Resumo: O objetivo do presente está alicerçado na análise do direito à audiência como elemento imprescindível para a promoção da participação comunitária, em sede de matéria ambiental, e sua relação com a afirmação do ideário do mínimo existencial socioambiental. Em ressonância com o preceito de necessidades humanas básicas, na perspectiva das presentes e futuras gerações, é colocada, como ponto robusto, para reflexão a exigência de um patamar mínimo de qualidade e segurança ambiental, sem o qual o preceito de dignidade humana restaria violentado em seu núcleo essencial. A seara de proteção do direito à vida, quando confrontado com o quadro de riscos ambientais contemporâneos, para atender o padrão de dignidade alçado constitucionalmente, reclama ampliação a fim de abarcar a dimensão no seu quadrante normativo. Insta salientar, ainda, que a vida se apresenta como condição elementar para o pleno e irrestrito exercício da dignidade humana, conquanto esta não se limite àquela, porquanto a dignidade não se resume a questões existenciais de natureza essencialmente biológica ou física, todavia carece a proteção da existência humana de forma mais ampla. Desta maneira, é imprescindível que subsista a conjugação dos direitos sociais e dos direitos ambientais para identificação dos patamares necessários de tutela da dignidade humana, a fim de promover o reconhecimento de um direito-garantia do mínimo existencial socioambiental.
Palavras-chaves: Direito à Audiência. Participação Comunitária. Mínimo Existencial Socioambiental
Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves notas à construção teórica do Direito Ambiental; 2 Comentários à concepção de Meio Ambiente; 3 Anotações ao processo de migração do Estado Liberal para o Estado Socioambiental de Direito; 4 Fundamentos Constitucionais do Direito ao Mínimo Existencial Socioambiental; 5 Comentários ao Axioma da Participação Comunitária no Direito Ambiental: Os Anseios da Coletividade como Instrumentos de Promoção da Sadia Qualidade de Vida
1 Ponderações Introdutórias: Breves notas à construção teórica do Direito Ambiental
Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas ramificações que a integram, reclama uma interpretação alicerçada nos plurais aspectos modificadores que passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré, lançando à tona os aspectos característicos de mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos estagnados e estanques, alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram a contornar os Ordenamentos Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população, suplantados em uma nova sistemática.
Com espeque em tais premissas, cuida hastear, com bastante pertinência, como flâmula de interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém”[1]. Destarte, com clareza solar, denota-se que há uma interação consolidada na mútua dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante processo de evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta estrutural dependência das regras consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar que não haja uma vingança privada, afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça um cenário caótico no seio da coletividade.
Ademais, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua beleza”[2]. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles consagrados.
Ainda neste substrato de exposição, pode-se evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e profissionais da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do valor atribuído aos princípios em face da legislação”[3]. Destarte, a partir de uma análise profunda dos mencionados sustentáculos, infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e interpretação do conteúdo das leis.
Nas últimas décadas, o aspecto de mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial, quando se analisa a construção de novos que derivam da Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a ramificação ambiental, considerando como um ponto de congruência da formação de novos ideários e cânones, motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação, de boa técnica se apresenta os ensinamentos de Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo, aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito mais ligadas às ciências biológicas, até então era marginalizadas”[4]. Assim, em decorrência da proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas discussões internacionais envolvendo a necessidade de um desenvolvimento econômico pautado em sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir que ocorra a conservação e recuperação das áreas degradadas.
Ademais, há de ressaltar ainda que o direito ambiental passou a figurar, especialmente, depois das décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha realçar, com cores quentes, que mais contemporâneos, os direitos que constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade, contemplando, em sua estrutura, uma patente preocupação com o destino da humanidade[5]·. Ora, daí se verifica a inclusão de meio ambiente como um direito fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política que abriga em sua redação tais pressupostos como os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direitos: “Art. 3º – Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária” [6].
Ainda nesta esteira, é possível verificar que a construção dos direitos encampados sob a rubrica de terceira dimensão tende a identificar a existência de valores concernentes a uma determinada categoria de pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais prosperando a típica fragmentação individual de seus componentes de maneira isolada, tal como ocorria em momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em especial quando, com bastante pertinência, destaca que:
“Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os direitos de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos, genericamente, e de modo difuso, a todos os integrantes dos agrupamentos sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem, por isso mesmo, ao lado dos denominados direitos de quarta geração (como o direito ao desenvolvimento e o direito à paz), um momento importante no processo de expansão e reconhecimento dos direitos humanos, qualificados estes, enquanto valores fundamentais indisponíveis, como prerrogativas impregnadas de uma natureza essencialmente inexaurível”[7].
Quadra anotar que os direitos alocados sob a rubrica de direito de terceira dimensão encontram como assento primordial a visão da espécie humana na condição de coletividade, superando, via de consequência, a tradicional visão que está pautada no ser humano em sua individualidade. Assim, a preocupação identificada está alicerçada em direitos que são coletivos, cujas influências afetam a todos, de maneira indiscriminada. Ao lado do exposto, cuida mencionar, segundo Bonavides, que tais direitos “têm primeiro por destinatários o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta”[8]. Com efeito, os direitos de terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na Constituição de 1988, emerge com um claro e tangível aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e concretização dos direitos fundamentais.
2 Comentários à concepção de Meio Ambiente
Em uma primeira plana, ao lançar mão do sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981[9], que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências, salienta que o meio ambiente consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e influências de ordem química, física e biológica que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de fatores abióticos, provenientes de ordem química e física, e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas formas de seres viventes. Para Silva, considera-se meio-ambiente como “a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”[10].
Nesta senda, ainda, Fiorillo[11], ao tecer comentários acerca da acepção conceitual de meio ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com os componentes que cercam o ser humano, os quais são de imprescindível relevância para a sua existência. O Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou que:
“(…) o meio ambiente é um conceito hoje geminado com o de saúde pública, saúde de cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz a Constituição, é por isso que estou falando de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é imbricado, é conceitualmente geminado com o próprio desenvolvimento. Se antes nós dizíamos que o meio ambiente é compatível com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a partir da Constituição, tecnicamente, que não pode haver desenvolvimento senão com o meio ambiente ecologicamente equilibrado. A geminação do conceito me parece de rigor técnico, porque salta da própria Constituição Federal”[12].
É denotável, desta sorte, que a constitucionalização do meio ambiente no Brasil viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que concerne, especificamente, às normas de proteção ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos corolários e princípios norteadores foram alçados ao patamar constitucional, assumindo colocação eminente, ao lado das liberdades públicas e dos direitos fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira, ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria de normas constitucionais, com elaboração de capítulo especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”[13]. Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo 225 da Constituição Federal[14] está abalizado em quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que assegura o substrato de edificação da ramificação ambiental.
Primeiramente, em decorrência do tratamento dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio ambiente foi içado à condição de direito de todos, presentes e futuras gerações. É encarado como algo pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma, não se admite o emprego de qualquer distinção entre brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso que possui, extrapola os limites territoriais do Estado Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste sentido, inclusive, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou, com bastante pertinência, que:
“A preocupação com o meio ambiente – que hoje transcende o plano das presentes gerações, para também atuar em favor das gerações futuras (…) tem constituído, por isso mesmo, objeto de regulações normativas e de proclamações jurídicas, que, ultrapassando a província meramente doméstica do direito nacional de cada Estado soberano, projetam-se no plano das declarações internacionais, que refletem, em sua expressão concreta, o compromisso das Nações com o indeclinável respeito a esse direito fundamental que assiste a toda a Humanidade”[15].
O termo “todos”, aludido na redação do caput do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz menção aos já nascidos (presente geração) e ainda aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao gênero humano o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em ambiente que permita desenvolver todas as suas potencialidades em clima de dignidade e bem-estar. Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e protegido pelos organismos sociais e pelas instituições estatais, qualificando verdadeiro encaro irrenunciável que se impõe, objetivando sempre o benefício das presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao Poder Público quanto à coletividade considerada em si mesma.
Assim, decorrente de tal fato, produz efeito erga mones, sendo, portanto, oponível contra a todos, incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito público interno ou externo, ou mesmo de direito privado, como também ente estatal, autarquia, fundação ou sociedade de economia mista. Impera, também, evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a possibilidade de quantificar quantas são as pessoas atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é indeterminada. Nesta senda, o direito à interidade do meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão robusta de um poder deferido, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas num sentido mais amplo, atribuído à própria coletividade social.
Com a nova sistemática entabulada pela redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a lesões perpetradas contra o ser humano para se agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie humana está se tratando do bem-estar e condições mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).
Por derradeiro, o quarto pilar é a corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever geral de se responsabilizar por todos os elementos que integram o meio ambiente, assim como a condição positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente, tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio ambiente, trabalhando com as premissas de desenvolvimento sustentável, aliando progresso e conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da referida corresponsabilidade, são titulares do meio ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.
3 Anotações ao processo de migração do Estado Liberal para o Estado Socioambiental de Direito
Inicialmente, a miséria e a pobreza, como claras manifestações da falta de acesso aos direitos sociais básicos, tais como: saúde, saneamento básico, educação, moradia, alimentação e renda mínima, caminham juntas com a degradação e a poluição do meio ambiente, atentando contra a dignidade das populações de baixa venda. Em razão de tais aspectos, imperioso se faz a adoção de uma tutela que alcance, concomitantemente, os direitos sociais e os direitos ecológicos, com o fito exclusivo de assegurar as condições mínimas para a preservação e manutenção da qualidade de vida, promovendo, deste modo, o superprincípio norteador da Constituição da República Federativa do Brasil, qual seja: o da dignidade da pessoa humana. Ora, visando ampliar o núcleo de direitos sociais, impende salientar que aqueles compreendem tanto os direitos relacionados à educação, formação profissional e trabalho, como os direitos à alimentação, moradia, assistência médica e os demais que, no transcurso do tempo, podem ser encarados como integrante da concepção de vida digna. Desta feita, a partir da novel interpretação concedida ao direito a um meio ambiente saudável, é possível colocar em evidência a proeminência de tal tema, constituindo, inclusive, a extensa rubrica dos direitos sociais.
Ainda neste passo, como bem evidencia Sarlet e Fensterseifer[16], imperioso se faz colocar em evidência, notadamente em razão da consolidação do entendimento do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, a existência de uma dimensão social quanto de uma dimensão ecológica constituintes da dignidade da pessoa humana. Desta feita, a configuração do Estado Socioambiental de Direito apresenta como questão dotada de relevância a segurança ambiental, que passa a assumir posição central, incumbindo ao Ente Estatal a função de salvaguardar os cidadãos contras novas formas de violação de sua dignidade e dos seus direitos fundamentais, em razão dos efeitos devastadores dos impactos socioambientais produzido pela sociedade de risco contemporânea. Com efeito, curial se faz citar a manifestação do Ministro Celso de Mello, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 3.540/DF, em especial quando destaca que:
“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Trata-se de um típico direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que assiste a todo o gênero humano (RTJ 158/205-206). Incumbe, ao Estado e à própria coletividade, a especial obrigação de defender e preservar, em benefício das presentes e futuras gerações, esse direito de titularidade coletiva e de caráter transindividual (RTJ 164/158-161). O adimplemento desse encargo, que é irrenunciável, representa a garantia de que não se instaurarão, no seio da coletividade, os graves conflitos intergeneracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade, que a todos se impõe, na proteção desse bem essencial de uso comum das pessoas em geral. Doutrina. A atividade econômica não pode ser exercida em desarmonia com os princípios destinados a tornar efetiva a proteção ao meio ambiente. – A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a "defesa do meio ambiente" (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. Doutrina. Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população, além de causar graves danos ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em seu aspecto físico ou natural”[17].
Desta feita, o Estado de Direito, com o fito de promover a tutela da dignidade humana em face dos reiterados riscos ambientais e da insegurança propiciados pela sociedade tecnológica, deve ser capaz de conjugar os valores fundamentais que são ejetados das relações sociais e, por meio de suas instituições democráticas, garantir aos cidadãos a segurança carecida à manutenção e proteção de vida com qualidade ambiental, observando, inclusive, as consequências futuras resultantes da adoção de determinadas tecnologias. “É precisamente nesse contexto que assume importância o reconhecimento dos deveres de proteção do Estado, em especial a partir da assim camada dimensão objetiva dos direitos fundamentais”[18]. Subsiste um dever estatal de garantia da segurança ou de prevenção de riscos, o que é verificável em todas as dimensões da socioambientalidade, tais como a segurança alimentar ou mesmo na produção e comercialização de medicamentos, e da própria segurança pública e pessoal.
Assentado em tais ideários, é possível salientar que, por meio da concretização dos deveres de proteção em relação aos direitos fundamentais e a dignidade humana, o Estado contemporâneo deve se ajustar, e em sendo necessário se remodelar, às novas ameaças e riscos ecológicos, os quais têm o condão de fragilizar a própria existência humana. Assim, em consonância com a proteção do meio ambiente, enquanto um reforço da proteção da dignidade da pessoa humana, a ordem constitucional brasileira, conforme se extrai dos dispositivos 170[19], 186[20] e 225[21], todos da Constituição Federal, inauguram um modelo jurídico-político-econômico em harmonia com o princípio do desenvolvimento sustentável. Com efeito, com o escopo de ilustrar tais ponderações, curial se faz citar a manifestação do Ministro Celso de Mello, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 3.540/DF, em especial quando destaca que:
“O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações”[22].
Denota-se, assim, que “o novo modelo de Estado de Direito objetiva uma salvaguarda cada vez maior da dignidade humana e de todos os direitos fundamentais (de todas as dimensões), em vista de uma (re)construção histórica permanente dos seus conteúdos normativos”[23]. Ao lado do esposado, o modelo de Estado de Direito Socioambiental revela tão somente a incorporação de uma nova dimensão, com o intuito de contemplar o elenco dos objetivos fundamentais do Estado de Direito contemporâneo, a saber: a proteção do ambiente, que se articula, de modo dialético, com as demais dimensões já consagradas, de maneira plena, no decorrer do percurso histórico de formação do Estado de Direito, notadamente no que concerne à proteção dos direitos fundamentais, consistente na realização de uma democracia política participativa, a disciplina e regulação da atividade econômica pelo poder político democrático e a materialização dos objetivos de justiça social.
Com efeito, o corolário constitucional da solidariedade se apresenta como um axioma do Estado Socioambiental de Direito, conjugado com a liberdade e a igualdade, com o escopo de concretizar a dignidade em todos os seres humanos. Ademais, no contexto das relações jurídicas que se trava no âmbito ambiental, é possível, dada a proeminência do tema, reconhecer e tutelar a dignidade das gerações futuras, valorando a denominada solidariedade transgeracional. Da mesma forma, não se pode olvidar que é imperioso a garantia de um mínimo, em temos de qualidade ambiental, na perspectiva das gerações humanas futuras, materializando a tutela insculpida no artigo 225 da Constituição Federal[24]. “A responsabilidade pela preservação de um patamar ecológico mínimo deve se atribuída, tanto na forma dos deveres de proteção do Estado como na forma de deveres fundamentais dos particulares, às gerações humanas presentes”[25], materializando para estas o dever de preservar as bases naturais mínimas para o desenvolvimento da vida das gerações futuras.
4 Fundamentos Constitucionais do Direito ao Mínimo Existencial Socioambiental
Em ressonância com o preceito de necessidades humanas básicas, na perspectiva das presentes e futuras gerações, é colocada, como ponto robusto, para reflexão a exigência de um patamar mínimo de qualidade e segurança ambiental, sem o qual o preceito de dignidade humana restaria violentado em seu núcleo essencial. A seara de proteção do direito à vida, quando confrontado com o quadro de riscos ambientais contemporâneos, para atender o padrão de dignidade alçado constitucionalmente, reclama ampliação a fim de abarcar a dimensão no seu quadrante normativo. Insta salientar, ainda, que a vida se apresenta como condição elementar para o pleno e irrestrito exercício da dignidade humana, conquanto esta não se limite àquela, porquanto a dignidade não se resume a questões existenciais de natureza essencialmente biológica ou física, todavia carece a proteção da existência humana de forma mais ampla. Desta maneira, é imprescindível que subsista a conjugação dos direitos sociais e dos direitos ambientais para identificação dos patamares necessários de tutela da dignidade humana, a fim de promover o reconhecimento de um direito-garantia do mínimo existencial socioambiental, “precisamente pelo fato de tal direito abarcar o desenvolvimento de todo o potencial da vida humana até a sua própria sobrevivência como espécie, no sentido de uma proteção do homem contra a sua própria ação predatória”[26].
A exemplo do que ocorre com o conteúdo do superprincípio da dignidade humana, o qual não encontra pontos limítrofes ao direito à vida, em uma acepção restritiva, o conceito de mínimo existencial não pode ser limitado ao direito à simples sobrevivência na sua dimensão estritamente natural ou biológica, ao reverso, exige concepção mais ampla, eis que almeja justamente a realização da vida em patamares dignos, considerando, nesse viés, a incorporação da qualidade ambiental como novo conteúdo alcançado por seu âmbito de proteção. Arrimado em tais corolários, o conteúdo do mínimo existencial não pode ser confundido com o denominado “mínimo vital” ou mesmo com o “mínimo de sobrevivência”, na proporção em que este último tem seu sentido atrelado à garantia da vida humana, sem necessariamente compreender as condições para uma sobrevivência física em condições dignas, portanto, de uma vida dotada de certa qualidade.
O conteúdo normativo ventilado pelo direito ao mínimo existencial deve receber modulação à luz das circunstâncias históricas e culturais concretas da comunidade estatal, inclusive numa perspectiva evolutiva e cumulativa. Destarte, é natural que novos elementos, decorrentes das relações sociais contemporâneas e das novas necessidades existenciais apresentadas, sejam, de maneira paulatina, incorporados ao seu conteúdo, eis que o escopo primordial está assentado em salvaguardar a dignidade da pessoa humana, sendo indispensável o equilíbrio e a segurança ambiental. Nesta esteira, com o escopo de promover a conformação do conteúdo do superprincípio da dignidade da pessoa humana, é imperioso o alargamento do rol dos direitos fundamentais, os quais guardam ressonância com a concepção histórica dos direitos humanos, porquanto a tendência é sempre a ampliação do universo dos direitos fundamentais, de maneira a garantir um nível cada vez maior de tutela e promoção da pessoa, tanto em uma órbita individual como em aspectos coletivos.
Ademais, o processo histórico-constitucional de afirmação de direitos fundamentais e da proteção da pessoa viabilizou a inserção da proteção ambiental no rol dos direitos fundamentais, de maneira que o conteúdo do mínimo existencial, até então restrito à dimensão social, deve necessariamente compreender também um mínimo de qualidade ambiental, no sentido de encampar o mínimo existencial ecológico, que assume verdadeira feição socioambiental. Ao se adotar os paradigmas ventilados pelo artigo 225 da Constituição Federal[27], é verificável que a promoção da sadia qualidade de vida só é possível, enquanto desdobramento da vida e saúde humanas, dentro dos padrões mínimos estabelecidos constitucionalmente para o desenvolvimento pleno da personalidade humana, num ambiente natural com qualidade ambiental.
O ambiente está presente nas questões mais vitais e elementares para o desenvolvimento das potencialidades humanas, além de ser imprescindível à sobrevivência do ser humano como espécie natural. Desta feita, com o intento que se contribuir para a construção de uma fundamentação do mínimo existencial ecológico e, em uma perspectiva mais ampla, socioambiental, é adotado, portanto, uma compreensão alargada do conceito de mínimo existencial, com o escopo de alcançar a ideia de uma vida com qualidade ambiental. “A dignidade da pessoa humana, por sua vez, somente estará assegurada – em termos de condições básicas a serem garantidas pelo Estado e pela sociedade – onde a todos e a qualquer um estiver assegurada nem mais nem menos do que uma vida saudável”[28], o que, com efeito, passa, por imperioso, pela qualidade, equilíbrio e segurança do ambiente em que a vida humana se encontra sediada.
5 Comentários ao Axioma da Participação Comunitária no Direito Ambiental: Os Anseios da Coletividade como Instrumentos de Promoção da Sadia Qualidade de Vida
Em sede de ponderações introdutórias, premente se faz evidenciar que, ao cotejar o Ordenamento Pátrio, o cenário nacional ostenta um dos mais robustos sistemas de proteção ambiental do planeta. Entrementes, conflitos de competência de órgãos ambientais, escassez de recursos orçamentários, carência de informações e de planejamento são exemplos de deficiências administrativas, que acarretam, corriqueiramente, a inaplicabilidade dos preceitos normativos em sede ambiental. “Quando a máquina estatal não se apresenta habilitada a atender satisfatoriamente aos anseios da sociedade, incumbe à própria sociedade atuar diretamente”[29]. Ora, os cidadãos têm o direito e o dever de participar da tomada de decisões que tenham o condão de afetar o complexo e frágil equilíbrio ambiental. Subsiste, nesta toada, uma diversidade de mecanismos para proteção do meio ambiente que viabilizam a concreta aplicação do princípio da participação comunitária.
Esmiuçando o princípio ora referenciado, fato é que este se encontra entre um dos maciços pilares que integram a vigorosa tábua principiológica da Ciência Jurídica, o dogma da participação comunitária, que não é aplicado somente na ramificação ambiental, preconiza em seus mandamentos que é fundamental a cooperação entre o Estado e a comunidade para que sejam instituídas políticas ambientais, bem como para que os assuntos discutidos de forma salutar. Com destaque, o corolário em comento deriva da premissa que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e do regime jurídico do ambiente como bem de uso comum do povo, incumbindo a toda a sociedade o dever de atuar na sua defesa. “A Constituição Federal de 1988, em seu art. 225, caput, consagrou na defesa do meio ambiente a atuação presente do Estado e da sociedade civil na proteção e preservação do meio ambiente, ao impor à coletividade e ao Poder Público tais deveres”[30]. Ejeta-se, deste modo, que a proteção e preservação do meio ambiente reclama uma atuação conjunta entre organizações ambientalistas, sindicatos, indústrias, comércio, agricultura e tantos outros organismos sociais compromissados. Quadra pontuar, ainda, que o corolário em apreço encontra-se devidamente entalhado no princípio dez da Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, também conhecida como Declaração do Rio/92, que, em altos alaridos, dicciona que:
“A melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo terá acesso adequado às informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive informações acerca de materiais e atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar dos processos decisórios. Os Estados irão facilitar e estimular a conscientização e a participação popular, colocando as informações à disposição de todos. Será proporcionado o acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos, inclusive no que se refere à compensação e reparação de danos”[31].
Insta evidenciar, deste modo, que a democracia não se satisfaz tão somente com as instâncias deliberativas dos representantes eleitos e de corpos burocráticos, comprometidos aos comandos legais. Ao reverso, é imperiosa a adoção de meios de participação direta do povo ou da comunidade, tanto no que concerne à adoção de macrodecisões, como ocorre com a realização de plebiscitos, referendos e iniciativa legislativa popular, como também em processos decisórios de extensão setorial, como decisões de cunho administrativo, condominial e empresarial, desde que estas afetam, direta ou indiretamente, os indivíduos. Como Thomé bem explicita em seu magistério, “as questões ambientais, por sua própria natureza, extensão e gravidade, enquadram-se como tema da macrodemocracia […] e da microdemocracia (participação popular e social, sobretudo das ONGs, em audiências públicas e em ações coletivas ambientais”[32]
Além disso, como bem expõe Facin[33], o tema em exame objetiva uma ação conjunta entre todos aqueles comprometidos com os interesses difusos e coletivos da sociedade, sobretudo com a causa ambiental. Em razão de tais argumentos, raro não é a hipótese de ações civis públicas em defesa do meio ambiente tendo como parte autora determinada Organização Não Governamental (ONG) ou pessoa jurídica de direito público, os quais também têm o direito-dever de tutelar o meio ambiente. No mais, não é despiciendo citar que, “no Brasil, o princípio da participação comunitária encontra-se inserido no art. 225, caput, da Constituição, na disposição que prescreve ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações”[34]. Concretamente, a participação popular é observada na realização de audiências públicas, com o escopo de opinar acerca da tomada de decisões ou mesmo implantação de projetos que afetem, de alguma forma, o meio ambiente.
Verifica-se que, em decorrência dos feixes irradiados pelo princípio em comento, a sociedade passou a ser detentora de alguns mecanismos de participação direta na proteção da qualidade de vida e dos recursos naturais, instrumentos eficazes a assegurar a manutenção do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Nesta esteira, cuida destacar que a participação nos processos de criação do direito ambiental, por meio da iniciativa popular nos procedimentos legislativos, discussões por meio de audiência pública e a atuação de representante da sociedade civil em organismos dotados de poderes normativos e deliberativos, a exemplo de conselhos e comitês. Aliás, acerca do presente cânone, Facin explica que “a participação dos cidadãos e das associações não merece ser entendida como uma desconfiança contra os integrantes da Administração Pública, sejam eles funcionários públicos ou pessoas exercendo cargos em caráter transitório ou em comissão”[35].
É possível, ainda, verificar a participação popular na formulação e na execução de políticas ambientais, por meio da atuação dos representantes da sociedade civil em órgãos colegiados responsáveis por estabelecerem diretrizes de políticas públicas, bem como o fomento à discussão de estudos de impacto ambiental em audiências públicas e também nas hipóteses de realização de plebiscitos. No que se refere à participação popular por intermédio do Poder Judiciário e do Ministério Público, é verificável a materialização do preceito em discussão na utilização de instrumentos processuais e administrativos, cujos objetivos sejam a proteção e a preservação do meio ambiente, a exemplo do que ocorre com o inquérito civil e a ação civil pública. “A legislação de regência da ação civil pública garante ao Parquet a utilização desse meio processual como forma de defesa do patrimônio público e social, do meio ambiente ou de outros interesses difusos e coletivos e de interesses individuais homogêneos”[36]. Neste sentido, ainda, é possível trazer à colação o entendimento que:
“Ementa: Administrativo. Ação Popular. Interesse de agir. Prova pericial. Desnecessidade. Matéria constitucional. […] 2. As condições gerais da ação popular são as mesmas para qualquer ação: possibilidade jurídica do pedido, interesse de agir e legitimidade para a causa. 3. A ação popular pode ser ajuizada por qualquer cidadão que tenha por objetivo anular judicialmente atos lesivos ou ilegais aos interesses garantidos constitucionalmente, quais sejam, ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. 4. A ação popular é o instrumento jurídico que deve ser utilizado para impugnar atos administrativos omissivos ou comissivos que possam causar danos ao meio ambiente.
5. Pode ser proposta ação popular ante a omissão do Estado em promover condições de melhoria na coleta do esgoto da Penitenciária Presidente Bernardes, de modo a que cesse o despejo de elementos poluentes no Córrego Guarucaia (obrigação de não fazer), a fim de evitar danos ao meio ambiente. […] 7. Recurso especial conhecido em parte e não provido.” (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ REsp nº 889.766/SP/ Relator: Ministro Castro Meira/ Julgado em 04.10.2007/ Publicado no DJ em 18.10.2007, p. 333).
“Ementa: Processual Civil e Administrativo – Ação Civil Pública – Improbidade Administrativa – Ausência de citação do Município – Litisconsórcio facultativo – Nulidade – Inocorrência 1. O Município, na ação civil pública proposta pelo Ministério Público, tendo como causa petendi improbidade, é litisconsorte facultativo, por isso que a sua ausência não tem o condão de acarretar a nulidade do processo. 2. Aplicação, in casu, do Princípio da Instrumentalidade das Formas sob o enfoque de que "não há nulidade sem prejuízo" (art. 244, do CPC). 3. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 houve alargamento do campo de atuação do Parquet que, em seu art. 129, III, prevê, como uma das funções institucionais do Ministério Público a legitimidade para promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros direitos difusos e coletivos. 4. O Ministério Público está legitimado a defender os interesses transindividuais, quais sejam os difusos, os coletivos e os individuais homogêneos. 5. In casu, a ação civil pública foi ajuizada, porquanto presentes elementos que levaram o Parquet Estadual à conclusão de lesão ao erário público, por força do recebimento de valores indevidos pelos recorridos. 6. Precedentes. 7. Extinção indevida do processo por falta de citação do suposto litisconsorte necessário. 8. Recurso especial conhecido e provido”. (Superior Tribunal de Justiça – Primeira Turma/ REsp nº 506.511/MG/ Relator: Ministro Luiz Fux/ Julgado em 25.11.2003/ Publicado no DJ em 19.12.2003, p. 340).
Com destaque, o princípio da participação constitui ainda um dos elementos constituintes do Estado Social de Direito, vez que todos os direitos sociais são a estrutura essencial de uma saudável qualidade de vida, que é um dos pontos cardeais da tutela ambiental. Com realce, a efetiva estruturação do Estado de Direito Socioambiental reclama o fortalecimento do corolário da obrigatoriedade de atuação estatal e do preceito da participação comunitária, por meio da participação da sociedade nas questões ambientais, abrangendo a ação conjunta do Estado e da coletividade na preservação dos recursos naturais. Ora, “essa participação também não é substitutiva da atuação do Poder Público. A proteção dos interesses difusos deve levar a uma nova forma participativa de atuação dos órgãos públicos, desde que não seja matéria especificamente de segurança dos Estados”[37]. Digno de nota ainda, é que a participação, consagrado entre os ideários do presente baldrame são responsáveis por atuar como maciços sustentáculos do Estado Democrático de Direito, vez que dá corpo a própria democracia, assim como seu exercício.
6 O Direito à Audiência Pública em sede de Matéria Ambiental: O Reconhecimento da Proeminência da Participação Comunitária na Reafirmação do Mínimo Existencial Socioambiental
Em uma primeira plana, cuida acentuar que o direito à audiência pública, em sede de procedimentos administrativos ambientais, representa também importante dimensão do corolário da participação comunitária. Trata-se de verdadeiro direito fundamental e fase obrigatória do procedimento administrativo, tendo como fito possibilitar uma tomada de decisão mais correta em face da globalidade dos interesses em xeque. Quadra anotar que a inobservância do direito fundamental em comento implicaria em nulidade do procedimento administrativo. Mais que isso, convém explicitar que o direito à audiência pública encontra sedimento no ideal democrático-participativo que emoldura a norma constitucional de tutela do meio ambiente (artigo 225 do Texto Constitucional de 1988[38]), eis que o objetivo primevo da audiência pública é assegurar o acesso à informação concernente à temática ambiental em causa, tal como permitir a intervenção das pessoas interessadas na construção da decisão a ser tomada de forma qualificada. Há que se reconhecer, oportunamente, que o direito à audiência pública traz à tona a reconstrução do ideário do mínimo existencial, passando a abarcar a uma dimensão ambiental imprescindível ao desenvolvimento pleno do indivíduo e concreção da dignidade da pessoa humana.
Em consonância com o artigo 1º da Resolução CONAMA nº 09, de 03 de Dezembro de 1987[39], a audiência pública tem por escopo expor aos interessados o conteúdo do produto em análise e do seu referido RIMA (Relatório de Impacto Ambiental), a fim de dirimir eventuais dúvidas e recolher do público participante as críticas e as sugestões concernentes ao tema. Em harmonia, ainda, com a disposição contida no artigo 2º da sobredita resolução, sempre que for necessário, ou quando houver solicitação por entidade civil, pelo Ministério Público ou por cinquenta (50) ou mais cidadãos, o órgão do Meio Ambiente promoverá a realização a audiência pública. O Órgão de Meio Ambiente, a partir da data do recebimento do RIMA, fixará em edital e anunciará pela imprensa local a abertura do prazo que será no mínimo de 45 dias para solicitação de audiência pública, conforme preconiza o §1º do artigo 2º da resolução supramencionada. No caso de haver solicitação de audiência pública e na hipótese do Órgão Estadual não realizá-la, a licença concedida não terá validade. Após o prazo fixado na resolução em análise, a convocação será feita pelo Órgão Licenciador, através de correspondência registrada aos solicitantes e da divulgação em órgãos da imprensa local. Dicciona o §4º do artigo 2º da resolução multicitada que a audiência pública deverá ocorrer em local acessível aos interessados. Prima anotar, oportunamente, que em decorrência da localização geográfica dos solicitantes, bem como da complexidade do tema, é possível que haja mais de uma audiência pública acerca do mesmo projeto de RIMA.
O direito à audiência pública, a partir do fortalecimento da temática ambiental, sobretudo a partir da década de 1980, substancializa singular instrumento de promoção e manifestação da população interessada, em especial devido aos impactos e consequências lesivas que determinados empreendimentos econômicos podem desencadear. Neste talvegue, susta apontar que o direito à audiência pública e sua concreção representa a confluência do princípio da participação comunitária e da construção ideológica do Estado Socioambiental de Direito, sobretudo em razão da afirmação do mínimo existencial socioambiental, passando a conferir ao meio ambiente status proeminente no cenário contemporâneo. Insta, portanto, sublinhar que o direito à audiência pública, maiormente em temática ambiental, representa o desdobramento plural e multifacetado do axioma maior do ordenamento jurídico brasileiro, qual seja: a dignidade da pessoa humana como superprincípios orientador da aplicação e interpretação das normas, bem como a adoção do corolário da participação comunitária como robusto vetor de inspiração.
Informações Sobre o Autor
Tauã Lima Verdan Rangel
Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES