Resumo: A Constituição Federal de 1988 elevou o direito à saúde a condição de direito social. Esta inovação é fruto do reconhecimento da dignidade da pessoa humana como princípio-guia do sistema jurídico brasileiro. Neste diapasão o direito à saúde do trabalhador, como espécie do direito à saúde, apresenta-se como um direito fundamental cujo mínimo existencial é indicado na Constituição e deve ser garantido pelo Sistema Único de Saúde. No entanto, a instrumentalização é feito por meio dos Poderes Executivo e Legislativo que os executam por meio de políticas públicas. O Poder Judiciário interfere na política pública quando não existe lei ou ação administrativa implementando a Constituição. Desta relação de poder, a balança de peso e contrapeso pode pender para a inviabilização da existência da própria política de saúde, para o rompimento do princípio democrático ou significar a manutenção de um status quo em que poucos privilegiados têm acesso à saúde.
Palavras-chave: Sistema Único de Saúde. Políticas Públicas. Saúde do Trabalhador. Judicialização.
Resumen:La Constitución Federal de 1988 elevó el derecho a condiciones de salud de la derecha social. Esta innovación es el resultado del reconocimiento de la dignidad humana como principio rector de todo el sistema jurídico brasileño. En este campo el derecho a la salud de los trabajadores como una especie de derecho a la salud, se presenta como un derecho fundamental cuyo mínimo existencial se indica en la Constitución y como tal debe ser garantizado por el Sistema Único de Salud Sin embargo, la instrumentación se realiza por a través de los poderes ejecutivo y legislativo que se ejecutan a través de las políticas públicas. El poder judicial interfiere con el orden público, cuando no existe ninguna ley o acción administrativa la aplicación de la Constitución. Esta relación de poder, el equilibrio de peso y el equilibrio puede estar en la existencia misma de la inviabilidad de la política de salud, por la ruptura del principio democrático o significa el mantenimiento de un statu quo que pocos privilegiados tienen acceso a servicios de salud.
Palabras clave: Sistema de Salud. Políticas Públicas. Salud en el Trabajo. Judicialización.
Sumário: Introdução. 1. Trabalhador: titular do direito fundamental à saúde. 2. O Direito à Saúde e os Três Poderes. Considerações Finais. Referências.
1. Introdução
Sem dúvida alguma, uma das muitas inovações trazidas pela Constituição Republicana brasileira foi a elevação do direito à saúde a direito social. Isto reflete a opção pela dignidade da pessoa humana adotada pela nossa Carta Maior.
Com esta intenção, o direito à saúde foi acolhido nos artigos 6° e 196 a 200 da Constituição de 1988, que reconhece e prevê como deveres do Estado a prevenção, proteção e recuperação da saúde por meio da assistência gratuita – total e universal – médica, hospitalar e medicamentosa.
Antes deste marco constitucional o direito à saúde pública era restrito aos trabalhadores que contribuíam para os institutos de previdência. Neste sentido, interessante apontar que a formação das políticas sociais no Brasil remonta à era varguista. Foi Getúlio Vargas que, rompendo com o padrão de dominação liberal e oligárquica existente na República Velha, introduziu mudanças na organização do Estado brasileiro, capacitando-o a desenvolver amplas ações voltadas para promover a industrialização da economia e também a integração social (Castro, 2003, p.363).
Foi a partir deste estadista que se encontra produção legislativa e programas no âmbito social, assim como na seara da justiça trabalhista. Foi ele quem criou o IAPs (Instituto de Aposentadoria e Pensão), mais tarde, os IAPs foram unificados e formaram o INPS (Instituto Nacional de Previdência Social). Junto aos IAPs foram criados o Serviço de Assistência Médica e Domiciliar de Urgência e a Superintendência dos Serviços de Reabilitação da Previdência Social. A partir daí, todo trabalhador urbano que portasse carteira de trabalho era contribuinte e beneficiário do atendimento da rede pública de saúde. Porém, a grande maioria da população, cujo trabalho era informal, ficava excluída da proteção pública de saúde, delegando à caridade este papel (BARROSO, 2007, p.13).
Foi somente com a Assembleia Constituinte de 1987 que houve a universalização do atendimento à saúde com a criação do Sistema Único de Saúde. Conforme o artigo 196 da Constituição Federal, a saúde é direito de todos e dever do Estado, e mais, há previsão de acesso universal e igualitário. Dessa forma, o vínculo empregatício não seria mais uma barreira ao acesso à saúde pública.
Na realidade, até os dias de hoje, a positivação do direito à saúde como um direito social e fundamental para a existência digna da pessoa humana não tem sido suficiente para garanti-lo na integralidade que se propõe. Isto porque, o próprio artigo 196, já citado, dispõe que o acesso a este direito de forma universal e igualitária depende da implantação de políticas sociais e econômicas – tarefas estas do Poder Executivo e do Poder Legislativo.
Em posse do argumento legal do acesso irrestrito e total ao direito à saúde, muitos indivíduos buscam o Poder Judiciário para pleitear remédios, leitos, procedimentos cirúrgicos que não são fornecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), seja no âmbito municipal, estadual ou federal. A questão é que estes direitos não estão ao alcance de todos os sujeitos de direito previstos pela Constituição de 1988. Isto porque de alguma forma a política pública de saúde é limitada: ora pelo orçamento, ora pela má gestão, ora porque permeia relações de poder.
Neste viés, o presente trabalho se propõe a traçar algumas ideias sobre o trabalhador como titular do direito fundamental à saúde após a Constituição de 1988, e, ao final, tecer algumas considerações sobre as relações de poder que orbitam a política social de saúde.
2. Trabalhador: titular do direito fundamental à saúde
O direito do trabalhador à saúde trata-se de um direito inerente a pessoa, sem o qual a dignidade da pessoa humana estaria seriamente ameaçada. Assim, este direito é composto por um rol extenso de necessidades, entendido como o direito à saúde no sentido estrito e no que diz respeito ao ambiente de trabalho equilibrado. Neste sentido, destaca-se o papel da Organização Internacional do Trabalho, que adotou recomendações para a proteção da saúde do trabalhador (Silva, 2007, p.12).
Com fundamento nos artigos 1º, 5º, 6º, 7°, 200º, 225º da Constituição Federal, pode-se dizer que as normas que tratam da saúde do trabalhador são de ordem pública e, portanto, devem ser aplicadas de imediato diante de quaisquer circunstâncias, em respeito sempre ao paradigma maior do sistema jurídico brasileiro: a dignidade da pessoa humana. O conceito destes termos não é objetivamente delimitado, trata-se, portanto, de uma ideia cujo centro é a pessoa e por conta da sua condição humana é titular de direitos que devem ser reconhecidos e respeitados pelos outros e pelo Estado, remanescendo aí uma fundamentação metafísica da mencionada dignidade, derivada do pensamento cristão e humanista (SARLET, 2006, p.38).
Na implantação do direito à saúde do trabalhador a doutrina e jurisprudência tem insistido na catalogação de um mínimo de direitos necessários para compor o conceito da dignidade da pessoa humana. Este mínimo não deve ter interpretação restritiva e ainda deve atender dupla função: limitar a autonomia do mercado e como consequência garantir a materialização da justiça distributiva, especialmente por meio de um sistema de prestação de serviços públicos, para a satisfação das necessidades básicas da população (DELGADO, 2005, p.43).
Diante disto, a Constituição brasileira indica, em seu artigo 6° e IV do 7°, o mínimo existencial social. O artigo 6° consagrou os direitos sociais à educação, à saúde, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção da maternidade e da infância, e à assistência social aos desamparados e no inciso IV do seu art. 7º são listados a moradia dia, a alimentação, a educação, a saúde, o lazer, o vestuário, a higiene, o transporte e a previdência social. Isto vem comprovar que a saúde faz parte do conteúdo essencial da dignidade da pessoa humano, sendo assim, a sua proteção deve ser privilegiada.
A legislação constitucional nos seus artigos 200 e 225 dispõem sobre a proteção do meio ambiente e, mais especificamente, do ambiente de trabalho. A doutrina considera a inclusão da proteção do ambiente do trabalho como um dos maiores avanços para a qualidade de vida do trabalhador, pois na maioria dos casos os trabalhadores permanecem a maior parte do seu dia no ambiente de trabalho.
Dessa forma, a saúde do trabalhador deve ser pensada como um direito individual subjetivo que alcançam várias necessidades, dentre elas a que diz respeito ao direito da saúde em sentido estrito e ao meio ambiente de trabalho adequado. A saúde do trabalhador é espécie da saúde geral, e como tal deve ser amparada pelo Sistema Único de Saúde, conforme a Lei Orgânica de Saúde (Lei n°8.080/90), artigo 6°, I, c e parágrafo 3°.
3. O Direito à Saúde e os Três Poderes
Deve-se entender o Estado Democrático de Direito a partir de duas premissas: do constitucionalismo e da democracia. O Estado constitucional está atrelado à dignidade da pessoa humana e na centralidade dos direitos fundamentais. Estes incluem: a liberdade, a igualdade e o mínimo existencial, o qual corresponde às condições elementares de educação, moradia, renda, saúde, capazes de proporcionar ao cidadão condições de participação efetiva no processo político e debate público (BARROSO, 2007, p.10). Portanto, os três poderes têm o dever de efetivar os direitos fundamentais, levando em consideração este núcleo mínimo ora elencado. Aqui não se pode olvidar do mínimo existencial social em que o direito à saúde do trabalhador está inserido.
O princípio democrático se refere à soberania popular. O artigo 1° da Constituição Federal reza que todo o poder emana do povo, que o exerce diretamente ou por meio de representantes. O sistema representativo permite que periodicamente o povo eleja os seus representantes. O chefe do Poder Executivo e a maioria dos componentes do Poder Legislativos são eleitos, já o Poder Judiciário os seus membros são selecionados via concurso público, como regra. “A ideia de governo da maioria se realiza, sobretudo, no Poder Legislativo e Executivo, aos quais compete a elaboração de leis, a alocação de recursos e a formulação e execução de políticas públicas, inclusive as de educação, saúde, segurança etc”. (BARROSO, 2007, p.11)
De forma sintética pode-se dizer que constitucionalismo significa respeito aos direitos fundamentais e democracia soberania popular e governo da maioria. Mas, quando a maioria fragiliza os direitos fundamentais pode então o Poder Judiciário agir de forma legítima, o que não significará uma atuação arbitrária.
A legitimidade judicial vem a partir do movimento dos juristas brasileiros em conceder força normativa e efetividade às normas constitucionais, inclusive para os direitos sociais. Nesta seara o direito à saúde deixou de ser somente uma vontade política para ser uma exigência cobrada por juízes e tribunais. Diante desta nova perspectiva o não atendimento de um direito fundamental passou a ser pleiteada judicialmente.
O Poder Judiciário passa então a determinar à Administração Pública, no âmbito das políticas públicas de saúde, que esta cumpra com a promessa da universalização e integralidade do acesso. Na concepção positivista, o papel preponderante do Judiciário é dar efetividade à Constituição, ou seja, se há previsão, deve-se cumprir. No entanto, atualmente, há bases doutrinárias conhecidas como pós-positivistas que vão para além da previsão simplesmente legal, pois esta não dá mais conta da realidade. Esta nova tendência leva em consideração a colisão entre normas constitucionais de mesma hierarquia.
Assim, diante de decisões da Administração Pública que são válidas diante da colisão de normas de direitos fundamentais, o Judiciário deverá se curvar e respeitar as escolhas feitas. Uma vez que o embate que se levanta não é da concretização ou não do direito, mas, qual deles está mais próximo ao ideal para o caso concreto em análise.
4. Considerações finais
O não enfrentamento das questões políticas nos processos que versam sobre o acesso à saúde transforma a tutela judicial em medida paliativa, cuja função não é promover a qualidade de vida do cidadão, incluo aqui o trabalhador, mas de absorver ou anular o conflito por meio da criação de “(…)“conformismos”, na medida em que bloqueia as formas de expressão da sociedade civil que lutam pela superação da relação entre ‘governantes e governados’ ” (Costa et al, 2008, p.18), ou melhor, entre quem tem direitos e quem não tem. Neste sentido, a judicialização do direito à saúde pode perpetuar a sua negação.
Portanto, “o problema que temos diante de nós não é filosófico, mas político” (Bobbio, 1992, p. 24). Ou seja, “trata-se de saber qual é o modo mais seguro de garantir tal direito, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados” (Bobbio, 1992, p. 25).
As políticas públicas é o modo encontrado pela sociedade hodierna para “garantir acesso a bens e serviços fora do mercado” (Costa et al., 2008, p.134), como o serviço público de saúde. O cerne da questão, como bem indicou o professor Norberto Bobbio, é de cunho político. Isto porque, “as políticas sociais são resultantes de decisões políticas em cada sociedade e estão relacionadas ao modelo de desenvolvimento econômico adotado” (Costa et al., 2008, p.134).
Decisões políticas que reproduzem ideias que não privilegiam a distribuição de riquezas, a dignidade da pessoa humana, a qualidade de vida dos cidadãos, etc, significam a manutenção de posicionamentos que impedem o enfrentamento de questões tão contraditórias como a vivida por brasileiros que dependem da saúde pública.
Informações Sobre o Autor
Renata Luciane Polsaque Young Blood
Coordenadora do Curso de Direito do Centro de Ensino Superior dos Campos Gerais- Ponta Grossa. Mestranda em Ciências Sociais Aplicadas na Universidade Estadual de Ponta Grossa