1. INTRODUÇÃO
Trata-se da discussão acerca da ressalva do § 5.º, “in fine”, do artigo 37 da Constituição da República (CRFB), havendo diversas interpretações quanto ao seu sentido: a) se se trata de imprescritibilidade das Ações Civis Públicas Ressarcitórias dos danos ao erário em virtude da prática de improbidade administrativa; ou b) se se trata apenas de um prazo autônomo das Ações de Reponsabilidade Administrativa, Penal etc.
2. DESENVOLVIMENTO
Como o trabalho aborda a cizânia acerca da prescrição ou não das Ações Ressarcitórias dos danos ao erário em razão do cometimento de improbidade administrativa, nada mais oportuno que conceituar “prescrição”.
Nas claras palavras do Juiz de Direito Paraibano Aluízio Bezerra, a prescrição é:
“O fenômeno da inércia no exercício do dever de ação pelo respectivo titular do direito, dentro de um prazo, assinalado em lei, cujo ajuizamento é necessário para que não se perca ou não se extinga.
Com efeito, a prescrição é compreendida como a extinção de um direito proveniente da omissão ou negligência pela falta de ajuizamento da demanda no prazo estabelecido em lei, como modo extintivo do direito de ação.” (págs. 239 e 240)
Demonstrada a prescrição como a perda da pretensão de agir em juízo para buscar a tutela de um direito, impende-me abordar as divergências existentes sobre esse instituto no concernente à recomposição ao erário em virtude dos danos ocasionados na prática de improbidade administrativa, cujas condutas estão regulamentadas, em rol exemplificativo, na Lei n. 8.429/92.
Revendo posicionamento anterior, o qual entendia pela não prescrição das Ações de Ressarcimento, C. A. Bandeira de Mello passou a defender, a partir da 26.ª edição de seu livro, a tese da erronia de tal interpretação do texto constitucional.
Destaca ele que “restaria consagrada a minimização ou eliminação prática do direito de defesa daquele a quem se houvesse increpado dano ao erário” (pág. 1065). Assevera que quando quis a CRFB estabelecer a imprescritibilidade, o fez expressamente, como no caso do artigo 5.º, incisos LII e LXIV (crime de racismo e ação armada contra a ordem constitucional).
Obtempera, pois, pela separação dos prazos de prescrição do ilícito propriamente (i.e., penal e administrativo) das ações de responsabilidade, “que não terão obrigatoriamente de coincidir” (mesma página anterior).
Conclui, então, o seu raciocínio:
“Assim, a ressalva para as ações de ressarcimento significa que terão prazos autônomos em relação aos que a lei estabelecer para as responsabilidades administrativa e penal.
Qual seria, então, o prazo prescricional a vigorar nos casos de dano ao erário?
Pensamos que os prazos prescricionais serão os mesmos acima apontados para a decretação de invalidade dos atos viciados. Cinco anos, quando não houver má-fé e dez anos, no caso de má-fé – sempre contados a partir do término do mandato do governante em cujo período foi praticado o ato danoso”. (grifo nosso)
Calha pontuar que esse entendimento, recentemente modificado, do respeitado e sempre mencionado Doutrinador revela um posicionamento Minoritário, não externando a real inteligência da Maioria não só da Doutrina, como também da Jurisprudência pátrias.
Trazendo à baila outro Administrativista abalizado na matéria, entende J. S. Carvalho Filho que, malgrado a imprescritibilidade possa trazer uma insegurança jurídica, o entendimento mais consentâneo com a necessidade de integridade do patrimônio público é o da não prescrição das ações de ressarcimento ao erário por atos de improbidade. Nesse viés, preceitua o seguinte:
“De início, deve-se anotar que a prescrição não atinge o direito das pessoas públicas (erário) de reivindicar o ressarcimento de danos que lhe foram causados. A ação, nessa hipótese, é imprescritível, como enuncia o art. 37, § 5.º, da CF. Conquanto a imprescritibilidade seja objeto de intensas críticas, em função da permanente instabilidade das relações jurídicas, justifica-se sua adoção quando se trata de recompor o erário, relevante componente do patrimônio público e tesouro da própria sociedade “(pág. 906). (grifo nosso)
Seguindo o raciocínio anterior, sem, entretanto, esboçar fundamentos sólidos, é a interpretação do Juiz Federal Dirley da Cunha Jr. (página 562).
Desta feita, demonstradas as ideias doutrinárias majoritárias, cabe-me indicar que as segue a Jurisprudência prevalecente no STJ (AgRg no AI 1.224.532/SP, DJe 03.02.11) e no STF (AgRg no RE 608.831/SP, Publicação em 08.06.10), assim como este Autor, prestigiando o raciocínio irrefragavelmente favorável aos direitos fundamentais do patrimônio público, da moralidade pública, da legalidade, e outros assegurados aos cidadãos contra o Estado e a Administração Pública, e à clara literalidade do texto da Constituição (art. 37, § 5.º), sem, entrementes, desprender-se de uma interpretação sistemática do todo constitucional, atentando-se à hermenêutica jurídico-constitucional e ao Princípio da Concordância Prática ou da Harmonização como corolário da Unidade da Constituição, em detrimento da segurança jurídica (alertada por C. A. Bandeira de Mello) e do devido processo legal e duração razoável do processo (artigo 5.º, “caput” e incisos LIV e LXXVIII, respectivamente), após ponderação dos interesses e valores constitucionais postos em jogo.
Nesta toada, justificando meu raciocínio conclusivo à imprescritibilidade dessas ações ressarcitórias, no conflito dos valores ou bens jurídicos descritos anteriormente, Cunha Jr., esclarecendo tal princípio mencionado, discorre que:
“Este princípio decorre do princípio da unidade da Constituição e tem sido invocado largamente para resolver colisões entre direito fundamentais ou entre direitos fundamentais e outros bens jurídicos constitucionalmente protegidos. O que fundamenta este princípio é a ideia de que todos os bens jurídico-constitucionais ostentam igual valor, situação que impede a negação de um em face de outro ou vice-versa e impõe limites e condicionamentos recíprocos de modo a alcançar uma harmonização ou concordância prática entre eles, através de uma ponderação dos interesses em jogo à luz do caso concreto” (pág. 225).
3. CONCLUSÃO
Desta feita, endosso a tese da Doutrina Majoritária, devendo-se analisar o conflito entre esses valores e bens jurídicos constitucionalmente protegidos à luz do Princípio da Concordância Prática ou Harmonização, como consequência da Unidade da Constituição, fazendo-se prevalecer a imprescritibilidade das Ações Ressarcitórias por danos causados ao erário em virtude da prática de improbidade administrativa, tendo em vista a maior reprovabilidade dessas condutas ímprobas e da necessidade de recomposição e preservação da integridade do patrimônio e da moralidade públicos, como uma necessidade constitucional de desenvolvimento nacional.
Informações Sobre o Autor
Ígor Araújo de Arruda
Defensor Público na Defensoria Pública do Estado de Pernambuco DPE/PE desde outubro de 2015. Foi Defensor Público no Estado do Maranhão DPE/MA entre 23/04/2012 e 30/09/2015. Pós-graduado em Direito Público pela Universidade Anhanguera-Uniderp/LFG. Aprovado Defensor Público no 1. concurso público da Defensoria Pública do Estado da Paraíba DPE/PB 2014/5. Professor-orientador de curso preparatório para concursos públicos das Carreiras Jurídicas. Criador-moderador da página social “Defensoria Pública Modo de fazer”