Breves considerações acerca da Súmula 231 do STJ e da possibilidade de aplicação da pena aquém do mínimo legal

A súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça, publicada em 15.10.1999, dispõe que “incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal”.

Pois bem. A súmula que, embora não seja vinculante, vem sendo aplicada pela jurisprudência majoritária no país impede que a pena concreta aplicada aos sentenciados em processo criminal seja inferior ao limite mínimo estabelecido pela legislação.

Todavia, tal entendimento, embora remanesça quase que sedimentado por mais de uma década, não encontra guarida na Constituição da República de 1988, eis que afronta claramente direitos fundamentais do acusado, como a individualização da pena, a isonomia e a própria dignidade da pessoa humana.

Não bastante, o Código de Processo Penal determina em seu artigo 65 as circunstâncias ali delineadas sempre atenuam a pena.

Concretamente, trazemos o exemplo de dois sentenciados, ambos não possuindo qualquer circunstância judicial desfavorável, porém apenas um deles confessa o delito. Com a aplicação da Súmula 231 do STJ, a confissão será tida por irrelevante para fins de individualização da pena.

Destarte, caso a pena não fosse diminuída além do mínimo legal, não teria nenhum benefício o acusado que confessa o delito, equiparando-o ao denunciado que não colabora com o Poder Judiciário, ou seja, estabelecer-se-ia uma punição maior, ferindo o primado da isonomia, ou como bem ilustra Cézar Roberto Bitencourt, haveria uma verdadeira farsa:

“O equivocado entendimento de que a ‘circunstância atenuante’ não pode levar a pena para aquém do mínimo cominado ao delito partiu de interpretação analógica desautorizada, baseada na proibição original do parágrafo único do art. 48 do Código Penal de 1940, não participar do crime menos grave – mas impedia que ficasse abaixo do mínimo cominado. (…)

Ademais, naquela orientação, a nosso juízo superada, utilizava-se de uma espécie sui generis de interpretação analógica entre o que dispunha o antigo art. 48, parágrafo único, do Código Penal (parte geral revogada), que disciplinava uma causa especial de diminuição, insta-se, e o atual art. 65, que elenca as circunstâncias atenuantes, todas estas de aplicação obrigatória. Contudo, a não aplicação do art. 65 do Código Penal, para evitar que a pena mínima fique aquém do mínimo cominado, não configura como se imagina, interpretação analógica, mas verdadeira analogia – vedada em direito penal – para suprimir um direito público subjetivo, qual seja, a obrigatória atenuação da pena. (…)

Em síntese, não há lei proibindo que, em decorrência do reconhecimento de circunstância atenuante, possa ficar aquém do mínimo cominado. Pelo contrário, há lei que determina (art. 65), peremptoriamente, a atenuação da pena em razão de um atenuante, sem condicionar seu reconhecimento a nenhum limite; e, por outro lado, reconhecê-la na decisão condenatória (sentença ou acórdão), mas deixar de efetuar sua atenuação, é uma farsa, para não dizer fraude, que viola o princípio da reserva legal.” (destaques nossos). (BITENCOURT, p. 588/589).

Deste modo, está mais do que evidente que a súmula 231 é ultrapassada e inviabiliza a correta aplicação da Constituição da República, interpretando a legislação penal em desfavor do acusado.

Com efeito, o próprio STJ já se manifestou nesse sentido, conforme aresto abaixo colacionado:

“PENAL. PENA. INDIVIDUALIZAÇÃO. PENA-BASE. GRAU MÍNIMO. CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE. INCIDÊNCIA. REDUÇÃO ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL. – No processo trifásico de individualização da pena é possível a sua fixação definitiva abaixo do mínimo legal na hipótese em que a pena-base é fixada no mínimo e se reconhece a presença de circunstância atenuante, em face da regra imperativa do art. 65, do Código Penal, que se expressa no comando literal de que tais circunstâncias sempre atenuam a pena.– Habeas corpus concedido.” (HC 9.719-SP, STJ, 6ª Turma, Rel. Min. F. Gonçalves, Rel. p/acórdão Min. Vicente Leal, DJ 25/10/99, grifamos)

Com efeito, há recentes julgados de magistrados que não se limitam a mera observância do enunciado sumulado, que reconhecem a possibilidade de aplicação da pena aquém do mínimo legal, conforme ilustrativos precedentes dos Tribunais Regionais Federais:

“APLICAÇÃO DA PENA ABAIXO DO MÍNIMO-LEGAL. POSSIBILIDADE. CONTINUIDADE DELITIVA CONFIGURADA. (…) O inciso XLVI do art. 5º da Carta Política estabelece o princípio da individualização da pena que, em linhas gerais, é a particularização da sanção, a medida judicial justa e adequada a tornar o sentenciado distinto dos demais. Assim, o Enunciado nº. 231 da Súmula do STJ, ao não permitir a redução da pena abaixo do mínimo legal, se derivada da incidência de circunstância atenuante, data venia, viola frontalmente não só o princípio da individualização da pena, como, também, os princípios da legalidade, da proporcionalidade e da culpabilidade. 6. Em consonância com a Constituição Federal de 1988 (Estado Constitucional e Democrático de Direito), e à luz do sistema trifásico vigente, interpretar o art. 65, III, "d", do Código Penal – a confissão espontânea sempre atenua a pena -, de forma a não permitir a redução da sanção aquém do limite inicial, data venia, é violar frontalmente não só o princípio da individualização da pena, como também os princípios da legalidade, da proporcionalidade e da culpabilidade. (…)” (ACR 200634000260137, JUIZ TOURINHO NETO, TRF1 – TERCEIRA TURMA, e-DJF1 DATA: 28/10/2010 PAGINA:251.) (grifei)

“(…) Respeitadas opiniões já tem se levantado no rumo da possibilidade do reconhecimento, ao exemplo da credenciada doutrina de Rogério Greco, sustentando, em síntese, que a vedação da referida redução é fruto de interpretação contra legem. Isto porque, o art. 65 do CP não restringiu a sua aplicação aos casos em que a pena-base tenha sido fixada acima do mínimo legal; ao contrário, o mencionado artigo determina que “são circunstâncias que sempre atenuam a pena”. VII – Fosse a vontade do legislador que se excepcionasse a regra prevista, não teria, o mesmo, lançado mão do advérbio “sempre”, indicando aí o caminho interpretativo e a conclusão possível de que é coerente aplicar-se o dispositivo a toda e qualquer pena aplicada na primeira fase de sua fixação. Mantida a sentença no ponto. VIII – Recurso do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL DESPROVIDO; recurso de RAQUEL DA COSTA LIMA DESPROVIDO recurso de ELOI DA COSTA LIMA PROVIDO para absolvê-lo na forma do art. 386, VI, do CPP.” (ACR 200650010071827, Desembargador Federal MESSOD AZULAY NETO, TRF2 – SEGUNDA TURMA ESPECIALIZADA, E-DJF2R – Data:: 23/09/2010 – Página::2010.) (grifei)

Portanto, resta evidente o equívoco da Súmula 231 do STJ, que precisa ser reavaliada pelos tribunais pátrios, sob pena de inviabilizarmos o direito fundamental à individualização da pena e desconsiderarmos o próprio princípio da isonomia.

 

Referências:
BITENCOURT, Cézar Roberto. Tratado de Direito Pebal. vol. 1. 11. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2007.

Informações Sobre o Autor

Angelo Cavalcanti Alves de Miranda Neto


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