Resumo: A possibilidade ou não de responsabilizar civilmente aquele que abandona afetivamente um filho vem sendo debatido no cenário jurídico nacional nos últimos anos. O presente artigo busca analisar a incidência ou não do dever de indenizar por danos morais as situações onde o abandono afetivo for identificado. Serão analisadas questões introdutórias da responsabilidade civil e far-se-á um breve histórico da família e as transformações ocorridas no decorrer dos tempos, desde a destituição do pátrio poder até o surgimento de uma família igualitária, ainda sobre a etapa em que havia distinção entre filhos. Analisar-se-á a condição dos filhos como sujeitos de direitos, considerando o princípio da dignidade da pessoa humana. Após, será estudado brevemente acerca do abandono afetivo. Nesse sentido se abordará acerca do dano moral e, ainda será analisada a aplicação ou não de indenização em decorrência do abandono afetivo, mediante analises doutrinarias e jurisprudenciais.
Palavras-chave: Abandono afetivo. Dano moral. Família. Responsabilidade civil.
Abstract: The possibility or not civilly who affectively abandons a child has been debated in the national legal scenario THE LAST years. This article seeks to analyze the incidence or not the duty to indemnify for punitive damage situations where the emotional distance is identified. Introductory issues of liability will be analyzed and a brief history of the family and the changes occurring in the course of time, since the removal of paternal power until the emergence of an egalitarian family, yet on the stage in which was no distinction between will be built sons. Will be analyzed – the condition of children as subjects of rights, considering the principle of human dignity. After, will be studied briefly about the emotional distance. Accordingly be approached about the moral damage and still be considered or not the application for compensation as a result of emotional abandonment by doctrinal and jurisprudential analysis .
Keywords: emotional neglect. Material damage . Family. liability
1 INTRODUÇÃO
O estudo da responsabilidade civil decorrente do abandono afetivo não envolve somente a legislação dentro do direito de família, mas sim, envolve questões éticas e morais. Isso porque a família, na sociedade brasileira, sofreu diversas transformações, nas quais se buscou uma família mais humanizada, onde houvesse a uma maior proteção estatal dentro desta instituição, o que fez com.
Que o Estado se vise obrigado a preservar alguns direitos antes não observados.
O abandono afetivo se caracteriza mediante a omissão de um dos pais no dever de prestar a atenção psicológica ao menor. Contudo, ainda não há nenhuma previsão legal acerca do tema e, há várias discussões ante a possibilidade ou não de responsabilizar o genitor por referida omissão.
Dessa forma, o presente artigo visa identificar se há ou não a possibilidade de indenizar os filhos em decorrência de abandono afetivo praticado pelos genitores, diante da não prestação dos cuidados necessários, tanto psicológicos, como morais com os filhos.
2. A RESPONSABILIDADE CIVIL: NOÇÕES INTRODUTÓRIAS
A fim de melhor compreender o estudo a ser realizado, imprescindível o exame do tema “responsabilidade civil”, salientando-se que a análise será adstrita ao mencionado, abordando questões introdutórias da responsabilidade civil, a fim de demonstrar os aspectos gerais desta, bem como seus pressupostos, tais como, conduta, dano, nexo de causalidade e culpa e, ainda uma breve diferenciação entre responsabilidade civil objetiva e subjetiva.
2.1 Aspectos gerais da Responsabilidade civil
A responsabilidade civil tem seu surgimento no direito romano, onde a forma de reparação era havida mediante a vingança, baseada na lei de talião, “olho por olho, dente por dente”. Com o decorrer dos tempos, o poder público começou de certa forma, a intervir na aplicação das penas, permitindo ou não a utilização da referida reparação. Após este período, iniciou-se a composição tarifada, na qual a indenização era obrigatória, regulamentada por lei que fixava a indenização ao caso concreto. (SANTOS, 2012 [s/p])[1].
Passado por essas fases surgiu a Lex Aquiliana, ou seja, responsabilidade civil aquiliana, mediante a qual houve o surgimento da responsabilidade extracontratual, sendo de suma importância ao desenvolvimento da responsabilidade civil, posto que esta nova legislação trouxe ao ordenamento uma substituição da pena, eis que passou a ser fixada uma indenização, mediante a observação do dano causado à vítima e não mais de forma preestabelecida em lei. (SANTOS, 2012 [s/p]). Senão veja-se:
“A indenização permanecia substituindo o caráter da pena, sendo que os textos relativos a ações de responsabilidade se espraiaram de tal forma que, em ultimo grau do direito romano, já não mais faziam menção apenas aos danos materiais, mas também aos danos morais.” (DIAS, 2006, pág. 26).
A responsabilidade civil aquiliana, com o Código Civil de Napoleão, instituiu a culpa como pressuposto de sua aplicação. Assim, várias legislações tiveram influência da legislação francesa, dentre elas o Código Civil brasileiro de 1916.
É através das modificações diárias da sociedade que se torna necessário o aprimoramento das normas, ou mesmo, sua criação, visando uma proteção maior aos direitos da sociedade. Dias (2006), relata acerca da evolução da responsabilidade:
“O instituto é essencialmente dinâmico, tem de adaptar-se, transformar-se na mesma proporção em que evolve a civilização, há de ser dotado de flexibilidade suficiente para oferecer, em qualquer época, o meio ou processo pelo qual, em face de nova técnica, de novas conquistas, de novos gêneros de atividades, assegure a finalidade de restabelecer o equilíbrio desfeito por ocasião do dano, considerado, em cada tempo, em função das condições sociais vigentes”. (DIAS, 2006, pág. 25).
Assim, aduz-se que com tais desenvolvimentos a responsabilidade civil é analisada em sentido amplo, remetendo a uma ideia de obrigação, contraprestação, para uma posterior reparação de um prejuízo gerado pela violação de um direito pré-existente, mediante a presença ou ausência da culpa. Assim, Dias (2006) define responsabilidade, vale conferir: “A responsabilidade é, portanto, resultado da ação pela qual o homem expressa o seu comportamento, em face desse dever de obrigação”.
Entende-se que antes de haver uma responsabilização, é necessária a existência de uma obrigação anterior. Nesse sentido, (Cavalieri, 2004, p.24) expõe:
“Obrigação é sempre um dever jurídico originário; responsabilidade é um dever jurídico sucessivo consequente à violação do primeiro. Neste norte, o código civil também apresenta a distinção havida entre a obrigação e a responsabilidade em seu art. 389. “Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos (…).”
Com a constante transformação da sociedade e de suas necessidades, o atual Código Civil, dentre as modalidades de obrigação que já integravam nosso ordenamento (dar, fazer, não fazer), incluiu-se a obrigação de indenizar:
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”. (BRASIL, C.C/2002).
Denota-se que violada uma obrigação, surge o dever de indenizar mediante o cometimento de um ato ilícito. Com base nesse pressuposto, observa-se:
“A responsabilidade civil opera a partir do ato ilícito, com o nascimento da obrigação de indenizar, que tem por finalidade tornar indemne o lesado, colocar a vítima na situação em que estaria sem a ocorrência do fato danoso”. (CAVALIERI, 2008).Ver pág.
Irá advir da norma legal a obrigação de indenizar, pois será a lei que determinará quando surge a obrigação. Para se identificar quando há o dever de responsabilizar o lesado, se analisará dois pontos. Para que seja identificada a responsabilidade civil torna-se necessário a observação dos pressupostos, a conduta, o dano, o nexo causal e a culpa, que serão analisados no tópico seguinte.
2.2 Pressupostos da responsabilidade civil
Cavalieri Filho (2008, pág. 18) aduz que a partir da prática do ato ilícito, surge um conjunto de pressupostos da responsabilidade, sendo um elemento formal, um elemento subjetivo e outro elemento causal-material que devem ser analisados conjuntamente. O elemento formal ocorre quando de uma ação ou omissão voluntária do agente, este viola um dever jurídico. O elemento subjetivo é considerado o dolo ou a culpa. E o elemento causal-material sendo este ligado ao dano e o nexo de causalidade.
Os pressupostos da responsabilidade civil dividem-se em: conduta, dano, nexo causal e a culpa.
2.2.1 Conduta
A conduta do agente é o que, alicerçada na culpa e no dano causado, geram o dever de reparação do dano. Dessa forma, deve o agente agir ou se omitir a determinado fato, classificados como ação em sentido lato, abrangendo assim, uma ação stricto sensu e uma omissão. Cavalieri Filho traz um conceito de conduta, senão veja-se:
“Entende-se, pois, por conduta o comportamento humano voluntário que se exterioriza através de uma ação ou omissão, produzindo consequências jurídicas. A ação ou omissão é o aspecto físico, objetivo, da conduta, sendo a vontade o seu aspecto psicológico, ou subjetivo”. (CAVALIERI, 2008, pág. 24)
Diniz (2003, pág.37) leciona:
“E continua sua lição afirmando que o comportamento pode ser comissivo ou omissivo, sendo que a “comissão vem a ser a prática de um ato que não se deveria efetivar, e a omissão, a não-observância de um dever de agir ou da prática de certo ato que deveria realizar-se.” (fazer duas citações)
Assim, é por meio da ação ou omissão que a conduta humana causa dano a outrem. Eis que o dano pode ser causado por ato próprio ou de terceiro que esteja sobre a responsabilidade do agente, da mesma forma, por danos causados por coisas que estejam sob a guarda deste. Nesse sentido expõe Nader (2010, pág. 67):
“O dever de reparação pode ser uma decorrência da conduta do próprio responsável, de terceiro por cujos atos responda, como a situação em que se encontram os pais em relação aos filhos incapazes (culpa in vigilando) ou o empregador em face aos danos causados por empregados a terceiros (culpa in elegendo). Pode advir, ainda, de coisa inanimada ou de animal sob a sua guarda.”
A princípio, para que haja o dever de indenizar é necessária à existência de uma conduta ilícita, contudo, não se afasta a possibilidade de indenização por ato praticado por conduta lícita.
O ato de vontade é essencial para a conduta humana, pois exterioriza a consciência da ação ou omissão do agente, mesmo que este, não possua o discernimento do dano que pode efetivamente causar, mediante sua conduta.
Nesse norte, caracteriza-se a ação como um comportamento positivo, no qual o agente causa o dano operando, sem, contudo prever o resultado. Cavalieri Filho, 2010, pág. 24, discorre acerca da ação:
“A ação é a forma mais comum de exteriorização da conduta, porque, fora do domínio contratual, as pessoas estão obrigadas a abster-se da prática de atos que possam lesar o seu semelhante, de sorte que a violação desse dever geral de abstenção se obtém através de um fazer”.
A omissão, todavia, tem como característica um comportamento negativo, sendo que este, normalmente, não gera o dever de indenizar. Apesar disso, possuindo o agente o dever jurídico de agir, de impedir o resultado e, se não o fizer, por deixar de agir ou por não fazer nada para impedir o resultado quando imperiosa sua ação, deverá indenizar o lesado.
“[…] Só pode ser responsabilizado por omissão quem tiver o dever jurídico de agir, vale dizer, estiver numa situação jurídica que o obrigue a impedir a ocorrência do resultado. Se assim não fosse, toda e qualquer omissão seria relevante e, consequentemente, todos teriam contas a prestar à Justiça.” (CAVALIERI, 2008, pág. 25).
Denota-se que um dos pressupostos que deve ser analisado para uma possível verificação de responsabilidade civil, é a conduta. Que se concretiza mediante uma ação ou omissão do agente.
2.2.2 Dano
O dano significa uma lesão de dano moral ou patrimonial e com o decorrer dos anos a forma de analisar o dano na responsabilidade civil passou a ser diferente, posto que se iniciou uma analise, tanto de dano patrimonial, bem como de dano moral. Com esse novo posicionamento, Cavalieri Filho, conceituou o dano, veja-se:
“Conceitua-se, então, dano como sendo a subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como a sua honra, a imagem, a liberdade etc. Em suma, dano é lesão de um bem jurídico, tanto patrimonial como moral, vindo daí a conhecida divisão do dano em patrimonial e moral.” (CAVALIERI, 2010, pág. 71).
Pela legislação moderna, entende-se que somente haverá responsabilidade civil se houver dano, pois, dessa forma, se caracterizará a existência de um ato ilícito, não sendo necessária a ocorrência da culpa ou dolo, mas imprescindível que haja o dano efetivo a uma das partes. Observe-se:
“O dano é, sem dúvida, o grande vilão da responsabilidade civil. Não haveria que se falar em indenização, nem em ressarcimento, se não houvesse o dano. Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade sem dano”. (CAVALIERI, 2010, pág. 70).
Ainda:
“Nos termos da Lei Civil, somente haverá ato ilícito em caso de dano material ou moral. Daí poder-se afirmar que o elemento dano é essencial à caracterização do ato ilícito”. (NADER, 2010, pág. 73).
Para que o dano causado seja suscetível de reparação, depende que o dano seja injusto, ou que não seja previsível sua proteção no ordenamento jurídico. Encontram-se protegidos no âmbito jurídico os danos gerados mediante a legítima defesa, exercício regular de direito ou para extrair perigo eminente (NADER, 2010).
O dano ocorrerá em face de patrimônios individuais que são divididos em bens materiais e imateriais. Os bens materiais são aqueles em que se torna possível à verificação e avaliação da prestação pecuniária. Já os bens imateriais compreendem aqueles inerentes à personalidade, a vida, a hora, a liberdade, os quais tornam mais complexa à fixação de indenização ao dano possivelmente causado (NADER, 2010, pág. 86).
Cavalieri Filho, (2008, pág. 80), ensina que com a Constituição de 1988, novas normas foram introduzidas em seu texto, trazendo novas formas de dano. Entre as quais se instituiu o dano moral, também conhecido como dano extrapatrimonial, que será tratado em item distinto.
Por fim, denota-se que o dano é essencial que ocorra um dano a vítima de ato ilícito, objetivando uma responsabilidade civil futura ao ofensor.
2.2.3 Nexo de Causalidade
O nexo causal é de suma importância para que outros elementos instituidores da responsabilidade civil venham a serem identificados, sendo que é o liame entre a conduta do agente e o dano.
Necessário analisar primeiro o nexo de causalidade, se o agente deu causa ao dano, para posteriormente verificar a se houve culpa ou não no ato praticado. Tendo em vista que ninguém deve responder por algo a que não deu causa. Devendo analisar, se o dano causado à vítima ocorreu face ao ato ilícito praticado pela mesma. Por isso é de suma importância a exigência do nexo causal.
“Em síntese, é necessário que o ato ilícito seja a causa do dano, que o prejuízo sofrido pela vítima seja resultado desse ato, sem o que a responsabilidade não correrá a cargo do autor material do fato. Daí a relevância do chamado nexo causal. Cuida-se, então, de saber quando um determinado resultado é imputável ao agente; que relação deve existir entre o dano e o fato para que este, sob a ótica do Direito, possa ser considerado causa daquele”. (CAVALIERI, 2010, pág. 46).
É o nexo causal o vinculo entre a causa e efeito, bem como entre a conduta e o resultado, sendo que decorrem das leis naturais. Mediante a observação dos elementos acima descritos é que se identificará o causador do dano. Nesse sentido, Cavalieri Filho, (2008, pág. 46) expõe: “O conceito de nexo causal não é jurídico; decorre das leis naturais. É o vinculo, a ligação ou relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado”.
Nader (2010, pág. 114) aponta que em determinados casos a presença de nexo de causalidade é dispensável, ou seja, a prova da ocorrência do dano e as circunstâncias já indicam a culpa do agente, um bom exemplo seria nos casos de acidentes nucleares. Contudo, para os casos em que há necessidade da existência do nexo causal e, frente à dificuldade para determinar sua presença, criou-se três teorias, sendo essas, a teoria da equivalência dos antecedentes, a teoria da causalidade adequada e a teoria do dano direto e imediato.
A teoria da equivalência dos antecedentes delimita que todas as condutas conduzem ao prejuízo, não distingue causa e condição, assim, se várias causas concorrem para o mesmo resultado, a todos serão atribuídos valor idêntico, eis que se equivalem as causas (DAMIAN, 2009 [s/p])[2].
“Toda e qualquer circunstância que haja ocorrido para produzir o dano é considerada uma causa. A sua equivalência resulta de que, suprimida uma delas, o dano não se verifica”. Ou seja, todos os antecedentes fáticos que contribuírem para o resultado são causa dele”. (GONÇALVES, 2003, pág. 521).
No mesmo sentido Cavalieri Filho expõe:
“Se várias condições concorrerem para o mesmo resultado, todas têm o mesmo valor, a mesma relevância, todas se equivalem. Não se indaga se uma delas foi mais ou menos eficaz, mais ou menos adequada. Causa é ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido, sem distinção da maior ou menor relevância que cada uma teve.” (CAVALIERI, 2008, pág. 47).
Já a teoria da causalidade adequada é aquela que considera como causa do dano a condição que por si só produziu referido dano. Busca-se nessa teoria a causa mais adequada, ou seja, a causa que efetivamente produziu o dano, não levando em considerações as demais causas que possam ter ocorrido até o resultado final. (FONTELES, 2009, [s/p])[3].
“Diferentemente da teoria anterior, esta faz distinção entre causa e condição, entre os antecedentes que tiverem maior ou menor relevância. Estabelecido que várias condições concorreram para o resultado, e isso é feito através do mesmo processo mental hipotético (até aqui as teorias seguem o mesmo caminho), é necessário agora verificar qual foi a mais adequada. Causa será apenas aquela que foi mais determinante, desconsiderando-se as demais”. (CAVALIERI, 2008, pág. 48).
Pela doutrina e jurisprudência brasileira é essa teoria a adotada em nosso ordenamento, para solução dos litígios da responsabilidade civil.
No entanto, a teoria dos danos diretos e imediatos é aquela que defende que a obrigação de reparar o dano que surge de forma direta e imediata de determinada causa. Analisa-se como causa do dano a mais próxima ao resultado. Diz-se que tal teoria tem sua base no Código Civil em seu art. 403[4].
“Também denominada teoria da causa próxima, os adeptos dessa concepção indicam por responsável pelos danos o ultimo agente da cadeia causal. Das várias condições que autuaram, sucessivamente, para a realização do prejuízo, a causa deste seria a ultima, da qual dependeu diretamente”. (NADER, 2010, pág. 118).
Na responsabilidade civil é necessário que haja nexo causal para que o agente seja responsabilizado. Dessa forma, se o agente não deu causa ao dano, não irá responder por ele. Bem como, não responderá se agir mediante as causas de excludentes do nexo causal, conhecidas como as excludentes de responsabilidade. Eis que as excludentes surgem ao momento em que o agente, ante a impossibilidade superveniente não cumpre a obrigação a ele imputada. Referida impossibilidade surge nos casos de caso fortuito, força maior e por culpa exclusiva da vítima ou de terceiro. Cavalieri Filho disserta acerca do exposto:
“[…]Em síntese, é necessário que o ato ilícito seja a causa do dano, que o prejuízo sofrido pela vítima seja resultado desse ato, sem o que a responsabilidade não correrá a cargo do autor material do fato […]” (CAVALIERI, 2008, pág. 46).
No caso de culpa exclusiva da vítima está excluído o nexo causal. Em primeira análise se identifica o agente como causador do dano. Porém, em uma análise mais profunda se chega à conclusão de que a própria vítima foi a causadora do dano, sendo que está supostamente agiu com culpa ou dolo. Desaparecendo nesse contexto a responsabilidade.
Nesse sentido ensina Cavalieri Filho, (2008, pág. 64):
“Advirta-se mais uma vez, portanto, que o fato exclusivo da vítima exclui o próprio nexo causal em relação ao aparentemente causador do direito do dano, pelo que não se deve falar em simples ausência de culpa deste, mas em causas de isenção de responsabilidade”.
Nader, (2010, pág. 123), também se manifesta sobre a culpa exclusiva da vítima, vejamos:
“Embora se constate o dano a outrem e a conduta do agente, este não será responsável caso se comprove a culpa exclusiva da vítima, ou seja, a inexistência da causalidade entre a ação ou omissão do agente e o resultado lesivo. Isto ocorre, por exemplo, quando o agente trafega em seu veículo e a vítima, consciente ou por imprudência, se projeta diante do automóvel, vindo a sofrer lesões corporais ou a perda da vida.”
Já o caso fortuito é algo imprevisível e incontrolável, derivados da ação humana e a força maior são fatos que obtém a sua causa derivada das forças da natureza. Contudo, ambos são eventos inevitáveis, sendo que excluem a relação de causalidade entre o prejuízo gerado à vítima e a conduta do suposto agente. O Código Civil em seu art. 393[5], não distingue caso fortuito e força maior.
Nesse norte, Cavalieri Filho explana:
“Entendemos, todavia, que a diferença existe, e é a seguinte: estaremos em face do caso fortuito quando se tratar de evento imprevisível e, por isso, inevitável; se o evento for inevitável, ainda que previsível, por se tratar de fato superior às forças do agente, como normalmente são os fatos da Natureza, como as tempestades, enchentes, etc., estaremos em face de força maior, como o próprio nome o diz”. (CAVALIERI, 2010, pág. 65).
Igualmente, ensina Nader, (2010, pág. 120):
“Há danos que, não obstante a ação ou omissão do agente capaz de produzi-los, decorrem efetivamente de forças da natureza ou de fato de terceiro – caso fortuito ou força maior -, acontecimento que rompe o nexo etiológico e promove, destarte, a exclusão da responsabilidade civil. A característica comum do caso fortuito e força maior é a sua imprevisibilidade ou inevitabilidade.”
O fato de terceiro surge quando o resultado ocorre mediante uma conduta de um terceiro, mas ainda assim, caberá ao causador do dano direto, a responsabilidade de indenizar a vítima. Conforme dispõe os artigos 929[6] e 930[7] do Código Civil.
Nader descreve acerca do fato de terceiro:
“Fato de Terceiro, na responsabilidade civil, é a conduta de quem verdadeiramente é responsável por um dano e não a pessoa indigitada como a sua causadora; é a prática do dano por pessoa aparentemente alheia à causa determinante, atribuída a outrem”. (NADER, 2010, pág. 124).
Destarte, conclui-se que não havendo nexo causal entre a conduta do agente e o resultado, não ocorrerá o dever de reparar o dano supostamente causado.
2.2.3.1 Culpa
Na responsabilidade civil brasileira admite-se a culpa como pressuposto, contudo pode haver responsabilidade sem que haja a culpa. Não sendo considerado, dessa forma, essencial perante aos demais pressupostos. Na culpa, o agente não possui a intenção de causar o dano, mas devido a um comportamento negligente, imprudente e imperito, gera a violação de um dever preexistente, vindo a provocar o dano. (VEIRA, 2003, [s/p])[8].
Paulo Nader, (2010, pág. 98), descreve culpa como a ação quando o agente “[…] não age intencionalmente, mas tem a ciência dos riscos da conduta e ainda assim pratica o ato ou omissão, provocando danos a outrem”.
Ainda, nesse sentido Stoco explana:
“Quando existe a intenção deliberada de ofender o direito, ou de ocasionar prejuízo a outrem, há o dolo, isto é, o pleno conhecimento do mal e o direto propósito de o praticar. Se não houvesse esse intento deliberado, proposital, mas o prejuízo veio a surgir, por imprudência ou negligência, existe a culpa (stricto sensu)”. (STOCO, 2007, pág. 133). (grifo nosso).
Nader (2010, pág. 98) coloca que a essência da culpa é a previsibilidade e a inevitabilidade, posto que o agente possui consciência do dano que pode causar a outrem, contudo quando de sua ocorrência torna-se inevitável o dano.
Ensina Cavalieri Filho (2008, pág. 37) que a culpa é elemento fundamental somente à teoria subjetiva, eis que na teoria objetiva esta é dispensável. Sendo que pode ser divida em várias espécies, tais quais, Culpa grave, leve e levíssima; culpa contratual e extracontratual; Culpa “in elegendo”, “in vigilando” e “in custodiando”; Culpa presumida e culpa contra a legalidade; Culpa concorrente.
A culpa grave ocorre quando o agente causador do dano age abusivamente de forma descuidada. Chega a ser próximo ao dolo, tendo em vista o grau de imprudência do agente. Veja-se a descrição de Nader, (2010, pág. 101): “A primeira se verifica quando o autor comete uma falta perceptível ao senso comum, altamente censurável, como ao se descurar de cuidados elementares”.
No mesmo sentido, Cavalieri Filho:
“Examinada pelo ângulo da gravidade, a culpa será grave se o agente atuar com grosseira falta de cautela, com descuido injustificável ao homem normal, impróprio ao comum dos homens.” (CAVALIERI, 2008, pág. 37).
A culpa leve e levíssima decorre de ato ou omissão, sendo que a primeira se concretiza quando o agente não toma as cautelas necessárias de atenção ordinária, de um agente cumpridor de seus deveres, eis que bastava um pouco de previdência para evitar o dano. A segunda, entretanto, é aquela em que a ação ou omissão do agente somente poderia ser evitada se houvesse uma atenção extraordinária deste, mediante uma habilidade especial ou conhecimento singular, bem como seria necessária à máxima diligência para conseguir evitar o efeito danoso.
Nader explica:
“Na culpa leve ou levíssima o ato ou omissão decorre de uma falta sem maior comprometimento ético, suscetível de ser praticada na rotina do trabalho ou de uma atividade de lazer. Não há como distinguir, conceitualmente, ambos graus, senão recorrendo-se ao óbvio: a culpa leve não se reveste de maior profundidade, como na grave, nem chega a ser corriqueira, como a levíssima”. (NADER, 2010, pág. 101).
A culpa contratual e a extracontratual deveriam do descumprimento de uma obrigação anteriormente fixada. A culpa contratual, por sua vez, deriva de obrigação preestabelecida em contrato realizado pelas partes. Já a culpa extracontratual deriva da norma legal.
“Quanto a natureza do dever violado, a culpa será contratual se esse dever tiver por fonte uma relação jurídica obrigacional preexistente, isto é, um dever oriundo de contrato, do qual nos ocuparemos oportunamente. Se o dever tiver por causa geradora a lei ou um preceito geral de Direito, teremos a culpa extracontratual.” (CAVALIEIRI, 2008, pág. 37).
A culpa “in elegendo”, “in vigilando” e “in custodiando” estão um tanto quanto em desuso, considerando que o código civil em seu artigo 933[9], estabeleceu a responsabilidade objetiva para os presentes casos. Contudo, a culpa “in elegendo” ocorre quando alguém escolhe erroneamente alguém para trabalhar consigo. Já a culpa “in vigilando” é quando alguém está sobre a vigília de alguém, usado para pessoas. E a culpa “in custodiando” é quando algo está sobre a custódia de alguém, que é responsável, usa para coisas, conforme demonstra Cavalieri Filho, veja-se:
“Culpa in elegendo […] consoante a Súmula 341 do Supremo Tribunal Federal, em razão da má escolha do mesmo. A culpa in vigilando, por sua vez, decorria da falta de atenção ou cuidado com o procedimento de outrem que estava sob a guarda ou responsabilidade do agente. Os pais respondiam pelos atos dos filhos menores, via de regra pela falta de vigilância. Já a culpa in custodiando caracterizava-se pela falta de atenção em relação a animal ou coisa que estavam sob os cuidados do agente”. (CAVALIERI, 2008, pág. 38).
A culpa presumida se identifica pelo próprio fato, posto que este já expressará a culpa do sujeito. Dessa forma, inverte-se o ônus da prova, eis que passará ao agente causador provar a sua inocência. Observe-se a colocação de Cavalieri Filho, (2008, pág. 39): “O causador do dano até prova em contrário, presume-se culpado; mas, por de tratar de presunção relativa – juris tantum -, pode elidir essa presunção provando que não teve culpa”. A culpa contra a legalidade é aquela em que ocorre o descumprimento de um mandamento legal, este será automaticamente culpado. Cavalieri Filho, (2008, pág. 40), também explica: “Fala-se em culpa contra a legalidade quando o dever violado resulta de texto expresso da lei ou regulamento”.
A culpa concorrente ocorre quando a vítima contribui para o resultado danoso. Ante esta culpa, pode haver dois resultados, danos a apenas um dos participantes do fato: nesse caso aplica-se o artigo 945[10] do Código Civil, ou seja, a vítima receberá indenização reduzida ou minorada. E, danos recíprocos: cada um paga a metade do dano do outro. Ensina, Nader acerca da culpa concorrente:
“Quando a causa do dano for atribuída exclusivamente ao prejudicado, não haverá obrigação de ressarcimento; entretanto, se a culpa, além da vítima, for também de outrem, este arcará com a indenização proporcionalmente à sua contribuição para o resultado danoso.” (NADER, 2010, pág. 102)
Ainda, Cavalieri Filho explana:
“Fala-se em culpa concorrente quando, paralelamente à conduta do agente causador do dano, há também conduta culposa da vítima, de modo que o evento danoso decorre do comportamento culposo de ambos”. (CAVALIERI, 2008, pág. 41).
Denota-se, pelo exposto que a culpa é um dos pressupostos para a responsabilização civil, contudo pode ela estar presente ou não na configuração da conduta danosa para que o agente seja obrigado à reparação.
3 A FILIAÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO
Com intuito de chegar ao objetivo principal do presente artigo, neste item será feita uma abordaem sobre a filiação no Brasil. Sobre o tema, tem-se que a filiação é vinculo havido entre pais e seus filhos, originado por uma relação de parentesco consanguíneo com uma pessoa, a qual lhe deu a vida. Pode também, ser considerada como filiação a relação socioafetiva entre genitor adotante e filho adotivo, geradas quando da adoção e, ainda mediante a inseminação artificial heteróloga. Nesse sentido, Lôbo (2011) conceitua filiação:
“Filiação é conceito relacional; é a relação de parentesco que se estabelece entre duas pessoas, umas das quais nascida da outra, ou adotada, ou vinculada mediante posse de esta”do de filiação ou por concepção derivada de inseminação artificial heteróloga. (LÔBO, 2011, pág. 216).
No âmbito do direito de família brasileiro a filiação pode ser considerada como biológica ou não biológica, atualmente denominada socioafetiva. Lôbo (2011, pág. 216) aponta que a filiação socioafetiva origina-se através da construção cultural, resultante da afetividade que há entre as partes (pais e filhos).
Através da Constituição Federal de 1988, todos os filhos passaram a ter as mesmas prerrogativas, direitos e deveres, não havendo mais discriminação entre os filhos nascidos do matrimônio e os não havidos pelo casamento. Assim, não há mais privilégios, antes existentes, para os filhos concebidos no casamento. Nesse norte, coloca Farias (2010), veja-se:
“Colocando definitiva pá de cal sobre um período pouco saudoso de discriminação entre os filhos, o Texto Constitucional, no art. 227, § 6°, foi de clareza solar ao determinar a igualdade substancial entre os filhos, evitando qualquer conduta discriminatória, materializando, de certo modo, a dignidade da pessoa humana almejada como finalidade precípua da República Federativa do Brasil.” (FARIAS, 2010, pág. 538).
Ainda, ensina Gonçalves (2011, pág. 318):
“A Constituição de 1988 (art. 227, § 6°) estabeleceu absoluta igualdade entre todos os filhos, não admitindo mais a retrógada distinção entre filiação legítima e ilegítima, segundo os pais fossem casados ou não, e adotiva, que existia no Código Civil de 1916.”
No direito brasileiro os pais possuem a liberdade de planejar a sua família, não tendo limitação ou preestabelecimento de número de filhos que se pode gerar, administrando sua família da melhor forma, sem a intervenção estatal. Tal entendimento foi protegido pela CF/88, em seu art. 226, § 7°[11]. Assim, ensina Lôbo (2011):
“A Constituição Federal (art. 226, § 7°) estabelece que, fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, “o planejamento familiar é livre decisão do casal”, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas”. (LÔBO, 2011, pág. 218).
Notadamente, percebe-se que não há mais necessidade na observação da paternidade legal, considerando que não se distingue mais a filiação. Contudo, prevê o Código Civil a presunção “pater is eis”, onde o nascimento do filho ocorre na constância do casamento, o que gera uma presunção de que o marido é o pai do filho gerado. Considerando, que se analisam os incisos I e II do art. 1.597[12] do CC, relativos ao período máximo e mínimo de gestação, para auferir a presunção de paternidade. Gonçalves (2011) relata:
“Essa presunção, que vigora quando o filho é concebido na constância do casamento, é conhecida, como já dito, pelo adágio romano pater is est quem justae nuptiae demonstrant, segundo o qual é presumida a paternidade do marido no caso de filho gerado por mulher casada”. (GONÇALVES, 2011, pág. 320).
Lôbo (2011, pág. 219), aponta que também é visível a presunção mater semper certa est, posto que não há a investigação da maternidade, eis que considera-se sinais físicos inequívocos, o desenvolvimento da gestação e a realização do parto.
O direito de conhecer a sua origem genética da filiação é personalíssimo. A referida origem pode se dar mediante a concepção biológica, registral, assistida, homologa ou heteróloga ou ainda pela gestação por substituição.
O surgimento da filiação biológica começou a se desenvolver, diante da modificação da legislação, a qual não mais se fala de que a família se identifica com o casamento. Posto que indiferente tornasse o reconhecimento da paternidade ante a presunção, pelo fato da concepção do filho durante o casamento. Sendo que, no momento, há a possibilidade de análise do vinculo consanguíneo, através da identificação de marcadores genéticos realizados por meio de exame não invasivo, denominado com DNA, busca de uma verdade real. Apesar disso, é de se considerar que o vinculo de filiação pode analisar-se no cotidiano, mediante a afetividade existente entre as partes. Explanas sobre o exposto, Farias (2010):
“Não se pense, de qualquer modo, a comprovação de origem genética, pela realização do DNA, é bastante para afirmar a existência de uma relação paterno-filial. É que, apesar da determinação da origem biológica, o vínculo de filiação pode ser determinado através do tratamento dispensado no cotidiano, enfim, da afetividade”. (FARIAS, 2010, pág. 547).
Ainda, Gonçalves aponta:
“A possibilidade de utilização deste marcador genético como meio de prova, analisando-se a estrutura genética dos supostos pai e filho, obtendo-se respostas definitivas sobre a alegada relação de parentesco, revolucionou o tema, e o direito de família, quanto a esta questão, não pode continuar sendo o mesmo, baseado em princípios, critérios, presunções e conhecimentos que perderam valor e qualquer sentido diante do fantástico progresso representado por esta nova técnica de comparação de genes.” (GONÇALVES, 2011, pág. 322).
A filiação também se concretiza mediante o registro do nascimento, dando-se o nome de parentalidade registrada. É mediante o registro do nascimento que se da publicidade ao ato e, onde o mesmo gozará de presunção de veracidade. O registro considera-se como um reconhecimento voluntário. A filiação poderá ser comprovada ainda por meio de escritura pública, escrito particular, testamento e ainda declaração em juízo. Somente serão considerados invalidados, quaisquer dos tipos de registro, em caso de erro ou falsidade. Não cabe a alegação erro nos casos em que a paternidade foi admitida de forma livre e voluntária, tendo em vista que no direito de família atual a afetividade e convivência havida entre pais e filhos são visivelmente mais determinantes do que a própria filiação biológica. Nesse sentido, aponta Dias (2008):
“O registro faz público o nascimento, tornando-o incontestável. Prestigia a lei o registro de nascimento como meio de prova da filiação. No entanto, essa não é a única forma de reconhecimento voluntário da paternidade. A escritura pública, o escrito particular, o testamento e a declaração manifestada perante o juiz também comprovam a filiação (CC 1.609). Trata-se de ato voluntário, que gera os deveres decorrentes do poder familiar.” (DIAS, 2008, pág. 332).
Nesse norte, Lôbo (2011, pág. 233), ensina:
“O registro produz uma presunção de filiação quase absoluta, pois apenas pode ser invalidado se se provar que houve erro ou falsidade. A declaração do nascimento do filho, feita pelo pai, é irrevogável. Ao pai cabe apenas o direito de contestar a paternidade, se provar, conjuntamente, que esta não se constituiu por ser genitor biológico e não ter havido estado de filiação estável.”
A reprodução medicamente assistida gera a presunção de filiação, pela realização das modalidades técnicas de fertilização homóloga e pela fertilização heteróloga. Referida presunção foi instituída pelo Código Civil de 2002, em seu art. 1.597, III, IV e V[13]. Contudo, Farias (2011, pág. 574), aponta a necessidade de que seja efetuada uma limitação em relação à atividade cientifica, visando proteger a dignidade imprescindível a pessoa humana.
Entende-se que o concebido o filho após a morte do doador do material genético, não possuirá o mesmo direitos hereditários a sucessão legítima do falecido. Contudo, será privilegiado à sucessão caso o falecido, mediante testamento, tenha lhe reservado o benefício à prole eventual, devendo ser concebido dentro do prazo de dois anos, contados a partir da abertura da sucessão (Farias, 2010, pág. 575).
Admite-se a inseminação de embriões excedentários, somente nos casos em que há casamento entre as partes a quem sejam os doadores dos gametas ou, ainda que estejam convivendo em união estável. Dessa forma, é vedada a inseminação em casos em que o homem e a mulher não forneceram os genes para a formação do embrião. Lôbo (2011, pág. 223), aponta:
“Apenas é admitida a concepção de embriões excedentários se estes derivarem de fecundação homologa, ou seja, de gametas da mãe e do pai, sejam casados ou companheiros de união estável. Por consequência, está proibida a utilização de embrião excedentário por homem e mulher que não sejam os pais genéticos ou por outra mulher titular de entidade monoparental.”
Já a inseminação artificial heteróloga ocorre mediante a doação de sêmen efetuada por terceiro, em muitos casos anônimos e, não são fornecidos pelo marido, para que ocorra a fecundação do óvulo da mulher. Não sendo necessário que os interessados comprovem o motivo da referida inseminação. A paternidade será no presente presumida em relação ao marido da mulher, baseado especialmente na afetividade, eis que não poderá negar sua paternidade em face da origem genética, posto a concordância com o procedimento.
“A fecundação artificial heteróloga ocorre por meio da doação de sêmen de um homem que não seja o marido, contando com a sua concordância. […] A manifestação do cônjuge corresponde a uma adoção antenatal do filho, pois revela, sem possibilidade de retratação, o desejo de ser pai. Ao contrario das demais hipóteses, a fecundação heteróloga gera presunção juris et de jure, pois não há possibilidade de ser impugnada. Trata-se de presunção absoluta de paternidade socioafetiva”. (DIAS, 2008, pág. 336).
Não pode o consentimento com a fecundação possuir prazo infinito, dessa forma, havendo a dissolução da sociedade conjugal ou fim da união estável é possível a revogação do consentimento. Contudo, essa revogação deve ocorrer antes seja implantado o embrião (DIAS, 2008, pág. 336).
De outro modo, a filiação socioafetiva, foi instituída pelo atual direito de família, sendo elemento comum a todos os aspectos da família, o afeto. Não haveria qualquer forma de família se esse inexistisse aos seus elementos. “O afeto tem um papel importantíssimo no processo de transformação pelo qual a família passou. As pessoas se unem em função da presença de afeto, e se desunem quando este se esvazia” (NOGUEIRA, 2001, p. 53).
O afeto apresenta-se imprescindível quando surge a filiação, não importando a origem dos filhos. As famílias afetivas são mantidas pelos vínculos de amor, solidariedade, ternura, carinhos, entre outros sentimentos que alimentam os grupos familiares, e justamente por isso, passou a ser determinante na formação e manutenção das famílias, quanto mais, na relação entre pais e filhos, conforme complementa Donizetti, (2007 p. 24):
“Tal realidade já não encontra respaldo na vivência jurídica do dia a dia, uma vez que a paternidade socioafetiva emerge da convivência diuturna entre pais e filhos, cujo alicerce são “pequenas doses de amor, de carinho e de cuidados dispensados ao filho”. Verifica-se, portanto, que o modelo puramente genético para identificar a paternidade é insuficiente, uma vez que existem outros elementos que também estruturam a paternidade que não somente a sequência de bases químicas determinadas pelo genoma humano.”
Visando a proteção dos princípios da dignidade da pessoa humana e do melhor interesse da criança, não se observa a presunção de filiação, considerando o que geneticamente se indica, mas sim, o que exerce o papel de pai ou mãe. Assim, “a paternidade não é só um ato físico, mas, principalmente, um fato de opção, extrapolando os aspectos meramente biológicos, ou presumidamente biológicos, para adentrar com força e veemência na área afetiva” (DIAS, 2008, p. 325).
Não se constitui com o nascimento a posse de estado de filho, mas sim mediante a vontade que se concretiza no campo da afetividade, afastando assim a verdade jurídica e a certeza científica no estabelecimento da filiação. Nogueira (2001, p. 112-113) complementa:
“[…] posse de estado de filho como a relação de afeto, íntimo e duradouro, exteriorizado com o reconhecimento social entre homem e criança, que se comportam e se tratam como pai e filho, exercitando os direitos e assumem as obrigações que essa relação paterno-filial determina.”
Farias (2010, pág. 594-595), aponta que quando da filiação socioafetiva gera o rompimento do laço genético com o pai biológico, não sendo a este imposto o dever de prestar alimentos e ainda não possui direito a sucessão do genitor, eis que o filho passará a adquirir esses direitos do seu pai afetivo. Vale ressaltar, que não fica impedido o filho de buscar reconhecer a sua ancestralidade, por meio de ação de investigação de paternidade, contudo, esta não ocasionará qualquer efeito patrimonial.
Denota-se que com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e ainda instituição do Código Civil de 2002 a família e os seus direitos começaram a serem analisados por outro viés, tornando-a igualitária, digna, social, buscando a liberdade. Podendo ser constituída a filiação de diversas formas, apenas buscando o bem-estar familiar.
4 A RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DO ABANDONO AFETIVO
O presente artigo, como já exposto, busca analisar se é possível indenizar o filho que foi abandonado por um de seus genitores e em decorrência disso se sentiu lesado, posto que poderia afetar seus direitos de personalidade.
Para tanto, neste item, far-se-á uma abordagem acerca do dano moral, seu conceito e características, inclusive diferenciando-o do dano patrimonial. Na sequencia, será feita uma análise sobre a incidência do dano moral nas relações familiares, mormente no que se refere ao abandono afetivo.
4.1 Do dano moral
A reparabilidade do dano moral no direito brasileiro tornou-se questão de ordem obrigatória diante de sua codificação, primeiramente com a Constituição Federal de 1988, em sede de seu art. 5°[14], V e X, bem como, ainda mediante o Código Civil de 2002, em seu art. 186[15] (GAGLIANO, 2008, pág. 67).
O dano moral, suscetível de indenização, ocorre através de algum ato ilícito que ofenda direitos da personalidade do indivíduo, sendo estes, por exemplo, a honra, a integridade física, a intimidade entre outros, que gerem ao lesado dor, desconforto com o dano. Nesse sentido, Nader traz o significado do dano moral.
“O dano moral é quando alguém atenta contra a constituição física da pessoa natural ou a atinge em sua composição incorpórea, como o nome, a honra, a liberdade em diversas manifestações, a psique. O efeito que o dano moral provoca á a dor física ou a psíquica, ambas não mensuráveis por padrões matemáticos ou econômicos”. (NADER, 2010, pág. 87).
Da mesma forma, Cavalieri Filho, descreve dano moral:
“[…]Só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo”. (CAVALIERI, 2008, pág. 83).
Ainda, Gagliano (2008, pág. 55), conceitua dano moral:
“O dano moral consiste na lesão de direitos cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro. Em outras palavras, podemos afirmar que o dano moral é aquele que lesiona a esfera personalíssima da pessoa (seus direitos de personalidade), violando, por exemplo, sua intimidade, vida privada, honra e imagem, bens jurídicos tutelados constitucionalmente”.
Com o advento do dano moral, se criou uma indagação acerca da possiblidade de cumulação entre o dano patrimonial e o extrapatrimonial, o que foi solucionada com a Súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça, qual seja, são cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.
Nesse contexto, Cavalieri Filho explana:
“[…]quando entrou em vigor a Constituição de 1988, e esta, em pelo menos dois incisos do seu art. 5° (incisos V e X), é expressa em admitir a reparabilidade do dano moral. Da mesma forma o Código de Proteção ao Direito do Consumidor (Lei n. ° 8.078, de 11 de setembro de 1990), em seu art. 6°, VI e VII. Desde, então, tornou-se indiscutível a cumulabilidade do dano moral com o material, o que acabou por ser reconhecido pelo colendo Superior Tribunal de Justiça ao formular a Súmula 37 […]” (CAVALIERI, 2008, pág. 83)
A indenização por dano moral não visa reparar o dano, considerando que não há a possibilidade de deixar a vítima em uma situação como se não houvesse dano ou mesmo prejuízo. Dessa forma, a finalidade da indenização será a de compensação do dano causado pelo agente.
“A indenização por danos morais não visa à reparação, pois não há como a vítima se tornar indene; condena-se com dupla finalidade: a de proporcionar a vítima uma compensação e para se desestimular condutas dessa natureza”. (NADER, 2010, pág.86).
No mesmo norte, nos expõe Stoco:
“Segundo nosso entendimento a indenização da dor moral, sem descurar desses critérios e circunstâncias que o caso concreto exigir, há de buscar, como regra, duplo objetivo: caráter compensatório e função punitiva da sanção (prevenção e repressão), ou seja: a) condenar o agente causador do dano ao pagamento de certa importância em dinheiro, de modo a puni-lo e desestimulá-lo da prática futura de atos semelhantes; b) compensar a vítima com uma importância mais ou menos aleatória, em valor fixo e pago de uma só vez, pela perda que se mostrar irreparável, ou pela dor e humilhação impostas”. (STOCO, 2004, pág. 1.709).
A imputação do dano moral a alguém é aplicada sem haver a necessidade de que o lesado prove o sofrimento gerado, eis que o dano é presumido, diante do entendimento de que o dano causado pelo dano moral esta ligado ao psiquismo, dificultando a análise da dor ocasionada pelo fato. Sendo exigida apenas a comprovação da conduta, seu resultado danoso e ainda o nexo causal. Nesse contexto, Nader (apud THEODORO JÚNIOR, 2006, pág. 46) explana:
“Quanto a prova, a lesão ou dor moral é fenômeno que se passa no psiquismo da pessoa e, como tal, não pode ser concretamente pesquisado. Daí porque não se exige do autor da pretensão indenizatória que prove o dano extrapatrimonial. Cabe-lhe apenas comprovar a ocorrência do ato lesivo, de cujo contexto o juiz extrairá a idoneidade, ou não, para gerar dano grave e relevante, segundo a sensibilidade do homem médio e a experiência da vida.”
Para a fixação do quantum indenizatório deverá o julgador alicerçar-se no princípio da razoabilidade, o qual se norteia mediante uma decisão baseada na moderação e sensatez, bem como pelo princípio da proporcionalidade, eis que delimitará que a indenização seja fixada através da proporção em que o dano afetou a vítima. Sendo analisada, a intensidade do dano, bem como a repercussão deste, a condição financeira do ofensor e do ofendido, a fim de se evitar o enriquecimento ilícito de quem deva ser indenizado.
Ainda, importante destacar a diferença entre dano moral e o material, ou ainda chamado de patrimonial. Sendo assim, observa-se que o dano material é o evento danoso que gera dano ao patrimônio, visível é a sua indenização diante da possibilidade de medir o dano causado, podendo referida indenização abranger danos emergentes e lucros cessante sofrido pela vítima, conforme estabelece o art. 402 do Código Civil (FRANCO, 2010, [s/p][16]).
Nesse sentido Cavalieri expõe:
“O dano patrimonial, como o próprio nome diz, também chamado de dano material, atinge os bens integrantes do patrimônio da vítima, entendendo-se como tal o conjunto de relações jurídicas de uma pessoa apreciáveis em dinheiro” (CAVALIERI, 2008, pág. 71).
Ainda, Diniz (2009, pág. 67) descreve dano patrimonial:
“O dano patrimonial vem a ser a lesão concreta, que afeta um interesse relativo ao patrimônio da vítima, consistente na perda ou deterioração, total ou parcial, dos bens materiais que lhe pertencem, sendo suscetível de avaliação pecuniária e de indenização pelo responsável.”
Todavia, posto que no dano material condenado o causador do dano, este poderá ser submetido ao pagamento de indenização que compreenderá danos emergentes e lucros cessantes, que passamos a analisar.
O dano emergente considera-se tudo aquilo que a vítima efetivamente perdeu, sendo que a indenização será composta de um valor efetivo a cobertura dos danos causados, posto que se trata de uma indenização baseada em quantia certa (GAGLIANO, 2008, pág. 42).
Já o lucro cessante caracteriza-se pelo dano gerado a vítima a seu patrimônio que irá refletir no futuro, é o que efetivamente deixou de lucrar sobre determinado bem, considerando que havia uma expectativa de auferição de lucro. Para a fixação da indenização se deve agir de forma mais cautelosa, eis que não há um valor preestabelecido ao dano causado (CAVALIERI, 2008, pág. 72).
Diniz disserta sobre o lucro cessante:
“Dano negativo ou lucro cessante ou frustrado, alusivo à privação de um ganho pelo lesado, ou seja, ao lucro que ele deixou de auferir, em razão do prejuízo q lhe foi causado. Para se computar o lucro cessante, a mera possibilidade é insuficiente, embora não se exija uma certeza absoluta, de forma que o critério mais acertado estaria em condicioná-lo a uma probabilidade objetiva, resultando do desenvolvimento normal dos acontecimentos.”
Diante do explanado acima, denota-se que quanto a indenização por abandono afetivo, o dano que se faz necessário fixar é o dano moral, posto que afeta direitopersonalíssimo da vítima.
4.2 O dano moral nas relações familiares e a possibilidade de fixação por abandono afetivo
Para analisar se é possível ou não pleitear indenização decorrente do dano moral por abandono afetivo, mister se faz tratar, ainda que brevemente, as peculiaridades relacionadas ao tema, para posteriormente tentar definir se há critérios justos que identifiquem a possibilidade ou não de responsabilizar o genitor que eventualmente abandonou seu filho.
Com o desenvolvimento da sociedade brasileira houve grandes transformações no direito de família. Dando-se início a uma nova forma de visualização da família e da filiação, eis que antes era analisada pelo âmbito somente genético, posto que a lei tratava somente do genitor consanguíneo. Contudo, tornou-se imprescindível que a família possuísse em suas relações o afeto, buscando uma convivência entre pais e filhos mais harmoniosa. Nesse sentido expõe Welter (2009):
“A sociedade patriarcal fez com que a família fosse ajustada, desde que há mundo humano, unicamente por parte do mundo genético, uma linguagem normatizada, objetificada, desumanizada, porque os seus membros estão unidos pela totalidade dos laços, genéticos, afetivos e ontológicos.” (WELTER, 2009, pág. 51).
Assim, torna-se perceptível que a família não pode ser mais considerada somente pelo seu âmbito biológico e patrimonial, considerando ser de suma importância a existência de vinculo afetivo, baseado no princípio da afetividade. Lôbo (2011, pág. 71), ensina que o princípio da afetividade é aquele mediante o qual a afetividade se torna um dever imposto aos pais para com seus filhos e destes em relação àqueles, ainda que haja desamor ou desafeição entre eles.
Por derradeiro, o abandono afetivo ocorre especialmente nas famílias em que houve a dissolução da sociedade conjugal ou o divórcio dos pais. Onde o pai ou a mãe ficam mais afastados do filho, posto que a guarda permanecerá com um deles, caso esta não seja compartilhada. Ficando em muitos casos os filhos desamparados, eis que o pai ou mãe não mais se mantem presentes no desenvolvimento do filho, deixando de lhes dar o carinho, amor e afeto necessários (ULBANO; ANGELUCI, [s/p])[17].
Todavia, o abandono afetivo é ocasionado pela indiferença, ausência de assistência afetiva, bem como de amor não despendida pelos pais no decorrer do desenvolvimento da criança ou adolescente, gerando assim um possível dano ao futuro dos filhos, tendo em vista que a responsabilidade dos pais não deve se limitar apenas ao sustento do filho. Há o dever dos pais estar na companhia do seu filho, prestando toda e qualquer assistência necessária, seja ela educacional, social, inclusive a do campo da afetividade, para proteção do melhor interesse da criança e adolescente (ULBANO; ANGELUCI, [s/p]).
Nesse contexto, Lôbo (2011) conceitua o abandono, veja-se:
“Portanto, o “abandono afetivo” nada mais é que inadimplemento dos deveres jurídicos de paternidade. Seu campo não é exclusivamente o da moral, pois o direito atraiu para si, conferindo-lhe consequências jurídicas que não podem ser desconsideradas”. (LÔBO, 2011, pág. 312).
Ainda, Dias (2008) expõe acerca do dever dos pais:
“Não se pode mais ignorar essa realidade, passou-se a falar em paternidade responsável. Assim, a convivência dos filhos com os pais não é mais direito, é dever. Não é direito visitá-lo, é obrigação de visitá-lo. O distanciamento entre pais e filhos produz sequelas de ordem emocional e reflexos no seu sadio desenvolvimento”. (DIAS, 2008, pág. 415).
O afeto deve ser analisado com base nos princípios da dignidade da pessoa humana e o da proteção ao melhor interesse da criança e do adolescente, posto que são os alicerces do direito de filiação e mediante os quais se busca uma maior efetividade das legislação existente em prol dos filhos (Welter, 2009, pág. 56).
O art. 1º, III da CF[18] consolidou o princípio da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República, sendo considerado o princípio constitucional de mais valor e serve como base para o ordenamento, eis que visa à proteção dos direitos e garantias fundamentais da sociedade. Refletindo, dessa forma, na proteção dos direitos dos filhos diante do abandono afetivo (OLIVEIRA, [s/p])[19].
Welter (2009, pág. 57), ensina que é mediante o princípio da dignidade da pessoa humana que se proporciona a proteção ao afeto, eis que este busca amenizar os conflitos havidos nas relações de interesses individuas e ainda as relações de interesse social dentro do direito de família.
É fulcrado no princípio da dignidade da pessoa humana que se gera uma proteção maior a entidade familiar, tornando a convivência mais fácil diante da presença de afeto, união, respeito entre outros aspectos basilares à família, visando a não ocorrência do abandono afetivo. Neste diapasão Dias (2009, p. 62), aponta:
“A dignidade da pessoa humana encontra na família o solo apropriado para florescer. A ordem constitucional lhe dá especial proteção independentemente de sua origem. A multiplicação das entidades familiares – o afeto, a solidariedade, a união, o respeito, a confiança, o amor, o projeto de vida em comum -, permitindo o pleno desenvolvimento pessoal e social de cada partícipe com base em ideais pluralistas, solidaristas, democráticos e humanistas.”
De outra banda, com base no princípio da dignidade da pessoa humana, denota-se que a responsabilidade dos pais deve pautar-se no desenvolvimento humano dos filhos. Prestando a estes o auxilio necessário para o crescimento digno (FONTINELE, 2012, [s/p])[20].
No ordenamento pátrio há vários dispositivos que determinam o dever dos pais para com os filhos. O art. 227, caput da Constituição da República Federativa determina:
“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. (BRASIL, C.F/1988).
Outrossim, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) dispõe no seu artigo 3º que a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana. Vale conferir:
“Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.” (BRASIL, E.C.A/1990).
Ainda, como princípio basilar da filiação diante do abandono afetivo se encontra o princípio da proteção ao melhor interesse da criança e adolescente, que surgiu diante da alteração dos vínculos de filiação quando do nascimento do direito das crianças, adolescentes, disciplinado pelo art. 227, § 6°[21] da Constituição Federal, com o intuito de realizar uma proteção as crianças e adolescentes diante de suas fragilidades e vulnerabilidades (DIAS, 2011, pág. 68).
Deve-se utilizar o princípio do melhor interesse buscando a interpretação da legislação destinada às crianças e adolescentes, considerando que devem sempre interpretar a lei de forma mais benéfica para que haja a proteção de seus direitos. Gama (2008, p. 82), afirma que:
“O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente é um reflexo do caráter de proteção integral da doutrina dos direitos da criança, bem como decorre também da doutrina dos direitos humanos em geral. Manifesta-se o referido princípio em diversos momentos no que diz respeito a situações jurídicas envolvendo o menor, como nas hipóteses de determinação da guarda, ou do direito de visitação, além de orientações respeitantes à sua educação e formação de sua personalidade em geral.”
Conclui-se que com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a criança e o adolescente passaram a serem sujeitos de direitos, sendo prioridade diante dos pais e até mesmo do Estado, considerando a vulnerabilidade e fragilidade a que se encontram nas relações familiares e de filiação. Assim, diante dessa necessidade de proteção dos direitos a eles inerente, analisar-se-á a (im) possibilidade de determinar ao genitor a reparação pelo abandono afetivo, mediante a fixação de danos morais.
Divididos são os entendimentos quanto a possibilidade ou não de fixação de danos morais nas relações de família, especial no que diz respeito ao abandono afetivo. Conforme será observado.
Com a evolução da sociedade tornou-se imperioso que alguns direitos fossem protegidos, sendo que em determinados casos essa proteção entra no âmbito moral. Nesse norte, o direito brasileiro diante da necessidade de reconhecer a proteção ao abandono afetivo, mesmo em casos em que os pais da criança e adolescente se encontrem separados, tornou o afeto um bem jurídico tutelado (Dias, 2008, pág. 417).
O abandono afetivo é gerado ante a não participação dos pais para com os filhos e, esse afastamento gera ao filho danos, possíveis transtornos psicológicos no desenvolvimento da criança e adolescente. Sendo que é mediante da responsabilização do causador desse dano, que se intenta dirimir os danos psicológicos. Nesse sentido, Dias (2008) explana:
“A falta de convívio dos pais com os filhos, em face do rompimento do elo de afetividade, pode gerar severas sequelas psicológicas e comprometer seu desenvolvimento saudável. […]. A omissão do genitor em cumprir os encargos decorrentes do poder familiar, deixando de atender o dever de ter o filho a sua companhia, produz danos emocionais merecedores de reparação”. (DIAS, 2008, pág. 416).
Dano moral relacionado ao abandono afetivo é o chamado dano moral lato sensu, sendo este o dano que incide sobre o psíquico, o moral, e o intelectual de um individuo (RIZZARDO FILHO, 2013, [s/p][22]).
Vale destacar, que com as mutações ocorridas dentro do dano moral, observa-se que se tornou dispensável a provação do sofrimento, eis que o dano se presume, através da conduta ilícita do agente ofensor que atinja a dignidade ou direitos da personalidade do indivíduo (NASSRALLA, 2010, [s/p][23]).
A fixação do dano moral atua como forma de reprimir a conduta lesiva do agente, contudo sua finalidade é de reconhecer o ato ilícito, fazendo com que o agente se submeta a uma forma de retribuir o mal gerado, eis que não seria possível uma restituição material do dano causado, considerando que é difícil a analise concreta da extensão do dano no abandono afetivo. Nesse contexto, Sampaio Júnior expõe:
“Diante dessas considerações, talvez se possa realmente confirmar que o pretium Dolores deixou de ser o fundamento da responsabilidade por danos morais. Não mais se paga o preço da dor, pois sequer importa que de fato exista essa dor. O que releva é sancionar uma conduta antiética. E, se possível, coibir aquela conduta.” (SAMPAIO JÚNIOR, 2009, pág. 99).
Denota-se que a reparação do dano causado mediante o estabelecimento do dano moral é analisado como uma contraprestação, posto que deixar de determinar ao agente causador que repare o dano, pode gerar dentro da sociedade uma continuidade de condutas semelhantes. Dessa forma, o dano moral surge com o intuito de desestimular outras condutas ilícitas que possam a surgir dentro da família. (FERRAZ, 2010, [s/p][24]).
`De outro norte, tem-se que o afeto e amor são sentimentos, e dessa forma não há possibilidade de mensuração para indenização por danos morais. Considerando que não há como obrigar os pais a prestarem o afeto necessário aos filhos. (NASSRALLA, 2010, [s/p][25]).
Portanto, denota-se que para os entendimentos favoráveis a aplicação do dano moral nas relações familiares surge com o intuito de diminuir ou até mesmo evitar que novos casos se originem. Ainda, essa fixação não possuirá o objetivo de enriquecer o ofendido, mas sim como uma forma de sancionar o ofensor, ante não observação da dignidade da pessoa humana, bem como o melhor interesse da criança.
Contudo, aos que são contrários a aplicação do dano moral apontam que tal atribuição ao causador do dano estaria, obrigando este, a uma prestação de afeto e, ainda estaria se mensurando o amor. Assim, passa-se a analisar as posições em relação ao abandono afetivo.
4.3 Análises doutrinárias e jurisprudenciais acerca da (im) possibilidade de responsabilização por abandono afetivo
O abandono afetivo é tema recente que ainda não se encontra em nenhum ordenamento. Assim, as decisões referentes ao presente tema se dão mediante o entendimento dos julgadores (magistrados, desembargadores, etc.), e diante das observações disciplinadas pelas doutrinas. Dessa forma, se analisara os diversos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais.
Doutrinariamente, alguns defendem a possibilidade de indenização por abandono afetivo e os que são desfavoráveis a tal aplicação. Nesse sentido, observa-se que Maria Berenice Dias é favorável a referida indenização, veja-se:
“Comprovado que a falta de convívio pode gerar danos, a ponto de comprometer o desenvolvimento pleno e saudável do filho, a omissão do pai gera dano afetivo susceptível de ser indenizado. […]A lei obriga e responsabiliza os pais no que toca ao cuidado com os filhos. A ausência desses cuidados, o abandono moral, viola a integridade psicofísica dos filhos, bem como o princípio da solidariedade familiar, valores protegidos constitucionalmente” (DIAS, 2008, pág. 416).
No mesmo sentido, Paulo Lôbo, manifesta-se no sentido de que o abandono afetivo ocasiona o descumprimento do dever jurídico da paternidade. Vale conferir:
“Portanto, o “abandono afetivo” nada mais é que inadimplemento dos deveres jurídicos de paternidade. Seu campo não é exclusivamente o da moral, pois o direito atraiu para si, conferindo-lhe consequências jurídicas que não podem ser desconsideradas”. (LÔBO, 2011, pág. 312). (grifo nosso).
Gagliano, de mesma forma, se posiciona favorável a indenização:
“Mas é preciso se compreender que a fixação dessa indenização tem um acentuado e necessário caráter punitivo e pedagógico, na perspectiva da função social da responsabilidade civil, para que não se consagre o paradoxo de se impor ao pai ou mãe responsável por esse grave comportamento danoso (jurídico e espiritual), simplesmente, a “perda do poder familiar”, pois, se assim o for, para o genitor que o realiza, essa suposta sansão repercutiria como um verdadeiro favor”. (GAGLIANO, 2011, pág. 736).
No que concerne ao entendimento jurisprudencial, este vem sendo bastante conflitante, considerando que há decisões tanto para a possibilidade de indenização em decorrência do abandono afetivo quanto pela impossibilidade.
O Superior Tribunal de Justiça entende que embora presentes todos os requisitos para que se enseje a responsabilidade civil, não é cabível a indenização, tendo em vista que o STJ entende que a omissão causada pelo genitor, não constitui ato ilícito. Conforme se demonstra pela decisão proferida pelo Ministro Aldir Passarinho Júnior:
“CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. E CONHECIMENTO. DANOS MORAIS REJEITADOS. ATO ILÍCITO NÃO CONFIGURADO. Firmou o Superior Tribunal de Justiça que "A indenização por dano moral pressupõe a prática de ato ilícito, não rendendo ensejo à aplicabilidade da norma do art. 159 do Código Civil de 1916 o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária". Recurso especial não conhecido.” (REsp 514.350/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 28/04/2009, DJe 25/05/2009). (grifei).
Contudo, mesmo diante de referido entendimento dentro dos Tribunais de Justiça Santa Catarina e do Rio Grande do Sul e ainda do próprio Superior Tribunal de Justiça, denota-se que as decisões são divergentes, o que será analisado a seguir.
No Tribunal da Justiça de Santa Catarina o entendimento majoritário é de que a indenização em decorrência de danos morais é incabível, veja-se:
Nesse sentido, expõe o Desembargador Jorge Luis da Costa Bebe, se manifestando que não é cabível referida indenização, considerando que se estaria favorecendo o desenvolvimento de uma afetividade compulsória, uma insinceridade amorosa, eis que os pais se viriam em uma posição obrigatória de dar afeto e amor que não possuem aos seus filhos.
“APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. FILHO QUE IMPUTA AO PAI O COMETIMENTO DE ABANDONO MORAL E AFETIVO, CULPANDO-LHE PELO DISTANCIAMENTO DE AMBOS AO LONGO DA VIDA E PELOS SOFRIMENTOS EXPERIMENTADOS EM VIRTUDE DISTO. AGRAVO RETIDO. INTEMPESTIVIDADE. NÃO INTERPOSIÇÃO IMEDIATA, NA PRÓPRIA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. ART. 523, § 4º, DO CPC. MÉRITO. AO PODER JUDICIÁRIO NÃO É DADA A INCUMBÊNCIA DE TUTELAR O AMOR OU O DESAFETO, NUMA ESPÉCIE DE JURISDICIONALIZAÇÃO DOS SENTIMENTOS, QUE SÃO INCONTROLÁVEIS PELA SUA PRÓPRIA ESSÊNCIA. A AFEIÇÃO COMPULSÓRIA, FORJADA PELO RECEIO DA RESPONSABILIZAÇÃO PECUNIÁRIA, É TÃO OU MAIS FUNESTA DO QUE A PRÓPRIA AUSÊNCIA DE AFETO. RESPONSABILIZAR, MEDIANTE INDENIZAÇÃO PECUNÁRIA A AUSÊNCIA DE SENTIMENTOS, É INCENTIVAR A INSINCERIDADE DO AMOR, CONSPIRANDO PARA O NASCIMENTO DE RELAÇÕES FAMILIARES ASSENTADAS SOB OS PILARES DO FINGIMENTO, O QUE NÃO SE COADUNA COM A MORAL, A ÉTICA E O DIREITO. ATO ILÍCITO NÃO CARACTERIZADO. INEXISTÊNCIA DA OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR. ARTS. 186 E 927 DO CC E ART. 333, INC. I, DO CPC. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO STJ. APELO DESPROVIDO. Amor existe ou não existe e, em não existindo, pode até vir a ser cultivado com atitudes de aproximação, jamais sob ameaça de punição. A construção de laços afetivos mediante coação pecuniária é de todo temerária, ressumbrando bizarro imaginar pais que não nutrem afeto algum pela prole, fingirem, de um instante para outro, aquilo que são incapazes de sentir genuinamente, apenas pelo temor de virem a ser condenados a indenizar o que desditosamente já está consumado. Quantos filhos seriam obrigados a compartilhar a presença nociva de alguns pais por força dessa imposição jurisdicional? Guarda alguma razoabilidade imaginar benefícios para o filho quando sua relação com o pai é construída sobre alicerces falsos? Quanto de humanidade realmente restaria de um afeto legalmente conduzido? Em muitos casos, seria ainda de indagar: quantos filhos seriam efetivamente beneficiados pela monetarização do afeto? Para o pai ausente, cujo coração não aflorou para o amor aos filhos, a punição maior está nos dramas da sua própria consciência. É preciso, todavia, saber distinguir a ausência de afeição com a repugnância acintosa. Por isso, em casos excepcionais, onde a falta de afeto criou espaço para um sentimento de desprezo acintoso, de menoscabamento explícito, público e constrangedor, o filho possa pleitear a reparação pelo dano anímico experimentado, porque nesse caso, ao invés da inexistência de amor, não nascido espontaneamente, há uma vontade deliberada e consciente de repugnar a prole não desejada”. (TJSC, Apelação Cível n. 2011.073787-1, de São José, rel. Des. Jorge Luis Costa Beber, j. 02-08-2012).
De mesmo modo, coloca o Desembargador Marcus Tulio Sartorato alegando que não estão presentes os requisitos ensejadores da fixação de indenização, vale conferir:
“DIREITO CIVIL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ALEGADO ABANDONO MATERIAL E AFETIVO PELO GENITOR. RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE REALIZADO APENAS MEDIANTE O AJUIZAMENTO DA PRESENTE AÇÃO JUDICIAL. REQUISITOS DO ART. 186 DO CÓDIGO CIVIL NÃO CONFIGURADOS. DEVER DE INDENIZAR INEXISTENTE. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. Os sentimentos compreendem a esfera mais íntima do ser humano e, para existirem, dependem de uma série de circunstâncias subjetivas. Portanto, o filho não pode obrigar o pai a nutrir amor e carinho por ele, e por este mesmo motivo, não há fundamento para reparação pecuniária por abandono afetivo.” (TJSC, Apelação Cível n. 2012.005438-5, de Joinville, rel. Des. Marcus Tulio Sartorato, j. 27-03-2012).
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul atualmente também tem sua jurisprudência majoritária desfavorável a indenização por abandono afetivo.
Nesse norte, explana Desembargador Alzir Felippe Schmitz que não cabe a indenização em decorrência do abandono afetivo, considerando que não se pressupõe o abandono como ato ilícito. Veja-se:
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA DECORRENTE DE ABANDONO AFETIVO. INOCORRÊNCIA. A responsabilidade civil no Direito de Família é subjetiva, de modo que o dever de indenizar pressupõe o ato ilícito e nexo de causalidade. Nesse passo, não se pode reconhecer como ato ilícito o alegado abandono afetivo que, por sua vez, não guarda nexo de causalidade com os danos alegadamente sofridos pelo autor. APELO NÃO PROVIDO”. (Apelação Cível Nº 70052059417, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alzir Felippe Schmitz, Julgado em 07/02/2013)
Ainda, de mesma forma, se manifesta Luiz Felipe Brasil Santos no sentido de que incabível a aplicação da indenização por danos morais gerados pelo abandono afetivo, tendo em vista que não se pode considerar tal ato com uma conduta ilícita:
“APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL AOS FILHOS. ABANDONO AFETIVO. No direito de família, o dano moral é, em tese, cabível. No entanto, imprescindível que haja a configuração do ato ilícito. O distanciamento do varão em relação aos filhos não constitui motivo para fundamentar a indenização por dano moral, sendo tal fato um acontecimento bastante recorrente, um fato da vida, apesar de lamentável. Embora seja plausível que os apelantes tenham sofrido pela ausência do pai, essa situação não pode ser atribuída ao genitor somente, a ponto de levar à obrigação de indenizar. Ademais, em que pese reprovável, a conduta do demandado não se enquadra no conceito jurídico de ato ilícito, que gera o dever de indenizar. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME”. (Apelação Cível Nº 70044172401, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 13/10/2011).
Apesar de prevalecer perante os Tribunais analisados e ser o entendimento do Superior Tribunal de Justiça que não é cabível a aplicação de indenização por danos morais em decorrência do abandono afetivo, recentemente, perante o Superior Tribunal de Justiça houve entendimento divergente. No qual a desembargadora Nancy Andrighi coloca que deixando de cuidar da família, tal ato implica no reconhecimento da ilicitude, ponderando se tratar de uma omissão, podendo assim se indenizar o ofendido. Vale conferir:
“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE. 1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88. 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. 4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada. 7. Recurso especial parcialmente provido”. (REsp 1159242/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/04/2012, DJe 10/05/2012).
Pelo exposto, apesar de se ponderar que é pacífico o entendimento jurisprudencial de que não é cabível a indenização por danos morais em decorrência do abandono afetivo, conclui-se ser cabível a referida indenização, diante das transformações que a sociedade, bem como as relações familiares vem sofrendo, tornando-se imperioso ao Estado efetuar a aplicação da indenização, com o intuito de dirimir novos casos, fazendo que os filhos dentro da relação familiar possa ter seu desenvolvimento pleno, sem que sofra com o abandono.
5 CONSIDERAÇÕES
Pela busca da análise e possibilidade de indenização em decorrência do abandono afetivo, observou-se que esta situação, em geral causada por um dos genitores, vem ocasionado grandes danos psicológicos aos filhos, possuindo estes, o dever de serem reparados.
Nesse sentido, fora analisado que a família tornou-se de extrema importância para o desenvolvimento psicológico e social dos filhos, gerando consequências que cada vez mais vem se buscando a solução junto ao judiciário, como forma de inibir atitudes que prejudiquem as crianças e adolescentes.
Desta forma, a indenização decorrente do abandono afetivo, embora ainda não existam muitos julgados a respeito, pois em expansão, deverá tornar-se cada vez mais comum, preocupando aqueles que, por inércia afetiva, deixam de dar aos filhos o tratamento por eles desejado, desde a mais tenra idade, até a fase adulta.
Disponível em: < http://uj.novaprolink.com.br/doutrina/6414/responsabilidade_civil__nexo_de_causalidade_e_excludentes >. Acesso em: 03 de jun. de 2013.
Notas
Parágrafo único. A mesma ação competirá contra aquele em defesa de quem se causou o dano (art. 188, inciso I).
Informações Sobre os Autores
Fernanda Rempel Heinen
Graduada em Direito pela Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC, Campus de Pinhalzinho/SC
Fernanda Trentin
Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, professora do Curso de Direito na Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC, Campus de São Miguel do Oeste, Pinhalzinho e Maravilha/SC.