Resumo: O artigo propõe a efetivação dos direitos fundamentais sociais por meio de uma Jurisdição Constitucional Social. A partir da investigação do papel do Supremo Tribunal no atual Estado Democrático de Direito, especula-se acerca da possibilidade e legitimidade de determinações judiciais quando da omissão legislativa e governamental. Numa releitura do sistema de pesos e contrapesos, compreende-se o Estado como força concretizante da soberania popular, o que autoriza qualquer das três funções estatais, quiçá o Poder Judiciário, a atuar em nome do interesse público e a pretexto da Constituição.
Palavras–chave: direitos fundamentais sociais; exigibilidade; mínimo existencial; reserva do possível; orçamento público; Supremo Tribunal Federal; separação dos poderes.
Abstract: This article proposes the concretization of fundamental social rights through a Social-Constitutional Jurisdiction. From the investigation of the role of the Supreme Court in the current democratic state, it is speculated about the possibility and legitimacy of judicial determinations when occur the legislative omission and government. In a rereading the system of checks and balances, it is understood the state as a force of popular sovereignty, which allows any of the three state functions, perhaps the judiciary, to act on behalf of the public interest and the pretext of the Constitution.
Keywords: fundamental social rights; liability; minimum existential; public budget; Supreme Court; separation of powers.
Sumário: I – O custo social dos direitos sociais e a Jurisdição Constitucional Social; II – Da exigibilidade dos direitos sociais e da vinculatividade do orçamento público; III – O papel do Supremo Tribunal Federal na materialização dos direitos de segunda geração; Conclusão.
I – O CUSTO SOCIAL DOS DIREITOS SOCIAIS E A JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL SOCIAL
Munido de uma espada, um homem é capaz de fazer de todas as coisas; exceto sentar-se sobre ela. Assim se compreendem também os direitos sociais, poderosos instrumentos contra as marginalizações e segregações sociais. Os recursos públicos, no entanto, são limitados. E, aqui, o “sentar-se sobre a espada” se consubstancia num abuso daquilo que é razoável exigir do Estado.
A distribuição justa, responsável e isonômica desses recursos é atribuição dos governantes da sociedade: gestores do erário e do interesse público. A eles competem as decisões acerca das prioridades governamentais para, por exemplo, implementar políticas públicas ou investir em determinados setores sociais.
E o caso brasileiro, como tantos outros, é bastante peculiar. A tradição política autoritarista e os resquícios da ditadura militar deixaram cicatrizes, conferindo ao país uma gestão de cunho conservador, que hoje desconsidera a sua própria razão de ser: a soberania popular, que a institucionaliza e legitima por meio das eleições. Senão, veja-se:
“Na verdade, o Estado Administrador brasileiro tem gerido os interesses públicos como se sobre eles detivesse um domínio absoluto e exclusivo, efetivamente institucionalizando todas as ações voltadas para atendê-los, e mesmo defini-los, em meio a tantas tensões e conflitos sociais complexos e progressivos que se formaram nos últimos 50 anos no país.”[1]
Por conseguinte, tem ficado a cargo dos órgãos do Poder Judiciário fazerem as vezes das instâncias políticas tradicionais, num processo de judicialização das questões de grande repercussão política ou social.[2]
Nesse sentido, constatam-se decisões do Supremo Tribunal Federal em casos de omissão inconstitucional, como no julgamento do mandado de injunção nº 107, de relatoria do Ministro Moreira Alves, em que se discutiam quais os requisitos para a concessão de estabilidade para servidores públicos militares; ou no mandado de injunção nº 283, de relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence, que dizia respeito à reparação econômica em face da União Federal; e no mandado de injunção nº 758, cujo relator foi o Ministro Marco Aurélio, que tratou da aposentadoria especial. Em todos esses casos, a solução judicial foi comunicar o parlamento, estabelecendo prazo para a purgação da mora legislativa.
Em que pese tantas vezes não ter o Legislativo não ter suprido as omissões, mesmo após o envio de comunicados, é firme entendimento do Supremo que não estaria o Poder Judiciário apto a legislar, embora apto a satisfazer as pretensões judicialmente.
Em decisão paradigmática, no mandado de injunção nº 712, o relator Ministro Eros Grau encontrou como solução à inexistência de regulamentação acerca do direito de greve dos servidores públicos uma formulação supletiva, dotada de concreção e normatização, sem desrespeito ou invasão à função legislativa. Daí porque a legislação pertinente aos trabalhadores aplica-se, por analogia, aos servidores públicos, no tocante ao exercício do direito de greve, desenlace que se importou do Direito italiano.
Já no mandado de injunção nº 943, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, achou-se por bem a suspensão do julgamento, uma vez que havia projetos de lei sobre o aviso prévio proporcional em tramitação no Congresso Nacional, em vias de concretização.
Em respeito a legislador, e visando-se a segurança jurídica e fática de eventual decisão judicial, aguardou-se a edição de lei regulamentando o caso em julgamento. Após aprovada e sancionada a lei, aplicou-se o parâmetro legal àqueles casos levados ao Judiciário antes do seu advento. Interessante é notar, nesses debates, a cogitação de estipulação de regras pelo Judiciário, porque constatada a omissão legislativa e notadas ineficientes as comunicações de mora. Percebe-se, portanto, uma tendência jurisdicional recentemente mais ativista.
É certo que as escolhas políticas dão a tônica administrativa do Estado, cujos rumos são determinados pelo Poder Legislativo, pelo Poder Executivo e, em último grau, pelo Poder Judiciário. Contudo, a separação dos poderes concebida por Montesquieu, com os contornos que lhe foram conferidos pelo sistema de checks and balances, deve ser reinterpretada e resignificada no contexto brasileiro do Estado Democrático de Direito, sob pena de se suprimir a plena realização dos direitos sociais constitucionalmente assegurados.
Como se sabe, o poder é uno, e fala-se, a rigor, em especialização funcional, e não precisamente em três poderes[3]. Eis então o motivo pelo qual o objetivo final da atuação estatal é o interesse público, de modo que cai por terra a alegação de “ingerência” de determinado poder noutro, ou de “invasão de competências”. Uma vez que a intenção é realizar o texto constitucional e atender a necessidade popular, todos os três poderes devem atuar em conjunto ou isoladamente – e até em contrário, quando da inatividade do(s) outro(s) – na consecução dos interesses sociais.
É nesse entendimento que há muito já se asseverava que o Estado pode ser juridicamente apreendido como sendo o próprio Direito. Ora, leia-se:
“(…) desaparece o dualismo de Estado e Direito como uma daquelas duplicações que têm sua origem no facto de o conhecimento hipostasiar a unidade (e uma tal expressão de unidade é o conceito de pessoa), por ele mesmo constituída, do seu objeto. (…) também o poder e a vontade são considerados, pela teoria do Estado e do Direito, como essência do Estado.”[4](grifo nosso)
Falar numa crise entre poderes ou, como sugere o título deste artigo, numa queda-de-braço em busca da eficácia dos direitos sociais não poderia sequer ser assunto em pauta, pois não se vislumbram, na verdade, reais oposições. A imersão numa imposição de autoridade de qualquer um dos poderes sobre os demais faz perder de vista o legítimo fundamento pelo qual a sociedade os confere o império decisivo no campo do julgamento, da regulamentação ou da execução.
Mas, quanto aos direitos sociais, não se pode imaginar que a responsabilidade esteja sobre os ombros apenas do regulamentar, ou do executar: na sua lacuna, entra em cena o julgar, determinando a implementação de políticas. Essas políticas, não obstante, inexistem sem recursos, que são gerenciados também pelo executar, e ratificados pelo legislar. O ciclo é, de fato, vicioso. Os poderes comedem-se, refreiam-se, impulsionam-se.
Tudo na intenção de materializar o que impõe a Constituição.
Daí porque, na inércia do Poder Legislativo ou do Poder Executivo, não é coerente falar também numa omissão jurisdicional, que há que se impor, até como forma de controle dos demais poderes estatais. Nesse sentido, temos que:
“De uma certa forma, quando estas políticas públicas ou ações estratégicas dos Poderes competentes não ocorrem, o Poder Judiciário no Brasil é chamado à colação. (…) É este nível de discussão que chega ao Supremo Tribunal Federal do país, (…) por certo que ainda de forma preambular, eis que tema delicado e afeto a alguns dogmas, como os da independência dos Poderes e o das competências institucionais específicas. Contudo, como referiu o Ministro Celso de Mello, não há como se sustentar, em face da ordem constitucional vigente, uma leitura absurdamente restritiva e de insulamento dos Poderes Estatais em relação à Sociedade Civil, sob pena de se negar o fundamento da República que é a soberania popular.”[5] (grifos nossos)
Muito embora nem sempre esse denominado ativismo judicial seja bem-vindo, sendo alvo de críticas severas, fundadas numa ingerência indevida do Judiciário nos demais poderes, de igual patamar e independência, essa solução nos parece absolutamente legítima.
Com a superação do modelo liberal, do Estado mínimo e do não intervencionismo, abriu-se espaço para uma maximização dos direitos fundamentais sociais, seja em termos quantitativos, seja em termos qualitativos. Deitou-se sobre o Estado um olhar exigente de prestações positivas, ávido por mudanças que promovessem a igualdade material entre os cidadãos.
Assim é que, à semelhança do surgimento desse novo modelo estatal no início do século XX, esboçamos no presente trabalho, para os dias atuais, a existência de uma Jurisdição Constitucional Social, garantidora dos direitos fundamentais sociais e manifestamente atuante.
Essa segunda dimensão de direitos introduziu a concepção de um Estado que age, e não se restringe apenas ao laissez-faire. À primeira vista, os direitos sociais têm como correspondências imediatas aquelas que Alexy[6] denomina prestações fáticas e prestações normativas. Para a plena eficácia das prestações materiais estatais, é preciso tanto normatizar quanto executar. Acrescentamos a elas, portanto, as jurisdicionais, para compelirem a concretização dos direitos sociais.
Logo, identifica-se também um terceiro feixe prestacional: o jurisdicional. Ora, se o legislador não normatiza, se o governante não executa, não é facultado ao juiz abster-se de efetivar os direitos sociais. Eis porque tão relevante o papel da Suprema Corte no Brasil, quando em se falando de direitos de segunda geração. Engendrou-se um avanço da justiça constitucional sobre searas típicas da política majoritária.[7] Isso certamente traz à tona preocupações diversas, como o modo de escolha dos membros do órgão de cúpula do Judiciário, a exortação da função jurisdicional e as implicações práticas de uma determinação judicial.
Sem dúvidas que é extremamente paradoxal a realidade brasileira, que possui, além de uma constituição avançada em termos de direitos de segunda dimensão, uma economia estável, e não lança mão de instrumentos jurídicos e políticos para a realização de políticas sociais, quando boa parte da população não tem acesso ao sistema de saúde, a instituições de educação gratuita e de qualidade, a condições habitacionais minimamente decentes ou até a alimentação e a serviços públicos de assistência social.
Ocorre que, na ausência da elaboração ou da implementação das políticas públicas indispensáveis ao atendimento dos preceitos constitucionais, é de fato papel do Judiciário, em especial do Supremo Tribunal Federal, como guardião da Constituição, se pronunciar acerca dos direitos sociais, assegurando-os eficácia.
Não há quem negue que o Brasil esteja vivenciando hoje uma crise política, particularmente rebentada no corrente ano, em que a população exige uma resposta a diversas demandas sociais, em especial àquelas medidas concernentes à garantia do mínimo existencial. Muito queixosos da ausência de investimentos em setores tidos como prioritários, os brasileiros têm ocupado as ruas, em manifestações com ampla adesão: volumosas e indignadas. Isso porque:
“A Constituição do Brasil sempre esteve numa relação de tensão para com a realidade vital da maioria dos brasileiros e contribuiu muito pouco para o melhoramento da sua qualidade de vida; o texto legal supremo, para muita gente, representa apenas uma “categoria referencial bem distante”. Encontram-se em contradição flagrante a pretensão normativa dos direitos fundamentais sociais e o evidente fracasso do Estado brasileiro como provedor dos serviços essenciais para a vasta maioria da sua população. Discute-se, cada vez mais, a complexidade do processo de transformação dos preceitos do sistema constitucional mediante realização de programas e políticas governamentais.”[8] (grifos nossos)
E, conforme já asseverado, as reservas financeiras são fontes limitadas. Os direitos sociais têm um custo. Daí porque, após a arrecadação dos recursos públicos, estes hão que ter destinação inteligente e responsável, em consonância com o que demanda a sociedade e com o que estipula o ordenamento jurídico. Assim, há quem tache falaciosa a ideia da reserva do possível:
“(…) apesar da realidade da escassez de recursos para bancar políticas públicas de redução de desigualdades, é possível, sim, estabelecer prioridades entre as diversas metas a atingir, racionalizando a sua utilização, a partir da ideia de que determinados gastos, de menor premência social, podem ser diferidos, em favor de outros, reputados indispensáveis e urgentes – afinal de contas, todos sabemos que a fome não pode esperar –, quando mais não seja por força do princípio da dignidade da pessoa humana, que, sendo o valor-fonte dos demais valores, está acima de quaisquer outros, acaso positivados nos textos constitucionais.”[9] (grifos do autor)
E não apenas um custo econômico, os direitos sociais possuem também um custo social. Cada escolha feita se dá em detrimento de outra opção possível. Destina-se mais receita para um setor e menos para outro. Logo, quando da determinação de destinação de recursos para uma área, dá-se necessariamente o prejuízo ou a exclusão de outras.
Eis porque, então, se falar em custo social. As escolhas dos governantes sublevam tema complexo, como por exemplo: o que se deve determinar como interesse público? Jeremy Bentham, sob sua filosofia utilitarista, já se indagava a respeito do interesse da comunidade, afirmando-o uma das expressões mais gerais da fraseologia da moral, razão pela qual não é de se admirar que, com freqüência, percamos seu significado, que é a soma dos interesses dos vários membros que a compõem.[10]
Entretanto, essa conclusão não poderia ser mais simplista. É preciso uma olhadela nas minorias, nas maiorias e no todo para se perceber que, fosse apenas caso de somar, não teríamos incontáveis técnicas de interpretação constitucional, um sistema judicial inflado, e inúmeras legislações visando assegurar direitos a pequenos recortes da sociedade. O orçamento público sintetiza o que o governo e do parlamento julgam ser essencial à sociedade. E, por óbvio, existe uma mínima vinculação constitucional à destinação de receitas para setores que o constituinte considera prioritários, como a saúde (art. 198, §§2º e 3º), a educação (art. 212) e o meio ambiente (art. 177, §4º), dentre outros.
Essas determinações engessam um pouco a atuação do legislador, que, por sua vez, baliza a gestão administrativa. O espaço de livre conformação é limitado à forma e ao meio de substanciação do direito.[11] Ora, leia-se:
“Ocorre que, no Brasil, o constituinte não concedeu ao legislador tão ampla discricionariedade sobre quanto deve destinar do montante arrecadado para os gastos sociais. Isto porque a própria Constituição traz uma série de obrigatórias vinculações da receita às despesas sociais. Trata-se de um “orçamento mínimo social” – ou ainda, “garantias constitucionais de financiamento dos direitos sociais” – a ser utilizado para a implementação desses direitos.”[12] (grifos do autor)
Como remate, não se pode ignorar que a materialização de direitos constitucionais sociais possui um custo. E eles não são poucos, nem baratos. Ora, os direitos sociais não se restringem àqueles arrolados no artigo 6º, ao revés: espraiam-se por toda a constituição.
Nesse sentindo, temos também que “(…) deve-se mencionar que o rol de garantias do art. 7º da Constituição não exaure a proteção aos direitos sociais.” (ADI 639, voto do Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 2-6-2005, Plenário, DJ de 21-10-2005.) Esses direitos estão ainda positivados no Capítulo da Ordem Social, e não possuem um regime jurídico específico para implementação, súditos que estão do arbítrio administrativo e até legislativo.
Ocorre que à discricionariedade administrativa estão submetidos o modo de implementação, o quantum de recursos financeiros a serem destinados, e a viabilidade ou não de investimentos massivos. Mas ao mesmo talante administrativo jamais estará a concretização ou não dos direitos sociais. A deliberação, numa livre escolha governamental, restringe-se a quais as políticas públicas que serão instrumento de materialização das prestações estatais, e mesmo assim, limitadas pelos ditames constitucionais de probidade, transparência e eficácia.
Também outros obstáculos se impõem no Brasil, de dimensão continental e elevado volume populacional. Assegurar direitos sociais para uma sociedade tão agigantada, ainda que disponíveis os recursos para tanto, não pode prescindir de estudos técnicos e de empenho governamental numa distribuição isonômica de prestações positivas.
Enquanto isso não se dá, contentamo-nos com uma pretensa judicialização das questões sociais, a esboçar uma Jurisdição Constitucional Social.
II – DA EXIGIBILIDADE DOS DIREITOS SOCIAIS E DA VINCULATIVIDADE DO ORÇAMENTO PÚBLICO
Por excelência, os direitos sociais possuem uma natureza prestacional coletiva. É que, em se falando de direitos de segunda geração, não se pretende a tutela individual, mas se visa a sociedade em geral. Muito embora se assegurem direitos como a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer (…) a todas as pessoas, necessariamente se esteja abrangendo cada uma delas.
A questão é que “o direito objetivo compreende os princípios jurídicos manipulados pelo Estado, ou seja, o ordenamento legal da vida. O direito subjetivo representa a atuação concreta da norma abstrata, de que resulta uma faculdade específica de determinada pessoa.” [13] (grifos nossos) O que se nota de logo como critério de diferenciação são os destinatários, se específicos ou indeterminados. Mas isso não é tudo.
Para a concretização de um direito individual, a análise é detida, do caso concreto, enquanto que, para a materialização de um direito social, ainda que pleiteado individualmente, é necessário conhecer do contexto político, econômico, jurídico e geral.
Contudo, nem sempre esta é a tônica das decisões judiciais no Brasil que, argumentando com a implementação dos direitos sociais, concedem verdadeiros direitos individuais, fazendo com que verbas públicas sejam aplicadas como verdadeiros planos de saúde privados.[14]
Embora soe tarefa factível diferenciar os direitos individuais dos direitos sociais, entendemos não ser possível dissociá-los, por uma questão bastante pragmática. Havendo tutela coletiva, individualmente, por reflexo, se atinge cada um dos cidadãos. E, em se assegurando um direito individual, do ponto de vista do todo, é possível que se pleiteie, a partir de um argumento de isonomia, a extensão dessa garantia.
Daí porque, ao revés de se falar somente em individualização de direitos sociais, se conjecturar também sobre socialização de direitos individuais. Limitar-se a discussão ao tema macrojustiça versus microjustiça é abreviar a questão, e olvidar que direitos individuais e direitos sociais estão estreitamente ligados.
É justo nesse contexto que reside a discussão acerca das normas constitucionais que estabelecem direitos sociais; se são normas de conteúdo programático, ou se imediata e diretamente exigíveis. Entendidas como programáticas, alijados ficariam esses direitos da sua perspectiva subjetiva. Daí, pouco importa: sejam elas normas de aplicabilidade imediata ou programáticas, essencial é conferi-las algum mecanismo de efetivação, com meios para que a sociedade possa cobrar das autoridades públicas a realização de seus direitos.
“Para além do exposto, verifica-se que todos os direitos fundamentais consagrados em nossa Constituição (mesmo os que não integram o Título II) são, na verdade e em última análise, direitos de titularidade individual, ainda que alguns sejam de expressão coletiva.”[15]
Mas estabelece-se alguma divergência quanto à exigibilidade dos direitos sociais.
Para os adeptos da dogmática da razão do Estado, contraposta à dogmática constitucional emancipatória[16], esses direitos sequer se elevam ao patamar de direitos fundamentais, pois a normatividade do espaço político centraliza-se no Estado como poder, negligenciando as exigências morais, físicas e psíquicas da pessoa humana, razões de sua existência. Veja-se:
“Há teorias que sustentam que os direitos sociais não são verdadeiros direitos, constituindo, na verdade, meros programas de ação governamental. (…) Seriam disposições, portanto, dependentes de regulamentação, da atuação do Legislador, sem as quais seriam inexigíveis. Ora, cumpre construir caminho distinto. O que se propõe é uma leitura desses direitos como verdadeiros direitos fundamentais. Quem somos nós para recusar a condição de direitos fundamentais para aqueles que o constituinte definiu como tais?”[17](grifos nossos)
Entendimento coerente com o ordenamento jurídico vigente é o que se amolda aos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, pois:
“(…) conceber os direitos sociais como normas programáticas implica deixá-los praticamente desprotegidos diante das omissões estatais o que não se compatibiliza nem com o texto constitucional, que consagrou a aplicabilidade imediata de todos os direitos fundamentais, nem com a importância destes para a vida das pessoas.”[18] (grifo do autor)
Até porque assim dispõe o §1º do art. 5º: “As normas definidoras de direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Ora, a nosso ver, patente conclusão a de que os direitos sociais são direitos fundamentais (inclusive por reles dedução lógica, a partir de um critério de interpretação topográfica, pois estão arrolados no Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais), e como tais, são dotados de indubitável exigibilidade.
Não se trata de uma simples determinação acerca da fundamentalidade ou não dos direitos sociais. O estudo cauteloso e dedicado desses direitos leva a uma concatenação de teorias que os classificam em duas dimensões: objetiva e subjetiva. A primeira autoriza o titular do direito a pleitear em juízo uma ação ou omissão estatal. Já a segunda, por sua vez, vincula os poderes constituídos ao cumprimento dos direitos fundamentais. Nela, os direitos fundamentais possuem as funções de defesa, de prestação e de não discriminação.
Há, entretanto, direitos sociais não prestacionais, que não demandam do Estado ações para a sua exequibilidade, bastando-lhes o reconhecimento constitucional. Todavia, essa divisão é puramente didática. Afinal, não seria útil conferir eficácia apenas aos direitos que demandam uma abstenção estatal. Isso equivaleria, em tese, à verdadeira eliminação das normas constitucionais programáticas na inadimplência dos poderes públicos.
Porém, em se admitindo que os direitos sociais são direitos fundamentais, estabelece-se mais outra questão, esta quanto aos limites materiais de alteração constitucional. Estariam os direitos sociais dentre os obstáculos à reforma da Constituição?
Preceitua a Constituição, dentre outros limites, no § 4º do art. 60, que os direitos e garantias individuais são impassíveis de tentativa de abolição, sequer em proposta de emenda constitucional.
No entanto, não há menção específica aos direitos sociais, e o rol, porque taxativo, dada a própria essência de restrição e engessamento constitucional, não abrangeria, pressupõe-se, esses direitos. É nesse entender que leciona Sarlet:
“Constituindo os direitos fundamentais sociais (assim como os políticos) valores basilares de um Estado social e democrático de Direito, sua abolição acabaria por redundar na destruição da própria identidade da nossa ordem constitucional, o que, por evidente, se encontra em flagrante contradição com a finalidade precípua dos limites materiais.”[19]
Já quanto às barreiras à efetivação dos direitos sociais, diz-se a origem do termo “reserva do possível” em meados de 1970, na Alemanha. O Tribunal Constitucional Federal Alemão, inspirado na expressão “Limite do Orçamento”, emprestou a concepção da Economia quando do julgamento de um caso emblemático envolvendo duas universidades.
Senão, veja-se:
“Segundo o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, esses direitos a prestações positivas (Teilhaberechte) “estão sujeitos à reserva do possível no sentido daquilo que o indivíduo, de maneira racional, pode esperar da sociedade”. Essa teoria impossibilita exigências acima de um certo limite básico social; a Corte recusou a tese de que o Estado seria obrigado a criar a quantidade suficiente de vagas nas universidades públicas para atender a todos os candidatos.”[20] (grifo nosso)
De acordo com a noção da reserva do possível, a efetividade dos direitos sociais a prestações materiais estaria condicionada à reserva das capacidades financeiras do Estado, restringindo consideravelmente a possibilidade de um cidadão demandar um direito social.
Daí, exigir para além das forças econômicas do Estado seria um pedido, a uma só vez, inconcebível e abusivo. Seria como o “sentar-se sob a espada” a que se fez alusão na abertura deste artigo.
A disponibilidade fática dos recursos se coloca como fator limitante dos direitos positivos. Porém, muitas vezes essa justificativa faz as vezes de justificação, sobrepondo-se à dignidade humana, sob a desculpa de que todos os direitos custam dinheiro, e de que não é possível ao Estado financiar todos os direitos de uma só vez, devendo eleger prioridades.
É certo que a ideia de um “mínimo existencial” em favor de cada um dos indivíduos implica numa necessária provisão de fundos para o financiamento da concretização dos direitos assegurados constitucionalmente. Ocorre que a batizada “reserva do possível” é, muitas vezes, encarada como argumento sofístico, subterfúgio político para a não efetivação de direitos sociais.
Assim consignou o Ministro Celso de Mello, em julgado:
"A cláusula da reserva do possível – que não pode ser invocada, pelo Poder Público, com o propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar a implementação de políticas públicas definidas na própria Constituição – encontra insuperável limitação na garantia constitucional do mínimo existencial, que representa, no contexto de nosso ordenamento positivo, emanação direta do postulado da essencial dignidade da pessoa humana. (…) A noção de ‘mínimo existencial’, que resulta, por implicitude, de determinados preceitos constitucionais (CF, art. 1º, III, e art. 3º, III), compreende um complexo de prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantir condições adequadas de existência digna, em ordem a assegurar, à pessoa, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e, também, a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básicos, tais como o direito à educação, o direito à proteção integral da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à assistência social, o direito à moradia, o direito à alimentação e o direito à segurança. Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana, de 1948 (Artigo XXV)." (ARE 639.337-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 23-8-2011, Segunda Turma, DJE de 15-9-2011.) (grifo nosso)
A competição por recursos escassos não pode ser analisada como tema exclusivo, hiperdimensionado da omissão estatal. Impende a observância de outros aspectos fundamentais, como as razões pelas quais o governante e o legislador foram levados àquelas opções em específico, em detrimento de outras. É caso nítido de ponderação de interesses. Em sede de controle de constitucionalidade, seria demasiadamente cômodo ao Poder Judiciário se restringir a alegar tão somente que os direitos sociais então pleiteados devem ser atendidos. Apontar como se proceder à execução das políticas públicas, quais direitos justapõem-se a outros, ou qual o modo mais inteligente do ponto de vista da eficácia de alocação de receita pública são temas delicados, mas obrigatórios.
Essa, obviamente, não é função tipicamente jurisdicional, mas deve ser levada em conta, até mesmo com vistas à efetivação do controle judicial. Do mesmo modo, o legislador não pode se omitir à consideração da concretização das normas que elabora. Toda contribuição nesse sentido é de grave relevo, e essencial ao funcionamento do Estado como provedor de condições mínimas de um solo fértil para o desenvolvimento social. Nesse esteio:
“Mesmo sob o ponto de vista conservador no manejo do princípio da separação de poderes, a intervenção judicial se mostra visível para implementar a manifestada opção do legislador, compelindo o executor do orçamento a agir conforme a decisão explicitada no orçamento.”[21]
Segundo Joaquim José Gomes Canotilho, o orçamento público é lei, que encadeia recursos e destinações, enlaçando-os. Essa previsão orçamentária deve fiel e obrigatória observância dos princípios constitucionais e submete-se aos órgãos de controle (inclusive de constitucionalidade).[22] Essa posição afina-se com a estrutura política e judiciária brasileira.
O orçamento público é não menos que meio de efetivação das metas da Constituição. O Estado se planeja e se organiza financeiramente, sintetizando-se neste instrumento, primordial para a consecução da igualdade material entre os cidadãos.
Doutra posição, encontramos outros doutrinadores[23], fortes na alegação de que orçamento público é ato administrativo do Poder Executivo, sujeito ao crivo do Legislativo.
Uma vez aprovado, configura autorização de gastos e de obtenção de recursos. E, porque mero ato administrativo, não se submete à fiscalização judicial, mas apenas ao alvedrio do Poder Executivo. Ainda assim, essa não nos parece a conclusão mais acertada. A responsabilidade pela efetivação de direitos fundamentais não pode se ver subjugada exclusivamente à vontade administrativa.
E essa é a lógica do sistema de pesos e contrapesos: uma constante, harmônica e mútua fiscalização entre os poderes estatais. Eis porque, mesmo que ao governante seja admitido o arbítrio da ordenação das despesas, é preciso se falar no mínimo de vinculatividade do orçamento público.
Ater-se o controle jurisdicional à inconstitucionalidade formal de leis orçamentárias não é medida coerente com o seu poder de fiscalização de mérito, porque este reflete na concretização dos direitos fundamentais sociais. Portanto, o furtar-se à análise do atendimento pelo gestor público dos parâmetros constitucionais no planejamento financeiro estatal é omissão jurisdicional, cuja vedação está bastante nítida na lógica constitucional.
III – O PAPEL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NA MATERIALIZAÇÃO DOS DIREITOS DE SEGUNDA GERAÇÃO
Para Ihering, “a essência do direito consiste na sua realização prática. Uma norma jurídica que nunca tenha alcançado essa realização, ou que a tenha perdido, já não faz jus a este nome.” E os direitos fundamentais sociais visam justamente uma concretização para a qual já não basta a abstenção. Assim, a sua própria existência está condicionada à sua eficácia.
De imediato, estes direitos não alcançaram senão a esfera programática, relegados à condição de subdireitos, dependentes do talante legislativo ou administrativo, pois:
“(…) passaram primeiro por um ciclo de baixa normatividade ou tiveram eficácia duvidosa, em virtude de sua própria natureza de direitos que exigem do Estado determinadas prestações materiais nem sempre resgatáveis por exiguidade, carência ou limitação de meios e recursos.” [24]
Hoje, elevados ao patamar de direitos de aplicabilidade imediata, sob o preceito da fundamentalidade, afiguram-se não só exigíveis como necessariamente executáveis. Então, pergunta-se: se para se corporificarem, é imprescindível que o Estado atue, porque não uma atuação jurisdicional? Aquele discurso que pretenda desqualificar um pronunciamento judicial na defesa de direitos sociais é, no mínimo, reducionista, pois desconsidera que o órgão de cúpula do Poder Judiciário, Estado que é, atuando em nome da sociedade, possui função típica, e não exclusiva.
A materialização dos direitos sociais é questão demarcada pelo seguinte tripé estatal: Executivo, Legislativo e Judiciário. Mas não é só. A sustentação última do sistema, que atua como força impulsionadora das prioridades determinadas a partir do modelo ponderativo de Alexy[25], não poderia ser senão a soberania popular. É ela que incita e orienta a atuação dos poderes estatais.
“Mas sobreviver como? À sombra das Constituições e dos Tribunais Constitucionais, cuja jurisprudência atualiza, a cada aresto oracular, tanto a matéria dos direitos sociais como a da limitação de poderes. Removendo ambiguidades ou solvendo controvérsias, faz-se, pela via hermenêutica, o texto se acercar da realidade, ou seja, produz-se a eficácia, a juridicidade, o respeito e o cumprimento rigoroso das normas constitucionais.”[26]
Entendemos por encargo jurídico-político do Supremo Tribunal Constitucional suprimir as inadimplências dos demais órgãos estatais que comprometam a aplicabilidade dos direitos sociais. A integralidade dos direitos fundamentais está diretamente ligada à vontade política de efetuá-los de fato.
À Corte Constitucional Brasileira chegam, com muita recorrência, demandas que clamam pela efetivação de direitos sociais. Não raro dizem respeito ao direito à saúde, ou à educação. Todavia, notadamente se tratam de pleitos individuais, a título de obter do Estado uma prestação social de natureza coletiva. Mas, conforme já se demonstrou, os direitos fundamentais sociais sempre possuirão uma perspectiva individual, o que não os descaracteriza.
O impacto orçamentário de uma decisão judicial sobre direitos sociais não pode ser ponto ignorado. Patente que deferir um pleito de natureza prestacional positiva pode gerar consequências significativas quanto ao orçamento público, cuja gestão incumbe aos demais poderes. Mas o problema nem sempre é a escassez de recursos. Tantas as vezes que se nota, em seu lugar, uma má gestão das reservas públicas!
A inafastabilidade do controle jurisdicional e a preservação de direitos fundamentais devem, entretanto, ser aplicadas com muita cautela. O imiscuir de um poder nos demais sempre será, de certo modo, uma agressão ao modelo estanque originalmente apresentado de separação de poderes, e há que ser feito toda vez na intenção de obter o equilíbrio estatal, em busca da eficácia do texto constitucional.
CONCLUSÃO
Não é devaneio absurdo se tracejar uma Jurisdição Constitucional Social em que o Supremo Tribunal Federal exerça o protagonismo da materialização dos direitos sociais. O próprio sistema de controle de constitucionalidade brasileiro favorece esse desenho institucional. A mescla dos modelos europeu e americano, num controle que é, ao tempo que difuso, também concentrado, amplia a competência jurisdicional.
No Brasil, essa imensa abrangência funcional somada ao livre acesso ao Judiciário; a um rol extenso de legitimados à proposição de ações diretas; à exposição e à transparência dos julgamentos constitucionais na TV Justiça são fatores que promovem a abertura institucional do Supremo Tribunal Federal para discussões que se inauguram no contexto popular.
Assim, em tese, é possível levar à Suprema Corte uma gama inimaginável de temas constitucionais a serem analisados, dentre eles aqueles concernentes à implementação de direitos fundamentais sociais. Nesse sentido já deliberou o Supremo:
“Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão – por importar em descumprimento dos encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório – mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. A questão pertinente à ‘reserva do possível’." (RE 436.996-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 22-11-05, Segunda Turma, DJ de 3-2-2006.) [27]
Por óbvio, o estabelecimento de alguns limites a essa intervenção judicial é medida de primeira ordem. Mas os freios devem ficar a cargo dos próprios magistrados, no exercício consciente de sua função, solução que pode parecer um tanto arriscada. Afinal, que garantias teremos de uma atuação responsável, dentro dos estritos parâmetros constitucionais, sem abusos no paradigma da separação dos poderes?
Acreditamos, porém, seja essa uma providência eventual, e não definitiva. A conjuntura social brasileira contemporânea tem oportunizado a germinação de contrapesos, como proposto para o sistema de tripartição de poderes. Mas também possui campo amplo para, mais que pesos, apor verdadeiros impulsos ao exercício dos deveres estatais. Recorrer ao Poder Judiciário transfigurou-se num refúgio valioso aos desamparados. Supomos, então, o tal ativismo judicial seja o primeiro passo para fazer agir as outras pontas estatais.
Em longo prazo, não será mais tão essencial julgar, pois antes disso, já se terá executado. Transmudar-se-á o anterior ativismo judicial em não mais que o presságio de um potencial controle de constitucionalidade. Seguros de que os órgãos do Judiciário poderão intervir em suas competências funcionais, os demais poderes antecipam-se, cumprindo seus papéis, por pura prevenção.
E ainda mais importante é observar que, na grande maioria das vezes, o Supremo Tribunal Federal atua estritamente dentro dos limites de seu esboço institucional, sem pretender um modelo juriscêntrico para o país, o que nos serve para confirmar que os próprios ministros empregarão travas à judicialização dos direitos sociais. Até porque, caso contrário, pode-se imaginar a crise entre poderes que se instauraria, a ponto inclusive de retirarem o Poder Executivo e o Poder Legislativo a coercibilidade de decisões judiciais contrárias ao seus alvedrios, em descumprindo-as.
De caso desgarrado a tendência eficaz, a resposta jurisdicional revela-se saída capaz de obter préstimos estatais (coativos) que atendem as previsões constitucionais e as necessidades sociais, a um só ato. Isso porque:
“É possível ao Poder Judiciário determinar a implementação pelo Estado, quando inadimplente, de políticas públicas constitucionalmente previstas, sem que haja ingerência em questão que envolve o poder discricionário do Poder Executivo.” (AI 734.487-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 3-8-2010, Segunda Turma, DJE de 20-8-2010.) [28]
No entanto, admitir que se defira, judicial e incondicionalmente, a destinação de verbas públicas para manejo de políticas sociais é manobra aventurosa, e até irresponsável, quando independente de prévia análise do orçamento público. Cotejar previsão orçamentária e intenção de materialização é pré-condição de executoriedade. A alocação de verbas públicas em determinadas searas e a efetiva destinação desses recursos são nuanças imperiosas para o debate acerca dos direitos sociais.
Até mesmo porque contribuem para a omissão governamental e legislativa diversos fatores, como a má gestão dos recursos, os desvios de verbas públicas, a ausência de consulta à população e de pesquisas técnicas sobre as demandas sociais, além do fato de muitas vezes a concretização dos direitos sociais alguns temas sensíveis, sem consenso dos especialistas ou da sociedade.
Por fim, e aos nossos olhos, na análise do planejamento governamental, quando presentes indicativos de recursos que não se efetivaram em investimentos concretos, deve haver necessariamente alguma fiscalização – inclusive em sede de controle de constitucionalidade que não se atenha apenas à forma, mas também ao mérito administrativo – para que os poderes Executivo e Legislativo sejam impelidos ao atendimento dos direitos fundamentais sociais.
Referências
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Notas:
[1] SARLET, Ingo Wolfgang (org.) Jurisdição e Direitos Fundamentais. LEAL, Rogério Costa. O controle jurisdicional de políticas públicas no Brasil: possibilidades materiais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 161-162.
[2] BARROSO, Luis Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. In: Revista da OAB. Disponível em: <http://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1235066670174218181901.pdf> Acesso em: 02 jul 2013.
[3] Ibidem. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 119.
[4] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. Coimbra: Armênio Amado, 1984. p. 423.
[5] SARLET, Ingo Wolfgang (org.) Jurisdição e Direitos Fundamentais. LEAL, Rogério Costa. O controle jurisdicional de políticas públicas no Brasil: possibilidades materiais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 169.
[6] ALEXY, Robert. Epílogo a la teoria de los derechos fundamentales. Revista Española de Derecho Constitucional, Madrid, ano 22, nº 66, 2002.
[7] BARROSO, Luis Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. In: Revista da OAB. Disponível em: <http://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1235066670174218181901.pdf> Acesso em: 02 jul 2013.
[8] KRELL, Andreas J. Realização dos direitos fundamentais sociais mediante controle judicial da prestação dos serviços públicos básicos (uma visão comparativa). In: Revista de Informação Legislativa. p. 240.
[9] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008. p.711.
[10] MORRIS, Clarence (org.) Os grandes filósofos do Direito – Leituras escolhidas em Direito. BENTHAM, Jeremy. Uma introdução aos princípios da moral e da legislação. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 262.
[11] KRELL, Andreas J. Realização dos direitos fundamentais sociais mediante controle judicial da prestação dos serviços públicos básicos (uma visão comparativa). In: Revista de Informação Legislativa. p. 242.
[12] SCAFF, Facury Fernando; ROMBOLI, Roberto; REVENGA, Miguel (coord.) A eficácia dos Direitos Sociais. SCAFF, Facury Fernando. A efetivação dos direitos sociais no Brasil: garantias constitucionais de financiamento e judicialização. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 27.
[13] VON IHERING, Rudolf (1818-1892). A luta pelo direito. Tradução de Roberto de Bastos Lellis. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1987. p. 18.
[14] SCAFF, Facury Fernando; ROMBOLI, Roberto; REVENGA, Miguel (coord.) A eficácia dos Direitos Sociais. SCAFF, Facury Fernando. A efetivação dos direitos sociais no Brasil: garantias constitucionais de financiamento e judicialização. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 30.
[15] SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos fundamentais sociais como cláusulas pétreas. In: Cadernos de Direito. Piracibaba, 2003. Disponível em: <https://www.metodista.br/revistas/revistas-unimep/index.php/direito/article/view/828/355> Acesso: 02 jul 2013. p. 91.
[16] CLÉVE, Clemerson Merlin. A eficácia dos direitos fundamentais sociais. In: Revista de Direito Constitucional e Internacional. p. 29.
[17] Ibidem. p. 32.
[18] KELBERT, Fabiana Okchestein. Reserva do possível e a efetividade dos direitos sociais no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011. p. 58.
[19] SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos fundamentais sociais como cláusulas pétreas. In: Cadernos de Direito. Piracibaba, 2003. Disponível em: <https://www.metodista.br/revistas/revistas-unimep/index.php/direito/article/view/828/355> Acesso: 02 jul 2013. p. 94.
[20] BIGOLIN, Giovani. A reserva do possível como limite à eficácia e efetividade dos direitos sociais. In: Revista Doutrina. Disponível em <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/15658-15659-1-PB.pdf>. Acesso em 30 jun 2013
[21] BIGOLIN, Giovani. A reserva do possível como limite à eficácia e efetividade dos direitos sociais. In: Revista Doutrina. Disponível em <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/15658-15659-1-PB.pdf>. Acesso em 30 jun 2013
[22] CANOTILHO, Joaquim José Gomes. A Lei do Orçamento da Teoria da Lei – separata do Boletim Especial da Faculdade de Direito de Coimbra. Coimbra- Portugal, 1978.
[23] TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2006. p. 177.
[24] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1994. p. 518
[25] ALEXY, Robert. Epílogo a la teoria de los derechos fundamentales. Revista Española de Derecho Constitucional, Madrid, ano 22, nº 66, 2002.
[26] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1994. p. 528.
[27] No mesmo sentido: RE 582.825, Rel. Min. Ayres Britto, decisão monocrática, julgamento em 22-3-2012, DJE de 17-4-2012; RE 464.143-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 15-12-2009, Segunda Turma, DJE de 19-2-2010; RE 595.595-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 28-4-2009, Segunda Turma, DJE de 29-5-2009.
[28] No mesmo sentido: ARE 725.968, rel. min. Gilmar Mendes, decisão monocrática, julgamento em 7-12-2012, DJE de 12-12-2012; ARE 635.679-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 6-12-2011, Primeira Turma, DJE de 6-2-2012.
Informações Sobre o Autor
Bruna Mello de Miranda
Advogada. Atendente de Reintegração Social da Secretaria de Estado da Criança do Distrito Federal. Especialista em Direito Público pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios