O alcance da coisa julgada em ações coletivas à luz dos recentes precedentes dos Tribunais Superiores

Resumo: Este artigo visa analisar o alcance da coisa julgada à luz da Constituição Federal, da Lei de Ação Popular, da Lei de Ação Civil Pública, da Lei nº 9.494/97, do Código de Defesa do Consumidor, da Lei de Mandado de Segurança e da jurisprudência dos Tribunais Superiores.

Palavras Chave: Ação Coletiva. Alcance da Coisa Julgada. Jurisprudência.

Abstract: This article aims to examine the scope of the res judicata due to the Federal Constitution, the Class Action law, the Civil Action law, the law nº  9.494/97, the Consumer Code, the Writ of Mandamus law and the Superior Courts jurisprudence.

Keywords: Collective Action. Scope of the res judicata. Jurisprudence

Sumário: I – Introdução. II – A coisa julgada na Lei da Ação Popular. III – A coisa julgada na Lei da Ação Civil Pública. IV- A coisa julgada no Código de Defesa do Consumidor. V – A coisa julgada na Lei do Mandado de Segurança Coletivo. VI – Da necessidade de filiação a associação, entidade de classe ou sindicato que ajuizou a ação coletiva . VII – Conclusão.

I – Introdução

A ação coletiva é tratada em um microssistema normativo que engloba a Lei de Ação Civil Pública, a Lei de Ação Popular, o Código de Defesa do Consumidor e a Lei do Mandado de Segurança.

A tutela coletiva pode incidir sobre três espécies de direitos: os difusos, os coletivos e os individuais homogêneos, nos termos dos incisos I, II e III do art. 81 do CDC. Os interesses difusos caracterizam-se pela indivisibilidade do bem jurídico que se pretende tutelar, indeterminação dos titulares e inexistência de relação jurídica base. Os interesses coletivos se diferenciam dos difusos porque, embora indeterminados e indivisíveis, possuem como titulares um grupo, uma categoria ou uma classe de pessoas, havendo entre elas uma relação jurídica-base anterior à lesão. Já os interesses/direitos individuais homogêneos se caracterizam pela origem comum, sendo aqueles em que o interesse é individualizado na pessoa de cada um dos prejudicados, fazendo com que as pessoas sejam determináveis.

A característica da coisa julgada nas ações coletivas é que ela se produz secundum eventum litis (segundo o resultado do julgamento) ou secundum eventum probationis (segundo o resultado da prova), e dependem do tipo de direito tutelado.

II – A coisa julgada na  Lei da Ação Popular

Na Lei da Ação Popular (Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965), a matéria foi disciplinada no art. 18, que traz a seguinte redação: “A sentença terá eficácia erga omnes, exceto no caso de haver sido a ação julgada improcedente por deficiência de prova; neste caso, qualquer cidadão poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova”. Nos demais casos, de procedência ou de improcedência por fundamento outro que não a ausência de provas, há coisa julgada erga omnes, o que significa que a questão de mérito não poderá ser novamente apreciada, ainda que seja proposta ação por outro que não o autor da primeira, na qual se formou a coisa julgada.

III – A coisa julgada na Lei da Ação Civil Pública

Impende ressaltar que a Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985) repetia o tratamento dado à matéria pela lei da ação popular. No entanto, seu art. 16 foi alterado pela MP nº 1.570-5, de 1997, convertida na Lei nº 9.494, de 10 de setembro de 1997, passando a prever que A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.”[1]

Posteriormente, por meio da Medida Provisória nº 2.180-35, de 2001, foi introduzido o art. 2-A à Lei nº 9.494, de 1997, com a seguinte previsão: “Art. 2-A. A sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator.[2]

IV- A coisa julgada no Código de Defesa do Consumidor

O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990) deu detalhada disciplina quanto ao alcance da coisa julgada em ações coletivas.

Nos termos do CDC, em caso de direitos difusos, se procedente o pedido, a coisa julgada abrangerá todos os membros da coletividade, que poderão utilizar a sentença para satisfação de suas pretensões individuais. Se improcedente por reconhecimento da inexistência do direito, fica vedada a via coletiva (os efeitos produzem-se erga omnes com relação aos entes e pessoas legitimados pelo art. 82 do CDC), mas não inibe ações individuais, mesmo que com idêntico fundamento (§ 1º do art. 103 do CDC). Se a improcedência se refere a falta de provas, a sentença não se reveste da coisa julgada material e qualquer legitimado pode, mesmo coletivamente, renovar a ação, desde que apresentada nova prova (tal regra coaduna-se com as leis de Ação Popular e de Ação Civil Pública).

Quando se tratar de direitos coletivos, o regime dos limites subjetivos da coisa julgada é exatamente o mesmo traçado para as ações em defesa de interesses difusos. A única diferença é a restrição dos efeitos da sentença apenas aos indivíduos que integrem a categoria, grupo ou classe (efeitos inter partes).

Com relação aos direitos individuais homogêneos, a coisa julgada erga omnes é limitada à procedência do pedido (extensão in utilibus). Se houver improcedência, independentemente do fundamento respectivo, a coisa julgada não atingirá senão os legitimados do art. 82 do CDC e as pessoas que tiverem participado da relação processual como litisconsortes do autor coletivo. É possível, neste último caso, que os interessados que não tenham intervindo no processo movam a sua ação individual.

Assim, de acordo com o CDC, nos casos de improcedência com julgamento do mérito do pedido formulado nas ações coletivas, a coisa julgada não tem o condão de criar óbice ao ajuizamento de demandas individuais para reparar o dano eventualmente sofrido, salvo se tratar-se de ação coletiva para a tutela de direitos individuais homogêneos, pois, neste caso, a sentença de improcedência atingirá também aqueles que intervieram no processo como litisconsortes.

Já em caso de procedência, seus efeitos se estendem erga omnes ou ultra partes, mas para beneficiar-se de coisa julgada formada em ação coletiva ajuizada em defesa de direitos coletivos e direitos individuais homogêneos, o autor de ação individual deverá ter requerido oportunamente sua suspensão (art. 104 do CDC).[3]

 Com efeito, os litisconsortes, nas ações em defesa dos direitos individuais homogêneos, sofrerão os efeitos da improcedência (art. 103, § 2º do CDC) e os que não pedirem a suspensão de suas ações individuais, não se beneficiarão da procedência das ações em defesa dos direitos coletivos e individuais homogêneos (art. 104 do CDC).

 Acerca da suspensão das ações individuais, fazemos referência ao Recurso Especial Repetitivo nº 1.110.549/RS, julgado pela 2ª Seção do Tribunal, cujo acordão foi publicado em 14.12.2009, que demonstra uma mudança de paradigma no tratamento dado às ações coletivas, e cuja ementa transcrevemos abaixo:

“RECURSO REPETITIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO COLETIVA. MACRO-LIDE. CORREÇÃO DE SALDOS DE CADERNETAS DE POUPANÇA. SUSTAÇÃO DE ANDAMENTO DE AÇÕES INDIVIDUAIS. POSSIBILIDADE.

1.- Ajuizada ação coletiva atinente a macro-lide geradora de processos multitudinários, suspendem-se as ações individuais, no aguardo do julgamento da ação coletiva.

2.- Entendimento que não nega vigência aos aos arts. 51, IV e § 1o, 103 e 104 do Código de Defesa do Consumidor; 122 e 166 do Código Civil; e 2o e 6o do Código de Processo Civil, com os quais se harmoniza, atualizando-lhes a interpretação extraída da potencialidade desses dispositivos legais ante a diretriz legal resultante do disposto no art. 543-C do Código de Processo Civil, com a redação dada pela Lei dos Recursos Repetitivos (Lei n. 11.672, de 8.5.2008).

3.- Recurso Especial improvido.”

Pela leitura dos votos proferidos por ocasião do julgamento do RESP 1.110.549/RS, percebe-se que os Ministros decidiram pela harmonização do processamento das lides de massa com o procedimento do recurso especial repetitivo previsto no art. 543-C do Código de Processo Civil. A Lei dos Recursos Repetitivos (Lei nº 11.672, de 8 de maio de 2008), ao introduzir um filtro recursal, visou maximizar a prestação jurisdicional dando abrigo às pretensões que se fundamentam sobre as mesmas teses jurídicas, evitando-se a multiplicidade de recursos especiais lastreados na mesma controvérsia, que pode ser julgada numa só oportunidade e aplicada, de plano, a todos os demais casos análogos.

Para o STJ, o raciocínio de se maximizar a prestação jurisdicional, evitando-se a inundação do Judiciário com processos repetitivos, deve ser estendido às macro-lides, com a suspensão dos processos individuais até que o processo coletivo seja julgado. A Egrégia Corte deixou de considerar isoladamente as disposições contidas nas leis que tratam as ações coletivas, interpretando-as à luz da legislação processual mais recente, qualseja a Lei dos Recursos Repetitivos.

Assim, aquele Egrégio Tribunal, aplicando o art. 543-C do CPC, decidiu no sentido de que, uma vez ajuizada ação coletiva geradora de processos multitudinários, suspendem-se as ações individuais, até o julgamento final daquela. Ressalte-se que foi preservado o direito de ajuizamento da pretensão individual na pendência de ação coletiva; suspendendo-se apenas seu prosseguimento.[4]

Observe-se que o Superior Tribunal de Justiça está aplicando ao processamento das lides de massa a Lei de Recursos Repetitivos que, acrescentando o art. 543-C ao Código de Processo Civil, assim prevê:

Art. 543-C. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, o recurso especial será processado nos termos deste artigo.

§ 1o  Caberá ao presidente do tribunal de origem admitir um ou mais recursos representativos da controvérsia, os quais serão encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça, ficando suspensos os demais recursos especiais até o pronunciamento definitivo do Superior Tribunal de Justiça.

§ 2o  Não adotada a providência descrita no § 1o deste artigo, o relator no Superior Tribunal de Justiça, ao identificar que sobre a controvérsia já existe jurisprudência dominante ou que a matéria já está afeta ao colegiado, poderá determinar a suspensão, nos tribunais de segunda instância, dos recursos nos quais a controvérsia esteja estabelecida.” (grifo nosso)

Pela análise dos dispositivos acima transcritos, é possível concluir que a suspensão dos recursos não é obrigatória, podendo, tal providência, ser ou não adotada pelo Presidente do Tribunal ou pelo Ministro Relator. Assim, por aplicação analógica destes dispositivos às ações coletivas, tem-se que a suspensão das ações individuais é uma faculdade do juízo.

Ademais, lendo mais detidamente o voto do Min. Relator, encontramos passagens que deixam clara esta faculdade ao afirmar:

“(…) A suspensão do processo individual pode perfeitamente dar-se já ao início, assim que ajuizado, porque, diante do julgamento da tese central na Ação Civil Pública, o processo individual poderá ser julgado de plano, por sentença liminar de mérito (CPC, art. 285-A), para a extinção do processo, no caso de insucesso da tese na Ação Civil Pública, ou, no caso de sucesso da tese em aludida ação, poderá ocorrer a conversão da ação individual em cumprimento de sentença da ação coletiva.(…)

Mas a faculdade de suspensão, nos casos multitudinários abre-se ao Juízo, em atenção ao interesse público de preservação da efetividade da Justiça, que se frustra se estrangulada por processos individuais multitudinários, contendo a mesma e única lide, de modo que válida a determinação de suspensão do processo individual, no aguardo do julgamento da macro-lide trazida no processo de ação coletiva.(…)

No ato de suspensão não se devem levar em conta peculiaridades da contrariedade (p. ex., alegações diversas, como as de ilegitimidade de parte, de prescrição, de irretroatividade de lei, de nomeação de gestor, de julgamento por Câmaras Especiais e outras que porventura surjam, ressalvada, naturalmente, a extinção devido à proclamação absolutamente evidente e sólida de pressupostos processuais ou condições da ação), pois, dada a multiplicidade de questões que podem ser enxertadas pelas partes, na sustentação de suas pretensões, o não sobrestamento devido a acidentalidades de cada processo individual levaria à ineficácia do sistema.” (grifo nosso)

Há, portanto, faculdade do Judiciário em suspender as ações individuais, suspensão esta que, acaso ocorra (ex officio, ou a pedido da parte), permitirá que o interessado seja abrangido pelos efeitos da sentença proferida nos autos da ação coletiva, independentemente do resultado e independentemente de ter participado como litisconsorte.

De certo esta é a conclusão que se extrai da parte do voto que diz que “o processo individual poderá ser julgado de plano, por sentença liminar de mérito (CPC, art. 285-A), para a extinção do processo, no caso de insucesso da tese na Ação Civil Pública, ou, no caso de sucesso da tese em aludida ação, poderá ocorrer a conversão da ação individual em cumprimento de sentença da ação coletiva.”

Portanto, pelo posicionamento da E. Corte, o art. 81 do CDC não teria mais aplicação isolada. Contudo, impende ressaltar que, apesar de a decisão do STJ não ter sido clara a respeito do assunto, entendemos que ela não abrange a ação julgada improcedente por falta de provas. Quando o resultado da prova for ruim, não há que se falar em coisa julgada, já que não ocorreu apreciação do mérito, podendo, qualquer interessado, ajuizar nova ação, com idêntico fundamento, desde que valendo-se de nova prova, nos termos da Lei de Ação Popular e do Código de Defesa do Consumidor.

Merece atenção o fato de que o julgamento do STJ ocorreu em sede de recurso repetitivo o que tem por consequência, nos termos do §7º, incisos I e II, do art. 543-C e do art. 285-A, todos do CPC: a) a denegação dos recursos especiais sobrestados na origem na hipótese de o acórdão recorrido coincidir com a orientação do Superior Tribunal de Justiça; b) o reexame da matéria objeto do RESP pelo tribunal de origem na hipótese de o acórdão recorrido divergir da orientação do Superior Tribunal de Justiça; e c) a dispensa de citação e prolação, de plano, de sentença com base no entendimento do STJ com relação às futuras ações ajuizadas.

V – A coisa julgada na Lei do Mandado de Segurança Coletivo

No que concerne à aplicação do resultado do julgamento do REsp 1.110.549 aos mandados de segurança coletivos, transcrevemos o seguinte entendimento:

 “Ocorre que ao se aplicar a decisão do REsp 1.110.459 também a estes casos, a jurisprudência estaria criando nova causa de extinção do processo sem julgamento do mérito através de uma “desistência forçada” determinada pelo magistrado.

Se já seria contraditório pensar em uma desistência determinada ex officio pelo magistrado, o que por certo não caracterizaria verdadeira desistência, mais teratológico ainda configuraria aceitar a extinção do processo sem exame do mérito tendo este instaurado uma relação jurídica perfeitamente válida.

Parece-nos nesse caso, que qualquer razão para defender a inexistência de violação à inafastabilidade da jurisdição com a suspensão de ofício desaparece na situação peculiar no mandado de segurança, eis que ao se admitir a atuação sem provocação do magistrado, permitir-se-ia que este obstasse o acesso à justiça, ao menos através de um processo individual e, portanto, com a discussão de todas aquelas questões que não poderiam ser veiculados no âmbito coletivo.

De qualquer sorte, a análise do leading case, parece afastar a sua aplicabilidade no caso do mandado de segurança.

Isto porque o precedente se refere exclusivamente à suspensão do processo, indicando expressamente os dispositivos da LACP, aplicável apenas subsidiariamente ao procedimento do writ coletivo.

Ademais, o voto vencedor deixa consignado que a decisão que suspende o processo individual resguardaria o direito de ajuizamento da pretensão individual obstando apenas o seu prosseguimento.

No caso do mandado de segurança, a se aplicar as determinações do julgado, estar-se-ia criando obstáculo intransponível ao próprio ajuizamento o que afastaria, portanto, in totum, a aplicação do precedente.”[5]

Assim, partindo do pressuposto de que o resultado do REsp 1.110.549 não se aplica aos mandados de segurança coletivos, os efeitos da sentença proferida neste writ devem seguir as normas trazidas pela Lei nº 12.016, de 7 de agosto de 2009.

Ressalte-se que a nova lei do mandado de segurança, no parágrafo único do art. 21, limitou a proteção deste remédio constitucional somente aos direitos coletivos strictu sensu (inciso I) e individuais homogêneos (inciso II), restringindo a eficácia deste direito fundamental, ao denegar proteção aos direitos difusos.

Dizem o caput e o § 1º do art. 22 que, no mandado de segurança coletivo, a sentença fará coisa julgada limitadamente aos membros do grupo ou categoria substituídos pelo impetrante, beneficiando apenas os indivíduos que desistirem do seu mandado de segurança individual no prazo de 30 dias, contados da ciência da impetração do writ coletivo.  Já quando a improcedência no MS coletivo ocorrer por falta de provas, o art. 19 da mesma lei, prevê que, por se tratar de decisão que denega a segurança sem decidir o mérito, o requerente poderá ajuizar ação própria.[6]

A referida lei prevê que tanto a sentença de concessão quanto a de denegação da ordem fazem coisa julgada, gerando um efeito automático da sentença. Observe-se que o Superior Tribunal de Justiça no julgamento do RMS nº 34.270/MG (DJE de 28.10.2011), esclareceu que aquela vinculação automática à sentença de procedência, ou de improcedência com julgamento do mérito, não ocorrerá se o titular do direito individual, tendo ciência da impetração coletiva, manifestar opção pela não vinculação, mantendo seu próprio mandado de segurança ou manifestando formalmente, por qualquer meio, sua opção em não se vincular ao writ coletivo.

Entretanto, há doutrinadores que defendem que a Lei nº 12.016, de 2009 é lacunosa na medida em que não faz referência quanto à técnica de produção da coisa julgada, se pro et contrasecundum eventum litis ou secundum eventum probationis. Para esta parte da doutrina, a solução para o impasse está na utilização da técnica de interpretação sistemática, considerando o microssistema legislativo que trata de ações coletivas, mais especificamente o CDC, que permite, mesmo havendo sentença coletiva de improcedência de mérito, a possibilidade de ajuizamento de ações individuais pelo lesado, já que a coisa julgada impediria, apenas, a propositura de outra ação coletiva.[7]

VI – Da necessidade de filiação a associação, entidade de classe ou sindicato que ajuizou a ação coletiva

Por fim, merece atenção o fato de que o Supremo Tribunal Federal, com base no inciso XXI do art. 5º da Constituição Federal, entendeu pela necessidade de cláusula estatutária autorizativa E de autorização pela assembleia geral dos filiados para o ajuizamento de ações coletivas por associações, conforme se depreende pela leitura do julgamento da Reclamação nº 5215, julgada em 2009 e da Ação Ordinária 152-8/RS, julgada em 1999, pelo Tribunal Pleno[8].  Dispensou-se, apenas, a outorga de procurações individuais dos filiados.

O parágrafo único do art. 2º-A da Lei nº 9.494, de 1997, incluído pela Medida Provisória nº 2.180-35, de 2001, também exige, para o ajuizamento de ações coletivas pela entidade associativa, a juntada da ata da assembleia geral que autorizou o ajuizamento da ação e a relação nominal dos substituídos processuais. 

Já com relação aos sindicatos, a Suprema Corte, com fundamento no art. 8º, III, da Carta Magna, não exige qualquer espécie de autorização, como pode ser verificado pelos julgados abaixo:

“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO CONSTITUCIONAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL. REPRESENTAÇÃO SINDICAL. ART. 8º, III, DA CF/88. AMPLA LEGITIMIDADE. COMPROVAÇÃO DA FILIAÇÃO NA FASE DE CONHECIMENTO. DESNECESSIDADE. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. “O artigo 8º, III, da Constituição Federal estabelece a legitimidade extraordinária dos sindicatos para defender em juízo os direitos e interesses coletivos ou individuais dos integrantes da categoria que representam. Essa legitimidade extraordinária é ampla, abrangendo a liquidação e a execução dos créditos reconhecidos aos trabalhadores. Por se tratar de típica hipótese de substituição processual, é desnecessária qualquer autorização dos substituídos” (RE 210.029, Pleno, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ de 17.08.07). No mesmo sentido: RE 193.503, Pleno, Relator para o acórdão o Ministro Joaquim Barbosa, DJ de 24.8.07. 2. Legitimidade do sindicato para representar em juízo os integrantes da categoria funcional que representa, independente da comprovação de filiação ao sindicato na fase de conhecimento. Precedentes: AI 760.327-AgR, Segunda Turma, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJ de 03.09.10 e ADI 1.076MC, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 07.12.00). 3. A controvérsia dos autos é distinta daquela cuja repercussão geral foi reconhecida pelo Plenário desta Corte nos autos do recurso extraordinário apontado como paradigma pela agravante. O tema objeto daquele recurso refere-se ao momento oportuno de exigir-se a comprovação de filiação do substituído processual, para fins de execução de sentença proferida em ação coletiva ajuizada por associação, nos termos do artigo 5º XXI da CF/88. Todavia, in casu, discute-se o momento oportuno para a comprovação de filiação a entidade sindical para fins de execução proferida em ação coletiva ajuizada por sindicato, com respaldo no artigo 8º, inciso III, da CF/88. 4. O acórdão originalmente recorrido assentou: “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. GRATIFICAÇÃO DE DESEMPENHO DE ATIVIDADE DO CICLO DE GESTÃO. CGC. DECISÃO EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA PROFERIDA EM MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO. LIMITES SUBJETIVOS DA COISA JULGADA. AFILIADOS ÀS ENTIDADES IMPETRANTES APÓS A DATA DA IMPETRAÇÃO. DIREITO GARANTIDO DA CATEGORIA. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. FUNDAMENTOS NOVOS NÃO FORAM CAPAZES DE INFIRMAR A DECISÃO AGRAVADA. Agravo regimental improvido.” 5. Agravo regimental a que se nega provimento.” (RE 696845 AgR / DF, Primeira Turma, DJe 19-11-2012)

“EMENTA: PROCESSO CIVIL. SINDICATO. ART. 8º, III DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LEGITIMIDADE. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. DEFESA DE DIREITOS E INTERESSES COLETIVOS OU INDIVIDUAIS. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. O artigo 8º, III da Constituição Federal estabelece a legitimidade extraordinária dos sindicatos para defender em juízo os direitos e interesses coletivos ou individuais dos integrantes da categoria que representam. Essa legitimidade extraordinária é ampla, abrangendo a liquidação e a execução dos créditos reconhecidos aos trabalhadores. Por se tratar de típica hipótese de substituição processual, é desnecessária qualquer autorização dos substituídos. Recurso conhecido e provido.” (RE 210029 / RS, Tribunal Pleno, DJe 17-08-2007)

“EMENTA: PROCESSO CIVIL. SINDICATO. ART. 8º, III DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LEGITIMIDADE. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. DEFESA DE DIREITOS E INTERESSES COLETIVOS OU INDIVIDUAIS. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. O artigo 8º, III da Constituição Federal estabelece a legitimidade extraordinária dos sindicatos para defender em juízo os direitos e interesses coletivos ou individuais dos integrantes da categoria que representam. Essa legitimidade extraordinária é ampla, abrangendo a liquidação e a execução d os créditos reconhecidos aos trabalhadores. Por se tratar de típica hipótese de substituição processual, é desnecessária qualquer autorização dos substituídos. Recurso conhecido e provido.” (RE 193503 / SP, Tribunal Pleno, DJe 24-08-2007)

Contudo, o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça tem sido no sentido diverso ao do Supremo, ou seja, de não exigir a referida autorização para as associações e nem para os sindicatos. Tal entendimento pode ser visualizado pelos recentes julgados daquela E. Corte:“ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. SINDICATO. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. NÃO SINDICALIZADO À ÉPOCA DA PROPOSITURA DA AÇÃO. LIMITAÇÃO DA INCIDÊNCIA TEMPORAL DO REAJUSTE DE 3,17%. POSSIBILIDADE. 1. As associações e sindicatos, na qualidade de substitutos processuais, legitimação extraordinária, possuem legitimidade para atuar na esfera judicial na defesa dos interesses coletivos de toda a categoria que representam, sendo dispensável a relação nominal dos filiados e suas respectivas autorizações. Súmula 629/STF. Precedentes do STJ.(…)” AgRg no REsp 1188180 / RJ, SEGUNDA TURMA, DJe 03/08/2012)“PROCESSUAL CIVIL. ASSOCIAÇÃO. PEDIDO. RECONHECIMENTO DE COMPETÊNCIA FUNCIONAL. LEGITIMIDADE ATIVA PROCESSUAL. (…) 5. Os sindicatos e as associações de classe estão legitimados para ajuizar ações visando à defesa dos direitos e das prerrogativas de seus filiados, independentemente de autorização. Precedentes do STJ. 6. (…) 7. Agravo Regimental não provido.”(AgRg no AREsp 83184 / RJ, SEGUNDA TURMA, DJe 22/05/2012)“AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO JUDICIAL ORIUNDO DE AÇÃO COLETIVA. SINDICATO OU ASSOCIAÇÃO. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. DESNECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO EXPRESSA. AUSÊNCIA DE OFENSA À COISA JULGADA. PRECEDENTES. 1. A formação da coisa julgada nos autos de ação coletiva ajuizada por sindicato ou associação não se limita apenas àqueles que na ação de conhecimento demonstrem a condição de filiado do sindicato autor e o autorizem expressamente a ingressar com a respectiva ação.Precedentes. 2. Agravo regimental improvido.” (AgRg no REsp 1182454 / SC, SEXTA TURMA, DJe 05/03/2012)“ADMINISTRATIVO. EXECUÇÃO. AÇÃO PROPOSTA POR ENTIDADE ASSOCIATIVA EM FAVOR DOS ASSOCIADOS. LEGITIMAÇÃO EXTRAORDINÁRIA. AUTORIZAÇÃO EXPRESSA. DESNECESSIDADE.  1. As associações e sindicatos, na qualidade de substitutos processuais, têm legitimidade para a defesa dos interesses coletivos de toda a categoria que representam, sendo dispensável a relação nominal dos afiliados e suas respectivas autorizações. Súmula 629/STF. Precedentes do STJ. 2. Agravo regimental não provido.” AgRg no REsp 1185824 / GO, SEGUNDA TURMA, DJe 16/02/2012)

Há, pois, divergência de posicionamento entre STF e STJ relativamente à necessidade de autorização da assembleia geral para ajuizamento de ações coletivas pelas associações, já que, com relação aos sindicatos, as duas Cortes têm decidido no mesmo sentido.

Entendemos que, por se tratar de matéria constitucional (inciso XXI do art. 5º da Constituição Federal), cuja competência para exame foi outorgada ao STF, o posicionamento deste Tribunal é que deve ser considerado, mesmo que as decisões do STJ sejam mais recentes.

No que se refere ao mandamus coletivo, independentemente de ter sido ajuizado por associação, entidade de classe ou sindicato, a matéria encontra-se pacificada na jurisprudência dos tribunais superiores no sentido de que não há representação, mas sim substituição processual, diante do expresso dispositivo constitucional (art. 5º, LXX, alíneas “a”e “b”), permitindo sua impetração por aquelas entidades que, agem em juízo, em nome próprio, como autores, para defesa de direito líquido e certo de seus membros ou associados.

Também pela leitura do art. 22 da Lei nº 12.016/2009, que estabeleceu a extensão da coisa julgada aos membros do grupo ou categoria substituídos pelo impetrante, conclui-se ser caso de substituição e não de representação.

Assim, no MS coletivo, interposto por entidade de classe, associação ou sindicato, a própria legitimação extraordinária, e não a representação, justifica a extensão dos efeitos das decisões concedidas à todos os integrantes de determinada categoria profissional, independentemente de serem ou não filiados a determinado sindicato e/ou associação.

O Supremo Tribunal Federal editou duas Súmulas sobre este assunto: a Súmula 629, que afirma que a impetração de mandado de segurança coletivo por entidade de classe em favor dos associados independe da autorização destes, e a Súmula 630 que diz que a entidade de classe tem legitimação para o mandado de segurança ainda quando a pretensão veiculada interesse apenas a uma parte da respectiva categoria. Tais entendimentos sumulados foram estendidos também para as organizações sindicais e para as associações conforme expresso na parte final do artigo 21 da Lei nº 12.016, de 2009 (“dispensada, para tanto, autorização especial”). Neste sentido o recente julgado do STF abaixo transcrito:

“Agravo regimental no recurso extraordinário. Constitucional. Mandado de segurança coletivo. Associação. Legitimidade ativa. Autorização expressa dos associados. Relação nominal. Desnecessidade. Precedentes. 1. É pacífica a jurisprudência desta Corte de que as associações, quando impetram mandado de segurança coletivo em favor de seus filiados, atuam como substitutos processuais, não dependendo, para legitimar sua atuação em Juízo, de autorização expressa de seus associados, nem de que a relação nominal desses acompanhe a inicial do mandamus, consoante firmado no julgamento do MS nº 23.769/BA, Tribunal Pleno, Relatora a Ministra Ellen Gracie. 2. Agravo regimental não provido.” (RE 501953 AgR / DF, Primeira Turma, DJE 26.4.2012)

O Superior Tribunal de Justiça tem decidido no mesmo sentido:

“PROCESSUAL CIVIL – MANDADO DE SEGURANÇA – RENÚNCIA AO DIREITO QUE SE FUNDA A AÇÃO – ATO UNILATERAL DO AUTOR – ILEGITIMIDADE DOS SUBSTITUÍDOS PROCESSUAIS.

1. O STJ pacificou o entendimento de que a desistência do mandado de segurança pode ser requerida a qualquer tempo, desde que efetuada em momento anterior à prolação da sentença.

2.  "A renúncia ao direito é o ato unilateral com que o autor dispõe do direito subjetivo material que afirmara ter, importando a extinção da própria relação de direito material que dava causa à execução forçada, consubstanciando instituto bem mais amplo que a desistência da ação, que opera tão-somente a extinção do processo sem resolução do mérito, permanecendo íntegro o direito material, que poderá ser objeto de nova ação a posteriori." (EREsp 35.615/RS, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Seção, julgado em 22.4.2009, Dje 11.5.2009.)

3. Carecem os substituídos processuais de legitimidade para renunciar o direito a que se funda a ação, pois este direito assiste somente ao autor impetrante do mandado de segurança coletivo.

Agravo regimental improvido.” (AgRg nos EDcl na PET no REsp 573482 / RS, Segunda Turma, DJe 8.9.2010)

“PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONTRIBUIÇÃO AO INCRA. ALEGADA CONTRARIEDADE AO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO. INSTRUÇÃO DA INICIAL COM A RELAÇÃO NOMINAL DOS FILIADOS. DESNECESSIDADE. PRECEDENTES. DESPROVIMENTO DO AGRAVO REGIMENTAL.

1. Esta Corte de Justiça, seguindo o posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, firmou entendimento no sentido de que "(…) as entidades elencadas no inciso LXX, 'b', do art. 5º da Carta Magna, atuando na defesa de direito ou de  interesses jurídicos de seus representados – substituição processual, ao impetrarem mandado de segurança coletivo, não necessitam de autorização expressa deles, nem tampouco de apresentarem relação nominativa nos autos" (REsp 220.556/DF, 5ª Turma, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ de 5.3.2001).

2. Agravo regimental desprovido”. (AgRg no REsp 1030488 / PE, Primeira Turma, DJe 25.11.2009)

“AGRAVO REGIMENTAL. DECISÃO QUE INDEFERIU O PLEITO EMERGENCIAL NOS AUTOS DE MANDADO DE SEGURANÇA. SINDICATO NACIONAL DOS SERVIDORES FISCAIS DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL. DECISÃO QUE DEFERIU PEDIDO DE SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. EFICÁCIA EX NUNC. LIMINAR PARCIALMENTE DEFERIDA NO MS 13.585. DIREITO COLETIVO STRICTO SENSU. EXTENSÃO DA COISA JULGADA SUBJETIVA. ART. 103, II DO CDC. EFEITOS ULTRA PARTES. AGRAVO REGIMENTAL CONHECIDO E PROVIDO.(…)

3.   A indivisibilidade do objeto da ação coletiva, muitas das vezes, importa na extensão dos efeitos favoráveis da decisão a pessoas não vinculadas diretamente à entidade classista, que na verdade, não é a titular do direito, mas tão-somente a substituta processual dos integrantes da categoria, a quem a lei conferiu legitimidade autônoma para a promoção da ação.

4.   Irrelevante o fato de a totalidade da categoria ou grupo interessado e titular do direito material não ser filiado à entidade postulante, uma vez que os efeitos do julgado, em caso de acolhimento da pretensão, estendem-se a todos aqueles que se encontram ligados pelo mesmo vínculo jurídico, independentemente da sua vinculação com a entidade (Sindicato ou Associação).

5.   A extensão subjetiva é conseqüência natural da transidividualidade e indivisibilidade do direito material tutelado na demanda; se o que se tutela são direitos pertencentes a toda uma coletividade, não há como estabelecer limites subjetivos ao âmbito de eficácia da decisão.

6.   Os efeitos da medida deferida nos autos do MS 13.585/DF, atingem os substituídos do ora impetrante, uma vez que se referem à mesma categoria de profissionais.

7.   Agravo Regimental conhecido e provido para declarar que os descontos a serem efetuados devem ter início a partir do deferimento da suspensão da antecipação de tutela anteriormente concedida, além de limitá-los ao percentual de 10%, a que alude o art. 46, § 1o. da Lei 8.112/90.” (AgRg no MS 13505 / DF, DJe 18/09/2008)

Frise-se que a maior consequência do reconhecimento da substituição processual é a desnecessidade de prévia e expressa autorização dos membros ou filiados das entidades legitimadas à impetração da ação coletiva e do mandado de segurança coletivo.

VII – Conclusão

Estas, portanto, são as considerações acerca da aplicação dos efeitos da sentença coletiva à luz da jurisprudência dos Tribunais Superiores.

 

Referências:
BENJAMIN, Antônio Herman. ALMEIDA, Gregório Assagra. Comentários à Nova Lei do Mandado de Segurança.  Editora Revista dos Tribunais: 2010.
FAVRETO, Rogério. JUNIOR, Luiz Manoel Gomes. Comentários à Nova Lei de Mandado de Segurança. Editora Revista dos Tribunais: 2010.
MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. Editora Saraiva. 20ª Edição: 2007.
NOYA, Felipe Silva. O REsp 1.110.549 à luz do devido processo legal: o acesso à Justiça individual frente às ações coletivas. Revista de Processo: São Paulo, ano 36, nº 197, julho/2011.
 
Notas:
[1] O Supremo Tribunal Federal já entendeu que a eficácia erga omnes da sentença proferida em ação civil pública circunscreve-se aos limites da jurisdição do juízo ou tribunal competente. Tal entendimento pode ser visualizado pelo julgamento do pedido de liminar ocorrido na ADIN nº 1.576/DF, em 16.4.1997, por meio do qual o Ministro relator defendeu: “A alteração do art. 16 ocorreu a conta de se explicitar a eficácia erga omnes da sentença proferida na ação civil pública. Entendo que o artigo 16 da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, harmônico com o sistema Judiciário pátrio, jungia, mesmo na redação primitiva, a coisa julgada erga omnes da sentença civil à área de atuação do órgão que viesse a prolata-la. (…) Por isso, tenho a mudança de redação como pedagógica, a revelar o surgimento de efeitos erga omnes na área de atuação do Juízo e, portanto, o respeito à competência geográfica limitada pelas leis de regência. Isso não implica esvaziamento da ação civil pública nem, tampouco, ingerência indevida do Poder Executivo no Judiciário. Indefiro a liminar.”
O posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, no mesmo sentido, pode ser encontrado no julgamento do RESP nº 293.407/SP, cuja ementa está abaixo transcrita:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Eficácia erga omnes. Limite. A eficácia erga omnes circunscreve-se aos limites da jurisdição do tribunal competente para julgar o recurso ordinário. Recurso conhecido e provido.   (4ª Turma. DJ de 7.4.2003)
Também no julgamento do RESP 253.589/SP, pela 4ª Turma (DJ 18.3.2002), o Tribunal assim se posicionou:
“(…) Muito se tem debatido sobre a ação civil pública, o foro competente quando interessa a mais de um estado e o efeito erga omnes da sentença de procedência. Na situação atual, tenho que a melhor solução é a que permite a propositura da ação perante o Juízo estadual, ainda quando houver interesse de cidadãos residentes em mais de um estado, com limitação da eficácia erga omnes ao território do tribunal que julgar o recurso ordinário.
A solução tem o inconveniente de exigir o ajuizamento da mesma ação em mais de um Estado, ao mesmo tempo em que não dá eficácia geral ao julgamento proferido em juízo sobre uma relação jurídica que se repete em muitos lugares do país.
Ocorre que as desvantagens de entendimento diverso são maiores: a exigência de propositura da ação em Brasília, para demandas com reflexo em mais de um Estado, dificultaria sobremaneira o acesso à justiça e limitaria a um juízo – muitas vezes distante da realidade da causa – a decisão sobre os interesses coletivos de todo o país. De outra parte, assegurar eficácia em todo o território nacional para a sentença proferida em ação civil pública permitiria que um processo instaurado em qualquer juízo tivesse efeito sobre todas as relações objeto da ação, em todo o Brasil, o que poderia ensejar surpresas e abusos.
Por isso, parece melhor, no sistema processual atual, que seja limitada a eficácia da sentença ao território do Estado onde proferida. (…)”
Recentemente, entretanto, o STJ limitou a aplicação do art. 2-A da Lei nº 9.494/97, como pode ser observado do julgado abaixo:
PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO COLETIVA AJUIZADA POR SINDICATO. SOJA TRANSGÊNICA. COBRANÇA DE ROYALTIES. LIMINAR REVOGADA NO JULGAMENTO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. CABIMENTO DA AÇÃO COLETIVA.
LEGITIMIDADE DO SINDICATO. PERTINÊNCIA TEMÁTICA. EFICÁCIA DA DECISÃO. LIMITAÇÃO À CIRCUNSCRIÇÃO DO ÓRGÃO PROLATOR. (…)
3. A exigência de pertinência temática para que se admita a legitimidade de sindicatos na propositura de ações coletivas é mitigada pelo conteúdo do art. 8º, II, da CF, consoante a jurisprudência do STF. Para a Corte Suprema, o objeto do mandado de segurança coletivo será um direito dos associados, independentemente de guardar vínculo com os fins próprios da entidade impetrante do 'writ', exigindo-se, entretanto, que o direito esteja compreendido nas atividades exercidas pelos associados, mas não se exigindo que o direito seja peculiar, próprio, da classe. Precedente.
4. A Corte Especial do STJ já decidiu ser válida a limitação territorial disciplinada pelo art. 16 da LACP, com a redação dada pelo art. 2-A da Lei 9.494/97. Precedente. Recentemente, contudo, a matéria permaneceu em debate.
5. A distinção, defendida inicialmente por Liebman, entre os conceitos de eficácia e de autoridade da sentença, torna inóqua a limitação territorial dos efeitos da coisa julgada estabelecida pelo art. 16 da LAP. A coisa julgada é meramente a imutabilidade dos efeitos da sentença. Mesmo limitada aquela, os efeitos da sentença produzem-se erga omnes, para além dos limites da competência territorial do órgão julgador.
6. O art. 2º-A da Lei 9.494/94 restringe territorialmente a substituição processual nas hipóteses de ações propostas por entidades associativas, na defesa de interesses e direitos dos seus associados. A presente ação não foi proposta exclusivamente para a defesa dos interesses trabalhistas dos associados da entidade. Ela foi ajuizada objetivando tutelar, de maneira ampla, os direitos de todos os produtores rurais que laboram com sementes transgênicas de Soja RR, ou seja, foi ajuizada no interesse de toda a categoria profissional. Referida atuação é possível e vem sendo corroborada pela jurisprudência do STF. A limitação do art. 2-A, da Lei nº 9.494/97, portanto, não se aplica.
7. Recursos especiais conhecidos. Recurso da Monsanto improvido. Recurso dos Sindicatos provido.
(REsp 1243386/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/06/2012, DJe 26/06/2012

[2] O Superior Tribunal de Justiça tem dado eficácia ao dispositivo como se observa do julgamento do RESP 665.947/SC, pela 1ª Turma (DJ 12.12.2005), cuja ementa abaixo transcrevemos:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APADECO. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO DE COMBUSTÍVEIS (DL 2.288⁄86). EXECUÇÃO DE SENTENÇA. EFICÁCIA DA SENTENÇA DELIMITADA AO ESTADO DO PARANÁ. VIOLAÇÃO DO ART. 2º-A DA LEI Nº 9.494⁄97. ILEGITIMIDADE DAS PARTES EXEQÜENTES.
1. Impossibilidade de ajuizamento de ação de execução em outros estados da Federação com base na sentença prolatada pelo Juízo Federal do Paraná nos autos da Ação Civil Pública nº 93.0013933-9 pleiteando a restituição de valores recolhidos a título de empréstimo compulsório cobrado sobre a aquisição de álcool e gasolina no período de jul⁄87 a out⁄88, em razão de que em seu dispositivo se encontra expressa a delimitação territorial adrede mencionada.
2. A abrangência da ação de execução se restringe a pessoas domiciliadas no Estado do Paraná, caso contrário geraria violação ao art. 2º-A da Lei nº 9.494⁄97, litteris: “A sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator”.(…)”

[3] MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. Editora Saraiva. 20ª Edição: 2007, pág. 530.

[4] Conferir também posteriores julgados do STJ: AgRg nos EDcl no AREsp 210949 / RS (DJe 19/10/2012), REsp 1189679 / RS (DJe 17/12/2010), AgRg no Ag 1057643 / RS (DJe 26/04/2010), AgRg no REsp 1111011 / RS (DJe 10/02/2010). 

[5] NOYA, Felipe Silva. O REsp 1.110.549 à luz do devido processo legal: o acesso à Justiça individual frente às ações coletivas. Revista de Processo: São Paulo, ano 36, nº 197, julho/2011, pág. 373-409.

[6] BENJAMIN, Antônio Herman. ALMEIDA, Gregório Assagra. Comentários à Nova Lei do Mandado de Segurança.  Editora Revista dos Tribunais: 2010, pág. 316.

[7] FAVRETO, Rogério. JUNIOR, Luiz Manoel Gomes. Comentários à Nova Lei de Mandado de Segurança. Editora Revista dos Tribunais: 2010, pág.208.

[8] EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA: C.F., art. 102, I, n. AÇÃO ORDINÁRIA COLETIVA: LEGITIMAÇÃO: ENTIDADE DE CLASSE: AUTORIZAÇÃO EXPRESSA: C.F., art. 5º, XXI. SERVIDOR PÚBLICO: REMUNERAÇÃO: CORREÇÃO MONETÁRIA. I. – Ação ordinária em que magistrados do Rio Grande do Sul pleiteiam correção monetária sobre diferença de vencimentos paga com atraso. Interesse geral da magistratura gaúcha no desfecho da ação. Competência originária do Supremo Tribunal Federal: C.F., art. 102, I, n. II. – Ação ordinária coletiva promovida por entidade de classe: C.F., art. 5º, XXI: inexigência de autorização expressa dos filiados. Voto vencido do Relator: aplicabilidade da regra inscrita no art. 5º, XXI, da C.F.: necessidade de autorização expressa dos filiados, não bastando cláusula autorizativa constante do Estatuto da entidade de classe. III. – Diferença de vencimentos paga com atraso: cabimento da correção monetária, tendo em vista a natureza alimentar de salários e vencimentos. Precedentes do S.T.F. IV. – Ação conhecida e julgada procedente.


Informações Sobre o Autor

Kelly Benício Bailão

Procuradora Federal. Especialização em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera – UNIDERP


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