercial que, descumprindo acordo firmado com o consumidor, apresenta para saque cheque pré-datado cujo pagamento estava programado para data posterior.” (TAMG – 3ª Câmara Cível – Ap. 233417-0 – BH – Rel. Juiz Dorival Guimarães Pereira – v. u. – j. 02/04/1997).
Recentemente, o STJ em posição jurisprudencial inovadora, editou em 17/02/2009 em votação unânime a súmula 370, que retrata: “Caracteriza dano moral a apresentação antecipada do cheque pré-datado”. É importante frisar, que esta súmula não trouxe em sua redação condições para indenização, como a existência de fundos ou não na conta do titular ao momento da apresentação, apenas tratando da indenização pela apresentação precoce.
O projeto da Súmula foi relatado pelo ministro Fernando Gonçalves e se baseia em entendimentos firmados em julgamentos anteriores. Cabe ressaltar, que mesmo com a edição desta súmula por tribunal de hierarquia elevada, o principal ponto de discussão existente com relação a este tema, continua presente em nosso cotidiano, que é a contraposição entre a Lei nº 7.357/1985 e o cheque pós-datado. Há esperança, de que a súmula 370[71], do Superior Tribunal de Justiça, reduza a quantidade de recursos que chegam ao STJ sobre o assunto, porém não irá normatizar esta prática. A jurisprudência consolidada, não muda a chamada Lei do Cheque, e também não tem efeito vinculante. Na prática, as instâncias inferiores podem continuar julgando como quiserem.
É fato que, para garantir uma melhor eficácia e evitar discussões acerca do cheque pós-datado no Brasil, seria adequada uma reforma na Lei 7.357[72], datada de 1985, e totalmente desatualizada frente aos costumes e relações consumistas da população brasileira. Desta forma, esta modalidade de título passaria a ser reconhecida no ordenamento legal e teria todos os seus efeitos regulados, evitando interpretações jurisprudenciais contraditórias, além de desafogar o judiciário de ações indenizatórias, cabíveis apenas pela falta de regulação.
Outro ponto importante que uma nova legislação poderá trazer, é a forma e clareza de se lidar com este título, alinhando as práticas dos contratantes, do sacado e do judiciário, acabando com a insegurança jurídica que o tema causa atualmente. Mesmo que esta nova normatização desconfigure a finalidade do cheque, é preciso buscar o amparo legal que contemple a modalidade do cheque pós-datado, para que seja mantida a credibilidade deste instrumento, protegendo a sociedade e os consumidores de boa-fé.
Tal regulamentação teria o intuito de acabar com as dúvidas e proteger o pactuado entre as partes, estipular prazos entre a data de emissão e apresentação, entre outras coisas, bem como tratar das questões de fundos disponíveis e do estelionato. Fica claro, que os legisladores precisam caminhar junto a sociedade, pois toda afirmação legal sobre cheque pós-datado na legislação, caminha contrária ao cotidiano das pessoas e também das jurisprudências modernas. Esta é a tendência das leis, evoluírem de acordo com as necessidades da sociedade, se adaptando aos usos e costumes da população.
É evidente que uma pequena alteração na lei, normatizaria de vez a questão do cheque pós-datado, e as conseqüências para adaptação e início da vigência seriam rapidamente alinhados junto ao Banco Central, Conselho Monetário Nacional e Instituições Financeiras, o que ocorreu recentemente com a nova resolução do Banco Central.
A Resolução 3.972[73], de 28 de abril de 2011, busca moralizar a questão da sustação do cheque, além de implantar novas regras quanto a entrega de talão ao correntista e questões relacionadas a devolução de cheques. Pela resolução, o fornecimento de talões de cheques aos clientes estará condicionado a existência de saldo, restrições cadastrais, ao histórico de práticas, e ocorrência na utilização dos cheques ao cadastro de emitentes de cheques sem fundos, além da regularidade dos dados e documentos do correntista.
Outra medida adotada por esta norma é o pedido para sustação de cheques, onde nos casos de furto, roubo ou extravio, o cliente deverá apresentar obrigatoriamente boletim de ocorrência policial. Além destas, mais uma importante determinação é a de que o banco é obrigado a informar, mediante solicitação formal do interessado, o nome e endereço residencial e comercial do emitente de cheque sem fundo, facilitando assim a vida dos comerciantes que receberam cheques com insuficiência de fundos. Esta normativa também obriga as instituições financeiras a informar ao cliente que teve o cheque devolvido, o nome completo e endereço da pessoa ou empresa que efetuou o depósito. Desta forma, o Banco central entende que este mecanismo vai permitir ao proprietário do cheque acertar sua dívida mais rapidamente no mercado.
É evidente que esta resolução apenas trata de pontos específicos, que não vão de encontro a legislação vigente, abordando apenas questões pontuais, as quais são passíveis de mudança por determinação do Conselho Monetário Nacional e Banco Central. O que queremos explicitar é que mudanças e alterações são possíveis, e neste caso basta uma atenção especial e um pouco de dedicação de nossos legisladores.
Atualmente, a Lei específica trata de forma correta, adequada e respeita a natureza do cheque, porém está desatualizada frente a realidade cultural, e manter a atual redação é amparar uma contradição entre os usos e costumes, e o aspecto jurídico que envolve o instituto. Por outro lado, os demais ordenamentos que legislam indiretamente sobre o assunto, também atuam de forma adequada, seja o Código de Defesa do Consumidor ou o Código Civil quando determinam o fornecedor ao cumprimento, ou quando reforçam a necessidade do respeito aos contratos e acordos, e por fim, o judiciário que resolve as situações objetos de dano nos casos em que não foram respeitados os objetos destes contratos, buscando a solução e resolução destes conflitos.
Em suma, um ponto unânime entre as posições e colocações existentes neste trabalho, é de que não existem normas no Brasil que regulem o cheque pós-datado, apesar de termos exemplos de legislação sobre o tema tão próximo, nos países vizinhos Argentina e Uruguai. É importante salientar também, que como dito anteriormente, existem diversos projetos de lei inicialmente datados de 1991 que até o momento não tiveram a devida atenção de nossos legisladores.
Conclusão
Atualmente em nosso país, a figura do cheque pós-datado não possui respaldo legal na legislação vigente. O contraponto existente entre este instituto e a Lei nº 7.357/85 é o objeto principal deste estudo. O tema foi escolhido por ser algo bastante presente no dia-a-dia do autor como bancário, além de ser importante para a sociedade em geral, que amplamente utiliza-se desta modalidade de cheque para suas relações comerciais.
No primeiro capítulo, tratamos da importância dos títulos de crédito para o desenvolvimento da economia, passando brevemente pela parte histórica, seus conceitos e princípios fundamentais como cartularidade, literalidade e autonomia. Em seguida pesquisamos sobre a origem do cheque, seu suporte no ordenamento jurídico brasileiro, além da natureza jurídica e sua função econômica.
Posteriormente chegamos ao assunto principal, o cheque pós-datado, suas implicações e conseqüências. A Lei n° 7.357/85 estabelece em seu artigo 32, que o cheque é um título de crédito pagável a vista, considerando não escrita qualquer menção em contrário, o que quer dizer que, no momento em que o legítimo possuidor realizar a apresentação do cheque junto a instituição financeira sacada, para pagamento, desde que haja fundos disponíveis na conta do emitente, o mesmo deverá ser liquidado. Como citado, qualquer situação que tente contrariar o disposto é considerada inexistente, sendo assim, o cheque deve ser pago imediatamente em sua apresentação.
Além do citado acima, o parágrafo único do artigo 32 também é de suma importância, pois diz que o cheque apresentado para pagamento antes do dia indicado como o da emissão, é pagável no dia da apresentação. Uma breve análise desta norma demonstra que sua finalidade é ratificar o caput do referido artigo, que o cheque é pagável na apresentação.
Porém, esta mesma norma, transparece uma segunda utilidade: o reconhecimento da existência do cheque pós-datado, pois quando o parágrafo único diz que o cheque é pagável na apresentação, mesmo que ela se dê antes da data de emissão indicada, a lei reconhece a possibilidade do emitente lançar no cheque, uma data futura em relação a real data de saque, o que soluciona o problema da legitimidade da pós-datação.
Nesta pesquisa, foi possível verificar que a pós-datação têm cunho contratual, e que ela surge, quando em um negócio jurídico, ocorrem as tratativas da forma de pagamento. No caso, sendo acordado o pagamento através de cheques, as datas pactuadas para o vencimento das obrigações, serão as mesmas para apresentação dos cheques junto ao sacado. Não existe normativa que proíba o emitente e o beneficiário do cheque de estipular uma data de apresentação em relação ao saque, sendo assim é possível solucionar a questão da ilicitude desta modalidade.
A questão da responsabilidade civil também foi abordada no texto, no qual foi constatado que, havendo apresentação prematura do título por parte do beneficiário, quebrando o acordo com o emitente, este poderá sofrer sanções. A legislação, através de seu Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor protege estas avenças através de princípios como o da boa-fé, função social dos contratos e da responsabilidade contratual. Inclusive, esta situação já está bastante pacífica nos tribunais, pois as decisões geralmente protegiam a parte lesada, e, após a posição jurisprudencial inovadora do STJ em 2009, isto ficou mais claro. A súmula 370 do Superior Tribunal de Justiça retrata: “Caracteriza dano moral a apresentação antecipada de cheque pré-datado”.
Com relação ao Código Penal, foi visto que o cheque pós-datado que não apresentar aprovisionamento de fundos, normalmente não é considerado como crime de estelionato, evidentemente desde que o sacador não possua a intenção de lesar. De qualquer forma, existem posições divergentes com relação a esta situação, pois alguns entendem que ocorre o crime e outros defendem que não, o que ocorre também com relação ao momento consumado desse tipo penal, onde existem duas vertentes: a primeira, majoritária, informa que o crime ocorre no instante em que o estabelecimento sacado nega o pagamento do cheque; a segunda, minoritária, diz que a consumação se dá no momento em que o cheque é entregue ao tomador.
Outra situação analisada, e que já está pacificada nos tribunais e na doutrina, é o entendimento de que, o cheque apresentado antes da data de emissão, não caracteriza crime. Nesta situação, a apresentação antecipada de cheque pós-datado não será crime, matéria esta inclusive sumulada pelo Supremo Tribunal Federal.
Por todo exposto neste trabalho, urge a necessidade de regulamentação desta prática tão difundida entre a população brasileira. É ponto unânime entre as posições e colocações existentes nesta pesquisa, que no Brasil não existe norma que regule está prática muito utilizada nas relações comerciais. Ficou evidente que a legislação em vigor está totalmente defasada frente aos usos e costumes da sociedade, e que a lei vigente silencia sobre a modalidade do cheque pós-datado, causando insegurança jurídica em nosso país. A atenção dos legisladores ao tema, é de suma importância para revitalização da lei, inclusive foi constatado que existem projetos relacionados a esta questão, em debate no Congresso Nacional desde 1991, e que até o momento não foram tratados com a urgência merecida.
Informações Sobre o Autor
Magnus Bittencourt Serra
Estudante de Direito.