Resumo: Estudo da estrutura jurídica do crime a partir de uma abordagem sintética dos seus elementos isoladamente de forma a propiciar o ponto de partida para novos e mais aprofundados questionamentos sobre a matéria.
Sumário: Introdução. Ação. Tipicidade. Antijuridicidade. Culpabilidade: dolo; culpa. Fontes de referência.
INTRODUÇÃO
No dizer de Everardo Luna, “a teoria jurídica do crime compreende o estudo do fato punível em sua estrutura e em sua manifestação” (1985, 7). Ao se estudar sua estrutura, devemos considerar o crime tanto em seu conjunto (síntese) como em seus elementos (análise). Sinteticamente, o fato punível divide-se em jurídico e injurídico. Analiticamente, em material e moral.
Partindo para o conceito formal do crime, tendo-o como um fato que a lei proíbe sob a ameaça de uma pena, decompondo-o em seus elementos constitutivos para uma análise, temos que, segundo Beling, “o crime é toda a ação tipicamente injurídica e correspondentemente culposa” (LUNA, 1968, 14), o que vai de acordo com a dogmática alemã, descrevendo-o como “ação típica, antijurídica e culpável”, isto é, o crime não existe sem que haja uma ação ou omissão, que se adéqüe ao que a lei determina como ilícito, opondo-se ao direito e com a consequente condição de impor uma pena.
Decompondo aquele conceito e se apegando aos elementos isoladamente, tentaremos desenvolver o tema, ainda que em uma forma de visão inicial da questão, como um ponto de partida para novos e mais aprofundados estudos.
AÇÃO
Sem a ação não existe o crime, é o elemento (requisito) fundamental; seu núcleo conceitual. É o seu momento principal, seja objetivo ou material.
A ação, de forma ampla, compreende a ação propriamente dita, o fazer algo – a ação positiva –, e a omissão, o deixar de fazer algo que deveria e poderia fazer – a ação negativa.
Na ação positiva há o movimento do corpo, é o fazer. Na omissão, também manifestada externamente, não há o movimento e sim sua abstenção, porém tal ação negativa também é percebida.
No direito penal a ação em sentido lato só é relevante quando ligada ao descumprimento de um dever ou de uma norma jurídica, isto é, quando há uma antijuridicidade no ato praticado, seja de forma positiva (ação) como de forma negativa (omissão). A ação deve ser típica de uma antijuridicidade.
Por esse motivo, diz-se que a ação é o requisito principal e as tipicidade e antijuridicidade requisitos elementares do crime. Sem tais elementos não há crime ou, como descreve Bruno (1967, 277), “se não existe ação, ou se esta não se apresenta como antijurídica e típica, não há crime”.
TIPICIDADE
Como visto, para que a ação seja considerada criminosa, há a necessidade de ser tipificada, agir de acordo com o tipo, ser um fato típico, ou seja, a conduta humana adequada ao que a lei determina como ilícita.
Não existe crime sem tipicidade, sem que a ação se enquadre em um tipo, o que equivale a característica da anterioridade da lei, ou seja, não há crime sem que uma lei anterior defina o ato praticado como típico (art. 1º do Código Penal).
A descrição da conduta humana, anteriormente referida, compõe-se de um núcleo central (um verbo: matar, subtrair, seduzir, etc) e de referências ao sujeito ativo (condições ou qualidades do agente), ao sujeito passivo, ao objeto material (que pode se confundir com o sujeito passivo, como por exemplo, no homicídio), ao tempo, lugar, ocasião e meios empregados. Esses elementos dão ao tipo uma discrição objetiva, tipos, conforme Asúa, ditos normais (NORONHA, 1968, 96).
Outros elementos podem existir que retiram do tipo aquela característica objetiva e descritiva. Segundo Asúa, existem os tipos anormais, compreendendo os elementos subjetivos do injusto e os normativos. Os primeiros associam-se à culpabilidade, enquanto que os últimos à antijuridicidade.
A função punitiva não está apenas na tipicidade, mas na sua combinação com a antijuridicidade. Os dois, reunidos, são requisitos elementares do crime, sendo a tipicidade o indício da antijuridicidade.
ANTIJURIDICIDADE
A partir do próprio vocábulo, a antijuridicidade é a contrariedade de uma conduta humana com o direito; ela exprime uma relação divergente entre o fato e o direito.
Sem a antijuridicidade não há crime, mesmo que haja uma ação típica.
O matar alguém é uma ação onde está, a priori, tipificado o homicídio e, consequentemente, um crime. Porém, se o faz em legítima defesa, inexiste a antijuridicidade, inexiste o crime, pois há uma norma reguladora (art. 23, II, Código Penal) declarando tal ação como juridicamente aceita, não contrária ao direito. Torna-se uma ação atípica, na sua forma absoluta.
Conclui-se, daí, que a tipicidade isoladamente não define um crime, apenas indicia o fato como antijurídico. Há indícios, não o absoluto. Talvez seja, talvez não.
Ao contrário da tipicidade, que é um juízo de fato, a antijuridicidade é um juízo de valor, é objetiva, independe das condições do autor do fato. Um homicídio é sempre ilícito, seja praticado por um agente capaz ou incapaz. Existirá diferença quanto à culpabilidade, à imputabilidade.
E, por se tratar de um juízo de valor, há que se ter em mente a pretensão de afetar um bem jurídico. Acaso não colocado em risco o bem jurídico protegido, não se tem materialmente uma ação antijurídica.
CULPABILIDADE
De acordo com o conceito dogmático, crime é a ação típica, antijurídica e culpável, de onde se deduz que além dos requisitos anteriormente tratados (tipicidade e antijuridicidade) a ação deve ser culpável.
A culpabilidade, no sentido lato, é o núcleo do tipo penal subjetivo; é a vontade culposa.
No sentido estrito, divide-se em dolo (vontade plena da ação e do resultado) e culpa (vontade viciada da ação e do resultado).
De acordo com a teoria psicológica, está imbuído de culpabilidade o indivíduo que consciente (dolo) ou inadvertidamente (culpa) pratica uma ação contrária ao direito. Já na teoria normativa, a culpabilidade é um juízo de reprovação contra o autor da ação, onde a todos compete agir segundo o direito, a norma, enquanto que o contrário leva à culpabilidade do indivíduo.
Sobre o assunto, lúcido o pensamento de Magalhães Noronha (1968, 99):
“As duas teorias operam em setores diferentes, porém não se repudiam, porque a psicológica vincula estritamente o indivíduo ao ato, enquanto a normativa refere-se à ilicitude desse proceder. Destaca-se, pois, na culpabilidade, esses dois elementos: o normativo, ligando a pessoa à ordem jurídica, e o psicológico, vinculando-o subjetivamente ao ato praticado.”
Para Brito Alves (2004, 139) a simples teoria psicológica do dolo não basta, pois a teoria normativa é que é a correta e a predominante no pensamento penal dos nossos dias.
Segundo Everardo Luna, podemos considerar, ao mesmo tempo, como pressuposto e como elemento da culpabilidade, a imputabilidade. Seria pressuposto porque sem ela não há o juízo da culpabilidade; e elemento porque é constitutiva das suas formas: dolo e culpa.
Miguel Reale Júnior (LUNA, 1985, 193) nos diz que:
“(…) a imputabilidade é, precisamente, um dos momentos da ação praticada, do crime cometido, tendo, por consequência, uma natureza dinâmica.
Ninguém se pode dizer imputável ou inimputável, a não ser quando responde pela prática de uma ação relevante para o direito penal.”
Como observado, a culpabilidade pode ser dolosa ou culposa.
Dolo
Dolo é a vontade consciente da criminalidade, da prática da conduta típica. Em tese geral, o dolo existe quando se quis o ato e suas consequências, quando se quis praticar um ato punível por lei.
De acordo com o art. 18, I, do Código Penal, “diz-se o crime doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”, ou seja, o dolo (que é a forma mais grave da culpabilidade) existe não quando o agente quer diretamente o resultado, mas também quando assume o risco de produzi-lo.
É necessária a consciência da ilicitude, pois quem atua de boa fé, crendo não haver oposição à ordem jurídica, não é punível. A exemplificar, a excludente do art. 20 do Código Penal (erro sobre elementos do tipo), onde se permite apenas a punição por crime culposo, se previsto em lei.
O dolo pode ser direto, quando o resultado delituoso corresponde à intenção do agente, ou indireto, quando o agente, tendo em vista um resultado, ocasiona, com este, outros danos que ele não previu.
A doutrina distingue, ainda, o dolo genérico do específico. Enquanto no primeiro há a vontade de praticar a conduta típica, sem qualquer finalidade especial, no segundo tem-se o complemento daquela, adicionada de uma especial finalidade.
Para fins de tipificação da conduta, o nosso ordenamento legal não distingue as modalidades do dolo, representando ele um todo que não se pode dividir, mas apenas cogitando, quando da aplicação do art. 59 do Código Penal, uma intensidade que cumpre ser apreciada para, conjuntamente com outras circunstâncias ali indicadas, determinar a periculosidade do agente e a pena aplicável ao caso concreto.
Culpa
Culpa, no magistério de Carrara, é a voluntária omissão de diligência no calcular as consequências do próprio fato, possíveis de acontecer e de serem previstas (PONTES, 1968, 38).
O Código Penal Brasileiro (art. 18, II) descreve o crime culposo “quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia”.
A doutrina reduz todas as formas de culpa a duas principais: sem previdência ou inconsciente e com previdência ou consciente. Na primeira, não há a noção do perigo da ação, mas deviam ser previstos os resultados prejudiciais; na segunda, há a noção do caráter perigoso da ação e, por falta de cuidado, pratica-a, porém sem desejar aqueles resultados prejudiciais.
A lei não reconhece gradação para a culpa, e sim de que ela resulta (Pontes, 1968, 38):
“A imprudência consiste em não ter o agente previsto a consequência que resultou de sua ação, consequência esta que ele podia e devia prever.
A negligência resulta da omissão de precauções ordenadas pela prudência, e cuja observância evitaria o acidente.
A imperícia é a falta de conhecimentos necessários para evitar o mal causado pelo agente.”
Referências bibiográficas
BRITO ALVES, R. Direito penal: parte geral. Recife: Intergraf, 2004.
BRUNO, A. Direito penal: parte geral, v. 1, 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1967.
LUNA, E. Capítulos de direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 1985.
_____. Estrutura jurídica do crime, 2. ed. Recife: UFPE, 1968.
MAGALHÃES NORONHA, E. Direito Penal: introdução e parte geral, v. I, 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1968.
NUCCI, G. S. Código penal comentado, 11. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
PONTES, R. Código penal brasileiro comentado. 6. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1968.
Informações Sobre o Autor
Marcelo do Rêgo Barros Lapenda
Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Recife UFPE e pós-graduado em Direito Civil e Processual Civil pela Faculdade Maurício de Nassau; Técnico Judiciário do Tribunal Regional Federal da 5 Região