A eficácia e os limites da terceirização no Brasil

Resumo: Este artigo visa analisar se a terceirização é eficaz para a empresa e justa para empregabilidade. Ao terceirizar uma atividade, o empresário almeja reduzir custos com mão de obra, bem como aperfeiçoar os resultados, não apenas a atividade terceirizada, mas para toda a organização empresarial. Contudo, para o empregado terceirizado, o seu trabalho é classificado como secundário, uma vez que no ambiente corporativo não possui a mesma valia em relação ao trabalho de um empregado efetivo. Assim, para que a terceirização seja viável e saudável para todas as partes, deve haver um controle correto, atentando para isonomia salarial entre os trabalhadores terceirizados e os efetivados; responsabilidade da empresa tomadora de serviços pelos critérios trabalhistas dos terceirizados e vinculação sindical dos trabalhadores terceirizados ao sindicato da categoria efetiva.[1]

Introdução

Para iniciar o entendimento da matéria, vamos analisar a evolução histórica do trabalho, pois, vivendo em sociedade, o homem adquire e busca aumentar seu patrimônio, mas, por outro lado, terá que transpor vários obstáculos decorrentes de limitações resultadas por essa ligação, momentos esses que chegam a comprometer a sua liberdade.

Foram muitas lutas, cuja trajetória passou pela escravidão, servidão, passando pela evolução do capitalismo, nascimento do Estado Liberal, a Burguesia, a “mais-valia” de Marx, a importante transição do Estado liberal para o Estado do Bem Estar Social e o Estado Neoliberal, no qual o homem conseguiu diminuir a desigualdade no mundo corporativo.

Ao longo do tempo, o trabalhador conquistou o direito de ter acesso ao que produzia, contribuindo para a redução da grande distância entre o patrão e o empregado no tocante ao consumismo.

Com o desenvolvimento da economia mundial, a sobrevivência das empresas ficou condicionada à busca de produções em grande escala e com qualidade, mas com o menor custo possível.   Logo, a terceirização contribuiu nesse processo, para que as empresas alcançassem o ápice da produção de suas atividades fim, com uma gestão de pessoal menos onerosa.

A “Terceirização” é uma expressão designada a uma relação triangular de prestação de mão de obra, formada pelo tomador do serviço – que geralmente são as empresas, o prestador de serviços – que estabelece uma relação direta empregatícia com o obreiro,  e o trabalhador que executará a mão de obra, o famigerado “terceirizado”.   Importa frisar que em muitas corporações esta relação era estabelecia de forma direta entre o trabalhador e o tomador do trabalho.

Dessa forma, o presente artigo estudará se terceirização gera ou não economia para o tomador se serviços, bem se mantém a proteção da relação empregatícia conquistada após anos de peleja histórica da classe trabalhadora.

Evolução do Trabalho no Mundo

Desde a antiguidade, iniciando pelo escravismo, o trabalho no mundo tem evoluído com técnicas e uma enorme acumulação de riquezas para a classe dominante, passando pela Revolução Industrial, que resultou em grandes mudanças tecnológicas até os dias atuais.

A relação de submissão do trabalhador na Idade Média, sempre se sujeitando ao seu senhor, era regida por regras que só resguardava àqueles que tinham cidadania, isto é, mantinha sujeição ao seu senhorio.    Com o fim da escravidão e a chegada do regime feudal na idade média, iniciou-se então o regime de servidão, no qual os servos trabalhavam nas terras dos seus senhores, em troca de uma porção de terra, sob a pseuda intenção dos servos serem pessoas livres, embora fossem obrigados a viver na propriedade, tratando-se de um escravismo velado.

Segundo Segadas Viana:

“…a servidão foi um tipo muito generalizado de trabalho em que o indivíduo, sem ter condição jurídica do escravo, na realidade não dispunha de sua liberdade

O servo tinha total dependência do seu senhor, tanto na área social como na jurídica, exatamente como antes ocorria com o escravo.  Mais tarde, devido a um comércio rústico, que ganhou forças com as feiras, surgiu então a burguesia.

Expandindo-se o comércio, nasce a figura do capitalista, que reuniu todos os trabalhadores em um mesmo local para ter um melhor controle sobre estes, diferente das pequenas e clássicas oficinas, surgindo, então, as grandes fábricas.

Em paralelo, a Revolução Francesa foi um dos episódios mais relevantes dos movimentos políticos e ideológicos, pois instituiu a democracia que hoje vivemos. Neste contexto desde o século XVI, o capitalismo surge como mudança no estilo de produção internacional, com metodologias que atravessaram fronteiras. Mais do que isso, sempre sinalizou, alterou, renovou, dissolveu, recriou e inventou novas relações comerciais em épocas de grandes mudanças políticas, tratando-se de um singelo embrião da globalização que vivemos hoje.

O Liberalismo

Com a expansão da burguesia capitalista, inicia o processo chamado de “Revolução Industrial”, com início no século XVII até meados do século XIX. Grande evolução nas invenções de maquinários, impulsionando o nascimento das indústrias.

Tais modificações trouxeram alterações na relação de trabalho: o trabalho passou a ser livre, mas juridicamente subordinado, no modo de realização do serviço não havia intervenção na vida pessoal do trabalhador, apenas nos procedimentos profissionais.

Obviamente a sociedade sofreu consideráveis mudanças, que tinha o convívio em paz, passou a amargar um desequilíbrio com a chegada dos trabalhadores do campo que migraram para as cidades industriais, em busca de uma vida melhor.   Consequentemente, os desarranjos sociais foram inevitáveis, isto porque havia de um lado a burguesia cada vez mais rica, e do outro, o proletariado e os trabalhadores, que obravam exaustivamente para o enriquecimento do patrão.

Tais situações culminaram na exploração de guerras, crises econômicas, secas e pragas que trouxeram a queda do Estado Absolutista e o crescimento do Estado Liberal.

Com a ascensão do Estado Liberal de base para os elementos do Estado, o trabalhador  poderia apenas aderir ao contrato, pois a burguesia mantinha uma forte influencia no proletariado,  mantendo o obreiro submisso à condições ainda degradantes ou sub-humanas.  Nessa época, o que ditava as normas era o trabalho e capital “mais valia”.

Para Marx, “mais valia” era “…expressão precisa do grau de exploração da força do trabalho pelo capital ou do trabalhador pelo capitalismo”.[2]

Marx também afirma que “a produção da mais valia absoluta se realiza com o prolongamento da jornada de trabalho além do ponto em que o trabalhador produz apenas um equivalente ao valor de sua força de trabalho e com a apropriação pelo capital desse excedente. Ela constitui o fundamento do sistema capitalista e o ponto de partida da produção da mais valia relativa. Esta pressupõe que a jornada de trabalho já esteja dividida em duas partes:  trabalho necessário e trabalho excedente”.[3]

Assim, o trabalhador não recebia pelo que produzia, seu pagamento era pela sua força aplicada na efetivação do trabalho, correspondendo, portanto, ao que realmente necessitava.

Por tal disparidade entre produção e recebimento, definiu Karl Marx como “mais valia”, o individuo ficava dominado pelo trabalho. O tempo extra trabalhado e não pago era fato gerador de lucro, causando enriquecimento das classes detentoras e decaindo cada vez mais o proletariado, resultando em maior desnível social.

No entanto, Karl Marx foi o grande idealizador que buscou consolidar uma sociedade com uma distribuição de renda mais equitativa.   Deste pensamento nasceu o Socialismo, que tem sua ascensão causada pela necessidade de entrar um combate ao Sistema Capitalista, que era o desequilíbrio entre a burguesia e o proletariado, lucro e produtividade.

De certa forma, ao perceberem que cada vez mais aumentavam as diferenças entre o salário que recebiam ao que produziam, os trabalhadores passaram a reivindicar, de forma organizada, melhores condições de trabalho e salários, atitude que alterou o rumo da história.

Conforme Mauricio Godinho Delgado:

“Na verdade, perceberam os trabalhadores que um dos sujeitos da relação de emprego (o empregador) sempre foi um ser coletivo, isto é, um ser cuja vontade era hábil a detonar ações e repercussões de impacto social, seja certamente no âmbito da comunidade do trabalho, seja eventualmente até mesmo no âmbito comunitário mais amplo.[4]

O marco do socialismo foi o manifesto Comunista Marx e Engels de 1948, que agitavam os trabalhadores a se unirem na busca por dignidade e melhores condições de vida.

Dessa crise nasce o “sindicato”, que representa a luta dos trabalhadores por melhores condições laborais e, derivando do sindicato surgiu o Direito do Trabalho.

O Estado de Bem Estar Social

Com a necessidade da normatização do Direito do Trabalho, em 1848, inicia a fase de sistematização e consolidação da legislação trabalhista.  Segundo Maurício Godinho Delgado:

Todo o processo seguinte a 1848 até a Primeira Guerra Mundial caracterizou-se por avanços e recuos entre a ação do movimento operário, do movimento sindical, do movimento socialista e, ao mesmo tempo, a estratégia de atuação do Estado.  Processo em que a ação vinda de baixo e a atuação oriunda de cima se interagem reciprocamente, dinamicamente, dando origem a um ramo jurídico próprio que tanto incorpora a visão própria ao Estado como assimila um amplo espaço de atuação para a pressão operária vinda de baixo”.[5]

Assim, ocorreram grandes melhorias, como também retrocessos, mas pela ação do movimento operário, das classes sindicais, como também a interferência do Estado, todos em comum acordo resolvem formar um ramo jurídico próprio.

A partir de 1850, passou-se a proibir o trabalho de mulheres em minas e reduziu-se a jornada de trabalho dessas trabalhadoras para 10 (dez) horas diárias.

Em 1917, a Constituição Mexicana foi a primeira a efetivar a constitucionalização dos Direitos Sociais, inclusive o Direito do Trabalho.  Entretanto, foi a Constituição de Weimar, de 1919, na Alemanha, que teve maior impacto e influência.

No mesmo ano de 1919, foi criada a Organização Internacional do Trabalho (OIT), que visava o desenvolvimento e a propagação do Direito do Trabalho, mediante divisão de tarefas entre os países signatários.

Bruno Yepes Pereira defini a OIT da seguinte forma:

“Fundada no ano de 1919, a OIT consolidou-se como foro internacional de discussão de temas trabalhistas, com  uma estrutura composta por representantes de empregados, dos trabalhadores e dos governantes.  O Brasil, a exemplo de outros órgãos da ONU, é um de seus membros fundadores e um dos dez membros permanentes de seu Conselho de Administração.  A OIT trabalha pelo esforço comum de seus três órgãos, que são a Conferência Internacional do Trabalho, encarregado de executar suas decisões. Após os contratempos de sua transferência provisória para o Canadá por força da Segunda Guerra Mundial, a OIT retornou à sua primeira e única sede, que fica na cidade de Genebra, na Suiça.[6]

A transição do Estado Liberal para o Estado do Bem-Estar Social teve seu ápice entre 1945 e 1970, influenciando a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, marcando o início da terceira fase de desenvolvimento do Direito do Trabalho, denominado “oficialização”.   

Neste mesmo período, não por acaso, houve a fase “institucionalização”, que por ser considerado social e constitucional, o Direito do Trabalho foi reconhecido como ramo jurídico autônomo.

No entendimento de Mauricio Delgado, a oficialização e a institucionalização do ramo justrabalhista assumem o seguinte papel:

“O dado fundamental é que o Direito do Trabalho se institucionaliza, oficializa-se, incorporando-se à matriz das ordens jurídicas dos países desenvolvidos democráticos, após longo período de estruturação, sistematização e consolidação, em que se digladiaram e se adaptaram duas dinâmicas próprias e distintas. De um lado, a dinâmica de atuação coletiva por parte dos trabalhadores – dinâmica essa que permitia inclusive aos trabalhadores, através da negociação coletiva, a produção autônoma de normas jurídicas.  De outro lado, a estratégia de atuação oriunda do Estado, conducente à produção heterônoma de normas jurídicas. Portanto, a oficialização e institucionalização do Direito do Trabalho fez-se em linha de respeito a essas duas dinâmicas diferenciadas de formulação de normas jurídicas –  a dinâmica negociais autônoma, concretizada no âmbito da sociedade civil, e a dinâmica estatal heterônoma, produzida no âmbito do aparelho do Estado.”[7]

O Estado de Bem-Estar Social atinge seu clímax nas décadas posteriores a Segunda Guerra Mundial. 

A institucionalização e constitucionalização dos Direitos Sociais só ocorreu pelo amparo do Welfare State (origem do pensamento keynesiano e surgiu como resposta para o que se vivia na Europa), pois assim como o Direito do Trabalho, tinha uma função maior, o bem estar e a melhoria das condições de vida do cidadão.

Neste período o próprio Estado imitava o modelo das fábricas proposto pelo fordismo: grande, verticalizada e responsável por todas as etapas de produção.  Produziam produtos duráveis em massa, com trabalhadores homogêneos.  Nesse mesmo diapasão, o Sindicato, o Estado intervencionista, regulamentava os direitos sociais através de políticas públicas keynesianas[8].

Segundo Dalmo Dallari:

“Fixando-se no poder, diz KELSEN, que o poder do Estado, designado como poder de império, submete os homens ligando sua conduta a um dever jurídico.  Assim, portanto, para assegurar a consecução de fins jurídicos é o que o poder é exercido”.[9]

O período do Estado de Bem-Estar Social, no ramo justrabalhista, conseguiu alçar sua função plena: melhorando as condições de vida do trabalhador, o emprego era estável e pleno, fortalecendo-se o sindicato e melhorando a distribuição de riquezas.

A terceirização trabalhista

A expressão “terceirização” é de origem empresarial, que, embora pareça, não possui o sentido de “terceiro” como alheio à relação corporativa ou produtiva, mas para distinguir o subcontratado dos demais colaboradores da corporação, por exercer atividades distintas da principal da empresa.

Destaca-se que a terceirização não consiste num instituto justrabalhista, mas sim num fenômeno econômico típico do final do século XX, destinado a dissociar a relação trabalhista com o tomador da mão de obra.

Segundo Godinho:

“Para o Direito do Trabalho terceirização é o fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente. Por tal fenômeno insere-se o trabalhador no processo produtivo do tomador de serviços sem que se estendam a este os laços justrabalhistas, que se preservam fixados com uma entidade interveniente.”[10]

Godinho classifica como modelo trilateral de relação socioeconômica, não consistindo no modelo clássico empregatício bilateral, resultando em graves desajustes em contraponto aos clássicos objetivos tutelares e redistributivos que sempre caracterizaram o Direito do Trabalho.

Gabriela Delgado conceitua:

“…enquanto no modelo clássico o empregado presta serviços de natureza econômica-material, direitamente ao empregador, pessoa física, jurídica ou ente despersonificado, com o qual possui vínculo empregatício (art. 2º, caput, CLT), na relação trilateral terceirizante o empregado presta serviços a um tomador, apesar de não ser seu empregado efetivo.  A relação de emprego é estabelecida com outro sujeito, a empresa interveniente ou fornecedora. (…) pode-se compreender a terceirização dos serviços como a relação trilateral que possibilita à empresa tomara dos serviços (empresa cliente) descentralizar e intermediar suas atividades acessórias (atividade-meio), para empresas terceirizantes (empresa fornecedora), pela utilização de mão de obra terceirizada (empregado terceirizado), o que, do ponto de vista administrativo, é tido como instrumento facilitador para a viabilização da produção global, vinculada ao paradigma da eficiência nas empresa.”[11]

Em suma, a prestadora de serviço celebra um contrato com a tomadora, relação essa de caráter civil e empresarial. A prestadora contrata o trabalhador para realizar as atividades designadas a esta para a tomadora, ficando responsável pelos encargos trabalhistas.

Pode-se afirmar que terceirização é um modo de organizar as tarefas empresariais, com o objetivo de descentralizar as atividades acessórias da tomadora, centralizando seus esforços nos planos estratégicos empresariais.  Contudo, embora seja eficaz para a atividade empresarial e um fenômeno que veio para ficar, por não possuir previsão legal, o assunto requer cuidado na proteção do trabalhador.

A Terceirização no Brasil

O processo de industrialização no Brasil, especificamente nos anos de 1950, iniciou com parte da relação trabalhista subcontratada, formando ao redor das grandes indústrias um complexo industrial formado por fornecedores de autopeças.

A partir de 1980, o movimento terceirizante expandiu-se de forma sistemática no país, com o objetivo de flexibilizar a produção, bem como as relações trabalhistas, sob a influência do neoliberalismo e da globalização econômica.

A terceirização surgiu, teoricamente, sob a ideia de focar mais na atividade empresarial para criar parcerias interempresariais sólidas para atender a demanda do parque industrial com prontidão e qualidade.

Contudo, o crescimento da terceirização não se preocupou com o respaldo às relações empregatícias, pois, conforme Márcio Pochman aponta, entre os anos de 1985 e 2005, a terceirização não visou a qualidade no ciclo produtivo, mas sim a garantia da sobrevivência empresarial ante o cenário de estagnação da economia.

Em síntese, Pochman ensina:

“ao contrário da experiência dos países desenvolvidos, a terceirização no Brasil contém especificidades significativas. Na maior parte das vezes, a terceirização encontra-se associada ao ambiente persistente de semi-estagnação da economia nacional, de baixos investimentos, de diminuta incorporação de novas tecnologias, de abertura comercial e financeira e de desregulamentação da competição intercapitalista. Por conta disso, o sentido da terceirização vem se revelando um processo  de reestruturação produtiva defensiva, mais caracterizada pela minimização de custos e adoção de estratégias empresariais de resistência (sobrevivência).”[12]

Contudo, segundo Gabriela Neves Delgado, há estudos consolidados que, comparando o trabalhador terceirizado com os empregados diretamente contratados pelas tomadoras, há alta taxa de rotatividade:  8 a cada 10 empregados terceirizados são substituídos ao final de cada ano de trabalho.  Além desse dado, a autora aponta que o estudo revela que o rendimento médio do trabalhador terceirizado é, em média, 50%  da remuneração média do trabalhador diretamente contratado.[13]

Da terceirização Lícita e ilícita

A terceirização lícita é a forma de exceção na contratação de mão de obra, pois o padrão é a fórmula empregatícia clássica.   Já a terceirização ilícita é aquela que se enquadra no artigo 9º da CLT, como forma de burlar a aplicação da legislação trabalhista.

Diante da falta de diploma legal, e prevendo a possibilidade de ser usada com fins fraudulentos, ocultando a existência de vínculo empregatício, assim como a desvalorização das condições de trabalho do obreiro terceirizado, a Justiça do Trabalho emitiu a Súmula 331 (antigo enunciado 256),  para distinguir a terceirização lícita e ilícita.

Além da referida Súmula, as hipóteses lícitas de terceirização estão previstas no artigo 455, CLT (Contrato de Subempreitada), e nas Leis 6.019/74 (Trabalho Temporário) e 7.102/83 (Vigilância Financeira e Transporte de Valores).

Nos modelos de terceirização trabalhistas regulados pelos dispositivos acima, podemos encontrar, em regra, três elementos que caracterizam o vínculo empregatício entre o obreiro e a empresa tomadora de serviços: onerosidade, pessoa física, habitualidade, sem representar exemplo de ilicitude, desde que a atividade exercida pelo trabalhador não esteja ligada a atividade fim da empresa.

No tocante a pessoalidade e a subordinação, torna inadmissível sua configuração numa relação de terceirização permanente, como entre obreiro terceirizado e a tomadora de serviços, pois cairão por terra os propósitos da terceirização.

A inteligência da Súmula 331 nos orienta, por exceção, que é ilícita a terceirização da atividade fim (incisos I e II).

Segundo o Sérgio Pinto Martins, a atividade meio é aquela que não coincide com os fins principais da empresa, ou seja, não é a atividade essencial, pois é uma atividade de apoio ou complementar, como limpeza, vigilância, manutenção de informática, etc.[14]

Quanto à atividade-fim, o mesmo autor entende como aquela essencial ao objeto social da empresa, ligada ao seu principal fim.  Em suma, pode-se entende que a atividade fim corresponde à razão da existência da empresa, isto é, trabalhadores terceirizados, cujas tarefas estejam ligadas com a finalidade da empresa, correspondem a uma terceirização ilícita, podendo ser compreendido como fraude em detrimento da relação justrabalhista.

A Súmula 331 é omissa acerca da responsabilização da empresa prestadora de serviços na prática ilegal, contudo, compreende-se que não deixará de incidir sobre ela sua parcela de culpa pelo ato ilícito, aplicando, por analogia, a regra geral do artigo 942 do Código Civil, que é a responsabilidade solidária pelo exercício coletivo de atos ilícitos.

Os Limites Constitucionais para Terceirização

Embora se tratando de um fenômeno econômico que não retrocederá, a terceirização possui nítidos limites estabelecidos pela Constituição de 1988.

Godinho leciona que os limites da Constituição ao processo terceirizante situam-se no sentido de seu conjunto normativo, como pela dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), da valorização do trabalho e especialmente do emprego (combinando com o artigo 170, caput), da busca de construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I), do objetivo de erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais (art. 3º, III), da busca da promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quais outras forma de discriminação (art. 3º, IV). [15]

A falta de limite à terceirização, sob a ótica da Constituição Federal, não é compatível com a ordem jurídica brasileira, pois, por confrontar princípios constitucionais sociais, o crescimento desordenado deste fenômeno configura a nítida degradação do esforço humano.

Portanto, primando pelos direitos sociais alcançados ao longo da história, os limites constitucionais à terceirização são essenciais para que o Direito do Trabalho permaneça sólido em sua função civilizatória no caminho da inclusão socioeconômica protegida do trabalhador, valorizando o trabalho e a democratização do poder  nas relações empresariais.

Da necessidade de controle Civilizatório da Terceirização

A doutrina e jurisprudência almejam, incessantemente, um controle civilizatório para o processo de terceirização, tentando suprir as lacunas legislativas.

Para viabilizar a prática deste processo é necessária a aplicação de alguns princípios, tais como: isonomia salarial entre trabalhadores terceirizados e trabalhadores da tomadora de serviços da mesma categoria; responsabilidade da tomadora de serviços pelos créditos trabalhistas dos terceirizados e vinculação sindical dos trabalhadores terceirizados ao sindicato da categoria dos trabalhadores permanentes da empresa contratante.

A ausência de isonomia salarial é habitual na terceirização, tornou-se a prática da discriminação remuneratória.  A lógica é que o obreiro terceirizado receba a remuneração equivalente à do empregado efetivo, além de todos os adicionais inerentes à atividade e respectivos benefícios.

Ademais, sabiamente o artigo 12 da Lei 6.019/74 disciplina o tratamento salarial isonômico entre o trabalhador temporário e o trabalhador efetivo da tomadora de serviços, não menosprezando o esforço humano de um obreiro, ainda que seja por determinado período.

Contudo, a polêmica da isonomia salarial não foi citada  na Súmula 331 do TST, pois ainda há discussão jurisprudencial acerca de sua extensão aos trabalhadores terceirizados permanentes. 

Embora haja limites constitucionais, a Carta Magna não alcança, na prática, os trabalhadores terceirizados, como os artigos 5º, incisos I e XLI, da Constituição Federal de 1988, com relação da não discriminação e princípio de igualdade, assim como a garantia constitucional de proteção ao salário, primado pelo artigo 7º, incisos VI, VII e X, da Carta Magna, que proíbe distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual entre as profissões.

A responsabilidade da tomadora de serviços pelos créditos trabalhistas não pagos aos terceirizados, foi tratada no item IV da Súmula 331 do TST, estabelecendo a responsabilidade subsidiária, ou seja, a possibilidade de cobrar todos os débitos trabalhistas de qualquer devedor, tanto prestadora como a tomadora, restando à que pagar o direito de regresso, quando o adimplemento for cumprindo pela tomadora.

Contudo, antes da Súmula 331 do TST, a tomadora era responsabilizada apenas pelas contribuições previdenciárias, remuneração e indenizações devidas.

Alguns autores defendem ser equívoca a ideia de responsabilidade subsidiária nos casos de terceirização lícita, entendendo que há responsabilidade solidária das empresas tomadoras e prestadoras para qualquer caso, seja lícita ou ilícita, desde que fique comprovada a formação de grupo econômico entre a empresa tomadora e a prestadora de serviços, conforme artigo 2º da CLT.

Entretanto, como preceitua o artigo 265 do Código Civil, no instituto da solidariedade não cabe presunção,  prevalecendo, portanto, o entendimento que não se pode imputar responsabilidade solidária da empresa tomadora de serviços, na hipótese de terceirização licita.

Na terceirização ilícita não há margens para dúvidas, afinal os artigos 927 e 942 do Código Civil, utilizados de forma subsidiária no Direito do Trabalho (artigo 8º CLT, parágrafo único),  estabelece a obrigação de reparação de danos por aquele que causar ao outro, ficando os bens do ofensor, sujeitos à reparação, e caso haja mais ofensores, todos responderão de forma solidária pela reparação.

Assim, de forma subsidiária, o Código Civil traz respaldos na omissão da Súmula 331 quanto à responsabilidade da empresa tomadora, quando a terceirização for ilícita, esta deve ser responsabilizada solidariamente, pois há previsão legal penalizando todos aqueles que praticam o ato ilícito.

Isto porque o raciocínio jurídico decorre da culpa in elegendo, pois a tomadora não foi cuidadosa para celebrar contrato com prestadora sem capacidade econômica e idoneidade financeira para adimplir os débitos trabalhistas, não podendo o obreiro ficar sem o que lhe é devido.

Simultaneamente, o entendimento emana, ainda, da culpa in vigilando, pois a empresa tomadora não procedeu com o seu dever de fiscalizar a empresa prestadora quanto ao pagamento das verbas trabalhistas.

Acerca da vinculação sindical dos trabalhadores terceirizados, uma legislação específica sanaria as distorções praticadas no mercado de trabalho.

O artigo 511 e seus parágrafos, da CLT, prevê que o trabalhador terceirizado deve estar inserido no enquadramento sindical da atividade econômica exercida pela empresa prestadora de serviços.   Porém, o trabalhador terceirizado fica totalmente desprotegido, vez que na realidade, suas atividades são exercidas na empresa tomadora de serviços.

Para Godinho, a intenção de formar um sindicado dos trabalhadores terceirizados, que serviriam a dezenas de diferentes tomadores de serviços, integrantes estes de segmentos econômicos totalmente desiguais, é simplesmente um contrassenso, pois sindicado é unidade, é agregação de seres com interesses comuns, convergentes, unívocos.   O autor pontua que, se o sindicato constitui-se de trabalhadores com diferentes formações profissionais, distintos interesses profissionais, materiais e culturais, diversificadas vinculações com tomadores de serviços, a entidade não se harmoniza, em qualquer ponto nuclear, com a ideia matriz e essencial de sindicato.

Eis então um entrave lógico na essência sindical para criação de uma entidade destinada somente aos trabalhadores terceirizados, os quais são representados por sindicatos frágeis com pouca força de mobilização.

Portanto, considerando a ausência de uma legislação clara e eficaz, e que o trabalhador terceirizado exerce atividade em empresa com natureza distinta da sua empregadora direta, convém seu enquadramento sindical na categoria da tomadora, para que o obreiro não permaneça desprotegido e tão pouco em situação de desigualdade no seu ambiente de trabalho.

Conclusão

Conclui-se, assim, que a terceirização desregrada, a qual expandiu de forma exponencial para atividades centrais das empresas, marcadas pelo pensamento neoliberal, constituiu causa de ameaça assustadora do sistema jurídico de proteção social dos trabalhadores, coroado no Direito do Trabalho.

Logo, o assunto requer com urgência, uma legislação adequada, uma vez que o crescimento desta forma de contratação prejudica o trabalhador, pois dá margem à degradação de carreiras nas grandes corporações e expõe as empresas para riscos desnecessários ante a falta de orientação jurídica.

Além da legislação específica e eficaz, caberá ainda ao poder estatal concentrar seus esforços na fiscalização e autuação dos infratores, sob o risco de retrocedermos aos tempos de exploração da mão de obra, bem como a perda de direitos conquistados com o passar do tempo.

 

Referências
MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Tradução de Reginaldo Sant’Anna. 18ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 3ª. Ed. rev. Rio de Janeiro: Forense, 2009.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 3ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
DELGADO, Gabriela Neves. Terceirização. Paradoxo do direito do trabalho contemporâneo. São Paulo: LTR, 2003.
DELGADO, Mauricio Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego – entre o paradigma da destruição e os caminhos da reconstrução. São Paulo: LTR, 2006.
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho, 12 ed. São Paulo: LTR, 2013.
MARTINS, Sérgio Pinto. A terceirização e o direito do trabalho. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2011.
SENA, Adriana Goulart de. Dignidade humana e inclusão social: caminhos para a efetividade do direito do trabalho no Brasil / Adriana Goulart de Sena, Gabriela Neves Delgado, Raquel Portugal Nunes. – São Paulo: LTR, 2010.
POCHMANN, Marcio. A superterceirização dos contratos de trabalho. Pesquisa publicada do site do SINDEEPRESS – Sindicato dos Empregados em Empresas de Prestação de Serviços a Terceiros. Disponível em http://www.sideepress.org.br. Acesso em: 10.01.2015.
DELGADO, Gabriela Neves. Os limites constitucionais da terceirização. 1ª ed. – São Paulo LTR, 2014.
 
Notas:
[1] Artigo apresentado como requisito para obtenção do título de especialista em direito e processo do trabalho. Orientador: Prof. Antero Arantes Martins.

[2] (Karl Marx, O capital:  crítica da economia política, p. 254).

[3] Ibidem, p. 578

[4]  (Curso de direito do trabalho, p. 92)

[5] (Ibidem, p. 96).

[6] Curso de direito internacional público, p. 139

[7] (Curso de Direito do Trabalho, p. 94).

[8] Teoria Keynesiana:  Conjunto de ideias que propunham a intervenção estatal na vida econômica com o objetivo de conduzir a um regime de pleno emprego. As teorias deJohn Maynard Keynes tiveram enorme influência na renovação das teorias clássicas e na reformulação da política de livre mercado. Acreditava que a economia seguiria o caminho do pleno emprego, sendo o desemprego uma situação temporária que desapareceria graças às forças do mercado.

[9] (Dalmo de Abreu Dallari, Elementos de teoria geral do Estado, p. 115.

[10] Curso de Direito do Tralho, p.436

[11] Terceirização, Paradoxo do direito do trabalho contemporâneo, p.139

[12] A superteceirização dos contratos de trabalho, p. 109.

[13] Dignidade humana e inclusão social, p. 230.

[14] A terceirização e o direito do trabalho, p. 130

[15] Curso de direito do trabalho, p. 446


Informações Sobre o Autor

Paulo Henrique Borges Pereira

Bacharel em Direito pela Universidade Paulista – UNIP


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