Abordagem crítica ao PLS n. 140/2010: o “serial killer” como inimigo no Direito Penal

Uma das tarefas mais árduas da psiquiatria forense é aquele consistente em estabelecer um nítido limite entre normalidade e anormalidade. Com a evolução científica do campo, estabelecer esta linha divisória que delimita os dois aspectos tornou-se ainda mais complexo. As tradicionais classificações psiquiátricas de transtornos mentais são insuficientes para diagnosticar muitos transtornos revelados durante o atual estágio de desenvolvimento científico.


Pesquisas revelaram que algumas pessoas nascem com tendência para desenvolver a psicopatia, e que esta degeneração poderá ter maior ou menor grau de evolução. Na atualidade, foram propostos alguns critérios capazes de diagnosticar a psicopatia. O psicólogo canadense Robert Hare, reconhecido mundialmente como especialista da matéria, desenvolveu um trabalho interessante, quando criou uma escala que trouxe alguns parâmetros para aferir os graus de psicopatia. Segundo Hare, os principais elementos indicativos seriam:


“(…) ausência de sentimentos morais – como remorso ou gratidão –, extrema facilidade para mentir e grande capacidade de manipulação. Mas a escala não serve apenas para medir graus de psicopatia. Serve para avaliar a personalidade da pessoa. Quanto mais alta a pontuação, mais problemática ela pode ser. Por isso, é usada em pesquisas clínicas e forenses para avaliar o risco que um determinado indivíduo representa para a sociedade” (Veja. Psicopatas no Divã. Disponível em: http://veja.abril.com.br/010409/entrevista.shtml. Acesso em: 11 de outubro de 2011).


Além disso, o referido pesquisador explica que nem todo psicopata pratica atos com a intenção de causar aflição ou dor alheia. Por vezes, os psicopatas agem com a especial finalidade de alcançar seus interesses, ainda que custe causar sofrimento a terceiros. Para este grupo de psicopatas, as pessoas são coisificadas, ou seja, vistas como um meio para alcançar as suas finalidades. Porém há psicopatas ainda mais perigosos. São exatamente aqueles que sentem satisfação em impelir sofrimento a outras pessoas.


De modo geral, Delton Croce definiu as figuras psicopáticas nos seguintes termos:


“Chamamos personalidades psicopáticas a certos indivíduos que, sem perturbação da inteligência, inobstante não tenham sofrido sinais de deterioração, nem de degeneração dos elementos integrantes da psique, exibem através de sua vida intensos transtornos dos instintos, da afetividade, do temperamento e do caráter, mercê de uma anormalidade mental definitivamente preconstituída, sem, contudo, assumir a forma de verdadeira enfermidade mental” (CROCE, D. Manual de Medicina Legal. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 560).


Muito embora os dados estatísticos ainda tenham caráter estimativo, a comunidade internacional foi levada a pensar no assunto com preocupações. Segundo pesquisas cerca de 1% (um por cento) da população mundial apresenta esta degeneração da personalidade. Por outro lado, leva em conta que deste grupo apenas uma minoria estaria associada à figura do “serial killer”. Conduto, o fato é o de que 90% (noventa por cento) dos denominados “assassinos em série” apresentam sintomas de psicopatia. Daí surge uma íntima relação entre uma figura e outra.


Diante destas descobertas científicas, qual seria o tratamento penal adequado à figura dos “assassinos em série” acometidos pela psicopatia?


Pela dogmática penal, para que a sanção possa ser aplicada, não basta que o agente pratique um fato típico e antijurídico. Além desses dois substratos do crime, necessário que estejam preenchidos os pressupostos da culpabilidade – entendida como a reprovabilidade da conduta que recai sobre o agente. Entre os pressupostos da culpabilidade, temos a imputabilidade (capacidade de culpabilidade), que é a capacidade psíquica de compreender a ilicitude da conduta.


Seguindo esta orientação, Juarez Cirino do Santos conceituou a capacidade da culpabilidade como:


“(…) atributo jurídico de indivíduos com determinados níveis de desenvolvimento biológico e de normalidade psíquica, necessários para compreender a natureza proibida de suas ações e orientar o comportamento de acordo com essa compreensão” (SANTOS, J. C. Direito Penal. 2ª ed., Curitiba: ICPC; Lumen Juris, 2007, p. 288).


Na mesma linha preceituada no artigo 20 do Código Penal alemão (Strafgesetzbuch – StGB), o Código Penal brasileiro conceituou a inimputabilidade absoluta (artigo 26, caput) e a inimputabilidade relativa (artigo 26, parágrafo único). Assim, seria “isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento” (inimputabilidade absoluta).


À luz da disposição acima citada, existem três requisitos, que devem ser simultaneamente preenchidos, para que esteja presente um caso de inimputabilidade absoluta: (i) doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado (requisito biológico); (ii) incapacidade absoluta para entender o caráter ilícito do fato (requisito psicológico) ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (requisito volitivo); (iii) coexistência dos dois requisitos anteriores ao tempo da conduta (requisito temporal).


Portanto, em matéria de inimputabilidade absoluta, o Código Penal brasileiro adotou o chamado sistema “biopsicológico normativo ou misto”. Assim sendo, não basta que o agente simplesmente esteja acometido por alguma moléstia mental. É necessário ainda que este transtorno mental realmente afete a capacidade de compreensão do caráter ilícito do fato ou de determinação, segundo esse entendimento, no momento da ação criminosa.


Analisando o caput do artigo 26, Cezar Roberto Bitencourt nos ensina que:


“Na verdade, exige-se, em outros termos, que tal distúrbio – doença mental, desenvolvimento mental incompleto ou retardado – produza uma consequência determinada, qual seja, a falta de capacidade de discernir, de avaliar os próprios atos, de compará-los com a ordem normativa. O agente é incapaz de avaliar o que faz, no momento do fato, ou então, em razão dessas anormalidades psíquicas, é incapaz de autodeterminar-se” (BITENCOURT, C. R. Tratado de Direito Penal. 16ª ed., São Paulo: Editora Saraiva, 2011, v. 1, p. 414).


Além disso, o juiz poderá reduzir a pena de um a dois terços na hipótese de reconhecer que “o agente, em virtude de perturbação da saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”.


Os requisitos para o reconhecimento desta responsabilidade penal diminuída são: (i) perturbação de saúde mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado (requisito biológico); (ii) ausência de inteira capacidade de entender o caráter ilícito do fato (requisito psicológico) ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (requisito volitivo); (iii) coexistência dos dois requisitos anteriores ao tempo da conduta (requisito temporal). Nota-se que para a inimputabilidade relativa, o legislador penal igualmente adotou o sistema “biopsicológico normativo ou misto”.


Diante do caso de o agente estar acometido por algum distúrbio mental, o juiz pode considerá-lo: (i) imputável – quando não restar preenchidos todos os requisitos do artigo 26, caput ou parágrafo único; (ii) inimputável – estando presentes os pressupostos elencados no artigo 26, caput; (iii) semi-imputável – se ausentes os requisitos do artigo 26, caput, porém presentes aqueles previstos em seu parágrafo único.


Após estas linhas prefaciais, indaga-se: o “serial killer” deve ser considerado imputável, inimputável ou semi-imputável? Da obra de Basileu Garcia, verificamos que este problema há muito tempo já vem sido discutido na doutrina:


“Os criminalistas propendem a incluir o louco moral entre os imputáveis, visto como tem íntegra a inteligência, embora grandemente transviada a afetividade. Não deixa de ser um anormal, mas a defesa da coletividade reclama que se lhe apliquem penas” (GARCIA, B. Instituições de Direito Penal. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, v. 1, tomo I, p. 457).


Pode-se afirmar que os psicopatas possuem consciência da ilicitude de seus atos. Sob o aspecto cognitivo, os psicopatas compreendem que as suas condutas podem ser ilícitas. Não é no campo racional que se distingue um indivíduo de personalidade considerada “normal” de outro acometido pela psicopatia. Em verdade, o psicopata se difere das demais pessoas pelo aspecto afetivo ou emocional. Uma pessoa com este distúrbio da personalidade compreende que sua conduta é injustificada, porém despreza o sofrimento que possa causar à vítima, somente se importando com o proveito que possa vir a ter de sua ação.


De regra, os psicopatas possuem capacidade de compreender o caráter ilícito de seu ato, constatação que por si só poderia nos levar a crer que são indivíduos imputáveis. Sucede que, o problema pode residir na capacidade de autodeterminação. Em muitos casos, o psicopata não possui capacidade para determinar-se conforme seu entendimento. Nesta hipótese, o psicopata seria considerado inimputável, a teor do disposto no caput do artigo 26.


Enfrentando a questão, Francisco de Assis Toledo reconheceu que em alguns casos a redução da capacidade de autodeterminação não leva necessariamente à redução da capacidade de entender o caráter ilícito do fato:


“(…) se de um lado a redução da capacidade de compreensão do injusto acarreta necessariamente a redução da capacidade de autodeterminação, a recíproca não é verdadeira, visto como esta última pode não estar vinculada à primeira. É o que ocorre com alguma frequência em indivíduos portadores de certas psiconeuroses, o quais agem com plena consciência do que fazem, mas não conseguem ter o domínio de seus atos, isto é, não podem evitá-los” (TOLEDO, F. A. Princípios Básicos de Direito Penal. 4ª ed., São Paulo, Saraiva, 1991.p. 318).


Por outro lado, Eugenio Raul Zaffaroni, ao tratar do tema, adotando fundamentação distinta, igualmente entendeu ser o caso de ser reconhecida a inimputabilidade do psicopata. Segundo o referido doutrinador, os psicopatas seriam pessoas incapazes de interiorizar normas de conduta, e, sendo assim, não teriam consciência da ilicitude de seus atos, conforme o trecho destacado abaixo:


“Outros dos problemas que continuam preocupando a ciência penal é o das chamadas psicopatias ou personalidades psicopáticas. A psiquiatria não define claramente o que é um psicopata, pois há grandes dúvidas a seu respeito. Dada esta falha proveniente do campo psiquiátrico, não podemos dizer como trataremos o psicopata no direito penal. Se por psicopata considerarmos a pessoa que tem uma atrofia absoluta e irreversível de seu sentido ético, isto é, um sujeito incapaz de internalizar ou introjetar regras ou normas de conduta, então ele não terá capacidade para compreender a antijuridicidade de sua conduta, e, portanto, será inimputável. Quem possui uma incapacidade total para entender valores, embora os conheça, não pode entender a ilicitude” (ZAFFARONI, E. R. Manual de Direito Penal brasileiro. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, v. 1, p. 542).


A psiquiatria forense e a doutrina penal estão longe de dar a palavra final na matéria. Somente com muito estudo e pesquisa, talvez sejam capazes de concluir com absoluta precisão qual deva ser o tratamento penal mais adequado a ser dispensado para a figura do “serial killer”, enquanto acometido por uma personalidade psicopática.


Sucede que o legislador penal pretende dar fim a esta discussão. O Projeto de Lei do Senado n. 140/2010, de autoria do então Senador Romeu Tuma, propõe acrescentar os parágrafos sexto, sétimo, oitavo e nono, ao artigo 121, do Decreto Lei n. 2.848, de 07 de dezembro de 1940 – Código Penal brasileiro, com o objetivo de estabelecer o conceito penal de “assassino em série”, sob a seguinte justificativa:


“O assassino em série é um tipo especial de criminoso, que comete os seus assassinatos de forma metódica, estudada, criteriosa. Normalmente, suas ações são extremamente violentas e as vítimas são eliminadas com requintes sofisticados de crueldade. Não há por parte do assassino em série nenhum senso de compaixão ou misericórdia pelas vítimas e ele, em liberdade, continuará a matar de maneira sórdida. Daí a necessidade de se adotar medidas extremas contra tais indivíduos. As ações criminosas do assassino em série são repugnantes, imundas, nojentas e causam na sociedade brasileira um sentimento de imensa aversão e revolta, daí a necessidade de uma lei bastante rigorosa para esse tipo de assassino.”


Das razões expostas, fica evidenciado que o “serial killer” é visto como um ser “perigoso”, e deve ser contido com a adoção de “medidas extremas”. O legislador fundamenta o tratamento penal pretendido, com argumentação impregnada do discurso de periculosidade, que remonta a Giuseppe Bettiol:


“O conceito de periculosidade é um conceito naturalístico porque baseado num cálculo de probabilidade alusivo à possibilidade, ou melhor à probabilidade de que um indivíduo possa cometer um crime. A possibilidade é de todos, a probabilidade de alguns apenas” (BETTIOL, G. Direito Penal. trad. Paulo José da Costa Júnior e Alberto Silva Franco. 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977, v. 2, p. 37).


Na Roma Antiga, o conceito de “hostis” já se fazia presente. Na verdade, ao longo de toda História, o Direito Penal invariavelmente considerou certos grupos de pessoas como “perigosos”. Estas pessoas ao serem rotuladas como “seres perigosos”, de modo velado, passaram a ser consideradas como coisas.


E ao serem coisificadas, não mais mereceriam o tratamento do Direito Penal destinado às pessoas. As penas não são destinadas aos “seres perigosos”, uma vez que devem ser simplesmente contidos. Para eles, há tão somente medidas administrativas ou materiais, que buscam retirá-los do convívio social, sob a justificativa de uma provável periculosidade.


Ao discorrer sobre o tema, não foram outras as conclusões de Eugenio Raúl Zaffaroni:


“A rigor, quase todo o direito penal do século XX, na medida em que teorizou admitindo que alguns seres humanos são perigosos e só por isso devem ser segregados ou eliminados, coisificou-os sem dizê-lo e com isso deixou de considerá-los pessoas, ocultando esse fato com racionalizações. O certo é que desde 1948 esse direito penal que admite as chamadas medidas de segurança – ou seja, as penas ou algumas penas como mera contenção de um ente perigoso – viola o artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos” (ZAFFARONI, E. R. O Inimigo no Direito Penal. trad. Sérgio Lamarão. Rio de Janeiro: Revan, 2007, p. 18).


De fato, os “perigosos” sempre foram encarados como “inimigos” no Direito Penal. A estes “indivíduos perigosos” não seria aplicável o Direito Penal das garantias constitucionais, a exemplo do limite máximo de tempo para o cumprimento de pena privativa de liberdade. Estas medidas administrativas nada têm de Direito Penal, uma vez que não possuem finalidades. Consistem simplesmente na adoção de medidas materiais, que objetivam a eliminação ou segregação destes “seres perigosos”.


Analisando a matéria deste projeto de lei, pretende-se definir o chamado “assassino em série” nos seguintes termos:


“§ 6º Considera-se assassino em série o agente que comete 03 (três) homicídios dolosos, no mínimo, em determinado intervalo de tempo, sendo que a conduta social e a personalidade do agente, o perfil idêntico das vítimas e as circunstâncias dos homicídios indicam que o modo de operação do homicida implica em uma maneira de agir, operar ou executar os assassinatos sempre obedecendo a um padrão pré-estabelecido, a um procedimento criminoso idêntico”.


Segundo a redação da proposta em análise, o legislador pretende criar alguns requisitos para que o agente seja considerado um “assassino em série”. É exigido um mínimo de três homicídios dolosos, afastando-se da contagem homicídios culposos e crimes preterdolosos (v.g. tortura com resultado morte). Contudo, o legislador não especificou se casos de tentativa de homicídio doloso poderiam ser considerados no cômputo geral.


Ao trazer a elementar normativa temporal “em determinado intervalo de tempo”, ao que parece o legislador pretende estabelecer uma exigência de conexão temporal entre as condutas, porém sem definir critérios objetivos para serem levados em consideração.


O projeto de lei utiliza de critérios idênticos aos descritos no artigo 59, do Código Penal, que trata das circunstâncias judiciais que devem ser consideradas para a fixação da chamada pena-base.


A “conduta social” do agente deve ser determinada pela análise de seu comportamento nas diversas atividades que desenvolve, a exemplo do trabalho, família, convívio social etc. Em regra, os psicopatas são dotados de plena capacidade de desenvolvimento profissional. Alguns casos revelam que são pessoas de alto nível intelectual, pois conforme anteriormente dito, a psicopatia seria um transtorno que afeta seu lado afetivo, e em nada prejudicando o aspecto cognitivo.


Por outro lado, a “personalidade do agente” pode ser traduzida como a descrição das características do modo de ser, agir e sentir do criminoso. Deve ser verificado no caso concreto, se a personalidade do agente tem relação ou não com os “assassinatos em série”.


O “perfil idêntico das vítimas” e o “padrão pré-estabelecido” são marcas inconfundíveis desta espécie delitiva. O agente elege as suas vítimas dentro de critérios prévios, que levam em consideração a identidade de características físicas e morais (gênero, raça, etnia, religião, profissão, altura, coloração dos cabelos etc.). Estas elementares devem ser analisadas sob a perspectiva do agente. As provas devem apontar os fatores característicos das vítimas que foram levados em consideração pelo agente. Além disso, deve ser revelado claramente o “padrão pré-estabelecido” adotado pelo agente, ou seja, a identidade de “modus operandi” entre os diversos homicídios.


Para a caracterização do “assassino em série”, o legislador pretende criar a exigência de que o agente seja submetido a exame pericial, a ser realizado por uma equipe multidisciplinar, composta de cinco profissionais (dois psicólogos, dois psiquiatras e um especialista, com comprovada experiência no assunto).


Quanto à pena para o crime que seja considerado um “assassinato em série”, o legislador pretende cominá-la de uma maneira no mínimo inusitada:


“§ 8º O agente considerado assassino em série sujeitar-se-á a uma expiação mínima de 30 (trinta) anos de reclusão, em regime integralmente fechado, ou submetido à medida de segurança, por igual período, em hospital psiquiátrico ou estabelecimento do gênero”.


Ao que parece estaríamos diante de uma figura qualificada em relação ao crime de homicídio. O legislador pretende adotar a mesma técnica utilizada para o parágrafo único do artigo 26 do Código Penal, porém ao invés de propor um caso de diminuição de pena, prevê o seu agravamento.


A presente proposição está em franca desarmonia com o sistema de penas adotado pela Parte Geral do Código Penal. O artigo 75 preceitua que o cumprimento de penas privativas de liberdade não podem suplantar trinta anos. Ao pretender que o assassino seja submetido a pena mínima de trinta anos de reclusão, o legislador cria uma inaceitável exceção à regra geral.


Ademais, a exigência de regime de cumprimento de pena integralmente fechado, além das vedações à concessão de anistia, graça, indulto, progressão de regime ou qualquer tipo de benefício penal ao “assassino em série”, são de duvidosas constitucionalidades, diante da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.


E ainda, pode o julgador optar por aplicar medida de segurança ao “assassino em série”. Neste caso, o projeto de lei acabou criando um limite temporal para a medida de segurança, ao vincular o tempo de submissão com aquele previsto para cumprimento de pena privativa de liberdade. Ocorre que, a medida de segurança, regulada na Parte Geral do Código Penal, não encontra nenhum limite temporal máximo de submissão. O legislador ao pretender dar um tratamento mais severo para os “assassinos em série”, acaba por dar um “privilégio” não extensível aos demais tipos de criminosos com transtornos mentais.


Conclui-se que, malgrado as boas intenções do legislador em criar a figura penal do “assassino em série”, o projeto de lei deve ser aperfeiçoado, com a finalidade de desvinculá-lo da ideia de inimigo do Direito Penal. Somente com os necessários avanços científicos nas áreas da psiquiatria forense e das ciências criminais, passaremos a ter critérios definidores mais seguros desta figura, e por conseguinte, o seu devido tratamento penal.


 


Referências bibliográficas

BETTIOL, Giuseppe. Direito Penal. trad. Paulo José da Costa Júnior e Alberto Silva Franco. 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977, v. 2.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 16ª ed., São Paulo: Editora Saraiva, 2011, v. 1.

CROCE, Delton. Manual de Medicina Legal. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998.

GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, v. 1, tomo I.

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 10ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010

SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal. 2ª ed., Curitiba: ICPC; Lumen Juris, 2007.

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. 4ª ed., São Paulo, Saraiva, 1991.

Veja. Psicopatas no Divã. Disponível em: http://veja.abril.com.br/010409/entrevista.shtml. Acesso em: 11 de outubro de 2011

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de Direito Penal brasileiro. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, v. 1.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O Inimigo no Direito Penal. trad. Sérgio Lamarão. Rio de Janeiro: Revan, 2007.

Código Penal alemão: direito comparado. trad. Lauro de Almeida. 1ª ed. São Paulo: Ed. Universidade de São Paulo, 1974.


Informações Sobre o Autor

David Pimentel Barbosa de Siena


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