Resumo: O presente artigo tem por escopo fazer um breve estudo sobre a discriminação racial no Brasil. O ato de discriminar agride os Direitos Humanos e o princípio da dignidade da pessoa humana. A discriminação racial possui duas formas, a direta e a indireta, sendo esta última, a mais cruel, mascarada sob diversas atitudes e normas criadas com um cunho eminentemente racista. Existe previsão para a punição da discriminação racial no ordenamento jurídico brasileiro. A intolerância é o fator que impulsiona um país veladamente racista, devendo ser veementemente combatida. Visando diminuir e/ou erradicar a discriminação racial no Brasil, foi sancionado o Estatuto da Igualdade Racial. A educação é o fator que rege um país civilizado. O combate à discriminação racial é apenas mais uma das formas de educar a sociedade para aprender o que é, de fato, humanidade.
Palavras-chave: Discriminação racial. Direitos humanos. Dignidade da pessoa humana.
Sumário: 1. Introdução – 2. Direitos Humanos – 3. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana – 4. Discriminação racial – 5. O Poder judiciário frente à discriminação racial – 6. A luta pela igualdade racial em prol da cidadania – 7. Considerações Finais – 8. Referências.
1. Introdução
A iniciativa de produzir o presente estudo se deve ao incentivo do curso de especialização em Direitos Humanos da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN, na produção de trabalhos acadêmicos com vistas ao aprimoramento da escrita e estímulo à pesquisa. Outrossim, a escolha da temática se deve ao ímpeto de estudar e investigar a discriminação racial, suas bases, e o seu contexto a nível de Brasil nos tempos hodiernos, uma vez que a temática sempre se mostra atual devido ser um tema polêmico.
O raciocínio e meditação sobre a temática que se pretende introduzir decorre da preocupação estimulada pela leitura de obras jurídicas, manifestações em caráter jurisprudencial, constantes alterações na legislação sobre a temática, bem como pelo comportamento da sociedade frente à preservação dos direitos humanos e o incentivo ao respeito à igualdade.
A discriminação racial é, muitas vezes, mascarada, o que se faz sob diversos tipos de condutas, todas temerosas com relação à aplicabilidade das normas de combate ao racismo, e ao papel que o Poder Judiciário vem desempenhado nas últimas décadas.
Apesar de tímidas, as mudanças na legislação e na jurisprudência pátrias, tem sido significativas, se comparada a séculos de exploração e desrespeito à população que, outrora, não se enquadrava no modelo padrão de ser humano digno de consideração.
2. Direitos humanos
Conceituar o que seriam os Direitos Humanos não é tarefa simples, no entanto, é comum ouvir que são aqueles próprios da pessoa humana, direitos os quais nenhum ser humano pode ser privado, sob pena de violação de sua honra, qualidade subjetiva por excelência.
A concepção atual de Direitos Humanos está estabelecida no mais importante documento jurídico em matéria de direitos humanos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, assinada em Paris no ano de 1948, onde elenca os direitos ínsitos a todos os seres humanos.
Assim sendo, os direitos humanos são um conjunto mínimo de direitos que possibilitam ao ser humano viver em sociedade com dignidade. Os Direitos Humanos equivalem às necessidades fundamentais da pessoa humana, resguardados pelo princípio de que todos são iguais perante a lei, não podendo haver distinção de nenhuma modalidade entre os brasileiros[i]. A todos os seres humanos é de ser garantido o respeito devido, em igualdade de condições, sem preferência, com exceção aos casos de pessoas em condições de vulnerabilidade que, per si, necessitam de condições especiais.
Os Direitos Fundamentais, por seu turno, são os direitos do homem, os quais estão efetivamente tutelados pelo Estado, através de seus preceitos constitucionais. Desse modo, são os direitos reconhecidos e consagrados pelo Estado, devendo ser garantidos por meio de medidas eficazes ao combate a discriminação. Esses direitos consubstanciam-se nos direitos vigentes de uma sociedade democrática que prima pela ordem jurídica da nação.
Todo ser humano é detentor de direitos, alguns inerentes a simples condição de ser humano. Esses direitos não podem ser violados por puro preconceito, cabendo à lei regular atitudes discriminatórias, garantido às pessoas a preservação de seus direitos fundamentais, em especial, a dignidade da pessoa humana.
3. Princípio da dignidade da pessoa humana
Dignidade humana é uma qualidade inerente ao ser humano, decorrente do simples fato de existir, fazendo parte de uma característica natural do próprio homem. A dignidade da pessoa humana é princípio fundamental irrenunciável e inalienável.
O homem é credor de um mínimo de direitos, os quais independem de qualquer critério, com exceção do simples fato de possuir condição humana, tendo sob seu domínio características atribuídas apenas ao seres humanos.
Segundo Pena Júnior (2008, p. 10), “a dignidade da pessoa humana é tão importante que, mesmo aquele que a desconhece, merece tê-la preservada”. Desse modo, a admissão como verdadeiro de que a dignidade é essencial a todos os seres humanos, pressupõe, de alguma maneira, que todos os outros direitos consagrados ao homem na Declaração Universal dos Direitos Humanos possam decorrer da dignidade humana e a ela devem observar.
Seguindo essa linha, é de se concluir que o só fato de ser pessoa humana é suficiente para que se possua dignidade, base dos valores morais de uma sociedade.
O princípio da dignidade da pessoa humana está consubstanciado na Constituição Federal do Brasil, idealizada sob a rubrica de um Estado Democrático de Direito. A Carta Política estabelece a dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil, verbis:
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I – a soberania;
II- a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V – o pluralismo político”.
O princípio da dignidade da pessoa humana orienta os demais princípios elencados na Constituição Federal Brasileira e implica inferir que o Estado existe em função do indivíduo e não propriamente as pessoas existem em função do Estado. O ponto de convergência principal deixa de ser o Estado e se transmuda para a pessoa humana.
O doutrinador Ingo Wolfgang Sarlet (2001, p. 60) diz que a dignidade da pessoa humana é uma qualidade intrínseca do homem, carecedora de normas legais para sua preservação, nos seguintes termos:
“a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos”.
Assim sendo, o princípio da dignidade da pessoa humana é inerente ao ser humano. O ato de discriminar outrem, por si só, fere esse princípio, tendo em vista que todos são iguais perante a lei, não devendo haver distinção ou tentativa de de imposição de uma raça sobre outra, até porque, inexiste raça diversa da humana entre seres humanos.
4. Discriminação racial
O Estatuto da Igualdade Racial (lei nº 12.288/10) é um documento recente, publicado em 20 de julho de 2010. Esse estatuto traz o conceito de discriminação racial e assim dispõe:
“Art. 1o (…)
Parágrafo único. Para efeito deste Estatuto, considera-se:
I – discriminação racial ou étnico-racial: toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada;”
Existem dois tipos de discriminação racial, a discriminação racial direta e a discriminação racial indireta[ii].
A discriminação racial direta é simples de ser identificada, pois resulta do comportamento humano, o qual transparece através de atitudes de cunho negativo, como ofensas, xingamentos, segregação ou até mesmo violência física. Esses comportamentos são lançados em face da cor, atingindo diretamente a pessoa ofendida em seu âmago.
A discriminação racial é punida através da legislação nacional, norteada em documentos internacionais pela não discriminação. A Organização das Nações Unidas (ONU), através de recomendações, tem fortalecido, ainda mais, a legislação nacional e de diversos países em face do racismo. Desse modo, uma vez que a discriminação racial direta é facilmente detectada, existindo previsão legal para a punição de quem pratica racismo, há um maior receio da sociedade, tendo o número de atos racistas diminuído de forma considerável, porém, não pela conscientização das pessoas, mas por receio de sofrer alguma penalidade.
De outro lado, tem-se a discriminação racial indireta. Esta forma de discriminação é proveniente de um comportamento racista mascarado através de atitudes com cunho discriminatório implícito. A discriminação racial surge de forma oculta nas normas, leis, políticas públicas, entre outras práticas cotidianas aparentemente desprovidas de qualquer aspecto discriminatório, mas que por trás possuem caráter extremamente racista.
A diferença básica entre a discriminação racial direta para a discriminação racial indireta, funda-se, também, no tipo de punição. Àquela, pune-se de forma imediata, bastando a sua constatação, e toma por base o princípio da igualdade, insculpido no artigo 5º, caput, da Constituição Federal, já a outra forma de discriminação racial permite justificativa por parte da parte adversa para que esta possa fazer prova de sua não intenção discriminatória.
Tanto uma como outra, serão analisadas pelo Judiciário de acordo com sua competência para julgar, tudo com vistas a reduzir os índices de discriminação racial no Brasil.
Cumpre destacar que preconceito é uma forma de pensar previamente sobre algo ou alguém sem conhecê-lo(a), é a rotulação que se faz a alguém ou a um grupo de pessoas. O preconceito direciona no sentido a discriminar toda uma coletividade, sendo esta ofensa chamada de racismo, a qual, por sua vez, acaba por agredir diretamente o indivíduo, por meio de atitudes de cunho negativo sobre outrem.
Esse ciclo vem sendo combatido através de grupos e movimentos sociais, bem como tem sido ajudado pela evolução legislativa em matéria de combate a discriminação. A evolução da legislação de proteção a discriminação racial ainda é tímida, pois a discriminação no Brasil é proveniente de séculos de exploração e opressão em face dos negros, cabendo aos poderes executivo, legislativo e judiciário, tomar as providências cabíveis para evitar a disseminação de práticas de segregação e exclusão, e promover a integração de todos.
5. O poder judiciário frente à discriminação racial
A Constituição Federal diz, expressamente, em seu artigo 4º, no inciso VIII, que o Brasil repudia o racismo[iii]. A discriminação racial é sentida não somente em meio à sociedade, mas o judiciário já vem se manifestando, consideravelmente, acerca de casos de discriminação racial.
Há uma certa dificuldade em diferenciar a discriminação racial da injúria. Ocorre que a discriminação racial, muitas vezes, surge no contexto do trabalho. Os magistrados, temerosos por considerar determinadas empresas como manifestamente preconceituosas, acabam por não conceder indenização ao ofendido. Apesar dos inúmeros processos promovidos na Justiça do Trabalho, muitas são julgadas improcedentes por ausência de provas.
O maior problema da discriminação é reconhecer a sua presença em determinado ato. Quem sofre o constrangimento e a humilhação de ser diminuído em razão de sua cor, compreende o claro conceito de discriminação racial.
O Judiciário, por sua vez, tem negado muitos pedidos de indenização por discriminação racial. Por um lado, ele assim o faz pelo fato de o Brasil ser um país dito democrático e que respeita os direitos humanos, a igualdade, esquivando-se sempre de abordar a questão racial, como se o Brasil fosse um país livre de preconceitos. Por outro lado, nega os pedidos formulados pelo(s) ofendido(s) em uma tentativa de evitar um número elevado de ações judiciais nesse sentido.
Geralmente, quando o juízo de primeiro grau concede a indenização, o Tribunal entende por excluir essa condenação. Nesse sentido, segue trechos de decisão proferida em sede de 2º grau no TRT 21ª região, verbis:
“O outro motivo pela qual a empresa foi condenada a pagar indenização por dano moral ao recorrido decorreu de ato de discriminação . (…)
Em seu depoimento pessoal, o reclamante recorrido afirma que o Sr. Luís é empregado de uma prestadora de serviços da reclamada, a empresa Karga;… que em um café da manhã da empresa estava passando uma reportagem sobre a eleição do Presidente dos E.U.A, quando o depoente chegou e entrou na fila atrás do Sr. Luís; que esse senhor então olhou para o depoente e disse na frente de mais de trinta pessoas que `negro não merece ter poder, essa raça tem que morrer e se eu pudesse acabaria com todos; que algumas pessoas inclusive pediram para que ele parasse, que aquilo não era brincadeira; que o depoente foi falar diretamente com o seu supervisor Sr. Júlio Miranda, mas ele apenas mandou o depoente ir trabalhar e disse que depois resolveria isso; que o supervisor não tomou nenhuma providência e como o depoente passou a cobrar alguma atitude dele, sua situação na empresa começou a ficar ruim (fl. 69). (grifei).
O preposto da reclamada recorrente em seu depoimento deixou evidente que ficou sabendo que o reclamante teria sofrido esse tipo de agressão verbal (fl. 69), o que torna incontroverso a ocorrência do episódio retratado pelo reclamante recorrido.
Todavia, não se percebe dos autos que o reclamante tenha realmente se sentido profundamente ofendido com os comentários proferidos pelo empregado da empresa terceirizada, (…)
Demais disso, também é oportuno ressaltar que a frase dita pelo funcionário da empresa terceirizada, embora preconceituosa e de extremo mau gosto, não foi direcionada diretamente ao reclamante, mas posta de forma generalizada, o que também dificulta o deferimento da indenização por dano moral, requerida na inicial.
E mais, o ofensor das palavras, Sr. Luís, foi advertido pela empresa terceirizada, sofrendo a penalidade disciplinar respectiva.
(…) Ante o exposto, conheço do recurso ordinário e, no mérito, dou-lhe provimento parcial para excluir da condenação a indenização por dano moral relativa à prática de racismo, fixada no valor de R$ 25.000,00, nos termos da fundamentação.
É como voto.
Acordam os Desembargadores Federais e a Juíza da Egrégia 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, por unanimidade, conhecer do recurso ordinário. Mérito: por maioria, dar provimento parcial ao recurso ordinário para excluir da condenação a indenização por dano moral relativa à prática de racismo, fixada no valor de R$ 25.000,00, nos termos da fundamentação; vencida a Juíza Lygia Maria de Godoy Batista Cavalcanti que lhe negava provimento. Natal/RN, 07 de abril de 2010. Eridson João Fernandes Medeiros. Desembargador Relator”[iv]
Muitos casos de discriminação racial se afiguram no momento da busca de um emprego, em que candidatos negros não são aprovados na fase da entrevista, mesmo possuindo um histórico acadêmico/profissional “invejável”. Este caso se afigura como sendo discriminação racial direta, apesar de muitas vezes não ser a demanda julgada adequadamente.
Em processos de indenização nesses casos, os magistrados costumam julgar tomando por base os conhecimentos estritos da lei, sem levar em consideração uma análise estatística dos selecionados para o labor, sem nomear profissionais especializados para fazer essa avaliação.
É por uns e outros julgados nesse sentido que se passa a refletir se para os magistrados brasileiros inexiste discriminação racial no Brasil. Analisar as estatísticas quando do ingresso dos profissionais nas empresas privadas seria uma forma não só de detectar a existência de discriminação racial, como também a sua inexistência, para uma fundamentação mais consistente no momento de proferir uma sentença judicial.
Comprovar a existência de discriminação racial indireta se afigura uma questão bastante complexa. Há, ainda, muita confusão entre o que seria crime de racismo e crime de injúria, aquele referente à coletividade e este relativo à pessoa como ser individual.
Mesmo diante de toda essa negação da existência de discriminação por parte da sociedade e, muitas vezes, do Estado, movimentos de combate ao preconceito racial tem sido importante instrumento na luta contra a discriminação. Por oportuno, a legislação atual tem sido ampliada no sentido de abordar temas antes olvidados pela sociedade.
Dessa forma, a construção e/ou recuperação da cidadania outrora esquecida, vem sendo reavivada no cenário nacional através da influência da legislação internacional de combate à discriminação, preservando o princípio da igualdade, o qual está diretamente atrelado ao princípio da não discriminação, previsto no art. 3º, inciso IV, da Constituição Federal.
6. a luta pela igualdade racial em prol da cidadania
Os doutrinadores, geralmente, fazem distinção entre dois tipos de igualdade, a igualdade formal e a igualdade material (real). A igualdade formal é aquela consubstanciada na norma legal. Esta igualdade se predispõe a garantir aos cidadãos alguns direitos, os quais devem ser observados sob pena de sanção por parte do Estado-juiz.
Por outro lado, é através da igualdade material que se demanda uma igualdade real no mundo dos seres e das relações sociais, como o primado de Aristóteles que diz que se deve tratar os desiguais na medida de suas desigualdades e os iguais igualitariamente.
Cumpre dizer que a discriminação racial não está limitada, apenas, a seara do Direito. A discriminação racial perpassa os livros e mundo das idéias, representando um fenômeno social, ou melhor, o Direito é atraído por esses acontecimentos cotidianos, visando resguardar e garantir direitos e obrigações, tanto para resguardar quem se sente violado, quanto para punir o infrator das normas legais.
Por possuir caráter social, a discriminação racial varia de amplitude tanto no tempo como no espaço. É comum ouvir que a discriminação não se dá em razão da cor da pele, mas sim por uma questão eminentemente econômica. De fato, uma pessoa de cor negra rica é tratada diferente de uma pessoa de cor negra pobre, porém, ilusão acreditar que a discriminação se dá apenas em face da condição econômico/financeira do indivíduo.
Erasto Fortes de Mendonça[v], em notícia publicada pelo Supremo Tribunal Federal[vi], sobre as cotas para negros nas universidades, se pronunciou no sentido de que “não parece ter o mesmo significado no Brasil ser branco pobre ou negro pobre, uma vez que este é discriminado duplamente, pela sua condição sócio-econômica e sua condição racial. O racismo não pergunta a suas vítimas a quantidade de sua renda mensal”.
Através de uma análise subjetiva simples na sociedade como um todo, pode-se concluir que o preconceito, a discriminação, é, de fato, racial. Ao discriminar uma pessoa de pele escura pobre, o faz-se, muitas vezes, de maneira dobrada, tanto por ser negra quanto por ser pobre. A discriminação racial é uma constante presente no seio da sociedade, abafada pelo medo de sofrer algum tipo de punição.
Esse preconceito é proveniente de séculos de subjugação aos negros, os quais foram trazidos ao Brasil para serem escravizados no período colonial. Em razão disto, necessário se faz a propagação de políticas públicas, além de leis, as quais estão sendo criadas e implementadas pelo Estado no combate a discriminação racial, como é o caso do Estatuto da Igualdade Racial, o qual tem sido um grande avanço em matéria de defesa dos direitos das pessoas de cor negra.
O debate sobre a discriminação racial é importante na luta pela igualdade racial. Com a entrada em vigor do Estatuto da Igualdade Racial, a democracia brasileira passa a ser ainda mais justa e representativa. Possuindo 65 (sessenta e cinco) artigos, esse estatuto garante à população negra igualdade de oportunidade tanto na vida social, quanto na vida política, econômica e cultural, consolidando as ações afirmativas do Estado brasileiro como política de combate ao racismo e de promoção da igualdade racial.
O Estatuto da Igualdade Racial é mais uma ferramenta que legitima a atuação do Judiciário, para, inclusive, permitir a promoção de ações civis públicas, impondo multas, por exemplo, àquelas empresas em que fique contatado que a igualdade não está sendo respeitada.
A aprovação desse estatuto é uma vitória para a população negra, uma vez que ele garante direitos básicos, como a saúde, moradia, educação, além de coibir a discriminação racial, possuindo grande relevância em termos históricos, resgatando e reconhecendo a dívida do Brasil com a população negra.
Com esse estatuto, a comunidade negra passa a ter um instrumento que unifica as suas principais propostas, porém, agora em forma de lei. Necessário o cumprimento do estatuto, porém não se pode ter o pensamento imediatista de que apenas a publicação de uma lei promoverá a igualdade, mesmo porque muitas das garantias previstas no referido estatuto estão presentes na própria Constituição Federal, complementando-a.
Maior efetividade ao estatuto em comento se dará através da publicação de decretos que vão regulamentar essa legislação, fixando os programas nela descritos.
De toda forma, há um avanço na legislação brasileira, devendo esse desejo de igualdade refletir de alguma maneira na sociedade, promovendo a conscientização das pessoas, igualdade de oportunidades e cidadania, colocando em prática ações afirmativas em favor dos negros, respeitando os seus direitos enquanto cidadãos e seres humanos.
Fundamental o respeito recíproco, para que a sociedade brasileira seja mais democrática e igualitária.
7. Considerações finais
Ante ao todo demonstrado, ressalta perceptível, de imediato, que a discriminação racial existe no Brasil. Embora a sociedade tente disfarçar seus preconceitos, o Estado reconheceu a necessidade de garantir igualdade de condições entre negros e brancos, isonomia antes não prevista.
A Constituição Federal brasileira atual trouxe consigo muitos dispositivos em prol da igualdade, da não discriminação, da preservação dos direitos humanos, este último, previsto no artigo 1º do mencionado diploma legal como sendo um direito fundamental.
Os direitos fundamentais são inerentes ao homem por sua condição de humano, sendo a dignidade da pessoa humana um princípio fundamental que não se pode renunciar ou vender.
A discriminação racial fere os direitos humanos à medida que exalta uns em detrimento de outros. Uma vez que a discriminação racial direta é facilmente percebida e pode punida de imediato, a sociedade tem caminhado para um outro tipo de discriminação racial, a indireta. Mesmo essa sendo mascarada por normas e atitudes aparentemente inofensivas, vem sendo reconhecidas pelo judiciário, ainda que tímida a sua punição.
Reconhecer a existência de discriminação racial no Brasil é uma forma de organizar políticas em leis em favor da não discriminação. O Estatuto da Igualdade Racial é um importante instrumento na luta por igualdade, devendo ser conhecido, respeitado e implementado.
Uma lei sozinha não é capaz de extirpar da sociedade um problema de gerações. A igualdade depende de um maior esclarecimento da população, pois a educação é a base de uma sociedade organizada.
Assim sendo, as ações do Poder Público não são capazes de sozinhas, promover uma mudança na sociedade, no entanto, a legislação atual em prol da igualdade, abre a visão da população e as novas gerações nascem com um novo olhar, de um modo geral, positivo.
Informações Sobre o Autor
Jhéssica Luara Alves de Lima
Advogada. Professora do Curso de Direito. Doutoranda em Direito pela Universidade de Brasília – UnB. Mestre em Ambiente, Tecnologia e Sociedade pela Universidade Federal Rural do Semi-árido – UFERSA. Especialista em Direitos Humanos pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN. Graduada em Direito pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN