Resumo: O presente artigo traz apontamentos críticos sobre o estabelecimento do valor mínimo de 100 salarios mínimos para constituir Empresa Individual de Reponsabilidade limitada. Contudo se por um lado a medida teve como escopo proteger aqueles que mantem relações negociais com a empresa por outro é fator de desestímulo à constituição desta modalidade de empreendimento em razão do valor considerado alto para a constituição de um negócio.
O ordenamento jurídico pátrio, seguindo tendência já adotada por países com mesmo modelo legislativo instituiu, através da Lei 12.441/2011, a limitação de responsabilidade do agente econômico que exerce individualmente atividade empresarial. A norma promoveu alterações no Código Civil, introduzindo no art. 44, que relaciona o rol das pessoas jurídicas de direito privado, a figura da empresa individual de responsabilidade limitada.
Todavia, os principais reflexos deste novo instituto encontram-se no Livro II do diploma privatista, que trata do Direito de Empresa. O objetivo da lei foi atender uma reivindicação do meio empresarial, que o empreendedor pudesse exercer individualmente a sua atividade sem que o seu patrimônio pessoal esteja diretamente vinculado aos eventuais riscos do negócio.
O diploma prevê a constituição da figura da empresa individual, sujeito de direitos e deveres distinta da pessoa do empreendedor que a institui. A atividade empresarial passa a ser titularizada pelo ente personalizado que possuirá autonomia patrimonial, contratual e processual. Esse sujeito é diverso da pessoa física que envida esforços a fim de subscrever o capital para a constituição da empresa e a representa legalmente. E também distingue-se da figura do empresário individual que assume o risco pelas obrigações assumidas no âmbito da atividade respondendo com o seu patrimônio pessoal.
Destaca-se, como uma das perspectivas da lei, a busca de maior verossimilhança no processo de criação da empresa. Busca-se evitar a constituição de sociedades integradas por pessoas que são incluídas em seus quadros, apenas, para atender ao requisito legal de pluralidade na constituição de uma sociedade. Assim, asseguram que o patrimônio da sociedade seja distinto dos membros que a integram.
A lei foi criada para atender pessoas que querem constituir por conta própria uma atividade empresarial, disponham de condições para tanto, mas que prezam pela manutenção do seu patrimônio particular e querem se resguardar de possíveis desacertos na condução do negócio. Através do estabelecimento de uma EIRELI o empreendedor pode se utilizar do benefício da separação patrimonial. Portanto, as obrigações assumidas no exercício da atividade, em regra, serão de responsabilidade da pessoa jurídica.
Ocorre que a intenção buscada pelo legislador foi dificultada pela forma como o instituto foi introduzido no ordenamento.
Dentre os requisitos para constituição de uma EIRELI encontra-se a exigência de que o empreendedor disponha de um capital inicial mínimo de 100 salários mínimos, que deverá ser devidamente integralizado. [1]
O capital constitui valor inicial destinado a estruturação da atividade empresarial. É o aporte fornecido pelo empreendedor, pessoa física ou jurídica, para que o negócio seja exercido de forma individual ou coletiva.
A quantia investida na constituição da atividade, geralmente é integralizada através de dinheiro ou bens, podendo ser feito logo no início da atividade ou a prazo.
Segundo leciona Mônica Gusmão:
“O étimo capital provém do latim capitalis, de caput, com o sentido de principal fonte, origem. Expressa a ideia de algo que se sobrepõe, prepondera, releva. Qualquer que seja o sentido em que se invoque o termo, a ideia principal é de soma de valores ou de coisas que possuam valor de troca. O capital social é toda quantia econômica aplicada com o fito de lucro. (…) Capital social é o conjunto de contribuições realizadas ou a realizar pelos sócios para o fim específico de formação da sociedade.”[2]
Em relação ao montante mínimo a ser subscrito para a formação da empresa, o diploma legal pátrio, em regra, se inspira no princípio da livre iniciativa, deixando ao arbítrio do empreendedor a verificação do subsídio necessário para o desenvolvimento de seu negócio. [3]
Contudo, na lei 12.441/11 o legislador optou por estabelecer capital para formação da empresa, fixando o valor mínimo de cem salários mínimos. Se por um lado a medida teve como escopo proteger aqueles que mantem relações negociais com a empresa, por outro é fator de desestímulo à constituição desta modalidade de empreendimento, em razão do valor, considerado alto para a constituição de um negócio.
São inúmeras as críticas acerca desta imposição, que destoa dos demais tipos empresariais constituídos no país e não coaduna com a intenção do legislador em promover o aumento do número de empresas regulares e o desestímulo às sociedades limitadas com sócios de fachada.
A irresignação com o estabelecimento de valor mínimo para constituição de EIRELI foi objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4.637) julgada no STF. Buscou-se a declaração da inconstitucionalidade do dispositivo por afronta o princípio da livre iniciativa encampado pela Constituição Federal no capítulo que trata da ordem econômica. A limitação de um valor mínimo reduziria a oportunidade de pequenos empreendedores adotarem esta modalidade. Contudo, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela constitucionalidade do dispositivo.
Em função das críticas há projeto de modificação da lei que procuram adaptar a modalidade às necessidades do meio empresarial e excluir a exigência de capital mínimo.
A constituição do capital como elemento obrigatório para a criação de uma empresa deve ser observada a partir de princípios que orientam sua função na estrutura de uma atividade negocial.
É notável a introdução no ordenamento jurídico pátrio de diploma legal que prevê a limitação da responsabilidade do agente econômico nos casos de exploração individual da atividade empresarial, restringindo-a ao aporte investido para constituição do empreendimento. Tal medida contribui para a segurança daqueles que atuam no meio empresarial, estimulando o crescimento econômico.
Contudo, através de uma análise do diploma resta evidenciado a edição de uma lei que confunde conceitos adotados pela Teoria da Empresa, deixa lacunas sobre os legitimados a constituírem essa nova pessoa jurídica e possui impropriedades na redação ao transcrever institutos aplicáveis às sociedades, como se a nova figura criada fosse um tipo de sociedade empresária.
Assim, em vez de facilitar a adoção dessa forma empresarial as imperfeições trazem limitações que reduzem o âmbito de alcance da lei.
Informações Sobre o Autor
Kelle Grace Mendes Caldeira e Castro
Professora da Faculdade de Direito Santo Agostinho. Mestranda em Direito Empresarial pela Faculdade de Direito Milton Campos. Especialista em Direito Empresarial pela Escola Superior de Advocacia da OAB/MG. Advogada