A Participação da Sociedade Brasileira nas decisões do Governo a luz da Democracia Digital

Resumo: O presente artigo tem o escopo de discutir o papel da Democracia no Estado Democrático de Direito, além de verificar o emprego da internet como meio ambiente de práticas destinadas a reforçar a participação dos cidadãos no campo político brasileiro. Pretende-se demonstrar que os mecanismos de participação democrática proporcionados pelas novas tecnologias de informação e comunicação representam à possibilidade de alargamento do espaço público. Será abordada a noção de democracia digital e de Governo Eletrônico como possibilidade de incremento das práticas e oportunidades democráticas. Far-se-á um estudo sobre o histórico do Governo Eletrônico, suas ferramentas, diretrizes e seu desenvolvimento no Brasil. Além disso, discutir-se-á os limites, as vantagens e desvantagens da democracia digital no nosso sistema político e o potencial das novas tecnologias para o aprofundamento da democracia, verificando se o suporte tecnológico está sendo adequadamente explorado, a fim de subsidiar uma inserção eficaz nos processos de definição e avaliação de políticas públicas.


Palavras-chave: democracia digital; esfera pública; governo eletrônico.


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Abstract: This article is scope to discuss the role of democracy in a democratic state and also to investigate the use of the Internet as environmental practices aimed at strengthening citizen participation in politics in Brazil. We intend to demonstrate that the mechanisms of democratic participation enabled by new information technologies and communications represent the possibility of extending the public space. We shall consider the notion of digital democracy and e-government as a possibility of development of democratic practices and opportunities. Far will be a study on the history of Electronic Government, its tools, guidelines and development in Brazil. In addition, it will discuss the limits, advantages and disadvantages of digital democracy in our political system and the potential of new technologies to strengthen democracy, making sure the technological support is being adequately exploited, in order to support an effective insertion in the formulation and evaluation of public policies.


Keywords: digital democracy, public sphere, electronic government.


Summary: 1. Initial considerations 2. The metamorphosis of the relationship between State and Civil Society from the 1988 Constitution, 3. The concept of Democracy, 4. Digital Democracy 5. The models of democracy in cyberspace; 6. Degree of democratic participation; 7. The perspectives and functions of Government; 8. The performance of Electronic Government in Brazil 9. The advantages and limitations of digital democracy 10. Conclusion; References.


Sumário: 1. Considerações iniciais; 2. A metamorfose da relação entre Sociedade Civil e Estado a partir da Constituição de 1988; 3. A noção de Democracia; 4. Da Democracia Digital; 5. Os modelos de democracia no ciberespaço; 6. Graus de participação democrática; 7. As perspectivas e funções do Governo Eletrônico; 8. A atuação do Governo Eletrônico no Brasil; 9. Das vantagens e limites da democracia digital; 10. Considerações Finais; Referências Bibliográficas.


1. Considerações Iniciais:


A Constituição Brasileira de 1988, denominada de Cidadã, teve como grande missão sob o ponto de vista político, jurídico e histórico, de qualificar a República Federativa do Brasil como um Estado Democrático de Direito. Daí porque toda e qualquer análise sobre o nosso Estado implica, necessariamente, em compreender o elemento democrático nele contido.


Há que se considerar que a Democracia não apresenta um conceito unívoco, podendo ser analisada sob diversos vetores, sendo que o presente trabalho versará sobre a idéia de Democracia enquanto Regime de Governo e Direito Fundamental do cidadão.


Apresenta-se aqui, a internet como meio de participação popular no debate público, podendo ser o instrumento de pressão de grupos da sociedade civil sobre os produtores de decisão política, bem como recurso para a intervenção e controle exercido pelo povo na esfera da decisão e da atuação política.


Busca-se neste artigo explicar a queda do modelo de representação baseado tão somente na força política das cadeiras majoritárias, critica-se a participação do povo somente na eleição de seus representantes e defende-se a presença direta e efetiva da cidadania, enquanto sujeito da vontade governativa institucionalizada, por via da efetiva participação na construção das políticas públicas através governo eletrônico.


Em primeiro plano será abordada a noção de democracia digital, analisando as tecnologias de informação e de comunicação, os modelos de democracia digital, os graus de participação desta mesma democracia, para então, verificar a ferramenta do Governo Eletrônico e seu desenvolvimento no Brasil.


Quer se mostrar a possibilidade de introduzir uma nova legitimidade, cuja base é recomposta no exercício da democracia digital, demonstrando que o cidadão pode e deve exercer a soberania, sem ser vítima da perversão representativa, sem as imperfeições conducentes às infidelidades do mandato, nem mesmo dos abusos da representação.


O cidadão pode ter a sua mão a internet como instrumento de expressão da soberania, participando faticamente das instâncias do poder, tendo a sua mão mecanismos capazes de frear condutas ilegítimas dos representantes do país, bem como traçar, sancionar e controlar as políticas públicas.


O Estado Democrático participativo libertará os povos da periferia, que se informados e capacitados, poderão fazer uso do governo digital para legitimar sua vontade política, já que a democracia participativa ministra mecanismos de exercício direta da vontade geral, suscetíveis de restaurar e repolitizar a legitimidade do sistema.


2. A metamorfose da relação entre Sociedade Civil e Estado a partir da Constituição de 1988:


Após a promulgação da Constituição de l988, acompanhada da restauração da democracia participativa – e, consequentemente, da legitimidade dos poderes constituídos pelo sufrágio universal, livre e soberano – mudam, substantivamente, as características dos atores sociais – Estado e sociedade – que participam dos conselhos de políticas públicas.


A mudança se deu porque, nos anos oitenta, a sociedade civil tinha as seguintes características: de massa, composta por milhares de pessoas que, lutando por diversas bandeiras – reforma urbana, sanitária, da assistência social, anistia, direitos humanos (especialmente da mulher e das minorias) e pelas liberdades sindical e partidária, sentiam-se profundamente solidárias no ideal comum de democratização do Estado e de suas políticas; homogênea, nas suas postulações fundamentais; dotada de força transformadora em relação aos objetivos a que se propôs. Tudo isso contribuiu, decisivamente, para imprimir a marca de “cidadã”, “participativa” e “democrática”, à constituição de 1988. Em tal contexto, esta sociedade civil, vigorosa e mobilizada, buscava legitimamente disputar a hegemonia com um poder estatal enfraquecido, herdado da ditadura militar.


Diante dessa realidade, a vigência da institucionalidade jurídico-política democrática, derivada da promulgação da Constituição de 1988, mudou drasticamente a relação Estado sociedade. De fato a democracia constitucional tem como seu fundamento a idéia de soberania popular, na qual a opinião do povo deve prevalecer na condução dos negócios de concernência comum, ou seja, a vontade pública sendo priorizada nas decisões que afetam a coisa pública.


Contudo, a consolidação da experiência democrática moderna, principalmente através dos modelos de democracia representativa, tem se configurado numa decisão política apartada da sociedade ou da esfera civil. Isso porque o âmbito da decisão política é constituído por agentes e por membros de corporações dedicadas ao controle e distribuição do capital circulante – os partidos – dotando-se de altíssimo grau de autonomia em face da esfera civil.


A Constituição Cidadã de 1988 combina representação e participação direta, tendendo, pois, para a democracia participativa. Isso se justifica porque com crescimento da humanidade e do surgimento da sociedade de massas, fenômeno da última metade do século passado, revelou-se claramente a ilegitimidade da democracia representativa. Fala-se, portanto, em crise da democracia representativa.


A deformação da democracia representativa deriva-se, principalmente, da intercorrência do poder econômico, do poder político e dos meios de comunicação de massas que de certa forma afasta o representante do representado, fulminando o poder da vontade autônoma do cidadão, seja a vontade individual ou geral. O fracasso da democracia representativa de certa forma demonstra o insucesso de toda a teoria da soberania popular ou da legitimidade do poder que nela se assenta, ou seja, a democracia representativa está prostrada em seu leito de morte, incuravelmente corroída pela ilegitimidade.


A democracia participativa implica o exercício direto e pessoal da cidadania nos atos de governo. Contudo não se trata de uma democracia direta remontando à ágora, mas se pode conjugar a noção de uma ágora digital-eletrônica, fazendo uma comparação à participação popular exercitando a democracia digital e os mecanismos do Governo Eletrônico.


Neste processo democrático deverão ser destacados os mecanismos constitucionais que possibilitam a participação direta do cidadão no processo democrático, tais como a iniciativa popular, o plebiscito, o referendo, bem como na participação de conselhos de políticas públicas – ou seja, o processo democrático que terá sempre no povo a instância suprema que ditará a aprovação ou derrogação das decisões adotadas.


A defesa de uma democracia participativa não implica dizer que todas as formas de representação sejam necessariamente abolidas. Ao contrário, importam a convivência harmônica, com os institutos da democracia representativa sobreviventes, de mecanismos da democracia direta, como a iniciativa popular, o referendo e o plebiscito – que a democracia representativa já conhece, mas que merece desenvolvimento, juntamente com o direito da efetiva participação popular na esfera política, através de mecanismos digitais à mão da sociedade civil.


Certo é que a relação entre o administrador público e o administrando mudou com a implementação da Democracia Participativa. Atualmente, além dos instrumentos previstos na Constituição da República que previram a participação direta do cidadão no exercício da democracia, a Internet, pode ser a grande praça virtual, onde os assuntos seriam apresentados e discutidos, é a consolidação da Democracia digital.


Temos que lançar mão da tecnologia, da informática e da Internet, como mecanismos para melhorar nossa vida, através da participação efetiva na vida do país, sugerindo, controlando e executando políticas públicas. Assim, devemos exercer a democracia participativa, conforme o modelo através de debates sobre questões públicas no ambiente virtual fazendo uso dos mecanismos do Governo Eletrônico.


3. A noção de Democracia:


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A palavra democracia tem sua origem na Grécia Antiga, sendo que demo significa povo e kracia governo. Nas democracias, é o povo quem detém o poder soberano sobre o poder legislativo e o executivo, ou seja, é o governo no qual o poder e a responsabilidade cívica são exercidos por todos os cidadãos, diretamente ou através dos seus representantes livremente eleitos. Pode ser considerada como um conjunto de princípios e práticas que protegem a liberdade humana; seria a institucionalização da liberdade.


O exercício da democracia pressupõe eleições livres e justas, abertas a todos os cidadãos e estes não têm apenas direitos, pois também possuem o dever de participar do sistema político a fim de proteger os seus direitos e as suas liberdades.


Além disso, a democracia tem as funções de proteger: os direitos humanos fundamentais do cidadão; a liberdade de expressão e de religião; a oportunidade de organizar e participar plenamente da vida política, econômica e cultural da sociedade; sujeita os governos ao Estado de Direito; assegura que todos os cidadãos recebam proteção legal igualitária e que os seus direitos sejam protegidos pelo sistema judiciário.


Bobbio chama de uma definição mínima de democracia ou rules of game o conjunto de regras para a formação de decisões coletivas em um regime democrático, regulando preliminarmente o desenrolar da práxis democracia ou jogo democrático:


“[…] por “democracia” se entende um conjunto de regras (as chamadas regras do jogo) que consentem a mais ampla e segura participação da maior parte dos cidadãos, em forma direta ou indireta, nas decisões que interessam a toda a coletividade. As regras são, de cima para baixo, as seguintes: a) todos os cidadãos que tenham atingido a maioridade, sem distinção de raça, religião, condições econômicas, sexo etc., deve gozar dos direitos políticos, isto é, do direito de exprimir com voto à própria opinião e/ou eleger quem a exprima por ele; b) o voto de todos os cidadãos deve ter peso idêntico isto é, deve valer por um; c) todos os cidadãos que gozam dos direitos políticos devem ser livres de votar segundo a própria opinião, formando o mais livremente possível, isto é, em uma livre concorrência entre grupos políticos organizados, que competem entre si para reunir reivindicações e transformá-las em deliberações coletivas; d) devem ser livres ainda no sentido em que devem ser colocados em condição de terem reais alternativas, isto é, de escolher entre soluções diversas; e) para as deliberações coletivas como para as eleições dos representantes deve valer o princípio da maioria numérica, ainda que se possa estabelecer diversas formas de maioria (relativa, absoluta, qualificada), em determinadas circunstâncias previamente estabelecidas; f) nenhuma decisão tomada pela maioria deve limitar os direitos da minoria, em modo particular o direito de tornar-se, em condições de igualdade, maioria” (BOBBIO, 2001, p. 55-56).


Segundo Paulo Bonavides, a democracia seria o “regime de garantia geral” para a realização dos direitos fundamentais do homem, sendo ela mesma um direito fundamental da pessoa humana de quarta geração – juntamente com os direitos à informação e ao pluralismo –, de maneira que os direitos de primeira, segunda e terceira gerações seriam, na verdade, suas infra-estruturas que formariam “a pirâmide cujo ápice é o direito à democracia” (BONAVIDES, 2000. p. 525).


Conforme se apresenta a forma com que o povo participa do poder político, são três os tipos de democracia: direta, indireta e semi-direta.


A democracia direta supõe o exercício do poder político pelo povo, reunido em assembléia plenária da coletividade. O povo exerce, por si, os poderes governamentais, fazendo leis, administrando e julgando. Como exemplo clássico, cita-se as decisões tomadas na agora[1]. Na época os cidadãos eram poucos, e, em certo sentido, a democracia direta da polis compreendia uma forma de representação, pois essa minoria de “eleitos” [2] legislava, governava e decidia em nome de todos os habitantes, das mulheres, das crianças, dos imigrantes e dos escravos. Atualmente esta modalidade de democracia é impraticável face à impossibilidade material de sua realização, face ao grande número de cidadãos que compõem um Estado, constituindo-se assim reminiscência histórica.


A democracia indireta ou representativa é aquela em que o povo governa por meio de representantes eleitos periodicamente pelo próprio povo, que tomam em seu nome e no seu interesse as decisões políticas, envolvendo assim o instituto da representação.


Já a democracia semi-direta ou participativa caracteriza-se pela coexistência de mecanismos da democracia representativa com outros da democracia direta (referendo, plebiscito, revogação, iniciativa popular e etc.).


Desse modo, a democracia não é apenas uma forma de governo, uma modalidade de Estado, um regime político, uma forma de vida. É um direito da Humanidade (dos povos e dos cidadãos). Democracia e participação se exigem, democracia participativa constitui uma tautologia virtuosa. Não há democracia sem participação, sem povo. O regime será tanto mais democrático quanto tenha desobstruído canais, obstáculos, óbices, à livre e direta manifestação da vontade do cidadão.


4. Da Democracia Digital:


Democracia digital[3] também chamada de “democracia eletrônica”, “e-democracy” [4], “democracia virtual”, “ciberdemocracia”, “teledemocracia” dentre outras nomenclaturas vem se constituindo ao redor de algumas expressões-chave tais como: “internet”, “esfera pública”, “democracia”, “novas tecnologias”, “mundo digital” e “recursos web”. Referem-se às novas práticas para a política democrática, que emergem da uma nova infra-estrutura tecnológica eletrônica proporcionada por computadores em rede e por um número grande de dispositivos de comunicação e de organização, armazenamento e oferta de dados e informações online.


Trata-se de um amplo conjunto de experiências, iniciativas e práticas políticas relacionadas à noção ou às instituições da democracia, que se apóiam em dispositivos, ferramentas e recursos das tecnologias digitais de comunicação e informação.


O tema aborda desde os dispositivos e iniciativas para a extensão das oportunidades democráticas – o governo eletrônico, o voto eletrônico, o voto on-line, a transparência do Estado, até novas oportunidades para a sociedade civil na era digital – cibermilitância, formas eletrônicas de comunicação alternativa, novos movimentos sociais (HILL E HUGHES, 1998).  Caminha-se das alternativas contemporâneas para o jogo político (partidos, eleições e campanhas no universo digital) até a discussão sobre regulamentação de acesso e controle de conteúdo na internet, passando-se pelas questões das desigualdades digitais (exclusão digital).


Importante são as conseqüências que as ferramentas e dispositivos eletrônicos das redes contemporâneas, principalmente a internet, comportam para a implementação de um novo modelo de democracia capaz de incluir de maneira mais plena a participação da esfera civil na decisão política. Será que as novas tecnologias da comunicação podem, de fato, alterar para melhor as possibilidades da cidadania nas sociedades contemporâneas?


Não se pode esquecer que por trás da democracia digital, como situação de fundo, encontram-se os regimes democráticos de governo, as iniciativas relacionadas à arte política, à governação do Estado e à produção de leis e a justiça, isto é, a democracia digital finda por ser uma digitalização das democracias ou a conformação digital de determinadas dimensões dos Estados Democráticos.


O ambiente da democracia virtual torna-se perfeito para o exercício da democracia participativa, isso porque a democracia é um regime em que todo poder vem do povo e é exercido diretamente por ele ou em seu nome, donde deriva o corolário: sem a participação do cidadão na produção das decisões que afetam a comunidade política, um regime perde legitimidade democrática e pode mesmo deixar de ser tal coisa.


O desenvolvimento de tecnologias digitais de comunicação no final do século XX e seu processo de massificação, ainda em andamento, têm reforçado um importante debate sobre participação civil nas democracias liberais contemporâneas. Diante desta realidade, surge um problema central: essas novas tecnologias da informação e comunicação (TICs) estariam, de fato, possibilitando maior participação democrática nas cidades contemporâneas? Se há participação democrática, de que forma isto ocorre?


Cabe analisar se os governos das capitais brasileiras estão empregando essas tecnologias, especificamente a internet, para aumentar a participação do cidadão nos negócios públicos e as formas como essa participação estaria ocorrendo.


5. Os modelos de democracia no ciberespaço:


Após analisar as diferentes visões sobre a potencialidade política das TICs, torna-se necessário abordar as retóricas que disputam o modelo de democracia no ciberespaço. Dahlberg nota a existência de três segmentos predominantes: (1) um modelo individualista-liberal; (2) um modelo comunitarista; e (3) um modelo deliberacionista. Para o autor:


“Estes três segmentos de democracia eletrônica são distintos por seus respectivos entendimentos de legitimidade democrática. Para o individualismo liberal, um modelo democrático ganha legitimidade quando fornece expressão aos interesses individuais. Para o comunitarismo, um modelo democrático é legitimado por realçar o espírito e valores comunais. Para a democracia deliberativa, um modelo democrático é legitimado por sua facilitação do discurso racional na esfera pública. Todas as três posições podem ser identificadas dentro da prática e retórica na democracia-internet” (DAHLBERG, 2001, p. 158) [5].


Infelizmente, a Constituição Federal previu que as esferas política e civil interajam apenas no momento da renovação dos mandatos, restringindo-se o papel dos mandantes civis à decisão, de tempos em tempos, o que dificulta a legitimidade das decisões políticas nesta democracia participativa. Porém, a mesma Carta Magna também previu vários mecanismos de participação direta do cidadão na sociedade, que podem ser efetivadas a partir do exercício da democracia digital e do instrumento Governo Eletrônico.


O exame sobre as razões da excessiva autonomia da esfera da decisão política e da crescente atrofia das funções da esfera civil no que respeita aos assuntos do Estado, ao lado da formulação de alternativas, teóricas e práticas, para o crescimento dos níveis de participação civil nos negócios públicos, tem se transformado no tema central e na grande novidade da teoria da democracia nas últimas décadas. Conhecem-se, a partir daí, a renovação de modelos de “democracia participativa” (Pateman, 1970), as perspectivas de uma “democracia forte” (Barber, 1984) e, ultimamente, de “democracia deliberativa”, modelos que se multiplicaram na virada do século.


Neste contexto, era natural que a discussão sobre o ambiente, os meios e os modos da comunicação pública como ferramenta para uma maior presença da esfera civil na condução dos negócios públicos encontrasse a discussão sobre modelos de democracia voltados para o incremento da participação civil. Ademais, todas as restrições apresentadas na literatura especializada sobre as parcas convicções democráticas e a baixa qualidade civil ou republicana da comunicação industrial de massa, somadas à aura não-elitista, não-governamental, não-corporativa da internet, foram razão suficiente para assegurar a esta última um lugar particular na discussão sobre democracia e participação popular.


É consabido que a experiência de democracia participativa no Brasil tem repercussão mundial sendo, em nosso entender, a mais importante da atualidade. Sabe-se que existem em torno de vinte e cinco mil conselhos de políticas públicas envolvendo a participação da sociedade: conselhos gestores, deliberativos e conselhos de direitos, em geral, de natureza consultivo-propositiva e de fiscalização; pelo menos duzentas experiências de Orçamento Participativo (OP) [6] e mais de mil ouvidorias em funcionamento no país. Estes são os três principais institutos de participação cidadã na administração pública brasileira.


6. Graus de participação democrática:


A vinculação entre democracia e participação civil na política possui diferentes ênfases, cada uma delas portando consigo um específico repertório de conseqüências teóricas e práticas. Há, a rigor, uma escala que vai crescendo em intensidade desde graus mais moderados de reivindicações até formas mais efetivas de defesa da participação popular. Isso porque nas variações do debate sobre democracia digital, o que interessa é a busca de maior participação da esfera civil nos processos de produção de decisão política. Esta participação pode assumir diversos graus, e sua intensificação seria o imaginário da democracia direta de inspiração grega.


Gomes propõe a existência de cinco graus de participação popular no emprego das TICs, que podem contemplar as diferentes compreensões da democracia (GOMES, 2004b):


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a. Primeiro grau de democracia digital caracterizado pela ênfase na disponibilidade de informação e na prestação de serviços públicos. Gomes (2005, p. 218) chama de “serviços de Estado entregues em domicílio ou a cidadania delivery”. As TICs e o ciberespaço (incluiu-se a internet) seriam instrumentos democráticos na medida em que circulam informações governamentais genéricas e melhoram a prestação de serviços públicos.  Pressupõe-se que governo disponibiliza informações ou torna a prestação de serviços mais eficiente, através do emprego destas tecnologias de comunicação. Há uma ênfase na eficiência instrumental da relação política.


“No primeiro grau, no caso específico da relação política entre Estado e cidadão, prevalecem dois papéis claros: (1) o papel de um governo que busca suprir as necessidades de informação básica, serviços e bens públicos ao cidadão (como saúde, transporte, segurança, saneamento básico, facilidade no pagamento de impostos, desburocratização etc.); e (2) o papel de um cidadão que aguarda receber, sem transtornos e com rapidez (em casa, se for possível), esses serviços públicos oferecidos. A figura do cidadão se confunde, assim, com a figura de consumidor, sustentando uma tensão entre dois interesses distintos” (GANDY, 2002, p. 453).


Neste primeiro grau, na relação entre o governo e as TICs, prevalece à busca por produtividade e otimização da máquina estatal, sobretudo, os governos tratam as TICs e o seu know-how de uso da mesma forma como as empresas tratam os bens de capital e a racionalização para incrementar a produção (FREY, 2002, p. 143).


b. Segundo grau de democracia digital Há a utilização das TICs para coletar a opinião pública, usando esta informação para a tomada de decisão política e na configuração de “um Estado que consulta os cidadãos pela rede para averiguar a sua opinião a respeito de temas da agenda pública” (GOMES, 2004b, p. 6). Representada por modelos em que se verifica a intervenção da opinião e da vontade civil na decisão política relevante no interior do Estado.


“Aqui, o emprego das TICs terá papel próximo ao de um “canal de comunicação”, embora a emissão continue predominantemente de mão única: o governo não cria um diálogo efetivo com a esfera civil, mas emite sinais para o público a fim de receber algum tipo de retorno”. (SILVA, 2005).


Nos dois modelos, contudo, a participação civil é compatível com a alternativa de democracia representativa; o que há aqui de particular é apenas a reivindicação de que a autenticação civil da esfera política não se atenha exclusivamente a mecanismos eleitorais, devendo levar em conta, ademais, o respeito pela disposição e opinião públicas. Neste sentido, Gomes (2005, p. 219) conclui:


“Nestes dois graus mais elementares, o fluxo de comunicação parte da esfera política, obtém o feedback da esfera civil e retorna como informação para os agentes da esfera política. São as formas típicas sintetizadas na fórmula G2C (ou vetor government to citizen), que vem se popularizando nos últimos anos. O vetor vai, naturalmente, do governo para o cidadão.”


c. Terceiro grau de democracia digital representado pela obrigação de prestação de contas do governo (accountability) e pelo princípio da transparência, gerando maior permeabilidade da esfera governamental para alguma intervenção da esfera civil. Este princípio produzirá uma maior preocupação na responsabilidade política e, com isso, um maior controle popular sobre as ações governamentais.


“A publicidade de informações, neste terceiro grau, é voltada para fortalecer a cidadania, concentrando energias na configuração de uma esfera governamental disposta a “evitar” a prática do segredo[7]. A permeabilidade política deste grau em relação à esfera civil também difere da porosidade do grau anterior. No caso do segundo grau, a porosidade política está restrita à recepção da opinião do público e a predisposição em considerá-la no processo de tomada de decisão política. No caso deste terceiro grau, esta permeabilidade ocorrerá mediante o controle público das ações governamentais propiciado pela transparência de suas ações” (SILVA, 2005).


d. Quarto grau de democracia digital fundamentado na “democracia deliberativa” de origem Harbemasiana, que defende que só é legítima a lei a partir da efetiva participação do povo diretamente. Consiste na criação de processos e mecanismos de discussão e argumentação, visando o convencimento mútuo, a fim de se chegar a uma decisão política tomada pelo próprio público. Aqui se encontram práticas mais sofisticadas de participação democrática. Como explica Dahlberg (2001, p. 167), “a democracia deliberativa requer mais interação democrática; é baseada no diálogo aberto e livre onde os participantes propõem e desafiam reivindicações e argumentos sobre problemas comuns. Neste processo, indivíduos privados se tornam cidadãos orientados publicamente”.


e. Quinto grau de democracia digital Se o quarto grau de democracia digital é o mais intenso do ponto de vista da participação civil nos negócios públicos, o quinto grau é necessariamente o mais idealista na escala de participação civil, e a sua implementação acarretaria uma mudança significativa no modelo democrático. Neste último grau, as TICs teriam uma função fundamental: retomar o antigo ideal da democracia direta.


Embora o quarto grau também defenda o aumento da participação direta da esfera civil na produção da decisão política, se preocupar com os processos de deliberação, mantendo a esfera política em seu papel de representatividade.


No caso do quinto grau, em que pese também haver processos de deliberação (no sentido de discussão racional), a tomada de decisão não passa por uma esfera política representativa: a esfera civil ocupa o lugar da esfera política na produção da decisão. A ênfase aqui está no fato de que só argumentar não seria suficiente: é preciso deixar que o povo decida. Isto significaria “um estado governado por plebiscito” (GOMES, 2004b, p. 6).


“O quinto grau, evidentemente, é representado pelos modelos de democracia direta, onde a esfera política profissional se extinguiria porque o público mesmo controlaria a decisão política válida e legítima no interior do Estado. Trata-se do modelo de democracy plug’n play, do voto eletrônico, preferencialmente on-line, da conversão do cidadão não apenas em controlador da esfera política, mas em produtor de decisão política sobre os negócios públicos. O resultado do estabelecimento de uma democracia digital de quinto grau seria, por exemplo, um Estado governado por plebiscitos on-line em que à esfera política restaria exclusivamente às funções de administração pública.” (GOMES, 2005, p. 219)


Numa democracia digital de quinto grau, prevalece a idéia de que, com as possibilidades interativas em massa das novas tecnologias da comunicação, a decisão deveria estar assim transferida diretamente para a esfera civil. Por estar fortemente baseado no modelo da democracia direta, este grau enfrenta sérios problemas pragmáticos e teóricos para sua implementação. Se levado a cabo isoladamente, sem observar suas possíveis repercussões, a exacerbação de alguns elementos pode gerar um tipo de autoritarismo sustentado pela demagogia ou populismo político.


7. As perspectivas e funções do Governo Eletrônico:


O denominado governo eletrônico surgiu na década de 1990 a partir do esforço de incorporação das tecnologias da informação pelos Estados. Havia, na época um cenário de globalização, bem como de profunda transformação histórica, cultural e estrutural, que muito contribuiu para a disseminação do Governo Eletrônico.


 A expressão governo eletrônico passou a ser utilizada em 1996 no governo Federal brasileiro. Segundo Pedro Parente (2004, p. 46), não havia, até então, “política específica, e as atividades ocorriam de maneira esparsa e não integrada, decorrentes do emprego convencional dos recursos de tecnologia da informação e comunicação”.


Contudo, só em 2000 que o governo brasileiro lançou as bases para a criação de uma sociedade digital ao instituir o Grupo de Trabalho Interministerial para examinar e propor políticas, diretrizes e normas relacionadas com as novas formas eletrônicas de interação, através do Decreto Presidencial de 3 de abril de 2000.


Logo depois, a Portaria da Casa Civil nº. 23 de maio de 2000 formalizou as ações do Grupo de Trabalho em Tecnologia da Informação (GTTI), coordenado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, concentrou esforços em três das sete[8] linhas de ação do Programa  Sociedade da Informação: Universalização de serviços; Governo ao alcance de todos e Infra-estrutura avançada.


O Programa Sociedade da Informação tem como objetivo geral integrar, coordenar e fomentar ações para a utilização de tecnologias de informação e comunicação, de forma a contribuir para que a economia do país tenha condições de competir no mercado global e, ao mesmo tempo, contribuir para a inclusão social de todos os brasileiros na nova sociedade (TAKAHASHI, 2000, p. 5).


O informativo do Banco Nacional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BNDES, 2009, on-line), em 2009, definiu como funções características do governo eletrônico:


“a) A prestação eletrônica de informações e serviços; b) A regulamentação das redes de informação, envolvendo, principalmente, governança, certificação e tributação; c) A prestação de contas públicas, transparência e monitoramento da execução orçamentária; d) O ensino a distância, alfabetização digital e manutenção de bibliotecas virtuais, e) A difusão cultural com ênfase nas identidades locais, fomento e preservação de culturas locais; f) O e-procurement, isto é, aquisição de bens e serviços por meio da internet, como licitações públicas eletrônicas, pregões eletrônicos, bolsas de compras públicas virtuais e outros tipos de mercados digitais para os bens adquiridos pelo governo; g) O estímulo aos e-negócios, por meio da criação de ambientes de transações seguras, especialmente para pequenas e médias empresas.”


Para melhor compreender o tema surge o importante instituto da ciberdemocracia, que propõe uma reflexão sobre a participação popular nas tomadas de decisões políticas, permitindo que  o cidadão contemporâneo acompanhe, de forma veloz e transparente, as informações e as mudanças dos processos sócio-políticos de seu Município, Estado ou País, por meios dos websites e portais governamentais.


Azevedo apud Kakabadse (2009, online) expõe que a ciberdemocracia “pode ser entendida como a capacidade dos novos ambientes de comunicação em ampliar o grau e a qualidade da participação pública no governo”.


Nesta mesma linha, Pierre Lévy (2003, p. 123-124) afirma:


“[…] esta espantosa disponibilidade das informações, de toda a espécie, respeitantes à vida política, assim como o freqüentar de fóruns de discussão civilizados e bem organizados, tornam o debate político cada vez mais ‘transparente’ e preparam uma nova era do diálogo político que conduz a democracia a um estágio superior: a ciberdemocracia.”


Dessa forma, a ciberdemocracia encontra-se no âmbito do maior acesso à informação governamental e da interação entre o Estado e sociedade civil, através da utilização dos meios eletrônicos. Um dos mecanismos relacionados à efetivação desta nova fase da democracia é o governo eletrônico (e-gov). Este é, hodiernamente, compreendido como um dos principais mecanismos de modernização do Estado.


Ainda neste aspecto, a ciberdemocracia se manifesta no uso das novas Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs), com o escopo de reconfigurar práticas políticas e instituições democráticas. Encontra-se no cerne de sua concepção o desejo de ampliar, aprimorar ou transformar o sistema democrático contemporâneo, concedendo-o um caráter mais participativo e mais comunicativo ou discursivo. (AZEVEDO, 2009, online).


Trata-se de uma propensão global, em que os governos tentam concentrar esforços no desenvolvimento de políticas e definições padrões, utilizando-se dos processos de assimilação de Tecnologia da Informação e Comunicação, visando mudar a maneira com que o governo interage com outros governos, com seus fornecedores e com o cidadão. Para Ruediguer (2002, p. 1):


“O governo eletrônico é, atualmente, um experimento em construção, e sua dimensão política mais avançada – a governança eletrônica – não pode ser considerada um mero produto ofertado ao cliente em formato acabado, mas, considerando-se sua natureza eminentemente política, e, portanto, pública, pode ser percebido como um bem público, passível de acesso e desenvolvido por processos também sociais, o que o leva a constantes transformações.”


Na mesma esteira, Menezes e Fonseca (2005, p. 333) ensinam que a noção de governo eletrônico se “constitui no uso, pelos governos, das novas tecnologias da informação e comunicação na prestação de serviços e informações para cidadãos, fornecedores e servidores”. Para Lévy (1999, p.86):


“A verdadeira democracia eletrônica consiste em encorajar, tanto quanto possível – graças às possibilidades de comunicação interativa e coletiva oferecidas pelo ciberespaço –, a expressão e a elaboração de problemas da cidade pelos próprios cidadãos, a auto-organização das comunidades locais, a participação nas deliberações por parte dos grupos diretamente afetados pelas decisões, a transparência das políticas públicas e sua avaliação pelos cidadãos.”


Vale ressaltar que este conceito não se limita unicamente em automatizar os processos ou disponibilizar serviços públicos através de serviços online, mas se trata de uma nova via utilizada pelo governo, para o cumprimento do papel do Estado. (FEITOSA; FREIRE; LOPES, 2008, p. 3228).


A propósito, o Governo Eletrônico tem privilegiado três frentes fundamentais:  a interação com o cidadão, a melhoria da sua própria gestão interna e a integração com parceiros e fornecedores. Aqui, torna-se importante informar que o governo eletrônico engloba, principalmente, três tipos de transações, que podem ser identificadas como: Government to Government (G2G), Government to Business (G2B) e Government to Citizen (G2C). Neste sentido, Fernandes as define (2005, p. 1):


“G2G, quando se trata de uma relação intra ou intergovernos; G2B caracterizado por transações entre governos e fornecedores e G2C envolvendo relações entre governos e cidadãos. Estas transações ocorrem não apenas por meio da Internet, mas também por meio de telefonia móvel, televisão digital, call centers e outros tipos de aplicações ligadas aos computadores pessoais.”


Pinto, neste contexto, nos informa:


“Em relação ao cidadão, estão sendo criados portais na Internet que funcionam como verdadeiros balcões virtuais de informação e de atendimento para a prestação de serviços. Para a gestão interna, está sendo promovida a integração entre os sistemas em rede interna […]. A integração entre parceiros e fornecedores está sendo desenvolvida […]. A estrutura relacional a ser constituída entre os principais atores neste processo envolverá governo, cidadãos/clientes e empresas, dentro das diversas possibilidades de transações eletrônicas.” (PINTO, 2008, online).


Em linhas gerais, pode-se destacar como sendo funções do governo eletrônico (e-gov), segundo Fernandes (2000, p. 01):


“a) prestação eletrônica de informações e serviços; b) regulamentação das redes de informação, envolvendo principalmente governança, certificação e tributação, c) prestação de contas públicas, transparência e monitoramento da execução orçamentária, d) ensino à distância, alfabetização digital e manutenção de bibliotecas virtuais, e) difusão cultural com ênfase nas identidades locais, fomento e preservação de culturas locais, f) e-procurement, isto é, aquisição de bens e serviços por meio da Internet, como licitações públicas eletrônicas, pregões eletrônicos, bolsas de compras públicas virtuais e outros tipos de mercados digitais para os bens adquiridos pelo governo, g) estímulo aos e-negócios, através da criação de ambientes de transações seguras, especialmente para pequenas e médias empresas.”


Assim, pode-se afirmar que o e-gov é toda e qualquer interação por meio eletrônico que objetiva, “fornecer e obter informações, prestar serviços, bem como transacionar bens e serviços à distância, entre governo e cidadãos, e entre governo e empresas.” (MENEZES, 2005, p. 336). Percebe-se, portanto, que o Governo Eletrônico tem uma estrutura traçada resta examinar sua atuação no Brasil.


8. A atuação do Governo Eletrônico no Brasil:


O Governo Eletrônico Brasileiro tem sua diretriz fundamentada em sete princípios inseridos no Relatório Consolidado das Oficinas de Planejamento Estratégico. Estes devem servir como referência geral para estruturar as estratégias de intervenção, adotadas como orientações para todas as ações de governo eletrônico, de gestão do conhecimento e da gestão da Tecnologia de Informação do governo federal. São eles (BRASIL, 2004, p. 8):


“1. Promoção da cidadania como prioridade; 2. Indissociabilidade entre inclusão digital e o governo eletrônico; 3. Utilização do software livre como recurso estratégico; 4. Gestão do Conhecimento como instrumento estratégico de articulação e gestão das políticas públicas; 5. Racionalização dos recursos; 6. Adoção de políticas, normas e padrões comuns; 7. Integração com outros níveis de governo e com os demais poderes.”


Nota-se, a princípio, que a prioridade do Governo Eletrônico deve ser a promoção da cidadania. O cidadão não deve ser compreendido como um mero “cliente” dos serviços públicos, mas sim, como um membro participante da política e da democracia. Isso significa dizer que o governo eletrônico “visa reforçar as capacidades de ação das populações, mais do que sujeitá-las a um poder” (LEVY, 1999, p. 367). Tal postura traz benefícios não só para representantes eleitos para o governo e administração do Estado, mas para representados, cidadãos que passam a ter oportunidades de participação que vão além do momento da eleição. Nesta esteira, Bento afirma:


“Acredita-se que os governos que asseguram a participação dos cidadãos na formulação, implantação e implementação de políticas públicas, graças à sustentabilidade política e legitimidade que logram obter para seus programas de ação, tornam-se muito mais eficientes do que poderia ser qualquer equipe de tecnocratas altamente especializados e insulados frente à população, na medida em que contam com o apoio desta enfraquecendo as resistências da oposição, evitando o desgaste político de intervenções autoritárias” (BENTO, 2003, p. 219 apud NOVELLI, 2006, p. 81).


A viabilização desse novo processo demanda uma nova visão cultural, a qual permita a circulação fluida de informação, transparência, diálogo aberto com o público e mobilização a serviço do cidadão. Destarte, o governo eletrônico, “mais do que um provedor de serviços online, poderá ser, sobretudo, uma ferramenta de capacitação política da sociedade” (RUEDIGER, 2002, p. 30).


A partir dessas ações haverá um fortalecimento das relações entre governo e cidadãos e como conseqüência um estímulo à participação popular. Segundo Malagone Pimenta (2010) é  “possível aumentar a confiança no governo, assegurar entendimento, apoio e, até mesmo, legitimidade às ações e decisões governamentais”.


O governo eletrônico tem como referência os direitos coletivos, mas, evidentemente, essa visão não abandona a preocupação do governo em atender as necessidades e demandas dos cidadãos individualmente, pois a vincula aos princípios da universalidade, da igualdade e da equidade, na oferta de serviços e informações (BRASIL, 2004, p. 9).


Uma diretriz importante do governo eletrônico é de promover a universalização do acesso aos serviços públicos em termos de cobertura e equanimidade da qualidade oferecida, através dos mandamentos:


“1. Provimento de serviços deve priorizar os serviços básicos de interesse dos cidadãos que cubram amplas parcelas da população; 2. Os sítios e serviços on-line do Governo Federal devem priorizar a  prestação de serviços para as classes C, D, E, sem detrimento da qualidade dos demais serviços já disponíveis na Internet; 3. Os sítios e serviços on-line do Governo Federal devem utilizar tecnologias inclusivas e não excludentes e oferecer garantia de acesso universal, abrangendo portadores de necessidades especiais, cidadãos de baixa escolaridade e usuários de diversas plataformas; 4. Governo eletrônico deve assegurar a impessoalidade no acesso aos serviços públicos como forma de garantia de acesso e rompimento com tradições clientelistas; 5. Os sistemas legados deverão ampliar suas funcionalidades de serviços baseados nas demandas dos cidadãos usuários”. (BRASIL, 2004, p. 9).


Certo é que a universalização de serviços para o cidadão é uma condição fundamental para o sucesso desta nova sociedade. Ocorre que para a real operacionalização desta realidade, concorda-se plenamente com as opiniões de Rodrigues, Simão e Andrade (2003, p. 93) que entendem como uma universalização de fato:


“[…] é preciso criar condições para a inclusão de populações de baixa poder aquisitivo nas redes digitais, proporcionando-lhes habilitações básicas para o uso dos computadores e da internet. A partir daí, o cidadão pode melhorar seu nível de conhecimento para tirar proveito do conteúdo que circula na rede.”


Sabe-se que, hoje, o acesso à rede é intenso, entretanto, vislumbra-se que uma alternativa para boa parte da população brasileira que ainda não possui computadores, seria a criação de unidades estanques como quiosques eletrônicos ou unidades comunitárias de acesso à Internet que possibilite a participação democrática dos cidadãos. A implementação dessa opção estaria estreitamente ligada a ações de universalização de serviços ao cidadão promovido pelo Estado.


Daí dizer que o conceito de universalização deve abarcar também o de democratização, visto que, não se trata tão unicamente de disponibilizar os meios de acesso e de capacitar os indivíduos para tornarem-se usuários da rede. Mas, sobretudo, de permitir que o indivíduo atue como cidadão-participante dos conteúdos que circulam na internet. Nesse sentido, para Takahashi.


“É imprescindível promover a alfabetização digital, que proporcione a aquisição de habilidades básicas para o uso de computadores e da Internet, mas também que capacite as pessoas para a utilização dessas mídias em favor dos interesses e necessidades individuais e comunitários, com responsabilidade e senso de cidadania. Fomentar a universalização de serviços significa, portanto, conceber soluções e promover ações que envolvam desde a ampliação e melhoria da infra-estrutura de acesso até a formação do cidadão, para que este, informado e consciente, possa utilizar os serviços disponíveis na rede” (BRASIL, 2000, p. 31).


Assim, a universalização dos serviços de informação e de comunicação torna-se condição para a inclusão do indivíduo como cidadão, a fim de efetivar e legitimar as decisões do governo eletrônico e de se construir uma sociedade da informação para todos.


Além disso, priorizando sempre a promoção da cidadania, o governo eletrônico deve tornar disponível a informação pública de maneira acessível e compreensível, utilizando-se da internet como um canal de comunicação entre o governo e a sociedade, permitindo a participação popular e a interatividade com o cidadão.


A inclusão digital antes de ser que objeto de políticas públicas é um direito do cidadão e deve ser tratada como um elemento constituinte da política de governo eletrônico, isso para configurar-se como política universal. Pode ser definida como um processo de alfabetização tecnológica e acesso a recursos tecnológicos, “no qual estão inclusas as iniciativas para divulgação da Sociedade da Informação entre as classes menos favorecidas, impulsionadas tanto pelo governo como por iniciativas de caráter não governamental” (NAZARENDO, Et al. 2002, p. 14).


Para ampliar o acesso às tecnologias da informação, o governo brasileiro desenvolve o Programa Brasileiro de Inclusão Digital e também estabelece parcerias com governos estaduais, municipais, organizações não-governamentais e outras entidades da sociedade civil. Neste sentido, Santos afirma:


“Não podemos fazer uma política de inclusão digital apenas do ponto de vista do Estado. Precisamos criar um ambiente institucional que promova a inclusão na sociedade em rede. Somente com um novo pacto social conseguiremos aproveitar o potencial transformador das novas tecnologias da informação e comunicação para construirmos uma sociedade mais inclusiva e democrática” (SANTOS, 2010, online).


Porém, a articulação à política de governo eletrônico não pode levar unicamente a uma visão instrumental da inclusão digital.


“Não se trata, portanto, de contar com iniciativas de inclusão digital somente como recurso para ampliar a base de usuários (e, portanto, justificar os investimentos em governo eletrônico), nem reduzida a elemento de aumento da empregabilidade de indivíduos ou de formação de consumidores para novos tipos ou canais de distribuição de bens e serviços Além disso, enquanto a inclusão digital concentra-se apenas em indivíduos, ela cria benefícios individuais, mas não transforma as práticas políticas. Não é possível falar destas sem que se fale também da utilização da tecnologia da informação pelas organizações da sociedade civil em suas interações com os governos, o que evidencia o papel relevante da transformação dessas mesmas organizações pelo uso de recursos tecnológicos”. (BRASIL, 2004, p. 12).


  Desse modo, a criação de uma infra-estrutura pública para extensão do acesso à Internet aos setores impedidos de ter acesso individual deve ser o centro da estratégia do governo federal, como forma de superação de desigualdades, de promover a universalização do acesso e o uso crescente dos meios eletrônicos de informação para gerar uma administração eficiente e transparente em todos os níveis. Para Takarashi a chamada “alfabetização digital” é elemento-chave nesse quadro. (BRASIL, 2000, p. v)


Outro fato relevante para o governo eletrônico no Brasil é utilização do software livre como recurso estratégico. Para Daniel Ribeiro (2004, p. 13) Software Livre é o software disponibilizado, gratuitamente ou comercializado, “com as premissas de liberdade de instalação; plena utilização; acesso ao código fonte; possibilidade de modificações/aperfeiçoamentos para necessidades específicas; distribuição da forma original ou modificada, com ou sem custos”.


A filosofia do Software Livre surge como oportunidade para disseminação do conhecimento e como nova modalidade de desenvolvimento tecnológico, cumpre, ainda, as determinações do Governo Eletrônico, assim como os padrões estabelecidos pela e-PING[9].


Quanto à gestão do Conhecimento como instrumento estratégico de articulação e gestão das políticas públicas, na esfera da administração pública, as políticas de governo eletrônico devem incorporar estratégias para efetivar a implementação de iniciativas em gestão de conhecimento, no sentido de democratizar o conhecimento nas organizações públicas. Assim, as melhores práticas em gestão do conhecimento devem ser sistematicamente identificadas, acompanhadas e compartilhadas entre os “atores do governo eletrônico” – governo, cidadão e sociedade civil.


Já a racionalização dos recursos, mais do que um princípio, é atribuição do Comitê Executivo do Governo Eletrônico, coordenar a implantação de mecanismos de racionalização de gastos e de apropriação de custos na aplicação de recursos em tecnologia da informação e comunicações, no âmbito da Administração Pública Federal.


O governo eletrônico não pode gerar aumento dos dispêndios do governo federal na prestação de serviços e em tecnologia da informação (BRASIL, 2004, p. 19). Nesta esteira, grande parte das iniciativas de governo eletrônico pode ser realizada através do compartilhamento de recursos entre órgãos públicos.


O projeto de governo eletrônico visa não só melhorar a relação entre governo e população, mas também reduzir custos. Para tanto, torna-se necessário que as novas TICs, os novos modelos de gestão e as iniciativas de governo eletrônico sejam alternativas de racionalização de custos utilizando-se de inovações em métodos computacionais que reduzam a demanda por infra-estrutura.


Quanto à adoção de políticas, normas e padrões comuns, o Governo Eletrônico deve contar com um arcabouço integrado de políticas, sistemas, padrões, normas e métodos que visam o sucesso da implementação do e-gov. Com esse objetivo, o Governo Federal lançou, em marco de 2005, a arquitetura Padrão de Interoperabilidade de Governo Eletrônico (e-PING), trata-se de um conjunto mínimo de premissas, políticas e especificações técnicas que regulamentam a utilização das Tecnologias da Informação e Comunicação no Governo Federal. Essa interação permite aumentar o intercâmbio de informação entre União, Estados e Municípios. (NAZARENO, 2006, p. 141).


A interoperabilidade tem como campo de atuação, além da administração pública, os poderes do Estado, a sociedade civil, e todos os indivíduos ou organizações que se aproveitem da troca de dados e informação. Pode ser definida como uma cadeia de protocolos, padrões e especificações técnicas que permitem a interligação envolvendo os fluxos de informação e os sistemas de computação dentro das organizações e entre elas, abrangendo a administração pública, as empresas e os cidadãos.


Além disso, o Governo Eletrônico pretende estabelecer, através da arquitetura e-PING, padrões de interoperabilidade abertos e públicos, com a finalidade de elaborar integralmente o conjunto de políticas correlacionadas a Política de Gestão do Conhecimento, a Política de Inclusão digital e a Política de software livre.


Por fim, tem-se a integração governo eletrônico com outros níveis de governo e com os demais poderes. De fato, o governo eletrônico deve ser um conjunto de iniciativas que garanta a integração de ações nos vários níveis de governo e dos três Poderes, já que a natureza federativa do Estado Brasileiro e a divisão dos Poderes não podem significar obstáculo para a integração das ações de governo eletrônico.


Cabe ao Governo Federal criar recursos de integração entre o governo eletrônico e os entes estatais, além de estabelecer estratégias de parceria com Estados e Municípios, na facilitação do acesso a serviços prestados, por via eletrônica, pelo Governo Federal, simplificar os procedimentos entre Administração Pública Federal e Governos estaduais e municipais e articular, e estimular, ações de Governo Eletrônico destinadas à prestação de serviços aos cidadãos (BRASIL, 2004, p. 23).


Após breve pesquisa no modelo e-gov e nas ferramentas disponibilizadas na internet pelos Estados e Municípios da Federação do Brasil, percebe-se que é possível detectar a existência de três graus de democracia digital no uso da internet dos governos: respectivamente, o primeiro, segundo e terceiro grau. Contudo, pratica-se, com predomínio, a democracia digital de primeiro grau, aquela com característica “informativa”, com presença de informações genéricas e institucionais, notícias sobre a administração pública, presença de legislação, possibilidade de emissão de documentos oficiais, dentre outros.


Quanto ao segundo e terceiro graus, é possível afirmar que em várias cidades não possuem sequer a existência estruturada nos seus portais.


Os portais que possuíam característica de democracia de segundo grau possuíam ouvidorias voltadas a receber opinião pública, porém não publicadas estas opiniões, existência de informações no portal sobre infra-estrutura tecnológica, que propicie acesso e uso das TICs pelo usuário, voltada para a sondagem de opinião dos munícipes Ou seja, uma análise empírica demonstra que o segundo grau existe basicamente em função da disponibilização no portal de ferramenta voltada para receber críticas, reclamações ou sugestões sem que estas sejam publicadas no portal. Não há sistemas avançados de coleta de dados que possam tornar esta coleta mais bem estruturada; não há sondagens temáticas nem do tipo discursiva.


Já no caso do terceiro grau, o elemento que sustenta sua existência é fundamentalmente a disponibilidade de balanços financeiros e documentos de arrecadação fiscal, sendo que foram encontradas nos portais, ferramentas virtuais que possibilitam o acompanhamento financeiro dos Governos, através de balancetes e prestação de contas de entradas e saídas, mas se percebe que esta disponibilização não é acompanhada de mecanismos que facilitem a compreensão do cidadão por serem altamente técnicos.


Pode-se constatar, infelizmente, que a democracia de terceiro grau nos portais das capitais brasileiras ocorre, de modo geral, sustentada pelo mecanismo constitucional obrigatório de prestação de contas e não por um projeto de governo preocupado claramente com a transparência.


Aqui, oportuno se faz analisar a ausência do quarto e quinto graus nos portais das capitais brasileiras. Não há elementos tipificadores destes dois graus.


Especificamente em relação ao quarto grau, é possível encontrar, de modo bem isolado, informações sobre processos de deliberação através do chamado Orçamento Participativo. Porém, não há referências sobre a utilização das TICs ou da internet como meio de comunicação para viabilizar a participação neste mecanismo deliberacionista. Isso leva a crer que, embora haja práticas de deliberação pública na cultura política de alguns governos, as potencialidades das TICs (neste caso, a internet) não estão sendo empregadas atualmente no Brasil para este fim.


Em relação ao quinto grau, não há referência, ainda que textual, sobre elemento ou tema que possa ser vinculado às suas características. Esta ausência tão absoluta demonstra que a visão de democracia direta através do emprego das TICs, não ganhou força nos governos das capitais brasileiras. Pelo menos, ainda não está repercutindo nos portais verificados, nem mesmo a título de discurso.


Outro aspecto que deve ser observado diz respeito à precariedade de informações sobre inclusão digital. Além disso, não foram encontrados “espaços públicos” do tipo fóruns on-line ou mural de críticas, onde o cidadão possa enviar, ler e comentar as críticas dos seus pares, de forma a possibilitar um grau potencialmente maior de intervenção dialógica da opinião pública, na busca de maior transparência dos atos administrativos


Diante do exposto, conclui-se que governo eletrônico é um conceito novo que não pode ser entendido como uma simples idéia de um governo informatizado, mas como um Estado aberto e ágil para atender as necessidades da sociedade. Daí a importância de se utilizar as Tecnologias da informação e comunicação para ampliar a cidadania, a transparência e a participação dos cidadãos. Neste sentido, é que as diretrizes e os princípios estratégicos de implementação da política de governo eletrônico, surgem como normas e recomendações técnicas para a melhor administração dos sites governamentais, de maneira que, se enquadrem dentro da filosofia do e-government, sempre focados nas necessidades dos cidadãos.


9. Das vantagens e limites da democracia digital:


A democracia digital como experiência tem o objetivo de assegurar a participação do público nos processos de produção de decisão política, e, como já estudado, há alguns graus de participação popular proporcionados pela infra-estrutura da internet, que parecem satisfazer diferentes compreensões da democracia. Acha-se que a democracia deliberativa habermasiana seria a que proporcionaria uma decisão política legitimada pelo povo que dela participou. A discussão é importante, pois no Brasil o povo ainda não se mostra totalmente engajado e preparado para uma efetiva participação democrática de forma direta, como é o ideal da democracia deliberativa digital.


Resta examinar os graus inspirados nas idéias de esfera pública e democracia deliberativa, na tentativa de evidenciar suas virtudes e seus limites.


Antes de tudo as virtudes, a começar pelo fato real de que, para quem tem acesso a um computador e capital cultural para empregá-lo no interior do jogo democrático, a internet é um recurso valioso para a participação política. Nesse sentido, a internet oferece numerosos meios para a expressão política e um determinado número de alternativas que podem influenciar os agentes da esfera política. Por isso mesmo, o Governo Eletrônico tem nos seus dispositivos um repertório de instrumentos para que os cidadãos se tornem politicamente ativo, o que promoveria uma reestruturação, em larga escala, dos negócios públicos e conectaria governos e cidadãos.


Dessa forma, a internet pode desempenhar um papel importante na realização da democracia deliberativa, assegurando aos interessados a possibilidade de participar do jogo democrático e deixando a disposição do cidadão duas ferramentas fundamentais: a informação política atualizada e a oportunidade de interação.


Além disso, a interatividade promoveria o uso de plebiscitos eletrônicos, permitindo sondagens, referendos instantâneos e o voto realizado da casa do eleitor. Com a internet, adquirir e disseminar informação política on-line tornou-se rápido, fácil, barato e conveniente (Baber, 2003). A informação disponível na internet é freqüentemente desprovida das coações dos meios industriais de comunicação, o que significa que, em geral, não é distorcida ou alterada para servir a interesses particulares, nem a forças do campo político nem à indústria da informação.


Noutro giro, há perspectivas utópicas afirmando que uma comunicação política mediada pela internet deveria facilitar uma democracia de base (grassroots) e ainda reuniria os povos do mundo numa comunidade política sem fronteiras. Entretanto, a fase entusiasmada da literatura que acreditava na idéia que a internet resolveria todos os problemas da comunicação política passou e começa-se a destacar as insuficiências dessa infra-estrutura (Wilhelm, 2000).


Não se pode esquecer que os públicos da Internet foram em geral expandidos de forma a incluir, por exemplo, mulheres e diferentes classes sociais. Todavia, mesmo nas democracias liberais mais arraigadas temos um problema da participação civil na decisão política relacionado ao sistema social, onde o público não importa ou importa pouco com a produção da decisão política (PAPACHARISSI, 2002, p. 18).  


Não resta dúvida quanto ao fato de a internet proporcionar instrumentos e alternativas de participação política civil. Todavia, apenas o acesso à internet não é capaz de assegurar o incremento da atividade política, menos ainda da atividade política argumentativa. Pesquisas empíricas sobre comunicação política por meio da internet demonstram que as discussões políticas on-line, embora permitam ampla participação, são dominadas por uns poucos, do mesmo modo que as discussões políticas em geral. Ou seja, apesar das enormes vantagens aí contidas, a comunicação on-line não garante instantaneamente uma esfera de discussão pública justa, representativa, relevante, efetiva e igualitária. Na internet ou “fora” dela, é livre opinar, mas se deve exercer a opinião. Nesta esteira, Gomes (2005, p.221):


“Além disso, com o predomínio de democracias digitais de primeiro grau, os sites partidários são em geral meios de expressão de mão única, e os sites governamentais se constituem como meios de delivery dos serviços públicos. Faltam nestes ambientes espaços para outras formas de acolhimento da opinião do público, que atinjam os destinatários finais, aqueles produtores de decisão política. Daí se por um lado, a internet permite que eleitores forneçam aos políticos feedbacks diretos a questões que eles apresentam, independentemente dos meios industriais de comunicação, por outro lado, não garantem que este retorno possa eventualmente influenciar a decisão política. Na verdade, pesquisas sugerem que a esfera política virtual de alguma maneira reflete a política tradicional, servindo simplesmente como um espaço adicional para a expressão da política mais do que como um reformador radical do pensamento e das estruturas políticas. […] nem toda informação política na internet é democrática, liberal ou promove democracia. A mesma possibilidade de anonimato que protege a liberdade política contra o controle de governos tirânicos e o controle das corporações é reforço considerável para conteúdos e práticas tirânicas, racistas, discriminatórias e antidemocráticas na internet.”


O autor quer dizer que quem tem acesso à informação on-line, pode gerenciá-la e, pode produzi-la, estando equipado com ferramentas adicionais para ser um cidadão mais ativo e um participante da esfera pública. Em compensação, as tecnologias tornam a participação na esfera política mais confortável e acessível, mas não a garantem.


Certo é que os meios, os instrumentos e as ferramentas que constituem a internet são apenas mais um recurso dentre os dispositivos sociais da prática política, que para Gomes (2005, p. 221) “ainda novo, ainda pouco experimentado, ainda em teste”.


Contudo, não se concorda com tal posição, vez que a internet já se encontra disseminada entre nós repleta de inéditas oportunidades de participação na esfera política. O que ainda falta disseminar entre o povo brasileiro é incutir uma cultura de participação política no cidadão.


10. Considerações Finais:


A democracia digital refere-se em geral às possibilidades de extensão das oportunidades democráticas instauradas pela infra-estrutura tecnológica das redes de computadores e se apresenta como uma oportunidade de superação das deficiências do estágio atual da democracia. Parte-se da percepção de que as instituições, os atores e as práticas políticas nas democracias representativas estão em crise, sobretudo em função da fraca participação política dos cidadãos e da separação nítida e seca entre a esfera civil e a esfera política.


A alternativa histórica à democracia representativa seria a democracia direta, vencida por inadequada às sociedades de massa e à complexidade do Estado contemporâneo – que exige profissionalismo (isto é, dedicação exclusiva, formação e competência) de quem governa e de quem legisla.


A introdução de uma nova infra-estrutura tecnológica, entretanto, faz ressurgir fortemente as esperanças de modelos alternativos de democracia, que implementem uma terceira via entre a democracia representativa e a democracia direta. Este modelo gira ao redor da idéia de democracia participativa e, nos últimos dez anos, na forma da democracia deliberativa, para a qual a internet é, decididamente, uma inspiração. A democracia digital se apresenta como uma alternativa para a implantação de uma nova experiência democrática fundada numa nova noção de democracia.


A questão ainda não respondida é se tal deliberação produz precisamente algum efeito na produção da decisão política do Estado. Questiona-se, portanto, a legitimidade das decisões políticas em face desta participação digital. A rigor, em parte considerável dos casos trata-se de uma esfera pública não-deliberativa ou simplesmente daquilo que podemos chamar de conversação civil, quando a reivindicação da democracia forte seria uma esfera pública deliberativa civil.


Construir e manter canais de interatividade que explorem o potencial das novas tecnologias para o aperfeiçoamento de processos de gestão é um dos maiores desafios dos governos democráticos da atualidade. Daí o surgimento do projeto “Governo Eletrônico”. Subjacente à busca por meios de utilização inteligente da internet, o Governo deveria efetivamente viabilizar que as decisões políticas sejam tomadas através de uma participação da sociedade de forma deliberativa, a fim de obter uma decisão legítima. Para tanto, seriam necessários instrumentos como consultas públicas online, fóruns virtuais e outros meios de envolvimento dos cidadãos com a política pela rede. São ações que tendem a diminuir eventuais resistências às novas circunstâncias virtuais, visando a obter ganhos de eficiência na gestão pública.


Como se viu, a democracia digital apresenta cinco graus que possibilitam a participação da sociedade na vida política do Governo. Entende-se que o grau ideal é representado pela democracia deliberativa habermasiana, haja vista ser o modelo que defende a participação do cidadão através da deliberação na comunicação mediada por computadores, compreendendo-a como debate ou entendendo-a como produção de decisão argumentada e discutida.


Certo é que em todos os modelos de democracia digital, a experiência da internet é vista, ao mesmo tempo, como instrumento de participação política protagonizada pela esfera civil e como meio para a participação popular na vida pública.


A informação é uma necessidade social e substancial para a democracia, ao promover o intercâmbio de idéias, permitir a formação de opinião pública livre, defender a parte essencial dos direitos políticos de participação e de exercer um controle frente às autoridades públicas. Uma importante questão que se apresenta são os efeitos dos meios de comunicação para a democracia. Estes meios parecem estar suplantando as atividades políticas, liderando as relações entre os cidadãos e o Estado e envolvendo-se em todas as questões cruciais que circundam os interesses públicos. Assim, é importante observar até que ponto os meios de comunicação podem substituir o papel desempenhado pelos partidos políticos.


Após apresentar uma breve abordagem do tema “Governo Eletrônico” percebeu-se que o projeto tem fundamentos, diretrizes e funções louváveis, que tendem a possibilitar a inserção do cidadão nas ferramentas digitais capazes de legitimar as decisões políticas do país. Entretanto, ao verificar a efetividade do programa nos Estados e Municípios brasileiros, chega-se a conclusão de que, em nível de participação da democracia digital em graus, o Brasil pratica predominantemente o primeiro grau da democracia, aquele basicamente informativo, tendo apenas algumas passagens que se referem ao segundo e terceiro grau da democracia digital.


O cidadão deve estar apto para exercer a cidadania através da democracia como um todo, inclusive a digital. Parece que as pessoas, ainda estão pouco disponíveis para a participação nas suas instâncias de produção da decisão política. Nesse sentido, talvez nem toda a debilidade de participação política contemporânea se explique em termos de dificuldade de acesso, raridade de meios e escassez de oportunidades. A abundância de meios e chances não formará, per se, uma cultura da participação política. Isso não quer dizer, por outro lado, que não se devam explorar ao extremo todas as possibilidades democráticas que a internet comporta.


Com efeito, a internet criou oportunidade para os diversos grupos das sociedades participarem e se inserirem em discussões globais emergentes, o Governo Eletrônico criou diretrizes de participação na democracia digital, mas o povo brasileiro precisa se mobilizar e participar efetivamente exercitando sua cidadania e chamando para si a responsabilidade de criar um mundo melhor, condizente com o Estado Democrático de Direito que vivemos.


 


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Notas:

[1] Praça das antigas cidades gregas, na qual se fazia o mercado e onde se reuniam, muitas vezes, as assembléias do povo. A ágora, na cidade grega, fazia o papel do Parlamento nos tempos modernos.

[2] A democracia grega, assim como a romana, era uma democracia de proprietários de terras e de escravos, pois só estes poderiam participar na ágora.

[3] Democracia digital não é um termo exato porque sugere, à primeira vista, uma falsa idéia de uma nova forma de democracia. Porém, é útil atualmente para se referir ao conjunto de discursos, teorizações e experimentações que empregam as TICs para mediar relações políticas, tendo em vista as possibilidades de participação democrática nos sistemas políticos contemporâneos (e não para denominar, a princípio, uma prática democrática radicalmente inovadora).

[4] A expressão mais usada em língua inglesa é “e-democracy”, que, apesar de cunhada apenas em 1994. Todavia, antes deste ano, a expressão predileta era “teledemocracy”, que incluía não apenas a internet, mas a utopia da tv a cabo como terra prometida da democracia. A concorrente mais séria de “e-democracy” hoje, entretanto, é “digital democracy”. Em língua portuguesa, porém, a expressão mais adotada é “democracia digital”,

[5] Original em inglês: “These three electronic democracy camps are distinguished by their respective understandings of democratic legitimacy. For liberal individualism, a democratic model gains legitimacy when it provides for the expression of individual interests. For communitarianism, a democratic model is legitimated by enhancement of communal spirit and values. For deliberative democracy, a democratic model is legitimated by its facilitation of rational discourse in the public sphere. All three positions can be identified within Internet-democracy rhetoric and practice”.

[6] O Orçamento Participativo ou similar é um mecanismo existente em alguns governos locais no Brasil, fundamentalmente criados pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Consiste em uma abertura administrativa que estimula a reunião de cidadãos, enquanto públicos, sistematicamente, para deliberar e decidir sobre a aplicação de recursos da prefeitura, destinada a obras ou projetos de interesse geral.

[7] Como explica Gomes, “um dos grandes fantasmas a assombrar a democracia é a idéia de governo invisível, a idéia de que o Estado estaria sob o domínio de sujeitos não-autorizados. Eis porque o público não gosta de composições secretas, montadas justamente para enclausurar a esfera política e ‘protegê-la’ do seu olhar” (GOMES, 2004a, p. 120). Importante notar que a prestação de contas também é um tipo de exposição de informação, como no primeiro grau. Porém, diferentemente deste grau mais elementar, a informação é potencialmente mais efetiva do ponto de vista da ação democrática da esfera civil porque demanda explicação e justificativa da esfera política sobre seus atos em relação aos negócios públicos. Existe aqui uma categoria de informação que gera maior controle civil sobre os atos governamentais.

[8] As linhas de ação da Sociedade da Informação no Brasil são: 1. Mercado, trabalho e oportunidade; 2. Universalização de serviços para a cidadania; 3. Educação na sociedade da informação; 4. Conteúdos e identidade cultural; 5. Governo ao alcance de todos; 6. P&D, tecnologias-chave e aplicações e 7. Infra-estrutura avançada e novos serviços.

[9] A arquitetura e-PING (Padrões de Interoperabilidade de Governo Eletrônico) define um conjunto mínimo de premissas, políticas e especificações técnicas que regulamentam a utilização da Tecnologia de Informação e Comunicação (TIC) no governo federal, estabelecendo as condições de interação com os demais Poderes e esferas de governo e com a sociedade em geral.


Informações Sobre os Autores

Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas

Professora de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Estado de Minas Gerais e Faculdades Del Rey – UNIESP. Doutoranda e Mestre em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Tutora do Conselho Nacional de Justiça – CNJ. Servidora Pública Federal do TRT MG – Assistente do Desembargador Corregedor. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Gama Filho. Especialista em Educação à distância pela PUC Minas. Especialista em Direito Público – Ciências Criminais pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus. Bacharel em Administração de Empresas e Direito pela Universidade FUMEC.

Cesar Leandro de Almeida Rabelo

Bacharel em Administração de Empresas e em Direito pela Universidade FUMEC. Especialista em Docência no Ensino Superior pela Pontifícia Universidade Católica do Estado de Minas Gerais. Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pelo CEAJUFE – Centro de estudos da área jurídica federal. Mestre em Direito Público pela Universidade FUMEC. Advogado do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade FUMEC. Professor da Fundação Comunitária de Ensino Superior de Itabira – FUNCESI, Faculdades Del Rey – UNIESP e Policia Militar de Minas Gerais.


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