Resumo: Comentamos neste breve ensaio, a discussão em torno dos interesses da sociedade empresária. Para isso estampamos indagações sobre quais interesses devem ser considerados prioritariamente, de maneira que confrontamos de um lado os interesses dos shareholders (acionistas) ou proprietários da empresa, versus os interesses dos stakeholders (trabalhadores, credores, clientes, consumidores, comunidade, e de todo e qualquer sujeito economicamente ligado às condutas da empresa). Assim, na reflexão a seguir, foram abordadas as teorias institucionalistas e contratualistas, as concepções anglo-saxônicas do shareholder value e stakeholder value, bem como legislações comparadas da Europa e América do Sul, até passarmos muito rapidamente por concepções da Responsabilidade Social da Empresa (RSE) do seio da União Europeia. Como paradigma legal do presente trabalho, pautamo-nos nas normativas do direito empresarial lusitano.
Palavras-chaves: Interesse social; stakeholders; responsabilidade social da empresa, institucionalismo; contratualismo.
Resumen: Comentamos en este sucinto esbozo, la discusión al rededor de los intereses de la sociedad mercantil. Por ello, indagamos cuales son los intereses que deben de ser considerados con prioridad, por lo que confrontamos de una parte los intereses de los shareholders (accionistas) o propietarios de la empresa, versus los intereses de los stakeholders (trabajadores, acreedores, clientes, consumidores, comunidad y de todo y cualquier sujeto vinculado económicamente a las conductas de la empresa). De ser así, en la reflexión que sigue, se ha tratado de las teorías institucionalistas y contratualistas, las concepciones anglosajonas del shareholder value y stakeholder value, así como legislaciones comparadas de Europa y Sudamérica, hasta pasarnos muy prontamente por las concepciones de la Responsabilidad Social de la Empresa (RSE) del seno de la Unión Europea. Como paradigma legal de la presente labor, hacemos referencia a las normativas del derecho mercantil portugués.
Palabras claves: Interés social; stakeholders, responsabilidad social de la empresa; institucionalismo; contratualismo.
1. Da teoria contratualista e institucionalista aos interesses dos shareholders e stakeholders
O estudo a respeito do interesse social é discutido com bastante amplitude entre a doutrina[1].
Tradicionalmente o interesse social é confrontado pelas chamadas teorias contratualistas e institucionalistas. Basicamente, para os contratualistas, o interesse da sociedade é a comunhão de interesses comuns dos sócios enquanto sujeitos com os mesmo fins (lucrar com a sociedade), os sócios são apresentados como titulares do interesse social. Ao revés, para os institucionalistas o interesse social vem a ser um interesse comum não com exclusividade dos sócios, mas também com relevância aos interesses dos trabalhadores, dos credores, clientes, ou aqueles que de certa maneira tem algum tipo de relacionamento econômico com a sociedade, até mesmo o interesse geral ou público pode ser considerado. Fala-se também das concepções econômicas e jurídicas dos interesses perseguidos pelas sociedades empresárias, como por exemplo as teses monísticas – identificando o interesse da empresa e dos sócios; das teses dualísticas – uma espécie de cogestão com participação dos trabalhadores e de seus interesses introduzidos na sociedade, bem como da tese pluralista – onde tenta-se incutir na empresa o interesse público.
No final da década de 80 e, sobretudo, 90 do século XX, apareceu no cenário jurídico norte-americano e depois com reflexos em vários países, a concepção dos sistemas finalísticos da maximização do lucro (wealth maximization), que traduziu-se na vitória da teoria monística, tendo em conta que por esta teoria preconizava-se a valorização da sociedade como instrumento de interesse máximo dos acionistas (a sociedade serve aos interesses dos acionistas). Reconduziu-se, dessa forma, o interesse da sociedade aos interesses dos sócios, a concepção ficou conhecida como shareholder value approach. Dá para se dizer que a perspetiva monística triunfou, até porque os mercados de capitais e a globalização teoricamente (e historicamente) valorizam os detentores dos meios de produção e, pressionam para a adoção generalizada da concepção do shareholder value. Mesmo porque não raro, vê-se que os despedimentos em massa de grandes empresas faz seguir o aumento da cotação das ações destas na bolsa de valores. Com efeito, as teses dualísticas e pluralistas continuam a surtir efeito. Opera-se que a concepção do shareholder value vem perdendo terreno para a do stakeholder value, o que se quer dizer pela última é que outros interesses para além dos acionistas, devem ser levados em consideração[2]. Ministra-se disto, que, o contratualismo e o institucionalismo continuam visíveis, mas com uma nova roupagem.
1.1. O institucionalismo na atualidade portuguesa
No moderno direito das sociedades de Portugal foi incorporado certo institucionalismo (moderado) no âmbito dos deveres dos administradores, a partir da constituição do Código das Sociedades Comerciais (CSC) pela Lei 262/1986, de 2 de setembro, ocasião em que se prescrevia o seguinte texto: os administradores “…devem actuar com diligência de um gestor criterioso e ordenado no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores”. Contudo, mais recentemente após a reforma do CSC pelo Decreto-Lei 76-A/2006, de 29 de março, alterou-se o artigo 64.º, n.º 1, alínea b, que passou a assinalar certos valores do institucionalismo com mais incisão, constando que os administradores devem observar “Os deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo os interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores”.
2. Interesse social – da sociedade empresária – e a posição dos sócios
Em anotação, o emérito doutrinador MENEZES CORDEIRO estampa a seguinte consideração: «em sentido subjectivo, o interesse traduz uma relação de apetência entre o sujeito considerado e as realidades que ele considere aptas para satisfazer as suas necessidades ou os seus desejos; em sentido objectivo, interesse traduz a relação entre o sujeito com necessidades e os bens aptos a satisfazê-las»[3]. Entende-se, portanto, no âmbito societário, que o interesse social há-de ser, frise-se, interesse comum dos sócios (enquanto sócios).
Ora bem, numa mesma sociedade, alguns sócios terão normalmente interesses divergentes dos de outros sócios, evidentemente quando da tomada de decisões, das deliberações sociais, etc.. Salienta-se, no entanto, que o interesse social não é este interesse egoísta dos sócios (enquanto sócios), caracterizado geralmente pela divergência de posições ideológicas, estratégicas ou de mercado. Mas, sobretudo, o interesse social é feito da comunidade de interesses dos sócios. Mas não de qualquer comunidade, como assinala COUTINHO DE ABREU (2007, p. 35): «ela só é qualificável como interesse social quando se ligue à causa comum do acto constituinte da sociedade – que é, em regra (sabemos já), o escopo lucrativo (todo e qualquer sócio pretende lucrar participando na sociedade); qualquer outro interesse colectivo ou comum de que sejam titulares os sócios já não merece tal qualificação». O princípio deste raciocínio reside no contrato de sociedade, que tem por seu turno o fim da lucratividade da organização empresarial, e esta como ultima ratio: a divisão dos lucros aos investidores. Compreende-se, assim, no interesse social, como denominador comum “necessidade” a obtenção do maior lucro por parte de todos os sócios, sendo próprio da essência do contrato de sociedade. NICOLA JAEGER, referia-se que ver no interesse social uma entidade imutável, é confundir esse interesse com a causa ou o fim do contrato de sociedade. Quando esta causa, ao contrário, deve ser entendida apenas como o critério fundamental para, em cada caso concreto, se individualizar de modo objetivo o interesse social[4].
COUTINHO DE ABREU designa o interesse social como “a relação entre a necessidade de todo o sócio enquanto tal na consecução de lucro e o meio julgado apto a satisfazê-la”[5]. Já CATARINA SERRA se refere antes de mais, que em geral, o interesse é definido como aquilo que está de permeio (quod inter est) – entre um sujeito/grupo de sujeitos e o(s) objeto(s) apto(s) para satisfazer as suas necessidades ( 2010, p.158).
Porém fica a pergunta: o interesse social serve a quais interesses? Aos interesses dos sócios – shareholders? ou aos interesses dos terceiros, sujeitos vinculados economicamente à sociedade – os stakeholders?
2.1. O interesse social na atuação dos administradores
Voltando à norma do n.º 1, do artigo 64.º do CSC, nota-se a evolução do instituto do interesse social. Antes da reforma do DL n.ª 76-A/2006, de 29 de Março, dizia-se que “[os] gerentes, administradores ou directores de uma sociedade devem actuar […] no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores”. Sem embargo, atualmente o diploma legal refere-se que os administradores devem observar “deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores”. Com a (nova) norma estendeu-se os deveres dos administradores e, inexoravelmente a esfera de irradiação do interesse social. Nesse sentido, CATARINA SERRA considera que «é visível que houve um alargamento da esfera de interesses que os gestores devem ter em consideração (se é para o efeito de os atender ou não, ver-se-á adiante): presentemente, eles são, além dos interesses dos sócios e dos trabalhadores, também os interesses dos clientes, dos fornecedores, dos credores e de quaisquer outros sujeitos que sejam susceptíveis de influenciar ou afectar a actividade da sociedade e / ou de ser afectados por ela, ou seja, dos “stakeholders”» (2010, p. 160).
Ocorre que a norma do artigo 64.º, n.º1, b, do CSC, onde analisamos o interesse social, precede de um mandamento legal específico à conduta dos administradores: o dever de lealdade[6]. Os administradores, na sua gênese, devem perseguir o fim destinado à sociedade: referimo-nos ao lucro. Porém, não se pode atuar indiscriminadamente, e dentre as “normas princípios” a que se vinculam, encontra-se o dever de lealdade. Mas este dever de lealdade se refere ao dever dos administradores face aos sócios ou face à sociedade? Ou ainda, é um dever para com os stakeholders?
Como nos reportamos acima, o interesse social amiúde está relacionado ao interesse patrimonial dos sócios, logicamente pelo critério do risco empresarial assumido pelos investidores. Os sócios são, portanto, “proprietários” da empresa e de que são eles quem, através da sociedade, estabelece uma relação contratual com os administradores. Seguidamente, no mesmo raciocínio, não haverá dúvidas de que os administradores deverão, no exercício de suas funções, prosseguir o interesse da sociedade: diga-se, o interesse comum dos sócios. Assim, podemos ministrar da leitura da lei que o dever de lealdade dos administradores é com relação à sociedade como tal. Os gestores passarão a ter, em primeira linha, o dever de tentar adotar a solução que melhor compatibilize todos os interesses em confronto e, como esta será em princípio difícil de alcançar, subsidiariamente, o dever de ponderar bem os interesses, de forma a evitar, em última instância, que a satisfação dos interesses dos sócios (que se mantêm os interesses prevalentes) seja perseguida para lá daquilo que é razoável ou eticamente admissível ou, por outras palavras, seja obtida com o sacrifício intolerável, desnecessário ou desproporcionado de algum dos interesses dos outros grupos de sujeitos (SERRA, 2010, p. 165). O interesse dos sócios – diga-se na sua forma individualizada -, não deverá ser atendível, mas sim o interesse social (interesse comum dos sócios), tampouco, vê-se, que o interesse dos stakeholders são garantidos na norma como expressão do dever de lealdade, mas percebe-se o seu escopo residual, pautado na eticidade empresarial.
Acresce ainda nos apontamentos de CATARINA SERRA, «tanto quanto se pode perceber, o interesse da sociedade propriamente dito não sofreu alterações: não passou a ser uma “conjugação dos interesses dos sócios e de outros sujeitos ligados à sociedade” (COUTINHO DE ABREU, 2007, p. 43; 2009, p. 304, grifo do autor), continua a ser o interesse comum dos sócios nos termos antes descritos. O que se alterou foi o modo (o percurso, o procedimento) de satisfação do interesse social: esta deve agora ser mitigada pela necessidade de salvaguardar os interesses dos stakeholders, de os promover ou mesmo, em alguns casos, de prover à sua satisfação (apud SERRA, 2010, p.166).
No que tange aos sócios na expressão da alínea b, do n.º 1, do artigo 64.º: “interesses de longo prazo dos sócios”, tem o sentido de caracterizar a autonomização dos interesses sociais[7] e cuja relevância primária é o interesse da sociedade. Um significado que poderá ser extraído desta expressão e cujo interesse social é resguardado tem conotação à estabilidade dos sócios na capitalização da empresa. O “interesse de longo prazo dos sócios” nada mais é do que o interesse social objetivando a sustentabilidade da organização do capital. Pois como é corriqueiro ver-se investidores esporádicos investindo principalmente em empresas que operam nos mercados de capitais, e compram ações “em baixa” para as venderem “em alta”. Estes investidores, que juridicamente são sócios, mesmo que num lapso temporal relativamente curto, não atendem ao “interesse de longo prazo” dos sócios – diga-se da sociedade e, portanto, não são abrangidos ao efeito do interesse social (enquanto sociedade, pois buscam a concretização de interesses imediatos), logo pelo fato de faltar-lhes estabilidade[8].
Para se reafirmar o efeito da aplicação do interesse social e suas aspirações do artigo 64.º, 1.º, alínea b, podemos mencionar a seguinte reflexão de CATARINA SERRA que se encaixa no que fora estudado: «Segundo se pensa, o objectivo da parte final da al. b) do n.ª 1 do art. 64.ª do CSC é o de sensibilizar o gestor para a circunstância de a sociedade se integrar na comunidade e de lhe incutir a ideia de que, por isso mesmo, deve estar atento aos interesses dos stakeholders e, sempre que isso não implique um prejuízo desrazoável ou desproporcionado para o interesse social, esforçar-se por realizá-los para lá dos limites (mínimos) exigidos pela lei. Em conformidade com isto, o gerente ou administrador de uma sociedade deve adquirir novas preocupações – com a legitimidade do exercício da empresa, com o profissionalismo e a competência no exercício das suas funções, com a integridade da sua conduta, com a justiça das suas decisões» (2010, p. 167).
Da explicitação fica a seguinte indagação: a que sanções ficam sujeitos os administradores, na sua atuação, não ponderarem os interesses dos stakeholders? Como visto logo acima, a norma do artigo 64.º, n.º 1, b, do CSC português tem um caráter ético-empresarial[9] de reprovabilidade, o que representa no âmbito jurídico a ausência de sanções. COUTINHO DE ABREU (2007, p.39) chega a considerar que as formulações desta norma contém em grande medida, quanto aos interesses dos não sócios, expressão de retórica normativa balofa e potencialmente desresponsabilizadora dos administradores.
Com efeito, quanto aos interesses dos trabalhadores, principalmente os respeitantes à conservação dos postos de trabalho, a remunerações satisfatórias, às condições dignas de trabalho (higiene segurança, organização do processo produtivo, etc.) bem como os ligados a organizações sociais (v.g. disponibilidade de infantários para os filhos dos trabalhadores), são amplamente considerados desde a sua matriz no direito do trabalho (o que não se quer dizer que basta seguir estas normas juslaborais para que o “dever de conduta” seja cumprido, pois as normas trabalhistas não regulam tudo que se refere à prestação de trabalho subordinado – há um espaço de discricionariedade por parte dos administradores –, espaço este que deve ser preenchido segundo os interesses dos trabalhadores do art. 64.º, n.º 1). No entanto, por outro lado no que concerne à proteção dos interesses dos trabalhadores na participação da gestão social, não há qualquer menção normativa que considere tal questão, o que gera a inexistência de sanções eficazes. Nessa perspetiva COUTINHO DE ABREU (2007) pensa que a norma do artigo 64.º, n.º 1, do CSC, é, no respeitante aos interesses dos trabalhadores, uma norma de “conteúdo positivo quase nulo”. Salientamos, contudo, a observação de CATARINA SERRA (2010, p. 170): “mas, em primeiro lugar, como é sabido, a ausência de sanções não é impeditiva da vinculatividade. Um comportamento pode ser devido e a sua inobservância censurável apesar de não ser juridicamente sancionado”.
Outro elemento eficaz para a ponderação dos interesses dos stakeholders são os códigos de condutas que recaem sobre os órgãos de administração, geralmente condicionantes à prestação anual de contas por parte dos administradores aos sócios sobre determinadas matérias. Estes são instrumentos do corporate governance (governança corporativa – Brasil, governo das sociedades – Portugal), que visam a transparência das ações dos órgãos executivos.
3. Direito Comparado
Em leis alienígenas já se admitia o abstratividade do interesse social, tal como a Lei de Sociedades Anônimas brasileira, no artigo 154 da LSA de 1976: “o administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa” (grifei). Nota-se que a LSA brasileira já trazia no seu texto concepções do contratualismo (interesse da companhia) e do institucionalismo (função social da empresa), estas duas concepções podem levar a roupagem do shareholder value e stakeholder value, respectivamente. No Companies Act britânico de 2006, a seção 172 com a epígrafe “duty to promete the succes of the company” refere no n.º 1: “Um administrador de sociedade deve atuar no modo que ele considera, de boa fé, ser o mais apropriado para promover o êxito da sociedade para benefício dos seus membros como um todo, e assim fazendo ter em consideração:” […] – seguem-se seis alíneas –, na alínea b) tem-se “os interesses dos trabalhadores da sociedade” e na alínea d) “o impacto das operações da sociedade na comunidade e no ambiente”[10]. Por referência podemos mencionar o § 70 (1) da AktG austríaca: os administradores devem atuar tomando em conta os iteresses dos sócios e dos trabalhadores e o interesse geral[11]. Por seu turno, a LSA (Ley de Sociedades Anónimas) de Espanha, após a reforma de 2003 (Ley 26/2003 de 17 de julio), foi incorporado o artigo 127 bis que traduz nos mesmos moldes, os efeitos ora do shareholder value ora do stakeholder value quando diz: “Los administradores deberán cumplir los deberes impuestos por las leyes y los estatutos con fidelidad al interés social, entendido como interés de la sociedad.[12]”. No Chile o número 7 do artigo 42, da Lei 18.046, Ley de Sociedades Anónimas, atualmente em vigor, estabelece o interesse social vinculado ao dever de lealdade dos administradores, em termos gerais: “Los directores no podrán: 7) En general, practicar actos ilegales o contrarios a los estatutos o al interés social o usar de su cargo para obtener ventajas indebidas para sí o para terceros relacionados en perjuicio del interés social”[13].
Pelo visto são muitas as legislações que sustentam deverem os administradores atender a interesses dos stakeholders.
4. A relação entre o interesse social e Responsabilidade Social das Empresas (RSE)
Depois de exposto o significado, diríamos, epistemológico do interesse social (designadamente com relação aos trabalhadores), merece neste momento, a consideração do estímulo à tomada de decisões e às práticas de atos socialmente responsáveis por parte dos administradores, ou seja, em síntese, cabe instigar a promoção da Responsabilidade Social da Empresas (RSE). De fato, o sucesso econômico das empresas já não depende exclusivamente de estratégias de maximização de lucros a curto prazo, mas igualmente de uma tomada em consideração de objetivos sociais e ambientais, também no interesse dos consumidores, trabalhadores e dos demais stakeholders. Evidentemente que a esfera do interesse social ulltrapassa aos interesses exclusivos dos sócios (interesses comuns, enquanto sócios), pois o interesse de longo prazo, sabe-se, aquele que combina políticas para o desenvolvimento sustentável desde o ponto de vista do meio ambiente, econômico e social, a fim de melhorar de maneira sustentável[14] o bem-estar e as condições de vida das gerações presentes e futuras, é um meta interesse, e portanto, escapa ao domínio quase exclusivo da maximização do lucro e aos interesses de curto prazo dos fundamentalistas shareholders value.
Segundo COUTINHO DE ABREU (2007, p.46), empresas “responsáveis socialmente” «são as que visam, de modo voluntário, contribuir para a coesão social-geral e o equilíbrio ecológico (para lá da tradicional finalidade egoístico-lucrativa). Isto passa, designadamente, ao nível interno (empresarial), pela melhoria da situação dos trabalhadores e por reduções na exploração de recursos naturais, nas emissões poluentes ou na produção de resíduos, e, ao nível externo, pela (maior consideração pelos interesses das comunidades locais (onde as empresas operam), dos parceiros comerciais, fornecedores, clientes, etc». O retrocitado autor observa que o “interesse social” no modelo institucionalista é distinto da “responsabilidade social”, pois pelo último não parece haver um dever jurídico (dos administradores) das sociedades, mas tem a conotação de um compromisso voluntariamente assumido pela empresa. Acresce ainda que este “compromisso voluntário” assumido não o é feito de modo espontâneo, mas é suportado por “pressão exterior” (como o caso de empresas gigantescas do “primeiro mundo” que exploram trabalho infantil no “terceiro mundo” e só passam a “empresas cidadãs – RSE – quando o fato é denunciado [sobretudo por ONG's]). Contudo, aquelas empresas que se utilizam das boas práticas de atos socialmente responsáveis, conseguem maior empenho dos seus trabalhadores, melhor visibilidade enquanto à competitividade, melhor imagem junto aos seus consumidores, etc.
Falta-lhe um instrumento jurídico de sanção à RSE, assim como se verifica no “interesse social”, com efeito, como assinala MCBARNET (apud CATARINA SERRA, 2010, p. 173) «tenha-se, depois, presente que a aplicação de sanções é uma intervenção subsidiária ou de ultima ratio, que o cumprimento das normas jurídicas é, em regra e na sua essência, voluntário, que só excepcionalmente há lugar ao cumprimento forçado. Na realidade, um comportamento é devido, não porque a lei o impõe, mas, sobretudo – e antes disso –, porque é considerado como devido pela comunidade. O que equivale a dizer que o cumprimento é um acto voluntário e que há sempre possibilidade de os sujeitos se recusarem a cumprir. Mas este não é um risco próprio ou exclusivo das normas instituindo deveres em matéria de RSE nem depende directamente da perfeição da técnica normativa em cada caso. Tratando-se do Direito aplicável às empresas, ainda para mais, é um risco geral inevitável, dada a inclinação natural dos empresários para o “cumprimento criativo” (“creative compliance”)».
5. Conclusão
Do exposto, podemos retirar a seguinte síntese:
O interesse da sociedade, em regra, é o interesse comum dos shareholders, em virtude da sua condição de “proprietários” da empresa e seguidamente por visarem prosseguir o objeto social instituido no contrato de sociedade. Contudo, este interesse – pautado na maximização do lucro –, não pode ser arbitrário, isto é, pensado num círculo fechado em que o imediatismo é afigurado (interesse de curto prazo), mas outrossim, deve ser levado em consideração os interesses de longo prazo dos stakeholders visando a sustentabilidade do entorno empresarial. Neste ponto, interessante seria a participação dos trabalhadores (em representação) na gestão da sociedade, porém atualmente não há tal previsão legal, e por isso, compromete-se a eficácia sancionatória do “interesse social”, contudo, o caráter ético empresarial dado a este instituto (do art. 64.º, 1, b do CSC) não deixa de ser obsoleto, pois em situações de conflitos de interesses, a “ponderação” será utilizada como escrutínio judicial.
Referências bibliográficas
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Notas:
[1] Vide CORDEIRO, António Menezes. A responsabilidade dos administradores das sociedades comerciais.,p. 498-530. SERRA, Catarina. O novo direito das sociedades: para uma governação socialmente responsável, Scientia Juris, vol. 14, p. 155-179, Londrina, 2010. ABREU, J. M. Coutinho. Deveres de Cuidado e de Lealdade dos administradores e interesse social, Reformas do Código das Sociedades, p. 30-47; Do Abuso de Direito, p. 108-121; ABREU, J. M. Coutinho. Da empresarialidade, p. 225-243.
[2] O termo stakeholder significa as partes interessadas que de algum modo mantem um vínculo com a empresa (indivíduos ou organizações) ou que “afetam a atividade de uma empresa ou são afetados por ela”. Shareholders, do inglês, acionistas. Mas há na definição da Prof. Catarina Serra, os stakeholders contratuais: inclui-se os shareholders, trabalhadores, fornecedores, os parceiros comerciais, os clientes e credores. Acresce ainda os stakeholders coletivos, que inclui a comunidade local, as associações de cidadãos, as entidades reguladoras e o Governo (SERRA, p. 159, 2010).
[3] CORDEIRO, António Menezes. A responsabilidade… ob. Cit., p. 516-17. COUTINHO ABREU define o interesse nos seguintes termos: “o interesse é a relação entre uma pessoa, que tem uma necessidade, e o bem que essa pessoa julga apto para satisfazer tal necessidade”, Do Abuso de Direito, p. 120, Deveres de Cuidado…p. 36.
[4] Cfr. ABREU, J.M. Coutinho. Do Abuso de Direito, p. 120.
[5] Cfr. ABREU, J.M. Coutinho. Do Abuso de Direito, p. 121, e, Deveres de Cuidado…p. 37.
[6] Para melhores detalhes, vide: VEIGA, Fábio da Silva; LARANJEIRA, Amanda Lúcia Araújo. O dever de lealdade dos administradores: consequências no dever de não concorrência e não apropriação das oportunidades de negócios – sob a perspectiva do direito português, In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 87, abr 2011. Disponível em: <https://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9365 > . Acesso em jun 2012.
[7] “tudo isto deve ser autonomizado, uma vez que nada tem a ver com a lealdade” e adiante “a lealdade é-o para com a sociedade; não para accionistas ou para stakeholders” (MENEZES CORDEIRO, 2007b, p. 42, 49) apud CATARINA SERRA, 2010, p. 164, nota 27)
[8] O legislador teve como critério para resguardar o interesse de longo prazo dos sócios, a mínima estabilidade. Cfr. CATARINA SERRA, 2010, p. 165.
[9] Cfr. CATARINA SERRA (2010, p. 166): Aquilo que a norma acrescenta – ou introduz – é uma dimensão ou um critério de eticidade no universo empresarial. Os gestores passarão a ter, em primeira linha, o dever de tentar adoptar a solução que melhor compatibilize todos os interesses em confronto e, como esta será em princípio difícil de alcançar, subsidiariamente, o dever de ponderar bem os interesses, de forma a evitar, em última instância, que a satisfação dos interesses dos sócios (que se mantêm os interesses prevalentes) seja perseguida para lá daquilo que é razoável ou eticamente admissível ou, por outras palavras, seja obtida com o sacrifício intolerável, desnecessário ou desproporcionado de algum dos interesses dos outros grupos de sujeitos.
[10] Na tradução de COUTINHO DE ABREU, Deveres de Cuidado e de Lealdade dos administradores e interesse social, Reformas do Código das Sociedades, p. 38, nota 68. No original: (1) A director of a company must act in the way he considers, in good faith, would be most likely to promote the success of the company for the benefit of its members as a whole, and in doing so have regard (amongst other matters): (b) the interests of the company's employees, (d) the impact of the company's operations on the community and the environment. Disponível em: http://www.legislation.gov.uk/ukpga/2006/46/section/172 – Acesso em: 08 jun. 2012.
[11] IDEM, ibidem.
[12] Importante notar que o artigo 127 bis está sob a epígrafe “deberes de fidelidad” dos administradores, e não nos “deberes de lealdad”, que está logo abaixo no art. 127 ter. Para mais detalhes cfr. MOYA JIMÉNEZ, Antonio. La responsabilidad de los administradores de empresas insolventes, 2009, p. 54 ss. Em comentário a respeito deste artigo, COUTINHO DE ABREU, 2007, p. 39, menciona que parte da doutrina espanhola entende este artigo como de índole contratualista, outra sob a perspectiva (neo) institucionalista.
[13] Para uma leitura mais aprofundada sobre o interesse social na LSA chilena, vide DÍAZ TOLOSA, Regina Ingrid. Deber de los administradores de no competir con la sociedad anónima que administran. Revista de Derecho, vol. XX, n.º 1, p. 85-106, Santiago de Chile, 2007.
[14] Quando fala-se de sustentabilidade, quer-se dizer que o termo significa responder às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras no momento da satisfação de suas próprias necessidades. Vide Comissão das Comunidades Europeias, Livro Verde – Reexame da Estratégia em favor do Desenvolvimento Sustentável, uma plataforma de ação, Bruxelas, 13.12.2005 – [COM (2005) 658 final.
Informações Sobre o Autor
Fábio da Silva Veiga
Mestrando em Direito dos Contratos e da Empresa, pela Universidade do Minho (Braga, Portugal); Pós-graduado em Iniciação para a Formação à Docência Universitária, pela Universidade de Vigo (Espanha); Bacharel em Direito e Professor de Direito Empresarial, em iniciação, pelas Faculdades Unificadas de Foz do Iguaçu – UNIFOZ.