Resumo: Em sede de comentários introdutórios, cuida salientar que o instituto da desapropriação indireta, enquanto fato administrativo, resta materializado quando o Estado se apropria de bem particular, sem observância dos requisitos arvorados na declaração e da indenização prévia. É verificável que, a despeito de descrita como indireta, essa modalidade expropriatória é tida como a mais direta do que a derivada da desapropriação regular. Nesta situação, o Ente Estatal atua com manu militari e, portanto, muito mais diretamente. Com realce, é situação que desperta substancial repúdio, porquanto, conforme se infere em comentários já mencionados, materializa verdadeiro esbulho da propriedade particular. Quadra evidenciar, ainda, que, em que pese o reconhecimento do instituto em comento pela doutrina e pelo entendimento jurisprudencial, fato é que a desapropriação indireta não nutre qualquer relação com os termos albergados pela Constituição Federal e diplomas infraconstitucionais. Tal fato deriva da premissa que inexiste prévia indenização, tal como reclama a Lei Fundamental, bem como o Poder Público não emite, como deveria, a necessária declaração indicativa de interesse. O Ente Estatal tem sua ação limitada a se apropriar do bem, consumando o fato.
Palavras-chaves: Desapropriação Indireta. Proteção Possessória. Estado.
Sumário: 1 Desapropriação Indireta: Ponderações Introdutórias; 2 Fundamento Jurídico da Desapropriação Indireta; 3 Proteção Possessória; 4 Ação do Desapropriado: 4.1 Caracterização; 4.2. Natureza e Legitimidade para a Ação; 4.3 Foro Competente da Ação; 4.4 Prescrição da Pretensão; 4.5 Acréscimos Indenizatórios; 4.6 Despesas Processuais; 5 Apossamento Administrativo
1 Desapropriação Indireta: Ponderações Introdutórias
Em sede de comentários introdutórios, cuida salientar que o instituto da desapropriação indireta, enquanto fato administrativo, resta materializado quando o Estado se apropria de bem particular, sem observância dos requisitos arvorados na declaração e da indenização prévia. É verificável que, a despeito de descrita como indireta, essa modalidade expropriatória é tida como a mais direta do que a derivada da desapropriação regular. Nesta situação, o Ente Estatal atua com manu militari e, portanto, muito mais diretamente. Salutar se faz pontuar, com bastante proeminência, que a hipótese de desapropriação indireta pressupõe: (i) que o Estado tome posse do imóvel declarado de utilidade pública, independentemente do processo de desapropriação, (ii) que seja dada ao respectivo bem a utilidade pública indicada pelo poder público, (iii) que seja irreversível a situação fática resultante do apossamento do bem e sua afetação[1].
Meirelles explicita que a desapropriação indireta “não passa de esbulho da propriedade particular e, como tal, não encontra apoio em lei. É situação de fato que se vai generalizando em nossos dias, mas que a ela pode opor-se o proprietário até mesmo com interditos possessórios”[2]. Com realce, é situação que desperta substancial repúdio, porquanto, conforme se infere em comentários já mencionados, materializa verdadeiro esbulho da propriedade particular. Neste sentido, inclusive, o Ministro Humberto Martins, ao relatoriar o Agravo Regimental no Agravo no Recurso Especial N° 18.092/MA, manifestou que “a desapropriação indireta pressupõe conduta positiva do ente estatal consistente no apossamento administrativo da área, caracterizando-se esbulho possessório ou ato que vise obstar o exercício da posse reivindicada pelo particular no caso de imóvel objeto de invasão”[3].
Quadra evidenciar, ainda, que, em que pese o reconhecimento do instituto em comento pela doutrina e pelo entendimento jurisprudencial[4], fato é que a desapropriação indireta não nutre qualquer relação com os termos albergados pela Constituição Federal[5] e diplomas infraconstitucionais. Tal fato deriva da premissa que inexiste prévia indenização, tal como reclama a Lei Fundamental, bem como o Poder Público não emite, como deveria, a necessária declaração indicativa de interesse. Nos dizeres de Carvalho Filho, “limita-se a apropriar-se do bem e fato consumado! Exemplo comum de desapropriação indireta tem ocorrido com a apropriação de áreas privadas para a abertura de estradas”[6].
2 Fundamento Jurídico da Desapropriação Indireta
Constitui sedimento jurídico para o instituto da desapropriação indireta o disposto no artigo 35 do Decreto-Lei N° 3.365, de 21 de junho de 1941[7], que dispõe sobre desapropriações por utilidade pública, consoante o qual, os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não poder ser objeto de reivindicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação. Ao lado disso, qualquer ação aforada pelo proprietário, no tocante à discussão do procedimento expropriatório, quando julgada procedente, resolver-se-á em perdas e danos. O dispositivo ora aludido disciplina o denominado fato consumado, no qual, em ocorrendo o fato de incorporação do bem, ao patrimônio público, mesmo se tiver sido nulo o procedimento de desapropriação, o proprietário não pode pretender o retorno do bem ao seu patrimônio. “Ora, se o fato ocorre mesmo que o processo seja nulo, pouca ou nenhuma diferença faz que não tenha havido processo. O que importa, nos dizeres da lei, é que tenha havido a incorporação”[8].
Em mesmo sentido, Meirelles arrazoa que “consumado o apossamento dos bens e integrados no domínio público, tornam-se, daí por diante, insuscetíveis de reintegração ou reivindicação”[9]. Conquanto não se revista de plena legitimidade que é imperiosa, em seara jurídica, em se considerando a presença do Poder Público, o certo é que o fato consumado em favor deste desencadeia inviabilidade de reversão à situação anterior. Em razão de o Ordenamento Brasileiro ter despojado o ex-proprietário do bem desapropriado de seu direito de reaver o bem, resta tão somente lançar mão da substituição de seu direito de reivindicar a coisa pelo de pleitear indenização em face das perdas e danos decorrentes do ato expropriante.
Sobreleva ressaltar, com bastante destaque, que a indenização justa, alocada no texto constitucional, “é aquela que corresponde real e efetivamente ao valor do bem que sofre a limitação diante da servidão instituída. Tem por fim recompor o patrimônio do particular, mas não demanda, decididamente, enriquecimento injustificado”[10]. Em consonância com as ponderações estruturadas, de bom alvitre se revelam as ponderações apresentadas pelo festejado Meirelles, em especial quando evidencia, com cores quentes e contornos bem definidos, que resta “ao particular espoliador haver a indenização correspondente, de maneira mais completa possível, inclusive a correção monetária, juros moratórios, compensatórios a contar do esbulho e honorários de advogado, por se tratar de ato caracteristicamente ilícito da Administração”[11].
Com saliência, a perda da propriedade, em razão da desapropriação indireta, rende ensejo a um sucedâneo de efeitos. Dentre estes, é possível mencionar a cessação do vínculo tributário entre o ex-proprietário e o Poder Público. Destarte, não incumbe mais ao ex-proprietário o adimplemento do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), a partir do momento em que a expropriação restou devidamente efetivada. Em sentido similar, o Ministro Teori Albino Zavascki, ao apreciar o Recurso Especial N° 770.559/RJ, já decidiu que “a partir do evento configurador da desapropriação indireta, o expropriado, que perde a posse, não está mais sujeito ao pagamento do IPTU”[12]. Ora, insta destacar que o imposto retromencionado tem, como fato gerador, o domínio útil ou a posse de bem imóvel, o que, com efeito, com o advento da desapropriação não mais subsiste, não sendo mais o ex-proprietário responsável pelo pagamento dos impostos. Oportunamente, mister se faz colacionar os precedentes jurisprudenciais que abalizam o esposado:
“Ementa: Execução Fiscal. IPTU. Imóvel objeto de desapropriação e posterior desistência. Fato gerador. CTN, ART. 32. Somente a partir do momento em que o desapropriado se reintegrou na posse do imóvel passou a existir o fato gerador do tributo. Recurso extraordinário conhecido e provido”. (Supremo Tribunal Federal – Segunda Turma/ RE 107.265-2/SP/ Relator: Ministro Francisco Rezek/ Publicado no DJ em 08.05.1987).
“Ementa: Desapropriação. Levantamento do preço. Art. 34 do Decreto-Lei N. 3.365/41. Comprovação de quitação de débitos fiscais. 1. A entidade expropriante é responsável pelo pagamento dos tributos após ter sido imitida na posse do bem objeto da expropriação. 2. Na forma do art. 34 do Decreto-Lei n. 3.365/41, o expropriado poderá levantar o preço, se comprovar a quitação dos tributos fiscais incidentes sobre o imóvel desapropriado até a data em que a autoridade expropriante tiver sido imitida na posse, nos termos do art. 15 do referido Decreto-Lei, ou da efetiva ocupação indevida do imóvel pelo expropriante, se for o caso. 3. Recurso especial conhecido e provido em parte.” (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ REsp 195.672/SP/ Relator: João Otávio de Noronha/ Publicado no DJ em 15.08.2005, p. 226).
“Ementa: Desapropriação. Levantamento do deposito. Quitação das dividas fiscais. Tributos sobre o imóvel. Imissão na posse. Artigo 34 do Decreto-Lei N. 3.365/41. Os tributos incidentes sobre o imóvel desapropriado, após a imissão provisória na posse, correm por conta da entidade expropriante.” (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ REsp 18.946/SP/ Relator: Ministro Hélio Mosimann/ Publicado no DJ em 13.03.1995, p. 5.271).
Outro efeito decorrente da desapropriação indireta descansa na premissa que a verba indenizatória deve corresponder ao valor real e atualizado do imóvel, ainda que este tenha sofrido valorização em decorrência de obra pública. Por óbvio, o fundamento está alocado no ideário em que a desapropriação não observou o procedimento legítimo para suprimir o direito de propriedade. Neste diapasão, por consequência, “eventual supervalorização do imóvel pela expropriação há de ser compensada pela via tributária adequada – no caso, a contribuição de melhoria, sendo ilegítima a dedução de qualquer parcela indenizatória em virtude do benefício imobiliário”[13]–[14], consoante lições de Carvalho Filho.
3 Proteção Possessória
Prima anotar que a desapropriação indireta só resta consumada quando o bem é incorporado, de maneira definitiva, ao patrimônio público, sendo que é a incorporação que dá ensejo à transferência da propriedade para o Poder Público. Com efeito, o Diploma Expropriatório, em seu dispositivo 35, faz alusão à incorporação que retrata verdadeiro fato consumado. Entretanto, este fato não tem qualquer relação com a situação jurídica da posse, porquanto esta deve ser inteiramente assegurada ao proprietário, porque a ameaça à posse é situação jurídica que antecede à incorporação patrimonial prevista no Decreto-Lei N° 3.365, de 21 de junho de 1941[15], que dispõe sobre desapropriações por utilidade pública.
Ora, mesmo se tratando de Poder Público, cabe ao prejudicado buscar a proteção possessória, por meio da ação de manutenção de posse, em caso de turbação; da ação de reintegração de posse, no esbulho consumado, ou, mesmo, interdito possessório, quando se tratar de justo receio de ser o possuidor, direto ou indireto, molestado na posse, a fim de obstar a turbação ou esbulho iminente. Situação que se assemelhada à desapropriação indireta com a perda da propriedade é aquela na qual, em sede de enfiteuse, o enfiteuta perde o domínio útil (e, portanto, a posse) do bem imóvel, incorporando, de maneira direta, a construção. Isto é, o Poder Público, que detinha somente a nua propriedade, consolida a propriedade no momento em que assume também a posse direta do imóvel. Neste caso, o enfiteuta fará jus apenas à indenização pelos prejuízos causados, sendo, por consequência, inviável a pretensão em restaurar o status quo ante.
4 Ação do Desapropriado
4.1 Caracterização
O Diploma Expropriatório, com clareza solar, estabeleceu que a desapropriação indireta produzisse o efeito de permitir ao expropriado vindicar perdas e danos. Nesta toada, o pedido a ser formulado pelo prejudicado está assentado na indenização decorrente dos prejuízos que a perda da propriedade ensejou. Com efeito, a ação aforada deverá, imperiosamente, observar o procedimento comum, ordinário ou sumário, consoante situação concreta. “O pedido do autor é o de ser indenizado pela perda da propriedade, de modo que sua pretensão deverá ser formalizada por meio de simples ação de indenização, cujo fato provocador, este sim, foi a ocorrência da desapropriação indireta”[16]. Ao lado disso, a decisão da demanda ajuizada em nada afeta o direito de propriedade que tem o Poder Público sobre o bem expropriado, porquanto, na qualidade de bem público, a propriedade se tornou intangível.
Em sendo julgada procedente a ação, a sentença exarada condenará o Poder Público a indenizar o requerente, ex-proprietário, tendo em vista os prejuízos produzidos pela desapropriação indireta. Desta feita, a sentença e a ação têm conteúdo condenatório. No tocante ao quantum indenizatório vindicado pelo autor, é possível considerar que se trata de valor meramente estimativo, eis que se revela impossível calcular, de maneira exata, o valor da indenização. Rememorando as lições de Meirelles resta “ao particular espoliador haver a indenização correspondente, de maneira mais completa possível, inclusive a correção monetária, juros moratórios, compensatórios a contar do esbulho e honorários de advogado, por se tratar de ato caracteristicamente ilícito da Administração”[17]. Destarte, não incide no apostilado processual o corolário que veda o julgamento ultra petita, consoante o qual é defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, que condene o réu em quantidade superior à pleiteada. “Em razão da especificidade da ação, bem como o propósito inarredável de reparar o prejuízo decorrente da perda da propriedade, (…) é legítimo que a sentença, com base em perícia idônea, condene o Estado à indenização em importância superior à postulada pelo autor”[18].
4.2. Natureza e Legitimidade para a Ação
Inicialmente, quando a ação tem, como objeto, pedido condenatório de natureza indenizatória, sua qualificação é considerada como de ação pessoal. Entrementes, em decorrência da particular situação do litígio, no qual o pedido indenizatório está arrimado em perda da propriedade, o Superior Tribunal de Justiça, em paradigmáticas apreciações dos Recursos Especiais N° 30.674/SP[19] e 64.177/SP[20], considerou como ação real, dela emanando todos os efeitos característicos dessa espécie de ação. No que concernem à legitimidade ativa e passiva neste tipo de ação, convém destacar que será inversa à da ação de desapropriação. Neste alamiré, ação por desapropriação indireta terá como autor, sempre, o prejudicado, ex-proprietário, e ré a pessoa de direito público responsável pela incorporação do bem a seu patrimônio. Imperiosamente, o autor deve ser o proprietário do imóvel, tendo como ônus da prova a demonstração do domínio, pena de não ser parte legítima. Em sendo casado o autor, o entendimento jurisprudencial tem estabelecido como conditio a presença de ambos os consortes no polo ativo, sob pena de ser extinto o processo[21].
Ademais, ao se considerar que a pretensão autoral está embasada em natureza condenatória, somado ao fato de já ter se consumado a perda da propriedade, acarreta a dispensa da intervenção do Ministério Público no processo. De maneira diversa, em se tratando de ação de desapropriação direta, na qual, conquanto também exista discussão do valor indenizatório, ainda não se aperfeiçoou a perda da propriedade, incumbindo, desta maneira, ao representante do Ministério Público a fiscalização do atendimento aos preceitos constitucionais que amparam similar ação extintiva de direito fundamental. Em mesmo substrato, ocorre a dispensa da atuação do Ministério Público quando a desapropriação indireta recair sobre bem imóvel rural, uma vez que ocorreu a perda da propriedade e da pretensão indenizatória, bem como a Lei Complementar N° 76, de 06 de julho de 1993[22], que dispõe sobre o procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o processo de desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de reforma agrária estabelecer a intervenção do Parquet na ação de desapropriação direta.
4.3 Foro Competente da Ação
No que toca ao foro competente, em que pese as discordâncias levantadas, consolidando o entendimento que a ação versa acerca de direito real, a consequência, por decorrência lógica, considera como adequado o foro do local do imóvel, e não o domicílio do réu, como seria se ação fosse considerada pessoal. A Ministra Denise Arruda, ao apreciar o Conflito de Competência N° 46.771/RJ, decidiu que “na linha da orientação desta Corte Superior, a ação de desapropriação indireta possui natureza real, circunstância que atrai a competência para julgamento e processamento da demanda para o foro da situação do imóvel”[23].
4.4 Prescrição da Pretensão
Quadra evidenciar que o fundamento da prévia e justa indenização em dinheiro não aplica à desapropriação indireta, mas sim à desapropriação comum, ou seja, aquela que observa, de maneira rigorosa, o procedimento expropriatório, inclusive com o conflito de interesses deduzido em processo judicial. De forma reversa, a desapropriação indireta constitui uma ocupação forçada, da qual, de modo usual, o proprietário sequer tem ciência. Assim, diversamente do que ocorre com a desapropriação direta, na indireta o fato em si da incorporação do bem ao patrimônio público, como reza o Decreto-Lei N° 3.365, de 21 de junho de 1941[24], que dispõe sobre desapropriações por utilidade pública, consoante o qual, os bens expropriados, já têm o condão, por si só, de acarretar a perda da propriedade em favor do Ente Estatal expropriante.
Ademais, se assim é, tal como se manifesta o entendimento jurisprudencial, a única discussão subsistente, no tocante à desapropriação indireta, concerne ao valor da verba indenizatória a que faz jus o expropriado. Não subsiste qualquer mácula no fato do diploma normativo assinalar prazo para que o interessado providencie a tutela de seu direito indenizatório, sob pena de ocorrer a prescrição em virtude de sua inércia. Com efeito, trata de valorização do princípio da segurança e estabilidade das relações jurídicas. José dos Santos Carvalho Filho, ao se manifestar acerca do tema, pontua, em razão do entendimento externado pelo Supremo Tribunal Federal, no tocante ao prazo prescricional da pretensão à verba indenizatória, pontuou que “o previsto para a aquisição da propriedade por usucapião, atualmente de quinze anos, como estabelece a regra geral prevista no art. 1.238, do vigente Código Civil”[25].
4.5 Acréscimos Indenizatórios
O valor da verba indenizatória deve reproduzir, além do valor do bem que o Poder Público expropriou, à percepção de juros moratórios e juros compensatórios. Os juros moratórios são devidos quando o Poder Público, que se apropriou do bem privado, não efetua o adimplemento, de maneira tempestiva, ao expropriado a indenização a que este faz jus. Cuida destacar que a Medida Provisória N° 2.183-56, de 24 de agosto de 2001[26], que acresce e altera dispositivos do Decreto-Lei no 3.365, de 21 de junho de 1941, das Leis nos 4.504, de 30 de novembro de 1964, 8.177, de 1o de março de 1991, e 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, e dá outras providências, introduziu alguns aspectos acerca dos juros moratórios tanto no pertine à desapropriação direta como à indireta.
O primeiro deles se refere ao percentual que, em consonância com a novel legislação, é de até seis por cento (6%) ao ano, e não mais o patamar fixo de seis por cento, tradicionalmente estabelecido para reprimir a mora solvendi. Outra modificação está alocada no termo inicial da contagem de juros moratórios, porquanto, anteriormente, a despeito das controvérsias existentes, subsistia o entendimento de que a contagem deveria ter início a partir do trânsito em julgado da decisão condenatória[27]–[28]. Todavia, com o conteúdo da medida provisória supramencionada, o qual introduziu o artigo 15-B ao Decreto Expropriatório, estabeleceu que o termo a quo da contagem fosse o dia 1° de janeiro do ano seguinte àquele em que adimplemento deveria ser efetuado. No tocante à base de cálculo para os referidos juros não ocorreu qualquer alteração, incidindo sobre o quantum indenizatório afixado em sentença. É observável, a partir do painel pintado, que as modificações tocantes ao percentual e ao termo inicial da contagem dos juros moratórios alcançaram tanto a desapropriação direta como a indireta. “O termo inicial nos juros moratórios sempre deverá adotar o novo critério, sabido que esse tipo de ação administrativa só pode ser implementado por pessoas públicas”[29].
Os juros compensatórios também são devidos na desapropriação indireta, posto que, por meio dela, o Poder Público ocupou o bem privado sem observar a exigência de prévia indenização. O percentual estabelecido pelo entendimento jurisprudencial, primacialmente o Supremo Tribunal Federal, ao suspender a eficácia do dispositivo constante da Medida Provisória N° 2.183-56, de 24 de agosto de 2001[30], que acresce e altera dispositivos do Decreto-Lei no 3.365, de 21 de junho de 1941, das Leis nos 4.504, de 30 de novembro de 1964, 8.177, de 1o de março de 1991, e 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, e dá outras providências, que limitava o percentual no patamar de seis por cento (6%) ao ano. Com efeito, a partir do deferimento da decisão liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 2.332/DF, ocorrido em 13.09.2001, restaurando o entendimento já adotado de doze por cento (12%) ao ano. No que concerne à eficácia do dispositivo que estabelecia o percentual de seis por cento (6%) ao ano, introduzido na Lei Expropriatória pela medida provisória supramencionada, sua eficácia subsistirá até o deferimento da liminar vindicada na Ação Direta de Inconstitucionalidade aludida acima. Neste sentido, com o escopo de ilustrar as ponderações aventadas até o momento, cuida trazer à colação o entendimento jurisprudencial:
“Ementa: Processual civil. Agravo regimental nos embargos de divergência. Desapropriação indireta. Juros compensatórios. Imissão na posse. Período de incidência. REsp 1.111.829/SP representativo da controvérsia. Súmula 408/STJ. Divergência não configurada. Agravo não provido. 1. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça – com fundamento no art. 543-C do CPC – firmou compreensão segundo a qual, "a Medida Provisória 1.577/97, que reduziu a taxa dos juros compensatórios em desapropriação de 12% para 6% ao ano, é aplicável no período compreendido entre 11.06.1997, quando foi editada, até 13.09.2001, quando foi publicada a decisão liminar do STF na ADIn 2.332/DF, suspendendo a eficácia da expressão 'de até seis por cento ao ano', do caput do art. 15-A do Decreto-lei 3.365/41, introduzida pela referida MP. Nos demais períodos, a taxa dos juros compensatórios é de 12% (doze por cento) ao ano, como prevê a súmula 618/STF" (REsp 1.111.829/SP, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJe de 25/5/09). 2. Conclui-se que, nos casos de imissão na posse antes da entrada em vigor da MP 1.577/97, a taxa dos juros compensatórios nas ações de desapropriação deve ser de 12% ao ano. Após a vigência da referida norma, 11/6/97, a taxa deve ser de 6% ao ano até 13/9/01, quando foi publicada a decisão liminar do STF na ADIn 2.332/DF. Posteriormente a esse período, a taxa deve ser novamente de 12% ao ano até a expedição do precatório original. 3. Nessa linha, foi editada a Súmula 408/STJ de seguinte teor: "Nas ações de desapropriação, os juros compensatórios incidentes após a Medida Provisória n. 1.577, de 11/06/1997, devem ser fixados em 6% ao ano até 13/09/2001 e, a partir de então, em 12% ao ano, na forma da Súmula n. 618 do Supremo Tribunal Federal". 4. Agravo não provido”. (Superior Tribunal de Justiça – Primeira Seção/ AgRg nos EREsp 1.132.522/SC/ Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima/ Julgado em 23.05.2012/ Publicado no DJe em 06.06.2012).
A lei, ainda, estabeleceu a aplicação, em sede de desapropriação indireta, de nova condição imposta no tocante à utilização do bem, isto é, os juros compensatórios só poderiam ser adimplidos para compensar a perda da renda sofrida pelo expropriado e não seriam devidas se o imóvel desapropriado possuísse patamares de utilização de terra e de eficiência na exploração iguais a zero. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal suspendeu a eficácia da redação do dispositivo limitador contido no Decreto-Lei N° 3.365, de 21 de junho de 1941[31], que dispõe sobre desapropriações por utilidade pública.
Afora isso, incidem os juros compensatórios, em sede de desapropriação indireta, sobre o valor da indenização, monetariamente corrigido, consoante entendimento sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça[32]. Em sede de desapropriação indireta, a base de cálculo, distintamente do que passou a ocorrer na desapropriação direta, consiste no valor efetivo da indenização estabelecido na decisão judicial condenatória. É inaplicável a premissa adotada para a desapropriação direta, consoante o qual se considera como base de cálculo a diferença entre o valor da indenização e o da oferta do expropriante. Ora, o sedimento orientador é simples, eis que na desapropriação indireta nenhuma oferta é apresentada, sendo que o expropriante tão somente ocupa o bem e o incorpora a ser acervo. Destarte, inexiste qualquer diferença, a base de incidência dos juros não será outra senão a que corresponde ao valor indenizatório fixado na sentença.
O termo inicial da contagem dos juros compensatórios deve restar consumado no momento da efetiva ocupação do imóvel pelo expropriante, porquanto, nesse momento, o bem foi efetivamente transferido. “Sendo assim, esse deve ser o termo a quo que deve considerar para iniciar a contagem: na verdade, foi nesse momento que teve início a perda do ex-proprietário, suscetível de ser compensada pela referida parcela”[33]. Tal entendimento, com efeito, foi devidamente sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça no verbete N° 69, o qual, em sua redação, estabelece que “na desapropriação direta, os juros compensatórios são devidos desde a antecipada imissão na posse e, na desapropriação indireta, a partir da efetiva ocupação do imóvel”[34].
Insta destacar que, nas ações de indenização, tanto no caso de desapropriação indireta quanto no de apossamento administrativo, o Poder Público não poderá ser onerado pelo adimplemento de juros compensatórios correspondentes a período pretérito à aquisição de propriedade ou posse titulada pelo autor da ação. Tal premissa está insculpida no §4° do artigo 15-A do Decreto-Lei N° 3.365, de 21 de junho de 1941[35], que dispõe sobre desapropriações por utilidade pública, ostentado, como escopo, conferir àquela modalidade de juros o caráter de efetiva compensação ao expropriado, o que não ocorreria se alcançassem lapso temporal anterior à efetiva posse ou aquisição da propriedade, em relação ao qual inexistiria o que compensar em favor daquele.
4.6 Despesas Processuais
Consoante estabelece o Estatuto de Ritos Civis, incumbe às partes arcar com as despesas referentes aos atos que realizam ou requerem no processo e antecipar-lhes o pagamento. De outro modo, compete ao autor adiantar as despesas concernentes a atos a serem praticados por ordem judicial, seja por determinação ex officio, seja por pedido do Ministério Público. Ao lado disso, considerando que na desapropriação indireta é o expropriado que formula a pretensão, aforando a competente ação de indenização, a ele, enquanto requerente da ação, são aplicáveis as referidas normas processuais. No tocante à prova pericial, a responsabilidade pelo adimplemento dos honorários periciais é da parte que tiver vindicado o exame, mas, em sendo requerido por ambas as partes ou determinado pelo juiz, incumbi ao requerente o pagamento. O assistente técnico será remunerado pela parte que houver indicado.
5 Apossamento Administrativo
Em uma primeira plana, apossamento administrativo consiste no fato administrativo por meio do qual o Poder Público assume a posse efetiva e determinado bem. O tema em comento mantém similitude com a desapropriação indireta, porém, enquanto esta alcança o direito do proprietário, culminando com a perda direta do próprio domínio, em decorrência da ocupação do bem pelo Estado, no apossamento administrativo a ação estatal incide mais diretamente contra o indivíduo que tem a posse sobre determinado bem, comumente imóvel. Arrimado em tal sedimento, somente se consuma o apossamento quando o possuidor não tiver como obstar a turbação ou o esbulho por meio dos mecanismos de proteção possessória. Essa modalidade de ação estatal tem o mesmo caráter de definitividade ostentado pelo instituto da desapropriação indireta, porquanto o Poder Público, ao assumir a posse, deverá utilizar o bem objeto do apossamento com permanência. Isto é, a atividade administrativa exercida sobre o bem objeto do apossamento, imperiosamente inspirada por fim de interesse público, devendo se caracterizar como contínua e duradoura.
Ocorrendo o desvio de poder, “é cabível a pretensão de desalojamento do poder estatal, eis que se afigura inconcebível perante o direito a legitimação da atividade plasmada em objetivo que retrate violação aos princípios constitucionais da moralidade e da impessoalidade”[36]. Ao lado disso, insta apontar que o apossamento administrativo pode implicar, de maneira simultânea, a desapropriação indireta do bem, situação em que ocorrerá a perda da propriedade juntamente com a da posse, sejam os mesmos ou distintos titulares dos respectivos direitos. De modo mais raro, é possível ocorra apenas o apossamento sem a perda da propriedade. No que pertine ao efeito do apossamento administrativo é idêntico ao da desapropriação indireta, sendo que, uma vez consumado o fato, o titular da posse faz jus à indenização correspondente à perda de seu direito. “O possuidor, mesmo sem a titularidade do domínio, concretizado o apossamento administrativo ilícito, legitima-se ativamente ad causam para agir judicialmente postulando a indenização reparadora da afetação do seu patrimônio”[37], conforme já assentou o Ministro Milton Luiz Pereira, ao apreciar o Recurso Especial N° 182.369/PR.
Informações Sobre o Autor
Tauã Lima Verdan Rangel
Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES