Resumo: Todo juiz, seja de qualquer esfera, tem jurisdição. Assim, ele pode dizer “eu tenho jurisdição”. A partir do momento em que diz: “tenho jurisdição em Salvador”, está falando de competência, não de jurisdição. A competência da Justiça Federal está prevista nos arts. 108 e 109 da CF. O objetivo deste trabalho foi fornecer elementos necessários à compreensão do tema não apenas como mais um material puramente conceitual, mas sim crítico, trazendo os maiores questionamentos doutrinários e jurisprudenciais que assolam o ordenamento jurídico pátrio em matéria processual penal.
Palavras-chave: competência; competência federal; processo penal.
Sumário: 1. Introdução. 2. Competência da Justiça Comum Federal. 2.1. Análise do art. 109 da Constituição Federal. 3. Conclusão. Referências bibliográficas.
1. Introdução
Trata-se a competência de um dos institutos cuja importância é indiscutível não apenas para o processo penal como para o direito como um todo. Assim como a jurisdição, a competência cuida de todo o arcabouço processual penal. Porém, não é demais lembrar que competência não se confunde com jurisdição, uma vez que esta última, do latim, jus dicere, significa dizer o direito, dar uma resposta a determinada solução[1]; noutro lado, competência é justamente o limite do poder jurisdicional. Portanto como lembra Paulo Rangel[2], possui a competência a natureza jurídica de um “pressuposto processual de validade do processo”, uma vez que, embora esteja o juiz investido do poder de julgar, caso não haja prévia delimitação legislativa desse poder, ocorrerá, inevitavelmente a nulidade do processo[3].
Em outras palavras, todo juiz, seja de qualquer esfera, tem jurisdição. Assim, o magistrado pode, a qualquer momento, afirmar “eu tenho jurisdição”. A competência entra aí a partir do momento em que o juiz vai além e diz: “eu tenho jurisdição em Salvador”. Em outras palavras, não mais se fala em jurisdição nesta afirmação e sim em competência. Desta forma, a competência o limite da jurisdição.
Sabe-se que as atividades jurisdicionais são as únicas atividades imutáveis. Toda competência emana da Constituição, i.e., está contida na CF/88, mesmo que não expressamente, como é ocaso, v.g., da competência residual (da jurisdição estadual).
Desdobra-se a competência em alguns critérios de classificação. Estão eles previstos no art. 69 do CPP que assim dispõe:
“Art. 69. Determinará a competência jurisdicional:
I – o lugar da infração:
II – o domicílio ou residência do réu;
III – a natureza da infração;
IV – a distribuição;
V – a conexão ou continência;
VI – a prevenção;
VII – a prerrogativa de função.”
O artigo seguinte ao dispositivo supra esclarece a regra geral da competência processual penal, a saber: “a competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução”. Trata-se de critério geral que só cede para a competência por prerrogativa de foro.
Assim, o presente trabalho destina-se a analisar uma das exceções, qual seja, a Justiça Comum Federal, em sua competência comum.
2. Competência da justiça comum federal
A competência da Justiça Federal está prevista nos arts. 108 e 109 da CF/88. A Bahia está na 1a Região, que compõe os 13 estados restantes. Cada Região é subdividida em seções e, conforme for, subsecções (na Bahia, só há 11).
A competência originária da Justiça Federal, em matéria processual penal é julgar os crimes em que estejam envolvidos bens ou interesses da União. Vale lembrar que estão excluídas desta categoria as contravenções, em razão de própria previsão legal contida no art. 109, IV do CPP e da Súmula n. 38 do STJ, cabendo, portanto, as contravenções à competência da Justiça Estadual Comum.
Expressamente contemplada na Constituição Federal, portanto, o art. 108 cuida da competência dos Tribunais Regionais Federais – TRFs, enquanto que o art. 109 trata da competência dos juízes federais.
A abordagem deste trabalho será quanto à competência da justiça federal em primeiro grau, trazendo pontos mais relevantes dentro do tema, não apenas servindo de mais um mandamento conceitual, mas sim trazendo debates doutrinários e exposições jurisprudenciais acerca do tema. Assim, cuida a discussão em torno do art. 109 da CF/88.
2.1 Análise do art. 109 da Constituição Federal
Para analisar a questão, necessário transcrever na íntegra o agora estudado art. 109 da CF/88. Assim:
“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
I – as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;
II – as causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e Município ou pessoa domiciliada ou residente no País;
III – as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional;
IV – os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;
V – os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;
V-A as causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º deste artigo;(Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
VI – os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira;
VII – os “habeas-corpus”, em matéria criminal de sua competência ou quando o constrangimento provier de autoridade cujos atos não estejam diretamente sujeitos a outra jurisdição;
VIII – os mandados de segurança e os “habeas-data” contra ato de autoridade federal, excetuados os casos de competência dos tribunais federais;
IX – os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a competência da Justiça Militar;
X – os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro, a execução de carta rogatória, após o “exequatur”, e de sentença estrangeira, após a homologação, as causas referentes à nacionalidade, inclusive a respectiva opção, e à naturalização;
XI – a disputa sobre direitos indígenas.
§ 1º – As causas em que a União for autora serão aforadas na seção judiciária onde tiver domicílio a outra parte.
§ 2º – As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal.
§ 3º – Serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual.
§ 4º – Na hipótese do parágrafo anterior, o recurso cabível será sempre para o Tribunal Regional Federal na área de jurisdição do juiz de primeiro grau.
§ 5º Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”[4].
Como dito anteriormente, a competência originária da Justiça Federal, no campo processual penal guarda relação com os crimes cometidos contra bens e interesses da União, o que resta claro nos incisos I a III do destaco dispositivo, não sendo necessária qualquer ressalva. A partir do inciso IV é que existem algumas ponderações, que serão feitas a seguir:
a) Crimes políticos (inciso IV, primeira parte):
A primeira grande questão é que a Carta da República não tratou de definir, atribuir conceito a crimes políticos. Já que o legislador não cuidou de definir tal categoria penal, a doutrina, esclarece Paulo Rangel[5] “define como crimes políticos os dirigidos, subjetiva e objetivamente, de modo imediato, contra o Estado como unidade orgânica das instituições políticas e sociais”.
Tratam-se, portanto, dos crimes contra a segurança nacional, previstos na Lei n. 7.710, de 14 de dezembro de 1983. São os denominados crimes de competência específica. O art. 30 da referida Lei estabelece que a competência para julgar tais crimes seria da Justiça Militar. Entretanto, como se pode perceber, a Constituição não recepcionou tal dispositivo, pois trata de matéria de competência exclusiva da Justiça Federal.
Embora se possa pensar que pelo fato de a lei ordinária ter sido criada em plena ditadura militar não haja hoje em pleno Estado Democrático de Direito (principalmente em razão da omissão do legislador em definir crimes político) que tal categoria não mais ocorra. Entretanto, três são os principais crimes políticos definidos pela Lei n. 7.170/83 que mais facilmente ocorrem. São eles:
“Art. 80 – Entrar em entendimento ou negociação com governo ou grupo estrangeiro, ou seus agentes, para provocar guerra ou atos de hostilidade contra o Brasil.
Pena: reclusão, de 3 a 15 anos.
Art. 18 – Tentar impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos Poderes da União ou dos Estados.
Pena: reclusão, de 2 a 6 anos.
Art. 19 – Apoderar-se ou exercer o controle de aeronave, embarcação ou veículo de transporte coletivo, com emprego de violência ou grave ameaça à tripulação ou a passageiros.
Pena: reclusão, de 2 a 10 anos.
Parágrafo único – Se do fato resulta lesão corporal grave, a pena aumenta-se até o dobro; se resulta morte, aumenta-se até o triplo.”
Uma observação importante a se fazer é que juízes federais julgam os crimes políticos em primeira instância, porém os recursos são de competência do STF. Ou seja, o recurso (extraordinário) vai diretamente para o STF,conforme estabelece o art. 102, II, b da Carta Magna.
b) Infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, ou de suas entidades autárquicas, empresas, públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral (incivo IV, última parte):
Em primeiro lugar, é preciso identificar sempre a natureza jurídica do ente direto ou indireto que deve figurar como sujeito passivo dos referidos crimes. Assim, v.g., se ocorre um crime de roubo numa agência dos Correios, a competência é federal, em razão da natureza jurídica da ECT (empresa pública). Ressalte-se que se o assalto se der em uma agência franqueada, a competência não é mais federal,e sim da Justiça Comum Estadual.
Em relação às contravenções, já foi visto que estão totalmente excluídas.
Outra questão importante é quanto às fundações públicas. Poderíamos pensar que em razão da omissão do legislador, seriam as fundações públicas entes não englobados na competência federal? Responde-se negativamente, valendo-se do esclarecimento trazido por Nestor Távora e Rosmar Alencar acerca do entendimento doutrinário e jurisprudencial de que tais entes “seriam espécies do gênero autarquia”[6].
Por fim, necessário um esclarecimento em relação da cancelada Súmula 91 do STJ que previa a competência da Justiça Federal para os crimes praticados contra a fauna. Tal Súmula foi cancelada em 2000 (DJU, 23/11/200, p. 101) em razão de disposição da Lei n. 9.605/98 que disciplina os crimes contra fauna, destacando algumas infrações penais desta natureza não abarcadas pelas Justiça Federal, v.g., maus tratos contra animais domésticos.
Portanto, desde 2000 os crimes ambientais desta natureza não competem mais à Justiça Federal. Entretanto, em caso de fauna e flora silvestres, a competência é descolada para a União, mesmo que não ocorra o crime em local de propriedade desta. Exemplo, tráfico de animais silvestres.
c) Os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente (inciso V):
O art. 21, I, da Constituição Federal atribui à União a obrigatoriedade de manter relações com Estados estrangeiros, o que, consequentemente, acarreta a elaboração de tratados e convenções. Desta forma, competirá à Justiça Federal a apuração e julgamento dos crimes desta natureza.
Entretanto, como Lembram Távora e Alencar,
“Além da existência do tratado ou convenção, é essencial que a infração praticada transcenda as fronteiras de mais de um país, ou seja, a internacionalidade da conduta é requisito objetivo para a fixação da competência federal. Logo, em que pese a existência de tratado ou convenção internacional, se a infração limitar-se às fronteiras brasileiras, a competência será de regra da Justiça Estadual. A título de exemplo, o tráfico interno de drogas é de competência da esfera estadual, já o internacional será julgado pela Justiça Federal. Nesse sentido, a Súmula 522 do STF: “salvo ocorrência de tráfico para o exterior, quando então a competência será da Justiça Federal, compete à Justiça dos Estados o processo e julgamento dos crimes relativos a entorpecentes”[7].
Vale dizer que a competência nos crimes transnacionais não alcançam todos os delitos previstos em tratado, limita-se a competência federal a casos de ultra ou extra-territorialidade, aos casos em que houver cooperação internacional entre os agentes do crime ou quando entre os Estados, na sua prática e nos seus estatutos a mais de um país.
d) As causas relativas a direitos humanos (inciso V-A):
Acrescido pela EC n. 45/2004, o referido inciso surgiu em razão do movimento de federalização dos crimes com grau de violação dos direitos humanos, sob dois fortes argmentos: assegurar maior proteção à vítima e fortalecer e disseminar a responsabilidade da apuração.
Trata-se de uma inovação que surgiu em razão do caso da missionária Doroty Stang, que:
“[…] assassinada no Estado do Pará, quando então o Procurador Geral da República manifestou-se pelo deslocamento da competência da Justiça Estadual para a Federal, por aplicação do inciso V-A c/c parágrafo 5o da CF. O incidente não teve êxito, por entender o STJ que além da violação de direitos humanos e da existência de tratado ou convenção internacional, seria necessário que a polícia ou justiça estaduais não cumprissem o seu mister, ou seja, haveria o condicionamento à existência de algum obstáculo na esfera estadual, que dificultasse ou impedisse o êxito das investigações ou do processo”[8].
No mesmo sentido, argumenta Fredie Didier Jr. que
“[…] o objetivo não-declarado é o de retirar da competência da justiça estadual causas que, em razão da sua magnitude, pudessem vir a sofrer com as influências políticas locais. É medida que se assemelha ao desaforamento, no procedimento para apuração de crime doloso contra a vida, perante o tribunal do júri […] Acolhido o pedido de deslocamento da competência, os atos até então praticados são válidos, pois a autoridade era competente. O julgamento do STJ é fato superveniente que altera a competência absoluta ex nunc”[9].
Entretanto, discordamos do entendimento do STJ e, data venia da ilustre posição de Didier Jr., preferindo o entendimento de Távora e Alencar, que assim esclarecem:
“A competência da Justiça Federal, a nosso sentir, não pode estar condicionada à eficiência na órbita estadual, afinal, o próprio texto constitucional não fez e nem poderia fazer tal ressalva, que depõe contra a própria autonomia da Justiça Estadual. Nem se diga que tal expediente é similar ao desaforamento no âmbito do procedimento do Júri, pois lá, diferente daqui, deslocamos apenas a sessão de julgamento para a comarca mais próxima, em expediente que afeta a competência meramente territorial, que, diga-se de passagem, é meramente relativa, em prol de um bem maior que é a regularidade do julgamento em plenário (arts. 427 e 428, CPP).
Já na fase do inquérito policial, quando o nosso legislador deseja que a polícia federal interfira, mesmo em crimes nitidamente de competência estadual, ele o faz de forma expressa, certificando os parâmetros para esta atuação, como ocorre na Lei n. 10.446/2002, autorizando a atuação da polícia federal nas infrações penais de repercussão interestadual ou internacional que exigem repressão uniforme, sem prejuízo, contudo, da atividade paralela das polícias estaduais. A referida lei, no art. 1o, indica quais as infrações que comportariam tal atuação e, no parágrafo único, autoriza o Ministro da Justiça, por força própria, determinar a intervenção da polícia federal em casos similares. Temos com isso a atuação da polícia federal, qie auxilia as polícias estaduais, mantendo intocada a competência para julgamento de tais infrações”[10].
Assim, o que importa saber é que, não obstante haja discussões acerca da federalização acima mencionada, após a EC n. 45/2004, cuidam de competência da Justiça Federal as causas relativas a direitos humanos.
e) Crimes contra a organização do trabalho (inciso VI, primeira parte):
Previstos nos arts. 197 a 207 do CP, é preciso esclarecer que os crimes contra a organização do trabalho só serão julgados pela Justiça Federal quando houver ofensa à coletividade da categoria. Em outras palavras, obviamente que não caberá à JF processar e julgar os crimes contra o trabalhador considerado em sua pessoa. A despeito, ver a Súmula 115 do TFR.
f) Crimes contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira (inciso VI, parte final:
Primeira grande observação é de que deverá haver expressa previsão legal para que a competência seja da Justiça Federal.
No que diz respeito ao sistema financeiro nacional (SFN), é composto pelas instituições financeiras públicas e particulares, e as pessoas a elas equiparadas.
Estão previstos tais crimes na Lei n. 7.492/86. Desta forma, se houver crime contra o sistema financeiro que não esteja previsto nesta Lei, a competência será da Justiça Comum Estadual[11].
No que diz respeito aos crimes contra a ordem econômico-financeira, estão previstos no Código de Defesa do Consumidor – CDC (Lei n. 8.078/90), também na Lei n. 8.137/90 (crimes contra a ordem econômica e relações de consumo), e, ainda, na Lei n. 8.176/91 (crimes contra a ordem econômica).
No que pese a esta última categoria, é importante lembrar o entendimento de Távora e Alencar que nos chamam a atenção em relação à previsão legal. Ou seja, há previsão legal em um e não há em outro. Assim:
“No que tange à ordem econômico-financeira, da mesma forma, necessita-se de previsão expressa na legislação ordinária para que haja apreciação perante a Justiça Federal. As Leis n. 8.137/1990 e 8.176/1991 tratam da matéria, contudo, por ausência de previsão nos respectivos textos, os crimes nelas previstos são apreciados em regra pela Justiça Estadual. Restaria assim o julgamento na seara federal quando estas infrações afetarem bens, serviços ou interesses de ente federal, por aplicação do inciso IV do art. 109 da CF” (STJ – CC 15206/RJ – Rel. Min. Fernando Gonçalves – DJ 23/6/1997, p. 29942)[12].
No mesmo sentido, Paulo Rangel:
“Há uma determinação legal para que os crimes contra o sistema financeiro sejam julgados pela Justiça Federal, porém não há a mesma determinação legal com relação aos crimes previstos nas Leis ns. 8.078/90, 8.137/90 e 8.176/91. Portanto, a competência para processo e julgamento destes crimes será da Justiça comum Estadual.”
g) O habeas corpus e o mandado de segurança em matéria criminal (incisos VII e VIII):
É inquestionável que o HC e o MS possuem natureza jurídica de ação. Constituindo, portanto, como ações autônomas de impugnação, encontram respaldo constitucional (denominados de remédios constitucionais) nos seguintes incisos do art. 5o, da CF (LXVIII e LXIX):
“LXVIII – conceder-se-á “habeas-corpus” sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder;
LXIX – conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por “habeas-corpus” ou “habeas-data”, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.”
Quanto a esta categoria não há muito que dizer. Apenas é preciso dar atenção à autoridade coatora, posto que ela deve estar sob “o manto da jurisdição federal”[13], caso contrário não será de competência federal.
h) Os crimes cometidos a bordo de navios e aeronaves, ressalvada a competência da Justiça Militar (inciso XI):
A primeira grande importância em relação a esta categoria, é identificar os conceitos de navios e aeronaves. É cediço que a expressão navio não comporta embarcações pequenas. Entretanto, o conceito de navio pode ser encontrado na Lei n. 2.180/1954. Além de obrigatoriamente possuir grande porte, para ser navio, a embarcação deverá possuir aptidão para realização de viagens internacionais. Desta forma, ficam fora, canoas, lanchas, botes etc.
Paulo Rangel nos lembra que além de possuir grande porte e capacidade para realização de viagens internacionais, para afigurar-se como navio a embarcação deverá estar em alto-mar. O renomado promotor cita como exemplo o ocorrido na passagem de ano novo no Rio de Janeiro em 1988 para 1989, em que ocorre um acidente numa embarcação que comportava muitas pessoas, porém não estava em alto-mar (o caso Bateau Mouche). “Não obstante ter havido processo-crime, este se desenvolveu perante a Justiça comum Estadual. Nada mais certo”[14].
Duas observações importantes: se o navio não atracar ou partir para outro lugar o foro é de onde partir, não sendo assegurada a competência federal não em razão do deslocamento de competência, mas sim em razão da obrigatoriedade da territorialidade (art. 50, CP).
Ou seja, o navio deverá estar sujeito à lei brasileira; se o navio vier do exterior e entrar no Brasil, mas não atracar, estando em alto-mar, a regra será da prevenção[15]
Noutro ponto, o dispositivo também fala em aeronaves.
O legislador cuidou de sua definição no art. 106 da Lei n. 7.565/1986 (Código Brasileiro de Aeronáutica): “considera-se aeronave todo aparelho manobrável em voo, que possa sustentar-se e circular no espaço aéreo, mediante reações aerodinâmicas, apto a transportar pessoas ou coisas”. Tal distinção não é necessária em razão de a CF/88 ter usado a expressão aeronave, facilitando a interpretação.
i) Os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro (inciso X):
O art. 22, XIII e XV da Constituição Federal estabelecem, respectivamente, que caberá à União legislar sobre nacionalidade, cidadania e naturalização, e também sobre emigração e imigração, entrada, extradição e expulsão de estrangeiro.
Desta forma, tais infrações deverão ficar a cargo da Justiça Federal.
Só uma ressalva, é que ingresso de estrangeiro não é crime, não há tipificação. Trata-se, sim, de deportação (esfera administrativa), mas há o crime de reingresso de estrangeiro que foi expulso (art. 338, CP).
Por isso, no nosso particular, o legislador deveria ter utilizado a expressão reingresso.
j) A disputa sobre direitos indígenas (inciso XI):
Nem todo crime cometido contra índio é de competência da Justiça Federal. Tome-se como exemplo, o índio Galdino. Houve a condenação por homicídio, competência estadual (a despeito da Súmula 140 do STJ). Somente serão de competência federal quando atingirem a coletividade indígena. Por exemplo, o genocídio (Resp. 222.653/RR, DJ 30/10/2000), devendo-se ter cuidado, porque é juiz federal singular, não é Tribunal do Júri.
Por fim, é necessário fazer uma observação quanto à competência territorial da Justiça Federal.
Lembram Távora e Alencar:
“A competência territorial da Justiça Federal é ditada, como regra, pelas normas gerais afetas à esfera estadual, prevalecendo o local da consumação da infração como determinante para identificação do foro competente (art. 70, CPP). Vale destacar apenas, com arrimo n CF, que nas comarcas que não forem sede de vara federal, e havendo previsão legal, poderá ocorrer o processamento e julgamento de crime federal perante a própria justiça estadual (parágrafo terceiro, art. 109, CF). Eventuais recursos serão endereçados ao competente TRF. Era o que ocorria como tráfico internacional de drogas. Contudo, com o advento da Lei n. 11.343/2006, o parágrafo único do art. 70 deu tratamento diverso à matéria, versando que “os crimes praticados nos Municípios que não sejam sede de vara federal serão processados e julgados na vara federal da circunscrição respectiva”[16].
Por fim, ressalte-se que poderá ocorrer conflito entre a competência estadual e a competência federal. Na verdade, seria mais um pseudo-conflito. Nestes casos, em razão da “maior gravidade” em crimes de competência estadual x federal, há a reunião do processo, quando conexo para ser julgado pela Justiça Federal (Súmula 122 STJ).
3. Conclusão
Neste trabalho intitulado competência comum da justiça federal foram vistas questões precípuas para a consequente compreensão do tema, tais como que a jurisdição – jus dicere – é dizer o direito, dar uma resposta, uma solução a determinado caso.
Foi dito também que apenas as atividades jurisdicionais são imutáveis e que todo juiz, seja de qualquer esfera, tem jurisdição. Assim, ele pode dizer “eu tenho jurisdição”. A partir do momento em que diz: “tenho jurisdição em Salvador”, está falando de competência, não de jurisdição.
Toda competência está da Constituição Federal mesmo que não expressamente, por exemplo, a competência residual (da jurisdição estadual).
A competência da Justiça Federal está prevista nos arts. 108 e 109 da CF. A Bahia está na 1a Região, que compõe os 13 estados restantes. Cada Região é subdividida em seções e, conforme for, subsecções (na Bahia, só há 11).
Uma ressalva é de que a competência processual penal é absoluta, não se prorroga. Só há um caso de competência relativa, que são os crimes contra a honra.
Em seguia foi feita uma análise minuciosa acerca da competência comum federal, após o esclarecimento de que a competência originária da Justiça Federal, em matéria processual penal é julgar os crimes em que estejam envolvidos bens ou interesses da União, excluindo-se as contravenções.
Assim, o objetivo deste trabalho foi fornecer elementos necessários à compreensão do tema não apenas como mais um material puramente conceitual, mas sim crítico, trazendo os maiores questionamentos doutrinários e jurisprudenciais que assolam o ordenamento jurídico pátrio em matéria processual penal.
Informações Sobre o Autor
Maria das Graças Belens Imai
Advogada/BA, especializanda em Direito Penal e Processual Penal pela UNIFACS.