Resumo: O presente trabalho tem por objetivo analisar o tipo de prazo prescricional que deve ser aplicado às demandas reparatórias acidentárias trabalhistas. Para tanto dividimos o trabalho em três capítulos pelos quais estudamos o direito do trabalhador em possuir um meio ambiente de trabalho hígido e seguro o qual se caracteriza como direito de terceira dimensão e tem o intento de fazer valer especialmente o princípio constitucional fundamental da dignidade da pessoa humana buscando-se assim a valorização social do trabalho humano. No que tange ao acidente de trabalho estudaremos seus conceitos espécies e sua caracterização além de ser analisado o tipo de responsabilidade que recai sobre o empregador no infortúnio laboral típico se objetiva ou se subjetiva bem como os danos dele decorrentes quais sejam materiais morais e estéticos. Em seguida concentramos nosso estudo na aplicação da prescrição nas demandas que visam reparar o trabalhador dos referidos danos advindos do infortúnio laboral especialmente após a EC 45/2004 que alterou a competência da Justiça do Trabalho ao atrair à Especializada Laboral o dever de julgar tais pretensões. Após analisaremos os principais posicionamentos da doutrina e da jurisprudência acerca do tema que se divide em aplicar os prazos previstos na Constituição artigo 7 XXIX no Código Civil artigos 205 e 206 3 V ou entender pela imprescritibilidade da pretensão. Enfim se concluirá que à luz dos princípios constitucionais e trabalhistas do nosso atual sistema jurídico deve-se optar pelo entendimento da imprescritibilidade da demanda indenizatória por acidente de trabalho. Para atingir os fins visados no trabalho foi realizada pesquisa doutrinária e jurisprudencial fazendo uso do método dialético.
INTRODUÇÃO
O instituto da prescrição surge como uma punição ao credor que negligencia seu crédito em face do devedor, pois lhe retira o direito de ação do crédito acobertado pelo manto prescricional. O referido instituto, portanto, surgiu no mundo jurídico para proporcionar segurança jurídica ao devedor, em face de uma pretensão velada do credor, o qual está a postergar a busca pelo adimplemento de certa dívida para momento vindouro.
A prescrição também possui outro efeito prático: impede que o credor detenha um crédito reclamável perante o órgão jurisdicional em caráter “ad eternum” em face do devedor. Vale, inclusive, a máxima consagrada pelo mundo jurídico: “o Direito não socorre aos que dormem”.
No âmbito trabalhista, a prescrição surge para resguardar, especialmente, o empregador, vez que impede a cobrança de créditos trabalhistas e de indenizações oriundas da relação de emprego, que, mesmo que devidos, já estejam acobertados pelo prazo prescricional.
É pacífico na doutrina e jurisprudência pátrias que o prazo prescricional aplicável às demandas que tratem de créditos trabalhistas seja aquele previsto na CF, em seu artigo 7º, XXIX, o qual preceitua que: “ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho”.
Contudo, há divergência entre os juristas no que tange à aplicação da prescrição nas ações que versem sobre reparações materiais e morais decorrentes da relação de emprego, mais especificamente, no concernente ao prazo prescricional para as demandas que tratem sobre acidente de trabalho com pleitos indenizatórios de danos materiais, morais e estéticos, em razão do infortúnio.
Tal impasse ocorre, pois a EC 45/2004 alterou o artigo 114 da CF, e passou a prever a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as ações de reparação material e moral decorrentes da relação de emprego, tais como as reparações oriundas de eventual acidente de trabalho ocorrido com o trabalhador.
Assim, três fortes posicionamentos passaram a dividir a doutrina e a jurisprudência, no que tange à aplicação do instituto da prescrição nas ações que possuem como principal objeto acidente de trabalho ocorrido com o obreiro.
Mais recentemente, uma nova classe de juristas surge para defender a imprescritibilidade dessas pretensões que tenham como pano de fundo indenizar o trabalhador dos danos advindos do infortúnio laboral.
Portanto, o presente trabalho tem por finalidade responder: qual é o prazo prescricional aplicável às demandas reparatórias acidentárias laborais: prazo trabalhista, civilista, ou imprescritibilidade da pretensão?
Primeiramente, será abordado o direito de o trabalhador possuir um meio ambiente de trabalho seguro e livre de riscos à sua saúde. Hodiernamente, a maior causa de acidentes de trabalho é a ausência de respeito às normas de medicina e segurança do trabalho pelo empregador, o qual deixa de cumprir com suas obrigações legais, falta que se justifica pela busca desenfreada pelo lucro.
Contudo, como se verá, tal descumprimento importa em violação a normas internacionais, constitucionais, infraconstitucionais, além de ir de encontro aos princípios do valor social do trabalho humano, dignidade da pessoa humana, função social da propriedade e do contrato, os quais se encontram em pleno acordo com o princípio da livre iniciativa.
Após tratar do dever de o empregador zelar por um meio ambiente de trabalho hígido e seguro, será abordado o conceito, as espécies e a caracterização do acidente de trabalho à luz do atual ordenamento jurídico pátrio.
De importante valia também é compreensão da responsabilidade civil do empregador pelos danos causados ao empregado em caso de ocorrência de um acidente de trabalho, em especial, fazendo-se a distinção entre os tipos de responsabilidade, pois, dependendo do risco que a atividade implicar ao trabalhador, haverá mudança no tipo de responsabilidade a ser aplicada à empresa, ora sendo objetiva, ora sendo subjetiva.
Também serão objeto de estudo os tipos de danos que se originam de um infortúnio laboral. São eles: materiais, morais e estéticos.
Os danos materiais se subdividem em outras duas espécies, os danos emergentes, que tratam da efetiva diminuição patrimonial, e os lucros cessantes, que versam sobre o que foi deixado de ganhar em razão do acidente. Os danos morais são aqueles que visam ressarcir o obreiro das conseqüências psicológicas advindas do infortúnio, enquanto que a reparação pelo dano estético visa ressarcir a deformidade do corpo em si, com o seu afeiamento decorrente do acidente laboral.
O estudo ainda visa esclarecer que a EC 45/2004, que alterou o artigo 114 da Constituição da República, solucionou a problemática referente à competência das ações decorrentes de acidente de trabalho, ao fixar tais pretensões na Especializada Laboral, mas trouxe uma nova controvérsia na doutrina e jurisprudência trabalhista, agora referente ao prazo prescricional que deve ser aplicado a tais demandas, se trabalhista, civilista ou se as referidas pretensões seriam imprescritíveis.
Em relação à doutrina trabalhista, os principais autores que escrevem sobre a matéria divergem em quatro importantes posicionamentos.
Uma primeira corrente defende a aplicação do prazo constitucional previsto no artigo 7º, XXIX, CF, pois entende se tratar a obrigação de crédito trabalhista. Já a corrente que defende se tratar de uma reparação eminentemente civil, aplica o artigo 206, §3º, V, CC.
Também há quem entenda que tal reparação trata-se de um direito personalíssimo, e por isso, não havendo prazo prescricional expresso para tal direito, o operador deve se socorrer no prazo decenal geral do artigo 205, CC. De semelhante argumentação são os que defendem a imprescritibilidade da pretensão, com a diferença que tal corrente entende que uma interpretação analógica não pode surgir para restringir direitos de parte hipossuficiente.
No que se refere ao posicionamento da jurisprudência, há três principais posicionamentos que dividem a opinião dos julgadores, vez que ao longo da pesquisa não foram encontradas decisões que aderiram à corrente da imprescritibilidade.
O primeiro entendimento recorre à aplicação do artigo 7º, XXIX, CF, isto é, o prazo trabalhista de cinco anos, limitado a dois com a extinção do contrato de trabalho. A segunda corrente aplica o prazo trienal civilista, inerente à reparação civil, previsto no artigo 206, §3º, V, CC. Por fim, há os julgadores que entendem pela aplicação do prazo decenal do artigo 205, CC.
Enfim, se concluirá que não é possível se resolver a problemática que envolve o prazo prescricional das demandas oriundas de acidente de trabalho, sem antes elucidar qual seria a natureza da obrigação que se busca ressarcir.
Pela aplicação do princípio do in dubio pro misero, percebe-se que o operador da norma trabalhista, havendo dúvida, deve optar por reconhecer a obrigação de indenizar oriunda do acidente de trabalho como um direito de natureza personalíssima, inerente ao trabalhador por sua condição de pessoa humana, logo, direito fundamental indisponível, irrenunciável, e por consequência, imprescritível.
E ainda, pela aplicação do princípio da norma mais favorável, em caso de dúvida quanto à aplicação de mais de uma norma, deve-se optar por aquela que vise trazer maior proteção ao trabalhador, dada sua condição hipossuficiente na relação laboral, assim, outra saída não há, senão reconhecer a imprescritibilidade da pretensão indenizatória acidentária, em detrimento da aplicação de qualquer prazo prescricional.
Não se olvide também a aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana, vez que tal princípio traz como escopo a defesa do trabalhador como pessoa, impedindo que este se torne mera peça na engenharia empresarial. Logo, os direitos violados quando da ocorrência de um acidente de trabalho, por serem personalíssimos, são também fundamentais e irrenunciáveis e, sendo a prescrição uma renúncia tácita, são também imprescritíveis.
Por fim, o princípio da função social do contrato de trabalho leva o aplicador da norma trabalhista a concluir que só cumpre sua função social o contrato que cumpre com as normas trabalhistas. Logo, quando ocorre um acidente de trabalho, tudo leva a crer que as normas trabalhistas de higiene e segurança do trabalho foram descumpridas, assim, ao ferir um princípio fundamental do contrato, o empregador estará sujeito ao pagamento das indenizações sem direito a um prazo prescricional que lhe encobriria tal torpeza.
Por todos os princípios constitucionais e trabalhistas descritos, que serão mais bem explorados no bojo do presente trabalho, os quais são próprios do Estado Democrático de Direito, se perceberá que a solução para a problemática aqui tratada, é a aplicação da imprescritibilidade às demandas reparatórias acidentárias laborais.
1 O DIREITO AO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO SAUDÁVEL
1. 1 O MEIO AMBIENTE DO TRABALHO: CONCEITUAÇÃO
Antes de se intentar conceituar o que seria meio ambiente do trabalho, é necessário fixar a premissa de que este se trata de uma espécie do gênero meio ambiente.
Corroborando com esse entendimento, o doutrinador Fiorillo (2009, p. 22-24) leciona que o meio ambiente pode ser classificado em: natural, artificial, cultural, e do trabalho. O primeiro é comumente denominado de meio ambiente físico, pois abrange aspectos da natureza. O meio ambiente artificial abarca todo o espaço construído pelo homem. Em relação ao meio ambiente cultural, o mesmo é formado pelo patrimônio constituído pelos bens arrolados no art. 216 da Constituição[1]. O meio ambiente do trabalho será conceituado mais adiante.
Logo, conclui-se que o meio ambiente do trabalho está contido no sentido global de meio ambiente, que se encontra exposto no art. 225 da CF, dispositivo que assegura o direito a “um meio ambiente ecologicamente equilibrado”, seja qual for o sentido de meio ambiente objeto de análise.
Ademais, a Carta Maior em seu art. 200, inciso VIII, ao tratar das competências do sistema único de saúde, determina: “Colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho”, indicando que o mesmo merece um tratamento especial, embora inserido no meio ambiente em sentido amplo.
A Lei 6.938/81, em seu art. 3º, I, conceitua meio ambiente como “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”.
Na esteira da proteção ao meio ambiente do trabalho, a Constituição da República, em seu art. 7º, XXII, atesta ser direito dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem a melhoria de sua condição social, a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”.
Merece destaque o apontamento feito por Nascimento (2003, p. 434), que assim aduz:
“A proteção ao meio ambiente do trabalho tem por suporte um conceito: para que o trabalhador atue em local apropriado, o Direito deve fixar condições mínimas a serem observadas pelas empresas, quer quanto às instalações onde as oficinas e demais dependências se situam, quer quanto às condições de contágio com agentes nocivos à saúde ou de perigo que a atividade possa oferecer.”
Extrai-se da perfeita fala acima transcrita que o direito ao meio ambiente do trabalho merece tratamento especial em relação ao conceito gênero de meio ambiente, dada a distinta relação desenvolvida pelo homem com seus instrumentos e com o seu espaço de labor. A relação entre o homem e o fator técnico passou a exigir uma legislação tutelar da saúde, da integridade física e da vida do obreiro.
Na bem sucedida tentativa em conceituar meio ambiente do trabalho à luz dos preceitos constitucionais, o professor Silva (2010, p. 21) coloca este como sendo “o local em que se desenrola boa parte da vida do trabalhador, cuja qualidade de vida está, por isso, em íntima dependência da qualidade de vida daquele ambiente [de trabalho]”.
Desta feita, considera-se meio ambiente do trabalho tudo aquilo que cerca o obreiro no seu local de trabalho, não se restringindo apenas ao ambiente físico, mas também abrangendo a forma que se desenvolve o labor. Assim, o meio ambiente do trabalho engloba tudo o que influencia na saúde, física e psicológica do trabalhador, bem como no seu bem-estar e segurança.
Portanto, o espaço interno da fábrica ou da empresa não é o elemento único que traduz o ambiente de trabalho, mas apenas parte que lhe compõe, assim como “os elementos inter-relações e condições que influenciam o trabalhador em sua saúde física e mental, comportamento e valores reunidos no lócus do trabalho”, conforme ensina Rocha (2002, p. 127).
1.2 O MEIO AMBIENTE DE TRABALHO SAUDÁVEL COMO UM DIREITO FUNDAMENTAL DE TERCEIRA DIMENSÃO
Entende-se por direito fundamental de 3ª dimensão aqueles direitos de caráter metaindividual, também chamados de direitos coletivos lato sensu, os quais possuem por principal característica ter como sujeito ofendido não só uma pessoa específica, mas toda uma coletividade.
São de grande valia as palavras de Sarlet, Marinoni e Mitidiero (2012, p. 262), que em obra conjunta assim ensinam:
“Os direitos fundamentais de 3ª dimensão, também denominados de direitos de fraternidade ou de solidariedade, trazem como nota distintiva o fato de se desprenderem, em princípio, da figura do homem-indivíduo como seu titular, destinando-se à proteção de grupos humanos (povo, nação), e caracterizando-se, consequentemente, como direitos de titularidade transindividual” (coletiva ou difusa).
Tamanha é a importância do direito ao meio ambiente de trabalho seguro, que o mesmo é elevado pela doutrina moderna ao patamar de direito fundamental de 3ª dimensão.
Coaduna com este posicionamento a fala de Melo (2008, p. 29), que leciona o que segue:
“Direito ambiental do trabalho constitui direito difuso fundamental inerente às normas sanitárias e de saúde do trabalhador (art. 196 da CF/1988), que, por isso, merece a proteção dos Poderes Públicos e da sociedade organizada, conforme estabelece o art. 225 da CF/1988. É difusa a sua natureza, ainda, porque as conseqüências decorrentes da sua degradação, como, por exemplo, os acidentes de trabalho, embora com repercussão imediata no campo individual, atingem, finalmente, toda a sociedade, que paga a conta final.”
Conforme bem exposto pelo ilustre doutrinador, o status de direito fundamental foi atribuído às normas garantidoras ao sadio ambiente de trabalho, em razão da relevância e abrangência social de tal direito, mormente pelo fato de que o ambiente de trabalho afrontoso à saúde e segurança do trabalhador é causa indubitável de inúmeros acidentes de trabalho, o que gera um ônus exacerbado para a Previdência Social, a qual é custeada por todos os seus contribuintes (trabalhadores e empresas) e pelo Poder Público.
Assim, toda a coletividade é lesada, direta ou indiretamente, quando um obreiro sofre um acidente de trabalho, razão pela qual é forçoso concluir que as normas que tratam do meio ambiente de trabalho estão resguardando um direito fundamental de 3ª dimensão, vez que atende aos interesses de toda uma classe de trabalhadores, que deixam de ser submetidos a um ambiente de trabalho agressivo à saúde, bem com de toda a sociedade, que se vê livre dos encargos financeiro-previdenciários oriundos de um eventual acidente de trabalho.
1. 2. 1 Normas de proteção ao meio ambiente do trabalho
No complexo conjunto de normas trabalhistas que integram o ordenamento jurídico pátrio, existem normas de higiene, saúde e segurança do trabalho nacionais e internacionais, sendo estas últimas previstas, especialmente, em Convenções e Representações da Organização Internacional do Trabalho, algumas dessas incorporadas ao direito brasileiro.
A seguir serão analisadas as referidas normas que visam assegurar ao trabalhador um meio ambiente de trabalho hígido.
1. 2. 1. 1 Normas internacionais
As Convenções da Organização Internacional do Trabalho são uma importante fonte para o direito trabalhista pátrio, vez que trazem inúmeras disposições sobre a matéria de saúde e segurança do trabalho.
A Organização Internacional do Trabalho foi criada, conforme leciona Sussekind (2004, p. 496), pelo Tratado de Versalhes em 1919, sendo incluída em sua competência a proteção contra os acidentes de trabalho e as doenças profissionais, cujos riscos devem ser eliminados, neutralizados ou reduzidos por medidas apropriadas da engenharia de segurança e da medicina do trabalho.
Nascimento (2003, p. 437) também destaca que a OIT tem atuado na prevenção de acidentes, por meio de normatizações previstas em Convenções e Recomendações. Assim destacou o ilustre doutrinador:
“A OIT tem atuação profícua nesse campo por meio das Convenções e Recomendações sobre prevenção de acidentes (1937), segurança das máquinas (1929), pesos em fardos transportados por barco de trabalho (1929), radiações (1960), assistência médica (1944), higiene no comércio e oficinas (1964), proteção à saúde dos trabalhadores (1953), serviços de medicina do trabalho (1959), enfermidades profissionais (1925), fósforo branco (1919), saturnismo (1919) etc”.
A excelente professora Barros (2011, p. 839) também destaca a preocupação da OIT em regulamentar um meio ambiente do trabalho saudável ao trabalhador, visando proteger destinatários específicos. Assim asseverou:
“Desde a sua criação, a OIT tem se preocupado ativamente com as condições de trabalho, de higiene, segurança e de vida do empregado. A melhora dessas condições e do meio ambiente de trabalho se encontra presente na primeira de suas Convenções, seguida de várias outras, com destinatários específicos como menores, mulheres, marítimos, portuários, deficientes, trabalhadores da construção, trabalhadores noturnos mineiros, etc.”
De todas as mencionadas normas editadas pelo organismo internacional de proteção ao trabalho, no que tange ao tema meio ambiente do trabalho, merece maior realce a Convenção n. 155.
Na convenção n. 155 da OIT os países signatários se comprometeram, por meio de consultas às organizações representativas de empregadores e trabalhadores, colocar em prática e, nas palavras de Nascimento (2003, p. 437), “reexaminar periodicamente uma política nacional coerente em matéria de segurança e saúde dos trabalhadores e o meio ambiente de trabalho, em nível nacional e de empresa”.
Sobre a referida Convenção, Padilha (2002, p. 95) ainda exalta que a mesma traz
“Alguns pontos relevantes sobre a matéria objeto de nosso estudo, quais sejam: confere direito ao empregado de interromper uma situação de trabalho por considerar, por motivos razoáveis, que ela envolva um perigo iminente e grave para a sua vida ou saúde. O exercício de tal direito não pode sofrer qualquer punição por parte do trabalhador (art. 13); prevê o direito à informação, bem como a conjugação de esforços de empregados e empregadores (art. 19); a exigência de treinamento apropriado dos trabalhadores e seus representantes na empresa, quanto às questões de segurança e higiene do trabalho (art. 19, d); a obrigação dos trabalhadores de cooperar no cumprimento das normas de segurança e saúde estabelecidas pelos empregadores, devendo comunicar ao superior hierárquico qualquer situação que envolva um perigo iminente e grave (art. 19, f); e ainda, dispõe que nenhuma providência na área de segurança ou higiene do trabalho poderá implicar ôus financeiro para os trabalhadores” (art. 21).
Por fim, em relação à atuação da OIT em tentar promover uma maior proteção ao meio ambiente do trabalho, Sussekind (2004, p. 496-497) ainda destaca:
“A ação da OIT tem se notabilizado: […]
c) pelo Programa Internacional para Melhorar as Condições de Trabalho e Meio Ambiente de Trabalho (PIACT), que se desenvolve em colaboração com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).[…]
Dos estudos realizados pelo PIACT resultou a Convenção nº 155, completada pela Recomendação nº 164, ambas de 1981, que ampliaram o conceito de ambiente de trabalho para fins de segurança e saúde dos trabalhadores. Hoje é necessário considerar tanto a agressão que o local de trabalho pode sofrer, oriunda do meio ambiente circunvizinho, quanto a poluição, por vezes imensurável, que pode ser gerada no estabelecimento industrial.”
Percebe-se, assim, que o tema meio ambiente do trabalho é alvo de grande tutela das normas internacionais, mormente das Convenções da OIT, que visam assegurar ao trabalhador um ambiente de trabalho livre de agentes ofensivos à sua saúde, ou ao menos que eventuais fatores nocivos sejam mitigados, por meio de técnicas, oriundas de estudos da engenharia e da medicina do trabalho, que visem trazer maior proteção ao labor do obreiro.
1. 2. 1. 2 Normas constitucionais
A proteção ao meio ambiente do trabalho também encontra guarida nas normas constitucionais, as quais visam garantir a salubridade do ambiente laboral.
Nas palavras de Silva (2010, p. 23) “a Constituição inclui entre os direitos dos trabalhadores a redução dos riscos ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (art. 7º, XXII), normas que integram o conteúdo da legislação trabalhista”.
O legislador constitucional, portanto, inova no Texto Maior ao dispor explicitamente a necessidade de melhoria das condições de trabalho do ponto de vista da saúde dos que trabalham.
O art. 225 da CF[2] assegura a todos o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, o qual se caracteriza por ser bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida.
Já o art. 200, inciso VIII, da CF dispõe que “ao Sistema único de Saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: […] VIII – colaborar na proteção do meio ambiente, nele incluído o do trabalho”.
Brandão (2006, p. 103) leciona acerca destes dispositivos constitucionais, relacionando-os ao direito do trabalhador a um meio ambiente do trabalho seguro, aduzindo que:
“A correlação identificada entre os dispositivos constitucionais permite afirmar que a segurança e a saúde do trabalhador estão garantidas constitucionalmente, em face do caráter múltiplo do conceito de meio ambiente – no qual se insere o trabalho –, pressupondo a garantia de um local seguro, salubre e que assegure qualidade de vida, eliminando-se a antiga dicotomia existente entre os ambientes externo e interno da empresa.”
Também com a intenção de ensinar sobre a tutela constitucional do meio ambiente de trabalho, Romita (1991, p. 254) aponta como objetivo do texto constitucional, a busca da execução de um trabalho mais humano, considerando-se não só a vida do trabalhador na empresa, mas sua condição de cidadão que participa da construção de seu tempo, dando parcela de contribuição por meio do trabalho subordinado.
Assim, percebe-se que a Constituição colocou a vida humana, entendida aqui como vida sadia, com qualidade, acima da visão monetária, mercantil que se dava ao tema. Não se pode pagar por uma vida perdida.
Merece ainda destaque a fala de Melo (2008, p. 30), que fecha o pensamento sobre a proteção constitucional do meio ambiente do trabalho, asseverando o que segue: “Como se vê, é o meio ambiente do trabalho um dos mais importantes aspectos do meio ambiente, que agora, pela primeira vez na história do nosso sistema jurídico, recebe proteção constitucional adequada”.
Melo (2008, p. 30-31) ainda complementa seu raciocínio, aduzindo que a proteção constitucional “precisa sair do papel para a prática diária, o que somente será possível mediante reformulação de entendimentos clássicos que sempre prestigiaram as formas indenizatórias – insuficientes, por sinal – como o pagamento dos adicionais de insalubridade e de periculosidade”.
Extrai-se das lições dos mencionados autores que a Constituição visou dar um tratamento especial ao meio ambiente do trabalho, este compreendido dentro do meio ambiente em sentido amplo, pois o trabalhador que sofre moléstias em razão do labor não vê seu problema resolvido com a simples paga em dinheiro de adicionais ou de indenizações, dadas as conseqüências sociais e humanas decorrentes de um acidente de trabalho ou de uma doença ocupacional.
O Texto Maior colocou, portanto, a prevenção como a maior e melhor solução para os acidentes de trabalho e doenças ocupacionais.
1. 2. 1. 3 Normas infraconstitucionais
Como acima aludido, a Constituição traz uma diretriz, um norte quanto ao tema meio ambiente do trabalho, buscando garantir ao máximo a neutralização dos riscos de acidente de trabalho e de doença ocupacional, vez que orienta ao Estado, aos trabalhadores, às empresas, e à sociedade como um todo a prevenir riscos, do que remediar danos.
As normas infraconstitucionais, portanto, objetivam alcançar o referido norte constitucional, por meio de normas preventivas e indisponíveis de proteção ao trabalho e, mais especificamente, normas que visam assegurar um meio ambiente laboral livre de riscos à saúde dos trabalhadores.
A primeira norma infraconstitucional a ser tratada é a Lei n. 6.938/81. A respeito do tema, Padilha (2002, p. 65) afirma que:
“As normas infraconstitucionais anteriores à Carta Magna não mencionavam expressamente o meio ambiente do trabalho como pertinente ao regime sistemático do Direito Ambiental. Entretanto, com a Constituição Federal de 1988, a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938, de 31.8.81) foi recepcionada pela ordem constitucional vigente. Dessa forma, quando a Lei n. 6.938/81 conceitua o meio ambiente (art. 3º, I) deve ser compreendido nessa definição legal também o meio ambiente do trabalho.”
Sobre a referida lei, Melo (2008, p. 32), ainda faz a ponderação de que:
“Embora a Lei n. 6.938/81 não mencione expressamente o meio ambiente do trabalho como protegido por suas normas, dúvida não pode existir no sentido de que a degradação do meio ambiente do trabalho que prejudique ou coloque em risco a saúde, a vida e a integridade física dos trabalhadores, insere-se o conceito acima mencionado de degradação do meio ambiente”.
Desta feita, a Lei 6.938/81 também tutela, em suas disposições, o meio ambiente do trabalho, não se restringindo apenas a proteger o meio ambiente natural.
Outra norma infraconstitucional que visa garantir o salubre ambiente de trabalho é a CLT. Sem dúvida alguma, a CLT foi recepcionada pela atual Constituição, devendo ser destacadas as disposições que tratam da segurança e medicina do trabalho, os quais se encontram no Título II, Capítulo V, nos artigos 154-201.
A CLT, quando trata das referidas normas de proteção ao meio ambiente de trabalho, as disponibiliza da seguinte maneira: os artigos 155-159 tratam das normas básicas de segurança e aos órgãos aos quais incumbe velar pela segurança e medicina do trabalho; o art. 160 trata da inspeção prévia, do embargo ou interdição de estabelecimento; os artigos 162-165 dispõem sobre os órgãos de proteção na empresa; os artigos 166-167 tratam dos equipamentos de proteção individual; os artigos 168-169 abordam sobre as medidas preventivas; os artigos 170-174 dispõem sobre as edificações; o artigo 175 trata da iluminação; os artigos 176-178 tratam do conforto térmico; os artigos 179-180 abordam sobre as instalações elétricas; os artigos 182-183 estipulam sobre o manuseio e armazenagem; os artigos 198-199 tratam das máquinas e equipamentos; por fim, o art. 200 atribui a competência do Ministério do Trabalho e Emprego para editar as chamadas Normas Regulamentadoras.
Em relação à CLT, e a relevância de tal norma para o ordenamento infraconstitucional sobre a proteção ao meio ambiente de trabalho, destaque-se a fala de Brandão (2006, p. 106), que assim dispõe em sua obra:
“Com o advento da CLT, por meio do Decreto-lei n. 5.452, de 1º.5.1943, institui-se um modelo de proteção de inspiração técnico-burocrática típica da tradição corporativa dos anos 1930, delineado no Capítulo V, sob no título “Da Segurança e da Medicina do Trabalho”, que conteve as primeiras normas de higiene e segurança do trabalho, prevenção de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais, e disciplinou a obrigação dos empregadores e dos empregados quanto à segurança e higiene nos locais de trabalho, além de definir as atividades insalubres e perigosas.”
De importante valia também é a análise das Normas Regulamentadoras de competência de edição do Ministério do Trabalho e Emprego, as quais fixam, mais pormenorizadamente, as normas de proteção ao meio ambiente de trabalho.
Sobre as Normas Regulamentares, Melo (2008, p. 34) leciona que:
“Por força do que dispõem os arts. 155-200 da CLT, foi elaborada a Portaria n. 3.214/78, pelo Ministério do Trabalho e Emprego, que, por meio de várias normas regulamenta o meio ambiente laboral no que diz respeito à segurança e medicina do trabalho. Essas normas regulamentadoras (NRs) passaram a ser elaboradas e revisadas de forma tripartite, com a participação do governo, dos trabalhadores e dos empregadores, o que representa, em princípio, avanço e grande passo na busca da melhoria das condições de trabalho e da democratização das relações laborais, o que precisa ser implementado em relação ao cumprimento das normatizações legais correspondentes.”
Conforme bem exposto pelo ilustre doutrinador, as Normas Regulamentares têm origem na Portaria n. 3.214/78, editada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, e são elaboradas e revisadas de forma tripartite, com participação dos empregados, empregadores e do governo.
As Normas Regulamentares possuem conteúdo técnico, vez que suas determinações são oriundas de estudos de profissionais da área da engenharia e da medicina do trabalho. Logo, melhor mesmo que não sejam tratadas por meio de leis, que possuem eminentemente caráter político.
Ademais, o fato de as normas regulamentares serem tratadas por meio de portaria é um elemento facilitador, pois uma posterior alteração de seu conteúdo, não necessitará dos trâmites formais inerentes ao processo legislativo.
Essas são, em breve relato, as principais normas infraconstitucionais que regulamentam a segurança e medicina do trabalho, visando, acima de tudo, assegurar um meio ambiente de trabalho hígido e seguro ao trabalhador.
1. 3 O DEVER DO EMPREGADOR DE GARANTIR UM MEIO AMBIENTE DO TRABALHO SAUDÁVEL
1. 3. 1 O valor social do trabalho humano e a dignidade da pessoa humana
Ao longo de toda a história, o trabalho humano ganhou diferentes feições, desde um trabalho eminentemente braçal, que utilizava a força bruta dos incultos escravos, passando pela servidão e pelas corporações de ofício na Idade Média, e finalmente, desembocando na Era pós Revolução Industrial, em que os direitos trabalhistas vêm ganhando mais importância, até atingirem o patamar de normas sociais fundamentais da pessoa humana do trabalhador.
O seguinte e breve relato histórico do direito do trabalho encontra respaldo na obra de Villela (2010, p. 81-88). O trabalho humano nos seus primórdios não possuía qualquer proteção legal, vez que o escravo não passava de mera “res”, resultante do triunfo de um povo vencedor sobre outro perdedor, sendo o trabalhador cativo mero objeto de direito.
Posteriormente, nas sociedades feudais, o servo, ainda que não fosse escravo, estava intimamente ligado à terra e ao senhor feudal, o qual tinha poder de tributação e de disponibilização de mão de obra desses trabalhadores. Nessa mesma época medieval, também se desenvolveram como forma de trabalho as corporações de ofício, que nada mais eram que pequenas oficinas, nas quais se desenvolviam pequenos trabalhos técnicos e autônomos, porém de pouca herança intelectual.
Chega-se, assim, após o desenrolar do movimento iluminista, a um momento em que a relação jurídica de prestação de trabalho pessoal e subordinado passa a vigorar, a partir da Revolução Industrial. Desde então, o trabalho humano passa a receber tutela jurídica pelo Estado de maneira tímida, ainda que evolutiva.
Finalmente, chegamos à Era dos direitos fundamentais, em que os direitos dos trabalhadores passam a receber status de direitos fundamentais de 2ª dimensão, portanto indisponíveis e de necessária observância pelos empresários.
Oliveira (1998, p. 114) resume bem essa evolução histórica da tutela do direito laboral, afirmando que:
“O trabalho, antes considerado indigno, próprio dos escravos e dos servos, passa após a Revolução Industrial a mercadoria lucrativa, objeto de exploração dos detentores dos meios de produção. No século atual, no entanto, vem adquirindo feição diferente: de mercadoria barata está evolvendo para valor dignificante, merecendo uma crescente proteção do legislador.”
Essa subida em escala da proteção ao trabalho se deu muito em razão da entronização do princípio norteador do atual Estado Democrático de Direito vivido pelas sociedades ocidentais, qual seja, o da dignidade da pessoa humana.
Para tanto, vale referenciar as palavras de Padilha (2002, p. 43), que, analisando os princípios norteadores da ordem econômica, os quais devem ser necessariamente observados pelo empresariado, concluiu o seguinte:
“A dignidade da pessoa humana é, assim, um princípio de caráter absoluto, constitutivo da base ética norteadora de toda atividade econômica; todos os demais princípios elencados nos incisos de I a IX do art. 170 da Constituição Federal são regidos pelo valor absoluto da dignidade da pessoa humana, que lhes fundamenta e confere unidade, uma vez que se qualifica também como um dos fundamentos da República (art. 1º, III).”
Portanto, percebe-se que com a introdução do princípio da dignidade da pessoa humana como princípio informador de toda a ordem jurídica vigente, houve a direta valorização ou dignificação do trabalho humano.
Quem corrobora com tal entendimento é Melo (2008, p. 65), que de maneira iluminada escreveu:
“O princípio da dignidade da pessoa humana encontra assento na Constituição Federal brasileira, que, logo no art. 1º, estabelece que são fundamentos da República e do Estado Democrático de Direito, entre outros, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho. Essas dicções são complementadas pelo art. 170 da mesma Lei Maior, que, ao tratar da ordem econômica, assegura a livre iniciativa, fundada, porém, na defesa do meio ambiente e na valorização do trabalho humano, de modo que se assegure a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. Observa-se que, embora capitalista, a ordem econômica dá prioridade aos valores do trabalho humano sobre todos os demais valores da economia de mercado.” (Grifo nosso).
A proteção ao trabalho passa, então, a ser vista como uma variável dos direitos fundamentais, pois se chegou à conclusão de que o desrespeito às normas trabalhistas de saúde e segurança do trabalho impede que o trabalhador, que têm no seu local de trabalho o seu habitat profissional, tenha uma plena vida digna.
Trabalho digno significa vida digna. Respeito às normas trabalhistas e a evolução na proteção ao trabalho traduz-se em maior garantia e efetividade aos direitos fundamentais da pessoa humana. Por isso, Oliveira (1998, p. 98) assevera que:
“Para exercer o trabalho, o homem não pode perder a saúde, sem a qual o direito à vida não se sustenta. Por essa razão, cada vez mais, as normas legais no mundo inteiro estão associando o trabalho humano à honra, à proteção jurídica, à dignidade, à realização pessoal, a valor e a dever. Sendo o trabalho atividade dignificante, não pode servir de instrumento de subjugação ou de desrespeito à pessoa humana”.
Assim, a dignidade da pessoa humana anda de mãos dadas com a valorização do trabalho humano. Há uma relação interdependente entre ambas, sendo a primeira como uma mãe, da qual derivam outras normas protetivas não só no âmbito trabalhista, e a última como uma filha, menina dos olhos de sua criadora, pois sem ela aquela não poderá ser efetivada. A agressão ao trabalho humano é a violação à dignidade humana.
1. 3. 2 A livre iniciativa e a função social da propriedade e do contrato
Nas lições de Cassar (2009, p. 160), a empresa é uma forma de exercício da propriedade. Sendo assim, o princípio da função social da propriedade, preceituado no art. 170 da CF, merece ser analisado na relação de emprego, pois esta possui como partes, além da própria empresa, a figura do empregado.
A fim de elucidar tal situação, a mesma e ilustre doutrinadora Cassar (2009, p. 161) assim dispõe em sua obra: “Este princípio já era uma tendência mundial, mas só tomou fôlego em nosso país a partir da Carta de 1988, pelo art. 170 da CRFB. Isto porque no estudo da função social da propriedade percebeu-se que a empresa é uma das formas de exercício da propriedade”.
Antes de correlacionar o princípio da função social da propriedade com o Direito do Trabalho, deve-se estabelecer o significado de tal princípio na atual ordem jurídica, para que ao final se chegue à conclusão de como ele se insere na relação de trabalho.
O art. 170, III, da CF dispõe que “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (…) III – função social da propriedade”.
A respeito da função social da propriedade, Comparato (1990, p. 32) leciona que:
“A noção de função, no sentido que é empregado o termo nesta matéria, significa um poder, mais especificadamente, o poder de dar ao objeto da propriedade destino determinado, de vinculá-lo a certo objetivo. O adjetivo social mostra que esse objetivo corresponde ao interesse coletivo e não ao interesse próprio do dominus; o que não significa que não possa haver harmonização entre um e outro. Mas, de qualquer modo, se se está diante de um interesse coletivo, essa função social da propriedade corresponde a um poder dever do proprietário, sancionável pela ordem jurídica”.
Assim, tem-se que a função social da propriedade ou da empresa pode ser compreendida como um dever do proprietário, ou, no caso, do empresário, de, no desenvolver de sua atividade econômica, atender não só aos seus interesses, que se pautam principalmente na busca pelo lucro, mas também de respeitar os interesses da coletividade.
Na esfera do Direito do Trabalho, o qual traz ao ordenamento jurídico um conjunto de normas que visam proteger o empregado, tem-se que a relação laboral atende aos interesses da coletividade quando o empregado vê seus direitos trabalhistas efetivados, e isso se ocorre tão somente quando da observância dos preceitos legais trabalhistas pelo empresário.
Desta feita, o princípio da função social da empresa e do contrato de trabalho constitui-se um dever do empresário, e uma garantia ao empregado, dado fato de que só cumpre sua função social a empresa que respeita os direitos de seus empregados e, mais especificamente, proporciona um ambiente de trabalho livre de riscos à saúde dos obreiros.
É por isso que Cassar (2009, p. 167) destaca em sua obra que:
“A inobservância dos direitos dos trabalhadores, como o pagamento pontual de seus salários e sobre salários previstos em lei ou em normas coletivas, o tratamento ético, urbano e livre de assédio, o abuso no exercício de direitos dirigidos ao patrão como o de despedir, o de flexibilizar em caso de risco à sobrevivência da empresa, o de variar algumas condições de trabalho (ius variandi), acarreta no desrespeito ao princípio da função social da empresa e em abuso de direitos.”
Conclui-se, portanto, que o principio da função social da propriedade é aplicado às empresas, dentro do âmbito do Direito do Trabalho, na seguinte medida: respeito às normas trabalhistas.
Por fim, merece realce a fala de Melo (2008, p. 59), quando afirma que:
“É preciso, ainda, mudar-se a cultura de parte do empresariado assentada prioritariamente na filosofia do ‘lucro pelo lucro’; é preciso, por fim, criar-se uma cultura de solidariedade e de responsabilidade não somente do sistema como sistema, mas também das pessoas, porque são estas que gerenciam os sistemas”.
A aplicação do princípio da função social da empresa ao contrato de trabalho visa, portanto, diminuir a precariedade social que se vive hoje no mundo, buscando investir no homem pela sua própria humanidade, e não somente pela busca pelo lucro, característica marcante do sistema capitalista. A imposição do dever de respeitar as normas trabalhistas como fator essencial a atividade empresária, dignifica a figura do homem-trabalhador, não permitindo que o ser humano vire um objeto dentro de uma fábrica.
2 O ACIDENTE DO TRABALHO E A VIOLAÇÃO DO DIREITO AO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO SAUDÁVEL
2. 1 O ACIDENTE DE TRABALHO: CONCEITO E ESPÉCIES LEGAIS DE ACIDENTES DE TRABALHO
A Lei 8.213/91, em seu artigo 19, conceitua acidente de trabalho como aquele
“Que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11, desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho”.
Contudo, é certo que a conceituação trazida pela lei não abrangeu todas as espécies de acidente de trabalho, pois tratou apenas do acidente de trabalho típico.
Outros tipos de acidente de trabalho ainda não estão incluídos na referida conceituação legal, quais sejam, doenças ocupacionais, concausas e acidentes de trajeto. A lei previdenciária tratou as referidas espécies de acidente de trabalho como hipóteses de equiparação, conforme previsto nos artigos 20 e 21, ambos posteriormente expostos.
Também coaduna com esse entendimento Oliveira (2011, p. 43), ensinando o seguinte:
“Diante da dificuldade conceitual, a lei definiu apenas o acidente de trabalho em sentido estrito, também denominado acidente típico ou acidente-tipo. No entanto, acrescentou outras hipóteses que se encaixam ao acidente típico para os efeitos legais. Isso porque a incapacidade também pode surgir por fatores causais que não se encaixam diretamente no conceito estrito de acidente do trabalho, tais como: enfermidades decorrentes do trabalho; acidentes ou doenças provenientes de causas diversas, conjugando fatores do trabalho e extralaborais (concausas); acidentes ocorridos no local do trabalho, mas que não têm ligação direta com o exercício da atividade profissional; acidentes ocorridos fora do local da prestação dos serviços, mas com vínculo direto ou indireto com o cumprimento do contrato de trabalho e acidentes ocorridos no trajeto de ida ou volta da residência para o local de trabalho. Como se vê, o legislador formulou um conceito para o acidente do trabalho em sentido estrito, o acidente típico, e relacionou outras hipóteses que também geram incapacidade laborativa, os chamados acidentes de trabalho por equiparação legal”.
Assim, apesar do acidente típico ser a única espécie de acidente de trabalho inserida no conceito legal do artigo 19 da Lei 8.213/91, é certo que o acidente de trabalho possui outras formas de se apresentar, como no caso das doenças ocupacionais, concausas e acidentes de trajeto, sendo tais espécies chamadas de equiparações ao acidente de trabalho.
Já abordado o conceito de acidente de trabalho típico, a seguir serão tratadas as demais espécies de acidente de trabalho, conhecidas como equiparações.
As doenças ocupacionais são tratadas no artigo 20 da lei previdenciária, que dispõe da seguinte forma:
“Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:
I – doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;
II – doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.”
Logo, percebe-se que a legislação fez uma diferenciação entre doenças profissionais e doenças do trabalho, apesar de ambas estarem inseridas na espécie de equiparação doença ocupacional.
Nas palavras de Brandão (2006, p. 157-158), as doenças profissionais “também são conhecidas como ergopatias, tecnopatias, idiopatias, doenças profissionais típicas, doenças profissionais verdadeiras ou tecnopatias propriamente ditas (…) possuem no trabalho sua causa única, eficiente, por sua própria natureza, ou seja, insalubridade”.
Logo, as doenças profissionais são entendidas como as conseqüências naturais de certas profissões desenvolvidas em condições insalubres, e que estão diretamente relacionadas ao trabalho. Acrescente-se que as referidas enfermidades, peculiares a certas profissões, são reconhecidas em rol elaborado pela Previdência Social.
A doença do trabalho é aquela que surge no trabalhador também em razão do labor por ele realizado, mas não está relacionada a nenhuma profissão em específico. Oliveira (2011, p. 50) de forma ilustre ensina que:
“A doença do trabalho, também chamada mesopatia ou doença profissional atípica, apesar de igualmente ter origem na atividade do trabalhador, não está vinculada necessariamente a esta ou aquela profissão. Seu aparecimento decorre da forma em que o trabalho é prestado ou das condições específicas do ambiente de trabalho.”
Ainda vale ressaltar o § 1º do mesmo artigo 20, o qual estabelece a ressalva de que não é toda doença que surge no curso de uma relação laboral que será considerada doença ocupacional e, portanto, equiparada a acidente de trabalho. Assim assevera o referido dispositivo:
“§ 1º Não são consideradas como doença do trabalho:
a) a doença degenerativa;
b) a inerente a grupo etário;
c) a que não produza incapacidade laborativa;
d) a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho.”
Em resumo, não são consideradas doenças ocupacionais aquelas que não possuem relação com o trabalho: apareceu no trabalho, mas não em razão do trabalho.
Outra espécie de equiparação a acidente de trabalho é a concausa, que se encontra tratada no artigo 21da Lei 8.213/91, na forma que segue:
“Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei:
I – o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação;”
Logo, as concausas são aqueles acidentes de trabalho que somam ao infortúnio propriamente dito, uma causa pré, concomitante, ou pós existente ao acidente, que foi capaz de agravar a lesão à saúde física do obreiro.
Bem tratam do tema Monteiro e Bertagni (2009, p. 19), quando anotam que:
“Em outras palavras, nem sempre o acidente se apresenta como causa única e exclusiva da lesão ou doença. Pode haver a conjunção de outros fatores – concausas. Uns podem preexistir ao acidente – concausas antecedentes; outros podem sucedê-lo – concausas supervenientes; por fim, há, também, os que se verificam concomitantemente – concausas simultâneas.”
Por fim, a última a espécie de equiparação que será tratada neste tópico é a denominada acidente de trajeto, a qual se encontra prevista também no artigo 21 da lei previdenciária, da seguinte forma:
“Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei:
IV – o acidente sofrido pelo segurado ainda que fora do local e horário de trabalho: (…)
d) no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado.”
A maior discussão que surge é quanto ao que seria entendido como “percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela”. Por isso, merece destaque o ensinamento de Oliveira (2011, p. 58), que, sendo um doutrinador reconhecido neste tema, assim leciona:
“O trabalhador com freqüência desvia-se desse percurso por algum interesse particular, para uma atividade de lazer ou compras em um supermercado ou farmácia, por exemplo. Como será necessário estabelecer o nexo causal do acidente com o trabalho, são aceitáveis pequenos desvios e toleradas algumas variações quanto ao tempo de deslocamento, desde que compatíveis com o percurso do referido trajeto, porquanto a Previdência Social, na esfera administrativa, não considera acidente do trabalho quando o segurado, por interesse pessoal, interrompe ou altera o percurso habitual.”
Portanto, são aceitáveis pequenos desvios no percurso que o trabalhador faz quando se desloca de sua residência para o seu local de trabalho, ou deste para aquela, dadas as necessidades que o trabalhador, também como pessoa, precisa satisfazer, tais como, desvio para passar em supermercados, farmácias, bancos, restaurantes, dentre outros inúmeros exemplos.
Assim, é considerado acidente de trabalho um eventual infortúnio ocorrido com obreiro no trajeto casa-trabalho ou trabalho-casa, aceitas pequenas variações de desvio neste itinerário.
2. 2 A CARACTERIZAÇÃO DO ACIDENTE DE TRABALHO
Em um primeiro momento, para a caracterização do acidente de trabalho é necessário que seja expedida pela empresa uma CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho), a qual tem por objetivo viabilizar ao empregado a concessão dos benefícios sociais junto à Previdência Social.
A referida exigência encontra-se prevista no artigo 22 da Lei 8.213/91, que assim dispõe:
“A empresa deverá comunicar o acidente do trabalho à Previdência Social até o 1º (primeiro) dia útil seguinte ao da ocorrência e, em caso de morte, de imediato, à autoridade competente, sob pena de multa variável entre o limite mínimo e o limite máximo do salário de contribuição, sucessivamente aumentada nas reincidências, ampliada e cobrada pela Previdência Social.”
Assim, percebe-se que o primeiro fator necessário para a caracterização do acidente de trabalho, é a lavratura da CAT pela empresa para a qual o labor deu origem ao infortúnio, destacando-se a possibilidade de imposição de penalidades pecuniárias ao patrono que descumprir tal obrigação legal.
As lições de Oliveira (2011, p. 61) muito colaboram no ensino sobre a caracterização do acidente de trabalho:
“O primeiro passo para o reconhecimento de qualquer direito ao empregado que sofreu acidente do trabalho ou situação legalmente equiparada é a comunicação da ocorrência à Previdência Social, cuja legislação no Brasil incorporou a infortunística do trabalho. Com o objetivo de facilitar a concessão rápida dos benefícios e, ainda, diante do caráter social do seguro acidentário, a norma legal atribuiu ao empregador a obrigação de expedir a comunicação do acidente, ficando dispensada, assim, a vítima ou seus dependentes da iniciativa do requerimento”.
Das palavras do ilustre doutrinador, extrai-se o ensinamento de que a obrigatoriedade de expedição da CAT pelo empregador configura-se como uma norma que visa proteger o empregado acidentado, o qual, em inúmeras situações, em razão do acidente, está impossibilitado de se dirigir à autarquia previdenciária para comunicar o infortúnio.
A fim de facilitar a emissão da CAT pela empresa, a Previdência Social criou mecanismos modernos para sua lavra. Hoje é disponível na internet[3] um formulário criado pelo próprio INSS, podendo o mesmo, depois de preenchido, ser enviado à autarquia previdenciária eletronicamente.
Contudo, sabe-se que em inúmeras ocasiões o empregador deixa de cumprir com suas obrigações legais, especialmente, quando lhe são somados encargos sociais e trabalhistas.
Quando um empregado sofre um acidente de trabalho, com a conseguinte percepção de benefícios previdenciários, lhe é garantido estabilidade de emprego pelo prazo de 01 (ano) após o retorno ao trabalho. Somada a essa obrigação, é possível que a empresa sofra demandas judiciais na Justiça do Trabalho, nas quais o trabalhador poderá pleitear indenizações por danos materiais, morais e estéticos advindos do acidente laboral.
Ademais, como visto no mencionado artigo 22 da lei previdenciária, em caso de acidente fatal, haverá investigação do ocorrido pelas autoridades de polícia judiciária e administrativa de fiscalização do trabalho no local do incidente com o obreiro, isto é, em muitos casos, na sede da empresa.
Enfim, é nítido que os ônus oriundos do acidente de trabalho não são suportados isoladamente pela vítima, mas o atual sistema jurídico social trabalhista colocou o empregador para compartilhar dos prejuízos juntamente com o trabalhador, ainda que estes estejam restritos ao viés monetário.
Logo, comum é a escusa da empresa em emitir a CAT para o trabalhador acidentado. Como o empregado, então, perceberia os benefícios sociais, afastando-se das funções, a fim de tratar das moléstias decorrentes do acidente?
Segundo o que leciona Oliveira (2011, p. 62), a referida problemática pode ser resolvida das seguintes formas: no caso de omissão ou resistência do empregador, a CAT também pode ser emitida pelo próprio acidentado, seus dependentes, a entidade sindical competente, o médico que assistiu ou qualquer autoridade pública, mesmo depois de vencido o prazo fixado para a comunicação pela empresa, que é o 1º (primeiro) dia útil subsequente ao da ocorrência.
Feita a emissão da CAT não quer dizer que de maneira automática está oficialmente decretada a ocorrência do acidente de trabalho, pois tal tarefa é incumbida à Previdência Social, que só declarará a existência do infortúnio após comprovado o liame causal entre o acidente e o trabalho exercido.
Para que se verifique a relação entre o infortúnio e as funções desempenhadas pelo obreiro, é feita perícia médica no acidentado, a qual é restrita aos casos de afastamentos superiores a 15 (quinze) dias, situações que ensejarão o percebimento de benefício previdenciário (auxílio-acidente).
O Decreto n. 3.048, de 06 de maio de 1999, em seu artigo 337 dispõe que é considerado agravo, decorrente do acidente de trabalho, a lesão, doença, transtorno de saúde, distúrbio, disfunção ou síndrome de evolução aguda, subaguda ou crônica, de natureza clínica ou subclínica, inclusive morte, independentemente do tempo de latência.
Oliveira (2011, p. 66) acrescenta que:
“Para esclarecer os fatos que eventualmente estejam gerando dúvidas quanto ao nexo causal, a perícia médica do INSS poderá ouvir testemunhas, efetuar pesquisa ou realizar vistoria do local de trabalho, bem como solicitar o documento Perfil Profissiográfico Previdenciário – PPP – diretamente ao empregador.”
Assim, o segundo fator necessário para a caracterização do acidente laboral é o enquadramento feito pela perícia médica do INSS. Em suma, é elementar para a caracterização do acidente de trabalho típico a configuração do binômio CAT x Enquadramento.
Essas são as principais considerações a serem feitas a respeito do tema caracterização do acidente de trabalho, ressalvando-se que existem calorosos debates acerca do momento da caracterização das doenças ocupacionais – equiparadas a acidente de trabalho – porém, o referido assunto não será aqui tratado, vez que demandaria um estudo maior e mais aprofundado, o que implicaria na fuga do tema objeto deste trabalho.
2. 3 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR POR ACIDENTE DE TRABALHO
Há certa discussão na doutrina acerca do tipo de responsabilidade civil que deve ser aplicada nos acidentes de trabalho, vez que existem doutrinadores que entendem pela aplicação da responsabilidade subjetiva, e outros que entendem ser aplicável a teoria do risco nos acidentes de trabalho, o que daria ensejo à responsabilidade objetiva do empregador.
Essa é uma discussão de grande valia, pois a variação no tipo de responsabilidade que se está a aplicar ao suposto causador do fato que deu origem ao dano no obreiro, também implicará na alteração dos elementos a serem comprovados para a caracterização do dever de indenizar.
É certo que a responsabilidade objetiva é mais protetiva ao trabalhador, vez que o elemento culpa, inerente à responsabilidade subjetiva, não necessitará ser demonstrado, somente sendo dever do reclamante demonstrar fato, dano e nexo causal.
Contudo, será melhor analisado nos tópicos seguintes que a teoria do risco, que, como dito, dará ensejo a aplicação da responsabilidade objetiva, não é a regra do nosso sistema para a reparação de danos civis.
Como se verá mais adiante, a responsabilidade objetiva depende de alguns fatores para ser aplicada. Logo, entende-se que esta não é a regra, mas sim uma exceção a aplicação da responsabilidade subjetiva, a qual deve ser aplicada na maioria dos casos de acidente de trabalho.
Portanto, para ser mais bem compreendido o assunto, necessário se faz uma análise mais pormenorizada de cada um dos tipos de responsabilidade, e quais as hipóteses que devem ser aplicadas cada uma delas.
2. 3. 1 O acidente de trabalho à luz da responsabilidade civil subjetiva
Sobre a responsabilidade civil subjetiva, Melo (2008, p. 154) leciona que:
“A teoria subjetivista repousa na ideia de culpa do agente como fundamento e pressuposto da obrigação de reparar. Dessa forma, se não houver culpa, ou melhor, se não ficar demonstrada a culpa do agente, não há se falar em responsabilidade, ficando a vítima com os prejuízos decorrentes do ato. É preciso que se demonstre em concreto a vontade querida pelo agente, chamada de dolo, ou a culpa propriamente dita, baseada na negligência, imprudência e imperícia (culpa em sentido estrito), portanto, se não houver culpa, não haverá responsabilidade”. (Grifo nosso).
Em outras palavras, pode-se entender que o elemento de maior realce da responsabilidade civil subjetiva é a culpa lato sensu do agente causador do dano, a qual se materializa em uma conduta dolosa, intenção direta do agente em lesionar a vítima, ou em uma ação culposa em sentido estrito, que se caracteriza quando o agente atua com negligência, imprudência, ou imperícia.
Portanto, os elementos que integram a responsabilidade civil subjetiva são: ação ou omissão, culpa do agente, nexo de causalidade e dano. A respeito dos elementos da responsabilidade civil do empregador, vale destacar os ensinamentos de Cairo Júnior (2009, p. 102):
“Ao contrário do que ocorre com a responsabilidade infortunística, na qual, para a percepção da indenização respectiva, se faz necessário classificar o evento provocador do dano como um acidente do trabalho, a responsabilidade civil do empregador verifica-se pela simples presença dos seus elementos caracterizadores, quais sejam: a ação ou omissão culposa, o nexo de causalidade e o dano”. (Grifo nosso).
Da fala do ilustre doutrinador acima mencionado, ratifica-se que a responsabilidade civil do empregador no caso de acidente de trabalho é, em regra, subjetiva, havendo necessidade de comprovação de culpa no infortúnio por parte do empregador, para que este tenha o dever de indenizar o empregado por eventuais danos oriundos do acidente laboral.
Nesse passo, ressaltem-se as lições de Oliveira (2011, p. 94):
“O substrato do dever de indenizar tem como base o comportamento desidioso do patrão que atua de forma descuidada quanto ao cumprimento das normas de segurança, higiene ou saúde do trabalhador, propiciando, pela sua incúria, a ocorrência do acidente ou doença ocupacional. Com isso, pode-se concluir que, a rigor, o acidente não surgiu do risco da atividade, mas originou-se da conduta culposa do empregador.” (Grifo nosso).
Portanto, a responsabilidade civil subjetiva, prevista nos artigos 186[4] e 927[5], caput, ambos do CC, com apoio maior no artigo 7º, XXVIII, CF[6], é aplicável quando o dano não tiver relação direta com a atividade desenvolvida pelo empregado em favor da empresa, ou seja, não ser oriundo do risco inerente à atividade, mas decorrer da conduta culposa do empregador.
Muito contundente é o argumento apresentado por Cavalieri Filho (2008, p. 142) ao lecionar sobre o assunto, asseverando que não partilha do entendimento dos autores que defendem a aplicabilidade indiscriminada da teoria do risco na responsabilização da empresa nos casos de acidente de trabalho. Robustecendo sua tese, aduz expressamente o ilustre autor que
“A responsabilidade do empregador em relação ao empregado pelo acidente de trabalho ou doença ocupacional está disciplinada no art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal (responsabilidade subjetiva, bastando para configurá-la a culpa leve) – o que torna inaplicável à espécie, por força do princípio da hierarquia, o parágrafo único do art. 927 do Código Civil. A norma infraconstitucional não pode dispor de forma diferente da norma constitucional.”
Discorda-se em parte do entendimento do ilustre autor, pois entende-se neste trabalho pela existência de exceção à regra da responsabilidade subjetiva nos acidentes de trabalho, nos casos em que o obreiro desempenhar atividade de risco em favor da empresa, o que se verá mais detalhadamente no tópico seguinte.
Para sacramentar o presente entendimento, cite-se a lição dos autores Gagliano e Pamplona Filho (2011, p. 297):
“Com isso, queremos dizer que a responsabilidade civil do empregador por danos causados ao empregado será sempre subjetiva?
Não foi isso que dissemos.
Em verdade, acreditamos que, em condições normais, a responsabilidade civil, nesses casos, é, sim, subjetiva, salvo alguma previsão legal específica de objetivação da responsabilidade, como a do Estado ou decorrente de ato de empregado.”
Logo, não há dúvidas que a responsabilidade civil subjetiva é a regra nos acidentes de trabalho que resultem em dano ao empregado, sendo excepcionalmente aplicada a responsabilidade objetiva nas hipóteses que o empregado desenvolver atividade que por si mesma envolva risco à sua integridade física.
2. 3. 2 O acidente de trabalho à luz da responsabilidade civil objetiva
Como anteriormente tratado, a responsabilidade civil objetiva nos acidentes de trabalho é excepcionalmente aplicada nas situações em que a própria atividade desempenhada pelo obreiro pode, por si só, gerar um risco maior de dano à sua incolumidade física.
Importante frisar-se a fala de Gonçalves (2005, p. 474), que, encampando a idéia acima descrita, aduz o que segue: “Os novos rumos da responsabilidade civil, no entanto, caminham no sentido de considerar objetiva a responsabilidade das empresas pelos danos causados aos empregados, com base na teoria do risco-criado, cabendo a estes somente a prova do dano e do nexo causal”.
Nessa mesma linha, defendendo a excepcionalidade da aplicação da responsabilidade objetiva da empresa nos acidentes de trabalho, Gagliano e Pamplona Filho (2011, p. 303) ensinam o que seguem:
“Vale destacar, ainda, que na IV Jornada de Direito Civil da Justiça Federal foi editado o Enunciado n. 377, com a seguinte redação: “O art. 7º, inc. XXVIII, da Constituição Federal não é impedimento para a aplicação do disposto no art. 927, parágrafo único, do Código Civil quando se tratar de atividade de risco”. Tal diretriz teórica, embora não vinculante, demonstra a plausibilidade da tese aqui defendida, desde a primeira edição deste volume.”
Destaque-se, portanto, que a responsabilidade objetiva, fundada na teoria do risco, encontra respaldo no artigo 927, parágrafo único, CC, o qual dispõe da seguinte forma: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.
Assim, é plenamente possível a aplicação excepcional da responsabilidade objetiva do empregador nos acidentes de trabalho, quando o obreiro desenvolver em favor da empresa atividade que, pela sua própria natureza, ofereça riscos à sua saúde.
Logo, sendo a teoria do risco vislumbrada na relação laboral, devem ser distinguidas as atividades profissionais que expõem os trabalhadores a riscos, daquelas que não os submete a situações insalubres ou perigosas, com a direta distinção dos tipos de responsabilidade a ser aplicada em cada uma das situações.
A teoria do risco, que enseja a aplicação da responsabilidade objetiva, é tratada na obra de Cavalieri Filho (2008, p. 136), que assim leciona sobre o tema:
“Na busca de um fundamento para a responsabilidade objetiva, os juristas, principalmente na França, conceberam a teoria do risco, justamente no final do século XIX, quando o desenvolvimento industrial agitava o problema da reparação dos acidentes de trabalho. Risco é perigo, é probabilidade de dano, importando, isso, dizer que aquele que exerce uma atividade perigosa deve-lhe assumir os riscos e reparar o dano dela decorrente. A doutrina do risco pode ser, então, assim resumida: todo prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparado por quem o causou, independentemente de ter ou não agido com culpa.”
A grande questão é: quais são as atividades de risco que ensejarão a aplicação da responsabilidade objetiva do empregador por danos oriundos de acidente de trabalho?
Essa é uma importante pergunta e que ainda não possui uma resposta totalmente pacificada nas doutrinas civilista e trabalhista. Contudo, fazendo uso das palavras de Oliveira (2011, p. 112), conclui-se que
“Uma vez consolidada a estrutura básica da responsabilidade objetiva, surgiram várias correntes com propostas de demarcação de seus limites, criando modalidades distintas da mesma teoria, mas todas gravitando em torno da ideia central de reparação do dano tão somente pela presença do risco, independentemente da comprovação de culpa do réu.”
Enfim, genericamente, entende-se como atividade de risco, que ensejará a aplicação da responsabilidade objetiva do empregador pelos danos oriundos de acidente de trabalho, aquela que tem a probabilidade, em maior ou menor grau, de provocar dano em outrem.
Na aplicação da teoria do risco ao Direito do Trabalho, tem-se de importante valia as palavras de Cairo Júnior (2009, p. 113), que assim leciona: “No âmbito da relação de emprego, são consideradas de risco as atividades insalubres e perigosas, assim definidas, respectivamente, pelos arts. 189[7] e 193[8] da Consolidação das Leis do Trabalho”.
Ademais, há que se ressaltar que o Ministério do Trabalho e Emprego editou as Normas Regulamentadoras n. 15 e n. 16, instituindo o quadro de atividades ou operações insalubres ou perigosas.
Portanto, nessas situações de atividades que trazem riscos à saúde do trabalhador, em uma eventual demanda que pleiteie indenização por danos materiais, morais e estéticos oriundos de acidente de trabalho, o reclamante necessitará comprovar somente fato, dano e nexo causal, sem necessidade de demonstrar o elemento culpa na conduta do sujeito passivo.
2.4 OS DANOS ADVINDOS DO ACIDENTE DE TRABALHO
Para que o acidente de trabalho gere uma indenização ao obreiro acidentado, o primeiro elemento a se verificar no caso é a existência de dano. Este compreende qualquer lesão a um bem jurídico tutelado pelo Direito, podendo atingir as esferas patrimonial, moral e estética.
Etimologicamente, o dicionário jurídico Houaiss (2005, p. 875) leciona que o vocábulo indene refere-se àquele que não sofreu dano, ou que está livre de perda ou de prejuízo. Ora, é de fácil percepção, portanto, que o pleito indenizatório visa tirar, reparar, recompor o dano sofrido pelo lesado.
O acidente de trabalho é um fato, o qual se deu com ou sem culpa da empresa. Esse fato pode causar um dano material, moral ou estético ao trabalhador. Um eventual pleito indenizatório é aquele que busca reparar o dano (material, moral ou estético) causado pelo fato (acidente de trabalho), devendo ser aferido o tipo de responsabilidade a ser aplicada, conforme visto nos tópicos anteriores, para que, então, se diga se há ou não dever do empregador de indenizar o obreiro acidentado.
Assim, a indenização oriunda do acidente de trabalho é aquela que visa ressarcir o obreiro que de alguma forma foi lesado, isto é, sofreu um dano em razão do infortúnio, o que, portanto, deixa clara a natureza reparatória da indenização. Por outro lado, se o acidente de trabalho não causar nenhum tipo de dano ao trabalhador, não há falar em indenização, vez que não há o que ser compensado ao obreiro que não sofreu lesão alguma.
Nesse passo, serão a seguir tratados, de maneira detalhada, os tipos de dano que eventualmente podem surgir de um acidente de trabalho, os quais, dependendo das circunstâncias do caso, serão de obrigação do empregador indenizar, mormente quando este não tiver fornecido ao seu empregado um ambiente de trabalho seguro e livre de riscos à saúde.
2.4.1 O dano material
O dano material é aquele que atinge a esfera patrimonial do indivíduo lesado, podendo a lesão, inclusive, ser medida objetivamente pelo julgador no momento do seu arbitramento, vez que basta mensurar o desfalque sofrido no patrimônio da vítima. Os bens jurídicos violados são palpáveis, existentes no mundo real, logo, não tratam de lesões extrapatrimoniais, como no caso do dano moral.
Nesse sentido, de importante valor doutrinário é a fala de Gonçalves (2005, p. 565): “É possível distinguir-se, no campo dos danos, a categoria dos danos patrimoniais, de um lado, dos chamados danos morais de outro. O dano moral não afetaria o patrimônio do ofendido”. Gonçalves (2005, p. 651) ainda complementa: “A finalidade jurídica da liquidação do dano material consiste em tornar realidade prática a efetiva reparação do prejuízo sofrido pela vítima”.
O dano material se divide em dano emergente e lucro cessante, sendo que o primeiro trata da lesão pretérita e atual sofrida pela vítima, e o último é aquele que provoca uma lesão futura ao lesado, pois lhe impede de auferir novos lucros e rendimentos. Ambos incluídos no dano material, o dano emergente e o lucro cessante são previstos nos artigos 402[9] e 403[10] do Código Civil.
Sobre esse entendimento bipartite do dano material, ensina Cairo Júnior (2009, p. 108): “É imprescindível fixar o valor do prejuízo material sofrido pela vítima, referente ao dano emergente e ao lucro cessante, para que se determine o valor da indenização respectiva devida ao obreiro diretamente pelo empregador”.
Em uma análise mais pormenorizada, vale destacar a fala de Melo (2006, p. 323), que assim leciona sobre o dano emergente:
“Também chamado de dano positivo ou perdas e danos, importa numa efetiva e imediata diminuição do patrimônio da vítima, caracterizando-se como aquilo que o lesado perdeu efetivamente. É o prejuízo que surge direta e imediatamente de forma identificável por meio de critérios objetivos.”
Assim, o dano emergente é o efetivo prejuízo, a diminuição patrimonial sofrida pela vítima. Enfim, representa a diferença entre o patrimônio que o lesado tinha antes do ato ilícito e o que passou a ter depois. Dentro do acidente de trabalho, o dano emergente se configura nas despesas de tratamento hospitalar, medicamentos, próteses, dentre outros.
Em relação ao lucro cessante, é importante ressaltar o ensinamento de Oliveira (2011, p. 220-221):
“Além das perdas efetivas dos danos emergentes, a vítima pode também ficar privada dos ganhos futuros, ainda que temporariamente. Para que a reparação do prejuízo seja completa, o art. 402 do Código Civil determina o cômputo dos lucros cessantes, considerando-se como tais aquelas parcelas cujo recebimento, dentro da razoabilidade, seria correto esperar (…). Com apoio nessa diretriz, é correto prever que o acidentado continuaria no emprego, recebendo os seus salários normais com as devidas correções alcançadas pela categoria profissional.”
Logo, o lucro cessante se traduz no prejuízo futuro e certo, referente ao ganho que o empregado razoavelmente deixa de perceber por consequência direta do infortúnio laboral. Uma hipótese muito clara dessa espécie de dano material é quando o empregado, aposentado por invalidez, em razão de um acidente de trabalho, passa a perceber determinada quantia mensal do benefício, em detrimento do salário de maior valor que recebia quando em pleno gozo de suas faculdades mentais e físicas pretéritas ao infortúnio laboral.
Portanto, no âmbito do acidente de trabalho, o lucro cessante visa ressarcir a depreciação profissional que o trabalhador sofre, em razão da diminuição de suas capacidades físicas e mentais, as quais têm sua origem no infortúnio laboral.
Percebe-se que a perda de membros, as sequelas, o desaformosemamento corporal, dentre outras lesões na integridade física do trabalhador devem ser analisadas nos tópicos “dano moral” e “dano estético”, vez que não é admitido no direito pátrio se quantificar, materialmente, o valor de partes do corpo humano, sendo possível apenas que as referidas lesões sejam ressarcidas por direitos personalíssimos de natureza extrapatrimonial.
2.4.2 O dano moral
A respeito do dano moral, Cahali (2005, p. 22-23) é bem claro ao entender que
“Tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado, qualifica-se, em linha de princípio, como dano moral; não há como enumerá-los exaustivamente, evidenciando-se na dor, na angústia, no sofrimento, na tristeza pela ausência de um ente querido falecido; no desprestígio, na desconsideração social, no descrédito à reputação, na humilhação pública, no devassamento da privacidade; no desequilíbrio da normalidade psíquica, nos traumatismos emocionais, na depressão ou desgaste psicológico, nas situações de constrangimento moral.”
Pode-se extrair da fala do ilustre doutrinador que o dano moral agride bens jurídicos que extrapolam a esfera patrimonial de uma pessoa, pois o ato ofensor atinge-lhe, principalmente, no campo psicológico, logo, imaterial, não palpável e intangível.
Gagliano e Pamplona Filho (2011, p. 55) fazem uma brilhante conclusão sobre o conceito do dano moral, lecionando o que segue:
“O dano moral consiste na lesão de direitos cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro. Em outras palavras, podemos afirmar que o dano moral é aquele que lesiona a esfera personalíssima da pessoa (seus direitos de personalidade), violando, por exemplo, sua intimidade, vida privada, honra e imagem, bens jurídicos tutelados constitucionalmente.”
O dano moral, portanto, é aquele que ofende o bem-estar social e psicológico do indivíduo, causando-lhe perturbação no seu equilíbrio mental, bem como no seu convívio social. Assim, configura-se, em geral, por uma dolorosa sensação experimentada pela vítima, devendo ser atribuída à palavra dor o mais amplo significado.
Feita uma primeira análise conceitual sobre o dano moral, adentre-se na sua aplicação ao acidente de trabalho. Para tanto, faz-se importante a menção dos ensinamentos de Oliveira (2011, p. 231):
“O dano moral é muito acentuado quando decorrente do infortúnio laboral, porquanto o trabalhador é atingido na sua integridade psicobiofísica, o que muitas vezes significa o desmonte traumático de um projeto de vida, o encarceramento compulsório numa cadeira de rodas e o sepultamento precoce dos sonhos acalentados quanto à possibilidade de um futuro melhor.”
Assim, a indenização pelo dano moral causado pelo acidente de trabalho não se trata de um remédio que vise sarar a dor de espírito da vítima ou de seu familiar enlutado, mas é como um calmante, que busca amenizar o sofrimento. Não se trata de excluir o passado, mas a indenização quer melhorar as condições presentes e futuras do ofendido.
Vale lembrar que, em não poucos casos de acidentes laborais, a vítima sofre deformações, aleijões, perda de funcionalidade, perda de membros, dentre tantas outras lesões físicas que, nitidamente, desencadeiam em agressões ao seu estado psicológico, vez que o trabalhador acidentado deixa de ver em si valor profissional, e passa a receber rótulos como o de inválido, aleijado, e até mesmo, em um jargão popular, de “encostado”.
Quem coaduna com esse entendimento é Melo (2006, p. 371), que assim destaca em sua obra:
“Por causa dos acidentes de trabalho, muitos são cruelmente chamados de “aleijados”, expondo-os ao ridículo, sem contar a marginalização social e o desemprego que definitivamente pode ocasionar. Muitos também são os trabalhadores, vítimas de infortúnios do trabalho, que sequer põem os pés na rua, de vergonha de suas deformidades, com alterações psíquicas acarretadas, e que, infelizmente, não podem fazer nada, a não ser levá-las consigo até seus últimos dias.’
Também tratando do assunto, Cairo Júnior (2009, p. 109) faz uma distinção entre os âmbitos subjetivo e objetivo que o dano moral pode afetar o obreiro acidentado:
“Quando o infortúnio laboral provoca a incapacidade para o trabalho, afeta, sob o ponto de vista subjetivo, a autoestima do empregado, que deixa de ser um elemento produtivo dentro da sociedade, o que, por si só, já constituiria um dano moral. O dano moral resta caracterizado também pelo ponto de vista objetivo, posto que o empregado, diante da eventual deformidade aparente, passa a ser rejeitado pelos semelhantes e até familiares.”
Há que se ressaltar, portanto, que a perda de membros, aleijões, sequelas, dentre outras deformidades físicas oriundas do infortúnio laboral serão ressarcidas como dano moral, na forma de dor, angústia, sofrimento, exclusão social (…), e não no sentido de pagar, por exemplo, pelo dedo ou pela visão perdida, vez que a monetarização de partes e de funções do corpo humano não é admitida pelo direito pátrio.
2.4.3 O dano estético
O dano estético, também chamado de dano morfológico, é assim conceituado por Diniz (2007, p. 80):
“O dano estético é toda alteração morfológica do indivíduo, que, além do aleijão, abrange as deformidades ou deformações, marcas e defeitos, ainda que mínimos, e que impliquem sob qualquer aspecto um afeiamento da vítima, consistindo numa simples lesão desgostante ou num permanente motivo de exposição ao ridículo ou de complexo de inferioridade, exercendo ou não influência sobre sua capacidade laborativa.”
O que se percebe, portanto, é que o dano estético não guarda relação estrita com a perda de capacidade funcional e com as consequências psicológicas e sociais que tal lesão traz à vítima, sendo as referidas ofensas abrangidas pelo dano moral.
O dano estético visa ressarcir a deformidade do corpo em si, com o seu afeiamento, oriundo do acidente laboral. É o fato do corpo do acidentado não ser mais como antes, diferenciando-se das demais pessoas, que é o objeto de indenização do dano estético.
Desse modo, de maestria clareza são as palavras de Oliveira (2011, p. 244): “O dano estético materializa-se no aspecto exterior da vítima, enquanto o dano moral reside nas entranhas ocultas dos seus dramas interiores; o primeiro, ostensivo, todos podem ver; o dano moral, mais encoberto, poucos percebem. O dano estético, o corpo mostra; o dano moral, a alma sente”.
Assim, o que se percebe é que o dano estético apresenta-se de forma visível e material, pois se encontra explícito por uma lesão ao corpo humano (mutilação, deformidade, dentre outros) ou uma disfunção orgânica, a qual pode ser aferida com o auxílio de exames médicos.
Desta feita, conclui-se que a indenização advinda do dano estético visa reparar uma alteração corporal exterior e explícita do obreiro, e que por isso se difere do dano moral, o qual atinge a esfera interior e psicológica do indivíduo. Logo, fácil é se perceber que ambas as indenizações, por danos morais e por danos estéticos, podem ser cumuladas.
Nesse sentido, vale citar a ementa de acórdão proferido pelo Tribunal Superior do Trabalho, que sedimenta o atual entendimento das Cortes brasileiras sobre o assunto:
“ACIDENTE DE TRABALHO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E DANOS ESTÉTICOS. POSSIBILDADE DE CUMULAÇÃO ENTRE DANO MORAL E ESTÉTICO. O mesmo fato – acidente de trabalho – pode acarretar, além da indenização por dano moral, o dano estético, caracterizado pelo sofrimento causado pela alteração da harmonia física do trabalhador. A dor intrínseca e o abalo psicológico são indenizáveis a título de dano moral, e os reflexos visíveis no corpo da vítima, na integridade física, devem ser indenizados a título de danos estéticos. Desse modo, o dano estético não se encontra englobado no dano moral, mas é autônomo desse, o que autoriza a indenização cumulada entre ambos, conforme entendimento desta Corte consubstanciado nos precedentes transcritos na fundamentação. No caso, o reclamante teve sua mão direita atingida por uma serra elétrica. Além de o acidente ter-lhe causado – desconforto íntimo- e -abalo psicológico -, que autorizaram o deferimento da indenização por dano moral, acarretou-lhe também – visível cicatriz na mão direita e a limitação na flexão dos dedos -, o que enseja o deferimento da indenização por danos estéticos. Recurso de revista conhecido e provido.”
Assim, o dano estético há que ser indenizado de maneira dissociada do dano moral, vez que aquele, em um acidente do trabalho, configura-se quando ocorre uma modificação física, corporal que traduza em deformidade da aparência exterior do trabalhador, expondo-o a um estado psíquico de inconformismo, pois lhe faz diferente dos seus pares, podendo gerar, mas não necessariamente gerando, um complexo de inferioridade ou depressão no acidentado, hipótese que ensejaria também a indenização por dano moral.
3 PRAZO PRESCRICIONAL NAS DEMANDAS REPARATÓRIAS ACIDENTÁRIAS TRABALHISTAS
3. 1 O ARTIGO 114 DA CR APÓS A EC 45/2004 E A REGRA DO INCISO XXIX DO ARTIGO 7º DA CR
A EC 45/2004 acarretou em uma grande mudança na competência da Justiça do Trabalho, vez que ampliou as espécies de demandas ajuizáveis na Especializada Laboral.
Dentre os incisos acrescidos e modificados do artigo 114 da Constituição da República, destaque-se o inciso VI, o qual passou a prever, ipsis literis: “Art. 114 – Compete a Justiça do Trabalho processar e julgar: VI – as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho”.
Assim, aqueles danos oriundos do acidente de trabalho, quais sejam, danos materiais, morais e estéticos, já tratados no tópico 2.4 do presente trabalho, passaram a ser julgados na Justiça do Trabalho, e não mais na Justiça Comum, pacificando a matéria na jurisprudência e na doutrina trabalhista, que divergia sobre a referida regra de competência, antes da reforma constitucional aludida.
Sobre a nova competência da Justiça do Trabalho, destaque-se o ensinamento de Coutinho e Fava (2005, p. 67):
“Deixando clara a abrangência dessa competência, o reformador constitucional (de modo dispensável, aliás) ainda preceituou que à Justiça do Trabalho cabe julgar “as ações de indenização por dano moral ou material, decorrente da relação de trabalho” (inciso VI do art. 114). Esse dispositivo, ao certo, serviu muito mais para acabar com as controvérsias quanto à competência para julgamento dos feitos em que se pede o ressarcimento de danos morais e materiais, inclusive quando decorrentes de acidente de trabalho”. (Grifo nosso).
Logo, a nova redação do artigo 114 da Constituição da República, o qual prevê em seu rol de incisos as ações de competência da Justiça do Trabalho, acarretou em importantes mudanças na competência do Poder Judiciário brasileiro, sendo a mais importante, para o presente ensaio, a alteração que atraiu para a Justiça Especializada as ações de indenização por danos morais e materiais decorrentes da relação de trabalho, inserindo-se aí as demandas reparatórias acidentárias laborais.
Portanto, a EC 45/2004 trouxe para a Justiça do Trabalho a competência para julgar as ações que visem ressarcir o obreiro dos danos advindos de um acidente de trabalho, que antes eram, controvertidamente, de competência da Justiça Comum.
Vale destacar que, uma problemática surge quando se trata da EC 45/2004, mormente da mudança do artigo 114 da CF: é em relação a aplicação da prescrição trabalhista, prevista no artigo 7º, XXIX, CF[11], às ações que visem ressarcir o obreiro de eventuais danos oriundos de acidente de trabalho.
A respeito desse tema, assim ressalta Melo (2006, p. 398-399):
“Sobre o tema, há duas correntes de opinião: uma que entende ser aplicável a prescrição trabalhista (prevista no art. 7º, inciso XXIX da CF), em face do reconhecimento da competência da Justiça do Trabalho para apreciar e julgar tal pedido e porque o crédito seria daqueles decorrentes da relação de trabalho. A outra corrente sustenta que a prescrição é a civil, porque, mesmo praticado o dano em decorrência da relação de emprego, e, em consequência, sendo a Justiça do Trabalho a competente para julgar os pedidos respectivos, trata-se de uma ação de caráter pessoal e, portanto, aplicáveis as normas do Código Civil”.
Logo, nota-se que a reforma constitucional mostrou-se eficaz para solucionar uma discussão, relacionada à competência, porém originou outra, que diz respeito à prescrição.
Certo é que, antes da EC 45/2004, o prazo prescricional dominantemente aplicado, salvo raros entendimentos divergentes, era o do Código Civil, conforme se extrai do entendimento abaixo transcrito no acórdão do TRT da 4ª Região:
“INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO/DOENÇA OCUPACIONAL. PRESCRIÇÃO. A jurisprudência do TST tem se pacificado no sentido de que, para as lesões ocorridas antes do advento da Emenda Constitucional nº 45/2004, aplica-se a prescrição civil e, para aquelas ocorridas após a alteração constitucional, a prescrição trabalhista. Hipótese em que a ciência inequívoca da doença ocupacional ocorreu em 1998, ou seja, antes da EC 45/2004, aplicando-se a prescrição trienal prevista no 206, § 3º, V, do Código Civil de 2002. Negado provimento ao recurso ordinário”. (Grifo nosso).
Contudo, conforme se verá mais adiante, constata-se, da análise da doutrina e da jurisprudência pátrias, que a alteração da competência, trazida com a reforma constitucional, ocasionou em um acalorado embate entre autores e julgadores, não mais sendo unânime a aplicação do prazo prescricional civilista para os danos patrimoniais e morais decorrentes da relação de trabalho, como no caso dos danos oriundos de acidente de trabalho.
Ademais, ressalte-se que, dentre aqueles que defendem a aplicação do diploma civilista, ainda há divergência entre qual dos dispositivos devem ser aplicados: o prazo previsto no artigo 205 (10 anos), ou o prazo do artigo 206, §3º, V (03 anos).
Surge, assim, a seguinte questão: essas ações reparatórias de cunho civil, atraídas à jurisdição trabalhista pela EC 45/2004, estarão sujeitas ao prazo prescricional do Código Civil, mais especificamente, a algum daqueles previstos nos artigos 205 e 206, § 3º, V, ou se submeterão às regras prescricionais do artigo 7º, XXIX, CF? Em outras palavras, será possível afirmar que a alteração da competência também modificou a natureza da obrigação pleiteada em juízo, e consequentemente, também alterou o modo de aplicação da prescrição?
Aliás, ainda ressalte-se que há parte da doutrina que defende a imprescritibilidade da pretensão que busque o ressarcimento de danos advindos de acidente de trabalho, como se verá no tópico 3.2.1.
Essa é a grande controvérsia que surge com a EC 45/2004, e que ainda não encontrou resposta pacífica na doutrina e na jurisprudência trabalhista, razão pela qual se faz de grande valia o presente estudo, a fim de que se responda a seguinte pergunta: qual é o prazo prescricional que deve ser aplicado nas demandas reparatórias acidentárias trabalhistas, após a EC 45/2004?
As perguntas feitas no decorrer deste tópico serão devidamente respondidas nos tópicos subsequentes, vez que tratam exatamente da problemática que visa ser elucidada e respondida com o presente ensaio.
3. 2 A PRESCRIÇÃO NAS AÇÕES DE REPARAÇÃO EM CASOS DE ACIDENTE DE TRABALHO: ANÁLISE DA DOUTRINA E DA JURISPRUDÊNCIA TRABALHISTA
3. 2. 1 O posicionamento da doutrina trabalhista
A doutrina trabalhista muito se conflita sobre o prazo prescricional aplicável às demandas reparatórias acidentárias trabalhistas. Não há uma corrente uníssona ou majoritária, vez que para todos os posicionamentos há argumentos robustos.
Especialmente, vale destacar três correntes de maior preferência entre os autores: duas que defendem a aplicação do Código Civil, ora no artigo 205, ora no artigo 206, § 3º, V, e uma que adere o prazo prescricional trabalhista previsto no artigo 7º, XXIX, CF.
Contudo, é de importante valia mencionar uma corrente doutrinária que vem ganhando impulsão hodiernamente, a qual entende pela imprescritibilidade dos danos oriundos do acidente de trabalho, sob o argumento de que se tratam de direitos fundamentais do trabalhador, e que, por isso, não se sujeitam à regra restritiva da prescrição.
Veja-se, assim, de forma esmiuçada, cada uma das correntes doutrinárias acima mencionadas, os principais doutrinadores que as encampam, e os argumentos utilizados para se aplicar cada um dos diferentes tipos de prazo prescricional às ações indenizatórias que visem ressarcir o trabalhador de danos provenientes de infortúnios laborais típicos.
Primeiramente, analisem-se os argumentos daqueles que defendem o prazo previsto no artigo 205[12] do Código Civil. O principal adepto dessa corrente é Melo (2006, p. 404), que assim atesta sobre o tema:
“No caso dos acidentes de trabalho, os danos causados são pessoais, com prejuízo à vida, à saúde física e/ou psíquica, à imagem, à intimidade, etc. do cidadão trabalhador, porquanto assegura a Constituição Federal, como fundamentos da República Federativa do Brasil e da livre iniciativa, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho, o trabalho com qualidade e o respeito ao meio ambiente (arts. 1º e 170), além de assegurar a redução dos riswcos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.
Portanto, se não se trata de direito de naturezaq trabalhista nem civil, e como não existe qualquer dispositivo legal regulando de outra forma o prazo de prescrição para as pretensões decorrentes, por exclusão aplica-se o prazo geral de 10 anos, como previsto no art. 205 do Código Civil. O Código Civil está sendo aplicado, repita-se, não porque se trata de uma pretensão de reparação civil no sentido estrito, mas porque é a lei civil que socorre nos casos de omissão regulatória sobre a prescrição no Direito brasileiro”.
Entende a corrente defendida por Raimundo Simão de Melo que não há atualmente no Direito pátrio, uma norma específica que regule a prescrição dos danos oriundos de um acidente de trabalho, o que seria necessário, pois para essa corrente não se pode afirmar que tais danos são de natureza civil ou trabalhista, mas se tratam de danos pessoais, que ofenderam o trabalhador como pessoa, e como tal, deve ter respeitada sua dignidade humana.
Logo, constatada a omissão legislativa, não resta outra saída senão recorrer ao Diploma Civil, que em seu artigo 205 estipula um prazo prescricional genérico de 10 anos, para os casos em que ainda não existe norma prescricional aplicável à hipótese ocorrida em concreto.
Outro grande expoente que também adota essa corrente é Schiavi (2006, p. 574), que assim leciona:
“Para nós, o dano decorrente do acidente de trabalho, seja moral, patrimonial ou estético, trata-se de um dano de ordem pessoal, cuja natureza é um misto de Direito Constitucional (arts. 1º, III, IV e 5º, V e X, da CF) e Civil (arts. 11 a 21, 196 e 927 e seguintes do Código Civil). Em que pese estar topograficamente mencionado no art. 7º, XXVIII, da CF, “seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa”, se direito trabalhista não trata, pois o referido inciso visou apenas a não excluir a indenização decorrente de culpa do empregador quando o empregado recebe uma parcela decorrente da Previdência Social. Vale dizer: objetivou o Constituinte assegurar que a indenização decorrente de culpa lato sensu do empregador tem natureza distinta da indenização devida pela Previdência Social. Portanto, para nós a prescrição aplicável é a decenal do art. 205 do Código Civil, por se tratar de dano pessoal e não os prazos previstos no art. 206, §3º, V do CC, tampouco a prescrição trabalhista, prevista nos arts. 7º, XXIX, da CF e 11 da CLT.”
O principal argumento dessa corrente, portanto, é a natureza do dano, que, segundo afirmam, não é civil ou trabalhista, mas um dano pessoal, decorrente da violação à dignidade humana do trabalhador, sendo a reparação concernente a direitos de índole constitucional-fundamental albergados em cláusulas pétreas (direito à vida, à saúde, à imagem, à intimidade, dentre outros previstos, ou não, no rol de direitos fundamentais da Constituição).
Também há aquela corrente que defende a aplicação do prazo prescricional trabalhista, previsto no artigo 7º, XXIX, CF[13], para os pleitos indenizatórios que busquem reparação por danos advindos de acidente de trabalho.
Essa é uma corrente que teve maior impulsão, mas que, de maneira alguma, é a majoritariamente predominante no sistema jurídico-trabalhista atual. Oliveira (2011, p. 345-346), como maior expoente que defende a corrente do prazo prescricional constitucional, sustentando sua aplicação, assim atesta em sua obra:
“Convém mencionar que há um raciocínio quase automático que vincula a questão da competência ao prazo da prescrição. Ou seja, os mesmos argumentos que fundamentam a competência da Justiça do Trabalho acabam por influenciar na decisão a respeito da prescrição aplicável. Na real verdade, a Emenda Constitucional n. 45/2004, ao incluir na competência da Justiça do Trabalho “as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho”, tornou evidente a natureza trabalhista das indenizações por acidente do trabalho.”
Extrai-se dos ensinamentos dessa classe de juristas, que defende o prazo prescricional trabalhista, que o acidente de trabalho é um fato ínsito à relação trabalhador-empregador. Isto é, sem a relação de trabalho, não haveria o infortúnio laboral.
Logo, essa corrente sustenta que o acidente só é acidente de trabalho porque ocorreu na relação laboral. Assim, não há razão para aplicação subsidiária do prazo prescricional previsto no Código Civil, especialmente pelo fato de que a norma constitucional prevê a prescrição trabalhista, ao encerrar um único prazo prescricional para as pretensões deduzidas perante a Justiça do Trabalho, não sendo permitida a invocação de prazos diversos, como os fixados no Diploma Civil.
Ainda vale citar as lições do professor Dallegrave Neto (2002, p. 307-311), conforme segue:
“As ações de indenização de danos materiais e morais decorrentes de acidentes ocorridos na execução de um contrato de trabalho subordinado não são aquilianas, mas se enquadram na responsabilidade civil do tipo contratual, atraindo-se a prescrição qüinqüenal própria do crédito trabalhista previsto na Constituição Federal (art. 7º, XXIX). (…)
Observe-se que a chamada correção de rumo da competência das ações acidentárias, ao mesmo tempo que reconheceu que a natureza da pretensão é trabalhista (e não civil), fixou como marco temporal da nova postura a data de vigência da Emenda Constitucional n. 45. (…)
Todavia, a partir da correção de rumo pelo STF, a competência para julgar tais ações passou a ser da Justiça do Trabalho e, considerando-se que se trata de pretensão trabalhista, vez que decorrente de relação jurídica de emprego, a prescrição incidente é a do crédito trabalhista, prevista no art. 7º, XXIX, da Constituição Federal.”
Assim, concluindo o que foi dito pelo doutor autor, a mudança de competência advinda com a EC 45/2004, consagrou o entendimento de que os danos oriundos da relação de trabalho possuem natureza de créditos trabalhistas e, portanto, devem estar sujeitos ao manto prescricional inerente a tais direitos, como previsto no artigo 7º, XXIX, CF.
Passe-se à analise da corrente doutrinária que defende a aplicação do prazo prescricional previsto no artigo 206, § 3º, V, do CC[14]. Capitaneando essa corrente, assim anota Dal Col (2004, p. 77):
“Não se reserva a prescrição trienal às pretensões reparatórias civis ordinárias, ou seja, àquelas que dizem respeito a danos materiais?
Pela interpretação literal do disposto no inciso V do § 3º do artigo 206, não deixou margem o legislador para tais ilações. Limitou-se a afirmar que prescreve em três anos a pretensão pela reparação civil.
O que se pode entender por reparação civil? Reposição anterior dos danos de qualquer ordem, patrimoniais, morais ou estéticos, causados por qualquer pessoa, na esfera civil (excluídos os de ordem penal, administrativa, política, que comportam modalidades distintas de reparação). Abrange, ainda, todas as formas de indenização civil, como alternativas naturais da impossibilidade de reparar.
Se houvesse qualquer possibilidade de excepcionar os danos pessoais das novasregras prescricionais, como têm sugerido alguns autores, por se tratarem de danos contra a pessoa aqueles sofridos em decorrência de acidentes de trabalho, certamente o seria por forçada interpretação. (…)
Como se pode notar, não fez o legislador qualquer referência à natureza das pretensões, se pessoais ou reais. Fixou, sim, expressamente, prazo menor para as pretensões de reparação civil, o que parece definir a matéria.”
O que o respeitado doutrinador afirma, portanto, é que não merece guarida a alegação de que os danos oriundos do acidente de trabalho são pessoais, pertencentes a uma ordem constitucional diferenciada, pois estes direitos não estariam excepcionados à regra da reparação civil. O autor deixa claro que o legislador não fez tal distinção quando estipulou o prazo prescricional, estando inseridos os danos patrimoniais e extrapatrimoniais no conceito de reparação civil.
Jorge Neto e Pessoa (2005, p. 897), em obra conjunta, afirmam que “é inegável, mesmo sendo a controvérsia decorrente das relações de trabalho, que os operadores do Direito valem-se da aplicação subsidiária do Direito Civil (art. 8º, CLT[15])”.
Corroborando com esse entendimento, e trazendo maior força a essa corrente, que defende a aplicação do prazo prescricional civilista de três anos para as indenizações decorrentes de acidente de trabalho, com base na regra prescricional do artigo 206, §3º, V, CC, sustenta Pamplona Filho (2002, p. 158) que, com o novo Código Civil, a regra a ser aplicável, a partir de agora, ao dano moral trabalhista é a da Lei Civil, pois a responsabilidade civil passou a ter um prazo específico, logo, a norma específica deve prevalecer sobre a norma prescricional geral trabalhista.
Em suma, esta corrente civilista argumenta que a fixação da Justiça competente não tem o condão de alterar a natureza jurídica do pedido, que no caso da reparação de danos, será indenizatório, o qual possui prazo prescricional expressamente disposto no Código Civil. Em outras palavras, é a natureza do direito que vai definir sua regra prescricional.
Logo, como o fundamento desse viés doutrinário repousa na responsabilidade civil subjetiva do empregador ou do empregado, a indenização decorrente do ato lesivo não se equipara a um crédito trabalhista, e nem pode ser diferenciado da reparação civil, que abrange tanto as lesões patrimoniais (materiais) e extrapatrimoniais (morais e estéticos) sofridas pelo empregado, não havendo falar em outro tipo de lesão de cunho pessoal.
Portanto, para esta corrente, que defende a aplicação do artigo 206, §3º, V, CC, o legislador, quando da edição do novo Diploma Civil, não deixou saída, não podendo ser aplicada a prescrição trabalhista, prevista no artigo 7º, XXIX, CF, e nem aquela prescrição geral prevista do artigo 205, CC, pois restou expressamente consignado na Nova Lei o tipo de prescrição aplicável às reparações civis, inseridas aí as indenizações advindas do acidente de trabalho.
Trate-se, por fim, da última corrente doutrinária, a qual traz uma importante interpretação a respeito do tema, vez que defende a imprescritibilidade das indenizações oriundas de acidente de trabalho.
Essa moderna doutrina sustenta que a ação indenizatória acidentária visa reparar danos a direitos de personalidade, os quais, por serem irrenunciáveis, não podem também se sujeitar a qualquer prazo prescricional, conforme previsto no artigo 11 do Diploma Civil, além do fato de que a personalidade, bem ofendido no acidente de trabalho, possui natureza fundamental, logo, merece a máxima proteção, a fim de que se garanta o cumprimento do princípio maior da dignidade da pessoa humana.
A seguir segue um trecho do artigo elaborado por Lima Filho (2005, p. 02), que, em defesa da corrente da imprescritibilidade, assim atesta:
“Assim, os danos decorrentes da violação a direito fundamental como o direito à saúde, a vida, a integridade física ou mental do ser humano trabalhador ou não são de natureza pessoal e não trabalhista. Por conseguinte, não se lhe aplica o prazo previsto no inciso XXIX, do 7o da Constituição e nem aquele constante do artigo 206, parágrafo 3º, inciso V do Código Civil para o ajuizamento das ações de reparações civis inerentes aos danos causados ao patrimônio material. (…)
No caso do acidente de trabalho ou da doença ocupacional os danos deles decorrentes sejam materiais, morais, estéticos, etc. são pessoais, com prejuízo à vida, à saúde física e/ou psíquica, à imagem, à intimidade, à honra e muitas vezes até mesmo à vida do trabalhador enquanto pessoa humana, porquanto a Carta Maior garante como fundamentos da República a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho, o trabalho com qualidade e o respeito ao meio ambiente (artigos 1º e 170) com a redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de proteção à saúde, higiene e à segurança do trabalhador (artigo 7º, inciso XXIII).”
Apesar dessa corrente não possuir muitos autores que a defendam, a mesma tem ao seu favor e grande defensor o magistrado Souto Maior (2006, p. 546-547), que assim sustenta:
“O fato concreto é que, como demonstrado, o fundamento para a reparação do dano decorrente do acidente de trabalho não é civil e mesmo que fosse, naquilo que estamos tratando, que é o tema pertinente à prescrição, se o legislador quisesse incluir o acidente do trabalho em uma das exceções do art. 206 do Código Civil o teria feito expressamente, pois que, naturalmente, se reparação civil fosse, não seria uma reparação civil como outra qualquer, como não são, por exemplo, a reparação civil por dano ao meio ambiente (Lei n. 9.605/98) e por dano civil decorrente de ato administrativo (Lei 8.429/92 – este com prazo prescricional de 5 anos). E, se não há previsão de prescrição da ação para os efeitos do acidente de trabalho em nenhuma norma do ordenamento jurídico, há de se entender ela imprescritível, até porque os danos à personalidade humana, no contexto da dinâmica das relações hierarquizadas do modelo de produção capitalista, no qual o ser humano é transformado em força de trabalho, não devem mesmo prescrever.”
Os principais argumentos dessa corrente, portanto, são que: se o legislador quisesse estipular um prazo prescricional para as indenizações por acidente de trabalho, o teria feito expressamente, não podendo se presumir que tais danos estariam abrangidos na reparação civil, tratada no artigo 206, §3º, V, CC, pois, aí entra o segundo argumento, os danos à personalidade humana ocorridas no bojo de uma relação laboral, que tem presente uma relação de subordinação da pessoa do empregado em relação ao empregador, não podem prescrever mesmo, vez que o trabalhador, por mais que tenha sido ofendido, jamais iria “atacar” seu empregador por meio de uma ação indenizatória, colocando em risco sua fonte de subsistência, isto é, seu emprego.
Em simples palavras, para a presente corrente, a imprescritibilidade é necessária nas indenizações de cunho personalíssimo oriundas, não só do acidente de trabalho, mas de toda a relação laboral, pois o trabalhador, enquanto vigente a relação laboral, nunca ousaria ajuizar uma ação contra seu empregador, muito em razão das relações hierarquizadas existentes entre patrão e empregado no modo capitalista.
Soma-se a isso o fato de que, para esta corrente o legislador, de maneira intencional, não quis estipular um prazo prescricional para as indenizações decorrentes de acidente de trabalho, pois se o quisesse, deveria ter feito expressamente, dada a importância da natureza da obrigação, que não está compreendida no mero conceito de reparação civil, mas trata-se de um direito fundamental do empregado, que merece a maior das proteções jurídicas.
Essas são as principais correntes doutrinárias que hoje existem e que divergem quanto à aplicação da prescrição nas demandas indenizatórias que tenham como pano de fundo um acidente de trabalho ocorrido com o trabalhador.
3. 2. 2 O posicionamento da Jurisprudência trabalhista
Não diferente do que ocorre com a doutrina, a jurisprudência trabalhista, utilizando-se dos mesmos argumentos explanados pelas correntes doutrinárias, também possui divergências quando da aplicação do prazo prescricional para as demandas reparatórias acidentárias.
As correntes predominantes na jurisprudência são aquelas que aplicam os prazos dos artigos 205 e 206, §3º, V, ambos do CC, e do artigo 7º, XXIX, CF. Apesar de ampla pesquisa, não foi encontrada qualquer decisão que aderisse ao entendimento da imprescritibilidade das ações indenizatórias por acidente de trabalho.
A seguir serão elencados os acórdãos com os respectivos entendimentos dos julgadores sobre a matéria. Saliente-se que, tamanha é a divergência que, muitas vezes, como será adiante exemplificado, dentro de um mesmo Tribunal há decisões conflitantes, ora com a adoção de um, ora com a adoção de outro prazo prescricional, o que, sem dúvida, causa grave insegurança jurídica ao trabalhador e aos operadores do Direito.
Assim, dada a relevância dos direitos que se visam resguardar quando do ajuizamento de uma ação indenizatória acidentária, deve-se chegar, o quanto antes, a um consenso sobre o prazo prescricional a ser aplicado nas referidas demandas.
Em um primeiro momento, exponha-se o entendimento dos julgadores que se filiam a corrente que adota o prazo prescricional do artigo 7º, XXIX, CF. Segue o acórdão do TRT da 23ª Região:
“INDENIZAÇÕES DECORRENTES DE ACIDENTE DO TRABALHO. AÇÃO AJUIZADA APÓS A EC N. 45/2004. PRESCRIÇÃO APLICÁVEL. Nos casos de indenizações decorrentes de acidente do trabalho, a prescrição aplicável é aquela prevista no art. 7º, XXIX, da CR/88, uma vez que a fundamentação jurídica do pedido não afasta o caráter trabalhista dos créditos pleiteados, mormente quando se trata de ação ajuizada após a publicação da Emenda Constitucional n. 45/2004”.
Nessa mesma linha está o entendimento predominante do TST. A seguir segue acórdão:
“RECURSO DE REVISTA – DANOS MORAL E MATERIAL – PRESCRIÇÃO – ART. 7º, XXIX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Tratando-se de pretensão ao percebimento de parcelas oriundas de danos moral e material decorrentes da relação de trabalho firmada entre empregado e empregador, o prazo prescricional incidente à espécie é o do art. 7º, XXIX, da Constituição Federal, consoante entendimento sedimentado no Tribunal Superior do Trabalho. Incidência da Súmula nº 333 do TST. Recurso de revista não conhecido.”
Também destaque-se o que foi salientado no acórdão proferido pelo TRT da 14ª Região:
“ACIDENTE DE TRABALHO. PEDIDO DE INDENIZAÇAO. AÇAO AJUIZADA HÁ MAIS DE DOIS ANOS DA EXTINÇAO DO CONTRATO DE TRABALHO E DA CIÊNCIA INEQUÍVOCA DA INCAPACIDADE PELO OBREIRO. PRAZO PRESCRICIONAL DA AÇAO DE REPARAÇAO. CONHECIMENTO DA DOENÇA POSTERIOR À DATA DA ENTRADA EM VIGOR DA EMENDA CONSTITUCIONAL N. 45/2004. DECADÊNCIA. Com a mudança do texto constitucional pela EC 45/04, tornou-se visível a natureza jurídica trabalhista da indenização por acidente de trabalho, devendo ser aplicado ao caso os prazos de prescrição e decadência previstos no inciso XXIX do art. 7º da Constituição Federal. A hipótese dos autos revela que o reclamante teve ciência inequívoca de sua incapacidade em 24/07/2006, quando passou a receber o benefício previdenciário, portanto em data posterior à vigência da EC n. 45/2004, aplicando-se, assim, o prazo decadencial trabalhista de 2 (dois) anos. Como a ação apenas foi interposta em 05/10/2009, impõem-se a declaração da decadência e a extinção do processo, com resolução de mérito, nos termos do art. 269, IV, do CPC”.
Percebe-se, portanto, que os julgadores que aplicam o disposto no artigo 7º, XXIX, CF, adotam, em suma, o entendimento de que a EC 45/2004, quando atribuiu à Justiça do Trabalho a competência para julgar as ações por danos materiais e morais oriundos da relação de trabalho, ratificou a natureza dessas indenizações, qual seja, de créditos trabalhistas, argumentando que tais reparações encontram-se umbilicalmente conexas ao contrato de trabalho.
Também se destaque o que preceituam os julgadores que entendem pela aplicação do artigo 205, CC. Nesse sentido, segue o acórdão do TRT da 2ª Região:
“RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DO TRABALHO. PRESCRIÇAO: A prescrição é um instituto de direito material, marcado por inarredável vinculação entre o direito material e as normas que regem o respectivo prazo. O novo Código Civil (art. 2028) dá o exemplo de como devem ser tratados os prazos quando há conflito de normas no tempo: aquela mais favorável à reparação do direito lesado deve merecer aplicabilidade mais ampla e presidir litígios em curso. Assim, aplicadas as regras do novo Código Civil referentes à prescrição ao caso vertente, as verbas pretendidas pelo recorrente seriam exigíveis, diante da disposição contida no art. 205 do CC, segundo o qual "a prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor". O pedido em comento, portanto, não está prescrito, já que o reclamante ajuizou a presente reclamação em 23.07.2007, isto é, antes de 10/01/2013, quando seriam completados os 10 anos previstos no art. 205 do CC. Recurso ao qual se dá provimento”.
Dentro desse posicionamento, não se olvide os argumentos trazidos no acórdão do TRT da 7ª Região:
“PRESCRIÇÃO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E ESTÉTICOS. ACIDENTE DE TRABALHO. PRAZO DECENAL. ART. 205 DO CCB/02. Apesar dos danos decorrentes de acidente do trabalho brotarem no desenrolar da relação empregatícia, sua reparação, mediante indenização, constitui crédito de natureza personalíssima, e não crédito trabalhista "strictu sensu", razão por que regida pelo Direito Civil, e não pelo Direito do Trabalho, nada obstante a competência desta Justiça Especializada. No caso, aplica-se a prescrição decenal, prevista no art. 205 do CCB/02, ao invés da prescrição trienal, inserta no art. 206, §3º, V, do CCB/02, por se cuidar de ofensa à honra e à integridade física do ser humano, não albergada por este último preceptivo, destinado a reparações de ordem estritamente patrimonial. Decisão reformada, neste ponto. Recurso conhecido e parcialmente provido”.
E ainda, também aplicando o prazo decenal do artigo 205, CC, ressalte-se a decisão proferida pelo TRT da 4ª Região:
“PRESCRIÇÃO. ACIDENTE DE TRABALHO. INDENIZAÇÃO. O pedido de pagamento de indenização por danos moral e material decorrentes de acidente do trabalho tem fundamento na responsabilidade civil do empregador pelo cometimento de ato ilícito e, desse modo, ainda que tenha origem no contrato de trabalho, não é direito trabalhista propriamente dito, razão pela qual é aplicável a prescrição civil. Por se tratar de ofensa a direito de personalidade, e não a direito exclusivamente patrimonial, o prazo aplicável é o de dez anos, previsto no artigo 205 do Código Civil”.
Para este grupo de magistrados, os danos decorrentes de acidente de trabalho ofendem direitos de personalidade do trabalhador, logo, não se enquadram dentro do conceito de crédito trabalhista, o que rechaça a aplicação do artigo 7º, XXIX, CF, bem como não estão inseridos dentro do conceito de reparação civil, o qual somente se refere a violação de direitos patrimoniais, o que também impede a aplicação do prazo prescricional trienal do artigo 206, §3º, V, CC.
Assim, entendendo haver lacuna legislativa, esta parcela de julgadores socorre-se no prazo decenal do artigo 205 do CC, dispositivo que estipula, em caso de omissão, um prazo geral de 10 anos.
Já os julgadores que entendem pela aplicação do prazo prescricional previsto no artigo 206, §3º, V, CC seguem outra linha de interpretação. Saliente-se, primeiramente, o que foi exposto no acórdão do TRT da 17ª Região:
“PRESCRIÇÃO. ACIDENTE DE TRABALHO. REPARAÇÃO CIVIL. O art. 205, do CC/02, que prevê prazo prescricional de 10 anos, somente se aplica em caso de lacuna na lei, ou seja, quando não existe no ordenamento jurídico dispositivo legal específico que regule a matéria. Em caso de reparação civil o prazo prescricional é de 3 (três) anos (art. 206, § 3º, do CCB/2002)”.
Diferente não é o posicionamento do acórdão abaixo transcrito, de origem do TRT da 4ª Região:
“AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ACIDENTE DE TRABALHO. PRESCRIÇÃO. Tendo em vista que na época do acidente já se encontrava em vigor o Código Civil de 2002, aplica-se à espécie o prazo previsto no seu art. 206, § 3º, inc. V (3 anos).”
Destaque-se, por fim, o posicionamento trazido no acórdão do TRT da 22ª Região, que também adota o prazo trienal do artigo 206, §3º, V, CC:
“DANO MORAL E MATERIAL – PRESCRIÇÃO – APLICABILIDADE DO PRAZO PREVISTO NO CÓDIGO CIVILCÓDIGO CIVIL – A indenização oriunda de acidente de trabalho é um direito eminentemente civil, devendo-se, pois, aplicar a prescrição prevista no art. 206, § 3º, V, do CC, ainda que o julgamento seja proferido na Justiça do Trabalho.’
A corrente de magistrados que adere ao prazo trienal do artigo 206, §3º, V, CC, não faz grandes rodeios, afirmando, de forma bem direta, que os danos advindos do acidente de trabalho estão inseridos, inexoravelmente, no conceito de reparação civil. Assim, ainda que com competência atraída à Justiça do Trabalho, as indenizações decorrentes do acidente não perderam sua natureza civilista.
Logo, tais juízes sustentam que, por não se tratarem de créditos trabalhistas, afastada está a aplicação do prazo prescricional constitucional trabalhista, bem como não se pode falar em lacuna legislativa, vez que há, expressamente, previsão da referida reparação no artigo 206, §3º, V, CC.
Como se vê, grande é a celeuma existente no Judiciário Trabalhista quando se trata do prazo prescricional para as ações indenizatórias que tenham como pano de fundo um acidente de trabalho ocorrido com o trabalhador.
Contudo, dada a importância da matéria, necessário é que se chegue, o quanto antes, a um posicionamento único, vez que, dependendo do prazo prescricional aplicado, ora o trabalhador se verá sem o direito de pleitear os danos sofridos, ora estará fora do manto prescricional, o que fere de morte a segurança jurídica em tais situações.
3. 3 PRAZO PRESCRICIONAL APLICÁVEL ÀS PRETENSÕES ORIUNDAS DE ACIDENTE DE TRABALHO: TRABALHISTA, CIVILISTA OU IMPRESCRITIBILIDADE DA PRETENSÃO?
Após analisada a dúvida doutrinária e jurisprudencial existente sobre qual seria o prazo prescricional aplicável às ações advindas de acidente de trabalho, percebe-se que a grande questão que primeiramente deve ser resolvida é: qual a natureza dos danos advindos do acidente de trabalho?
O principal ponto de conflito entre as correntes está na divergência quanto à natureza da obrigação, o que desemboca na celeuma referente ao tipo de prescrição que cada viés entende que deve ser aplicada.
Tal atrito quanto à natureza do direito violado em um acidente de trabalho, que desencadeia na divergência quanto à prescrição, é facilmente percebido quando da confrontação dos posicionamentos.
Por isso, abaixo serão explanados, de maneira sucinta, os principais argumentos trazidos pelas diferentes correntes, as quais já foram mais aprofundadamente abordadas no tópico anterior, o que deixará evidente a referida divergência de entendimentos quanto à natureza do direito atingido e, consequentemente, quanto à prescrição para pleitear a reparação.
Como visto, a corrente de doutrinadores e de julgadores que defende a aplicação do prazo constitucional, previsto no artigo 7º, XXIX, CF, assim sustenta, pois crê que tais direitos possuem natureza jurídica de créditos trabalhistas, dado o fato de que o dano surgiu somente em razão da pré-existência de uma relação de emprego. Inclusive, chegam ao ponto de dizer que, quando a EC 45/2004 atraiu à Justiça do Trabalho a competência para julgar as referidas demandas, o legislador corrigiu um erro de competência, vez que um crédito trabalhista estava a ser julgado na Justiça Comum Cível.
Já a corrente que defende o prazo decenal do artigo 205 do CC, argumenta que os danos decorrentes do acidente de trabalho atingem direitos de personalidade, logo, ao não haver estipulado um prazo prescricional expresso para tais direitos, há que se aplicar um prazo geral subsidiário, previsto no dispositivo do Diploma Civil supramencionado.
Por outro lado, a corrente que defende o prazo trienal do artigo 206, §3º, V, CC acredita, indubitavelmente, que os danos decorrentes do infortúnio laboral enquadram-se no conceito de reparação civil, logo, possuem expressamente um prazo prescricional que se lhes aplica. Argumentam, portanto, que norma especial prevalece sobre norma geral, conforme preceitua o critério da especialidade.
E ainda, a corrente que sustenta a imprescritibilidade da pretensão do pleito indenizatório fundado em acidente de trabalho, aduz que a natureza do direito é personalíssima, assim como argumenta a corrente que defende a aplicação do prazo decenal do artigo 205 do CC, porém, vai além ao dizer que, pelo fato dos direitos de personalidade serem inerentes a dignidade humana, logo, também são direitos fundamentais indisponíveis e irrenunciáveis do trabalhador, não podendo correr contra os tais prazo de prescrição.
Dessa forma, antes de se tentar responder qual seria o prazo prescricional aplicável às ações reparatórias acidentárias, faz-se necessário analisar qual seria a natureza da obrigação de indenizar que surge do acidente de trabalho.
O acidente de trabalho pode gerar danos materiais, morais e estéticos, conforme abordado no tópico 2.4, e nas suas respectivas subdivisões. Um princípio norteador do Direito do Trabalho que pode ser aplicado para se elucidar qual entendimento sobre a natureza das referidas ofensas que deve prevalecer, é o do in dubio pro misero.
O referido princípio estabelece que, em caso de dúvida quanto à interpretação de certa norma, deve-se optar pela interpretação que melhor privilegie o empregado.
Ao aplicar esse princípio à problemática aqui tratada, chega-se ao entendimento inexorável de que, havendo dúvida no enquadramento dos danos decorrentes do infortúnio laboral, deve-se optar pela vertente que trata tais danos como ofensas a direitos de personalidade do empregado, em detrimento das correntes que opinam pelo tratamento como créditos trabalhistas, ou como reparação civil.
Isso deve se dar, pois os créditos trabalhistas e as reparações civis possuem prazo prescricional mais exíguo – no primeiro, cinco anos limitados a dois com a extinção do contrato de trabalho, no segundo, de três anos – se comparados aos prazos dos direitos personalíssimos, aos quais são aplicados o prazo decenal do artigo 205 do CC, ou nenhum prazo, vez que há corrente que defenda a imprescritibilidade dessas obrigações.
Desta feita, é necessário se entender pela natureza de direitos de personalidade os danos decorrentes de infortúnios laborais, pois pelo princípio do in dubio pro misero as referidas ofensas ficam impedidas de serem equiparadas a créditos trabalhistas e a reparações civis, vez que ambos os conceitos mostram-se limitados a abarcar toda a importância dos direitos violados em um acidente de trabalho, o que, portanto, afasta os prazos prescricionais previstos nos artigos 7º, XXIX, CF, e 206, §3º, V, CC.
Restam, portanto, duas possibilidades: aplicação subsidiária do artigo 205 do CC, que estabelece um prazo prescricional geral de dez anos, ou adotar a corrente que sustenta a imprescritibilidade da pretensão que visa indenizar o obreiro pelo infortúnio laboral.
Esta última possibilidade parece ser a mais adequada, vez que ela bem se coaduna com os princípios da aplicação da norma mais favorável, dignidade da pessoa humana, e da função social do contrato de trabalho.
Em relação à aplicação da norma mais favorável, tem-se que o referido princípio orienta o aplicador da norma trabalhista a aderir, em caso de pluralidade de normas que tratem de uma mesma matéria, à norma que melhor vise proteger o trabalhador.
Sabe-se que o silêncio do legislador também deve ser interpretado como norma, é o que a doutrina e a jurisprudência chamam de silêncio eloquente. Logo, para a situação presente, entende-se que, caso o legislador quisesse estipular prazo de prescrição para as demandas acidentárias, assim teria feito expressamente.
Na situação em espeque, como se está diante das possibilidades de aplicar um prazo prescricional subsidiário, e de não se aplicar qualquer prazo de prescrição que fulmine o direito de ação do trabalhador, deve-se optar por esta última hipótese, vez que melhor atende aos interesses do empregado, parte hipossuficiente na relação laboral.
Portanto, o que aqui se propõe é que, ao se aplicar o princípio da norma mais favorável, deve-se privilegiar a norma que visa ampliar o resguardo aos direitos trabalhistas, afastando-se a aplicação da norma que vise restringir direitos do trabalhador.
Em relação ao princípio da função social do contrato de trabalho, sabe-se que este impõe ao empregador certas obrigações, quais sejam: propiciar para o empregado um meio ambiente de trabalho salubre, jornada de trabalho compatível com os limites físicos de um ser humano, salário adequado, valorização profissional, qualificação permanente e garantia de permanência no emprego, salvo se houver um motivo ou causa relevante para a rescisão.
Enfim, o contrato de trabalho cumpre com sua função social quando respeita os direitos trabalhistas do empregado, proporcionando-lhe um trabalho digno e, por conseguinte, uma vida digna.
Assim, relacionando o referido princípio com a imprescritibilidade das ações por infortúnios laborais, tem-se que, um acidente de trabalho ocorre, na maioria das vezes, quando a empresa descumpre normas de saúde e segurança do trabalho, isto é, quando o empregador descumpre certo preceito que atinge diretamente à dignidade do trabalhador humano.
Percebe-se, portanto, que um acidente de trabalho ocorre quando o empregador está a descumprir o preceito elencado pelo princípio da função social do contrato, por não proporcionar ao empregado um meio ambiente de trabalho hígido, seguro e salubre.
Por esta razão, deve-se entender pela imprescritibilidade da pretensão que vise ressarcir o obreiro por danos oriundos de infortúnios laborais, pois o que está a se resguardar na referida demanda é algo muito maior do que mera obrigação de pagar, mas se está a zelar por um princípio elementar do Direito do Trabalho, o qual evita que o trabalhador se torne mera peça na engenharia da empresa, mas o dignifique como pessoa humana.
Assim, o princípio da função social do contrato leva o operador do Direito a crer que as ações indenizatórias acidentárias são imprescritíveis, vez que as mesmas protegem um Direito maior, que não é individual, mas coletivo, qual seja, a obrigação de cumprimento das normas trabalhistas como um todo pelo empregador, evitando que o trabalhador seja tratado como simples objeto de uma engrenagem, mas seja visto como pessoa titular de direitos fundamentais.
Ademais, é certo que os danos decorrentes do acidente de trabalho ofendem a esfera dos chamados direitos de personalidade do trabalhador cidadão, logo, constituem-se em agressões que violam direitos fundamentais da pessoa humana.
Isso se dá, pois as ações que visam reparar os danos advindos do infortúnio laboral buscam, essencialmente, indenizar o trabalhador-ser humano pelos danos a sua à vida, integridade física e mental, saúde, moral, intimidade, honra subjetiva e objetiva, enfim, direitos ligados à personalidade e à dignidade do ser humano.
Essa categoria de direitos fundamentais é garantida constitucionalmente ao homem enquanto pessoa humana, e não pelo fato de qualificar-se como empregado. Assim, sendo os referidos direitos de natureza indisponível, não pode o seu titular renunciá-los.
Ato contínuo, a imprescritibilidade surge como um desdobramento da irrenunciabilidade dos direitos de personalidade, vez que a prescrição nada mais é do que a consumação da renúncia tácita de um direito, em razão do seu não exercício. Então, se como conseqüência da renúncia tácita de direitos ocorre a prescrição, da mesma maneira, os direitos irrenunciáveis são também, logicamente, imprescritíveis.
O ilustre doutrinador Pereira (2004, p. 687) bem leciona sobre a imprescritibilidade dos direitos de personalidade, ao afirmar o que segue:
“A prescritibilidade alcança todos os direitos subjetivos patrimoniais de caráter privado. Escapam-lhe aos efeitos aqueles direitos que se prendem imediatamente à personalidade ou ao estado das pessoas. Os direitos à vida, à honra, à liberdade, à integridade física ou moral não estão sujeitos a qualquer prescrição, em razão de sua própria natureza. Por maior que seja o tempo decorrido de inatividade do titular, nunca perecerão os direitos respectivos que sempre se poderão reclamar pelas ações próprias, uma vez que não é lícita a constituição de um estado que lhes seja contrário.”
Portanto, quando do acontecimento de um acidente de trabalho, se está diante de uma lesão pessoal, a qual atinge direito humano fundamental do trabalhador-homem, vez que o dano implica em agressão à personalidade, à dignidade do ser humano.
Desta feita, por guardarem status de direitos personalíssimos, logo, indisponíveis e irrenunciáveis, os danos decorrentes de acidentes de trabalho são também imprescritíveis.
Por fim, para que se dê a devida relevância à corrente que defende a imprescritibilidade das ações indenizatórias acidentárias, é importante ressaltar que, em toda a pesquisa, não foi encontrada uma ação sequer em que o trabalhador, ainda com o contrato de trabalho em plena vigência, ajuizasse a ação indenizatória infortunística.
Assim, em razão da hierarquização das relações de trabalho existente no sistema capitalista, o empregado subordinado jamais, ou em raríssimos casos, arriscará perder sua fonte de sobrevivência para fazer valer seu direito de ação, para reclamar a reparação dos danos advindos com o infortúnio.
Logo, de que adianta instituir um direito ao trabalhador, sem ser garantido, concomitantemente, o direito deste pleitear a reparação de tais direitos em caso de seu desrespeito?
Fica nítido que a previsão de qualquer prazo prescricional, por maior este que seja, configura-se como lesivo ao trabalhador, vez que legaliza uma injustiça social, o que não pode ser admitido pelo atual Estado Democrático de Direito vivido pela sociedade.
Portanto, à luz dos princípios constitucionais e trabalhistas, os quais têm por função nortear do operador do Direito no momento de aplicação das normas, conclui-se que as pretensões indenizatórias acidentárias laborais devem ser imprescritíveis.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
1. Considera-se meio ambiente do trabalho tudo aquilo que cerca o obreiro no seu local de trabalho, não se restringindo apenas ao ambiente físico, mas também abrangendo a forma que se desenvolve o labor. Assim, o meio ambiente do trabalho engloba tudo o que influencia na saúde, física e psicológica do trabalhador, bem como no seu bem-estar e segurança.
2. Toda a coletividade é lesada, direta ou indiretamente, quando um obreiro sofre um acidente de trabalho, razão pela qual é forçoso concluir que as normas que tratam do meio ambiente de trabalho estão resguardando um direito fundamental de 3ª dimensão, vez que atende aos interesses de toda uma classe de trabalhadores, que deixam de ser submetidos a um ambiente de trabalho agressivo à saúde, bem com de toda a sociedade, que se vê livre dos encargos financeiro-previdenciários oriundos de um eventual acidente de trabalho.
3. O tema meio ambiente do trabalho é alvo de grande tutela das normas internacionais, mormente das Convenções da OIT, que visam assegurar ao trabalhador um ambiente de trabalho livre de agentes ofensivos à sua saúde, ou ao menos que eventuais fatores nocivos sejam mitigados, por meio de técnicas, oriundas de estudos da engenharia e da medicina do trabalho, que visem trazer maior proteção ao labor do obreiro.
4. A Constituição visou dar um tratamento especial ao meio ambiente do trabalho, este compreendido dentro do meio ambiente em sentido amplo, pois o trabalhador que sofre moléstias em razão do labor não vê seu problema resolvido com a simples paga em dinheiro de adicionais ou de indenizações, dadas as conseqüências sociais e humanas decorrentes de um acidente de trabalho ou de uma doença ocupacional.
5. As normas infraconstitucionais objetivam alcançar o norte constitucional, por meio de normas preventivas e indisponíveis de proteção ao trabalho e, mais especificamente, normas que visam assegurar um meio ambiente laboral livre de riscos à saúde dos trabalhadores.
6. A dignidade da pessoa humana anda de mãos dadas com a valorização do trabalho humano. Há uma relação interdependente entre ambas, sendo a primeira como uma mãe, da qual derivam outras normas protetivas não só no âmbito trabalhista, e a última como uma filha, menina dos olhos de sua criadora, pois sem ela aquela não poderá ser efetivada. A agressão ao trabalho humano é a violação à dignidade humana.
7. A aplicação do princípio da função social da empresa ao contrato de trabalho visa diminuir a precariedade social que se vive hoje no mundo, buscando investir no homem pela sua própria humanidade, e não somente pela busca pelo lucro, característica marcante do sistema capitalista. A imposição do dever de respeitar as normas trabalhistas como fator essencial a atividade empresária, dignifica a figura do homem-trabalhador, não permitindo que o ser humano vire um objeto dentro de uma fábrica.
8. Apesar de o acidente típico ser a única espécie de acidente de trabalho inserida no conceito legal do artigo 19 da Lei 8.213/91, é certo que o acidente de trabalho possui outras formas de se apresentar, como no caso das doenças ocupacionais, concausas e acidentes de trajeto, sendo tais espécies chamadas de equiparações ao acidente de trabalho.
9. É elementar para a caracterização do acidente de trabalho típico a configuração do binômio CAT x Enquadramento. Feita a emissão da CAT não quer dizer que de maneira automática está oficialmente decretada a ocorrência do acidente de trabalho, pois tal tarefa é incumbida à Previdência Social, que só declarará a existência do infortúnio após comprovado o liame causal entre o acidente e o trabalho exercido.
10. A responsabilidade objetiva depende de alguns fatores para ser aplicada ao infortúnio laboral. Entende-se que esta não é a regra, mas sim uma exceção a aplicação da responsabilidade subjetiva, a qual deve ser aplicada na maioria dos casos de acidente de trabalho.
11. A responsabilidade civil subjetiva, prevista nos artigos 186 e 927, caput, ambos do CC, com apoio maior no artigo 7º, XXVIII, CF, é aplicável quando o dano não tiver relação direta com a atividade desenvolvida pelo empregado em favor da empresa, ou seja, não ser oriundo do risco inerente à atividade, mas decorrer da conduta culposa do empregador.
12. A responsabilidade civil objetiva nos acidentes de trabalho é excepcionalmente aplicada nas situações em que a própria atividade desempenhada pelo obreiro pode, por si só, gerar um risco maior de dano à sua incolumidade física.
13. O acidente de trabalho é um fato, o qual se deu com ou sem culpa da empresa. Esse fato pode causar um dano material, moral ou estético ao trabalhador. O pleito indenizatório é aquele que busca reparar o dano (material, moral ou estético) causado pelo fato (acidente de trabalho), devendo ser aferido o tipo de responsabilidade a ser aplicada, para que, então, se diga se há ou não dever do empregador de indenizar o obreiro acidentado.
14. O dano material se divide em dano emergente e lucro cessante, sendo que o primeiro trata da lesão pretérita e atual sofrida pela vítima, e o último é aquele que provoca uma lesão futura ao lesado, pois lhe impede de auferir novos lucros e rendimentos. Ambos incluídos no dano material, o dano emergente e o lucro cessante são previstos nos artigos 402 e 403 do Código Civil.
15. O dano moral é aquele que ofende o bem-estar social e psicológico do indivíduo, causando-lhe perturbação no seu equilíbrio mental, bem como no seu convívio social. Assim, configura-se, em geral, por uma dolorosa sensação experimentada pela vítima, devendo ser atribuída à palavra dor o mais amplo significado.
16. O dano estético visa ressarcir a deformidade do corpo em si, com o seu afeiamento, oriundo do acidente laboral. É o fato do corpo do acidentado não ser mais como antes, diferenciando-se das demais pessoas, que é o objeto de indenização do dano estético.
17. A alteração da competência, trazida com a EC 45/2004, que alterou o artigo 114 da CF, ocasionou em um acalorado embate entre autores e julgadores, não mais sendo unânime a aplicação do prazo prescricional civilista para os danos patrimoniais e morais decorrentes da relação de trabalho, como no caso dos danos oriundos de acidente de trabalho.
18. A doutrina trabalhista muito se conflita sobre o prazo prescricional aplicável às demandas reparatórias acidentárias trabalhistas. Não há uma corrente uníssona ou majoritária, vez que para todos os posicionamentos há argumentos robustos. Especialmente, vale destacar três correntes de maior preferência entre os autores: duas que defendem a aplicação do Código Civil, ora no artigo 205, ora no artigo 206, § 3º, V, e uma que adere o prazo prescricional trabalhista previsto no artigo 7º, XXIX, CF. Contudo, é de importante valia mencionar uma corrente doutrinária que vem ganhando impulsão hodiernamente, a qual entende pela imprescritibilidade dos danos oriundos do acidente de trabalho, sob o argumento de que se tratam de direitos fundamentais do trabalhador, e que, por isso, não se sujeitam à regra restritiva da prescrição.
19. Não diferente do que ocorre com a doutrina, a jurisprudência trabalhista também possui divergências quando da aplicação do prazo prescricional para as demandas reparatórias acidentárias laborais. As correntes predominantes na jurisprudência são aquelas que aplicam os prazos dos artigos 205 e 206, §3º, V, ambos do CC, e do artigo 7º, XXIX, CF. Apesar de realizada ampla pesquisa, não foi encontrada qualquer decisão que aderisse ao entendimento da imprescritibilidade das ações indenizatórias por acidente de trabalho.
20. O principal ponto de conflito entre as correntes está na divergência quanto à natureza da obrigação, o que desemboca na celeuma referente ao tipo de prescrição que cada viés entende que deve ser aplicada. Porém, ao se fazer uma interpretação da problemática à luz dos princípios constitucionais e trabalhistas, os quais têm por função nortear do operador do Direito no momento de aplicação das normas, conclui-se que as pretensões indenizatórias acidentárias laborais devem ser imprescritíveis.
21. É necessário um único posicionamento do Direito acerca da matéria, pois a insegurança jurídica gerada pelas inúmeras decisões judiciais divergentes em nossa jurisprudência pátria tem corroborado para o retrocesso na defesa da efetivação dos direitos trabalhistas, os quais custaram séculos de luta e sangue, sendo agora dever dos atuais operadores do Direito pacificarem a problemática prescricional dos infortúnios laborais, a fim de evitar que novas injustiças sejam sentenciadas pelos tribunais trabalhistas.
Informações Sobre o Autor
Gabriel de Souza Carvalho
Advogado e Consultor Jurídico. Graduado pela Faculdade de Direito de Vitória – FDV