Resumo: Em uma primeira plana, ao se abordar o tema em comento, necessário se faz pontuar que a sobrevivência afigura no rol dos fundamentais direitos da pessoa humana. Neste passo, denota-se que a prestação de crédito alimentar é o instrumento apto a assegurar a sobrevivência do indivíduo, uma vez que é o meio adequado para atingir os recursos imprescindíveis à subsistência daqueles que, por si só, não conseguem prover sua manutenção pessoal, em decorrência da faixa etária, motivos de saúde, incapacidade, impossibilidade ou mesmo ausência de trabalho. De fato, o tema em debate ganha ainda mais proeminência quando é revestido de maciça importância, vez que se apresenta como elemento assegurador da dignidade do indivíduo. Nesse alamiré, há que se registrar que os alimentos, na atual sistemática albergada pelo Código Civil de 2002, dão corpo a obrigação que o indivíduo possui de fornecer alimentos à outrem. Insta arrazoar que, no que tange à órbita jurídica, tal acepção se revela mais ampla, compreendendo, inclusive, além dos próprios alimentos, a satisfação de outras necessidades tidas como essenciais para a vida em sociedade.
Palavras-chaves: Alimentos. Dignidade da Pessoa Humana. Direito Civil.
Sumário: 1 Alimentos: Comentário Introdutório; 2 Espécies de Alimentos: 2.1 Quanto à Natureza; 2.2 Quanto à Causa Jurídica; 2.3 Quanto à Finalidade; 2.4 Quanto ao Momento em que são reclamados; 3 Aspectos Característicos da Obrigação Alimentar: 3.1 Direito Personalíssimo; 3.2 Irrenunciabilidade; 3.3 Atualidade; 3.4 Futuridade; 3.5 Imprescritibilidade; 3.6 Transmissibilidade; 4 Tessituras à Obrigação Alimentar entre Cônjuges/Companheiros: Uma interpretação à luz do princípio da solidariedade familiar
1 Alimentos: Comentário Introdutório
Em uma primeira plana, ao se abordar o tema em comento, necessário se faz pontuar que a sobrevivência afigura no rol dos fundamentais direitos da pessoa humana. Neste passo, denota-se que a prestação de crédito alimentar é o instrumento apto a assegurar a sobrevivência do indivíduo, uma vez que é o meio adequado para atingir os recursos imprescindíveis à subsistência daqueles que, por si só, não conseguem prover sua manutenção pessoal, em decorrência da faixa etária, motivos de saúde, incapacidade, impossibilidade ou mesmo ausência de trabalho. Com efeito, Venosa salienta que “o termo alimentos pode ser entendido, em sua conotação vulgar, como tudo aquilo necessário para sua subsistência”[1]. De fato, o tema em debate ganha ainda mais proeminência quando é revestido de maciça importância, vez que se apresenta como elemento assegurador da dignidade do indivíduo.
Nesse alamiré, há que se registrar que os alimentos, na atual sistemática albergada pelo Código Civil de 2002, dão corpo a obrigação que o indivíduo possui de fornecer alimentos à outrem. Insta arrazoar que, no que tange à órbita jurídica, tal acepção se revela mais ampla, compreendendo, inclusive, além dos próprios alimentos, a satisfação de outras necessidades tidas como essenciais para a vida em sociedade. “Os alimentos são destinados a satisfazer as necessidades materiais de subsistência, vestuário, habitação e assistência na enfermidade”[2]–[3], assim como atender os requisitos de esfera moral e cultural, estabelecidos como tais pela vida em sociedade. Afora isso, com efeito, há que obtemperar que as prestações objetivam atender a condição social e o estilo de vida adotado pelo alimentando, sem olvidar, entretanto, da condição econômica do alimentante.
Como se depreende do expendido até o momento, em razão da ordem jurídica inaugurada pela Constituição Federal de 1988, os alimentos passaram a integrar a extensa, porém imprescindível, rubrica dos aspecto de solidariedade da célula familiar, arrimando-se, de maneira rotunda, em pilares de cooperação, isonomia e justiça social, bem como defesa da dignidade da pessoa humana. “Ou seja, a obrigação alimentar é, sem dúvida, expressão da solidariedade social e familiar (enraizada em sentimentos humanitários) constitucionalmente impostas como diretriz da nossa ordem jurídica”[4]. A prestação de alimentos se revela, neste sedimento, como instrumento apto a promoção dos princípios insertos na concepção de solidariedade familiar, alcance mais restrito da própria solidariedade social.
Deste modo, ao se considerar as nuances e particularidades que envolve as relações estruturadas em células familiares, todas as vezes que os liames não forem suficientes para assegurar a cada um de seus integrantes as condições necessárias para uma vida digna, o Ordenamento Jurídico, ressoando os valores consagrados na Constituição Federal de 1988, impõe a seus componentes a prestar os mecanismos imprescindíveis à sobrevivência digna, o qual é assegurado por meio dos alimentos.
2 Espécies de Alimentos
2.1 Quanto à Natureza
No que concerne à natureza do instituto em tela, pode-se assinalar que os alimentos são considerados naturais ou civis, quando observam ao estritamente necessários à sobrevivência do alimentando, sendo, em tal acepção, abrangido o que for absolutamente indispensável à vida, como a alimentação, a cura, o vestuário e a habitação. Vale salientar que, na hipótese vertida alhures, premente se faz atentar que deve o alimentando ter resguardado o mínimo indispensável à sua sobrevivência.
Segundo leciona o doutrinador Rolf Madaleno[5], com bastante propriedade e ênfase, os alimentos civis, também denominados côngruos, compreendem aqueles destinados à manutenção da condição social do alimentando. “Se abrangentes de outras necessidades, intelectuais e morais, inclusive recreação do beneficiário, compreendendo assim o necessarium personae e fixados segundo a qualidade do alimentando”[6], bem como os deveres do alimentante, diz-se que resta configurada a espécie civil dos alimentos. Deste modo, em decorrência de sua abrangência, a espécie em testilha alcança a alimentação propriamente dita, assim como o vestuário, a habitação, o lazer e necessidades de âmbito intelectual e moral.
Nesse passo, há que se arrazoar que os alimentos serão fixados em harmonia com as condições financeiras do alimentante. Prima assinalar que a pedra de sustento para a fixação desta espécie de alimentos é a condição socioeconômica do alimentante, uma vez que sua situação social interfere, de maneira direta, na quantificação da verba alimentícia. Há, deste modo, uma “indissociável correlação com a riqueza exterior do devedor, e apurada ao tempo do casamento, ou de estável convivência, que por vínculos de parentesco, de união conjugal ou de relação estável”[7]. Cuida evidenciar que o projeto de lei almeja garantir à mulher alimentanda uma prestação alimentícia para a sua subsistência, em patamares aproximáveis da condição vivenciadas durante o ínterim da coabitação.
No mais, em decorrência das disposições emanadas pelo princípio da isonomia, entalhado expressamente no artigo 5º da Constituição Federal[8], é possível efetuar a interpretação em sentido inverso, quando restar configurado que o varão é dependente de alimentos. Ao lado disso, anote-se que para a mensuração do pagamento da verba alimentar serão considerados “o patrimônio e os recursos do casal ao tempo da coabitação, como sendo os marcos de exteriorização da padronagem social e econômica do casal, permitindo aferir com boa margem de segurança e gradação financeira”[9] da verba alimentar a ser paga após a ruptura da união.
Anote-se, também, que o Código Civil vigente reserva a possibilidade de estabelecer alimentos que atendem tão-só a subsistência do credor, sendo nomeados alimentos naturais. Tal espécie compreende apenas os necessários para a sobrevivência, não se atentando para o padrão social, intelectual ou cultural de quem é pensionado, uma vez que objetivam, exclusivamente, assegurar a sobrevivência do alimentando. “Por evidente, serão fixados em percentual inferior aos alimentos civis, dizendo respeito às necessidades da sobrevivência do alimentando”[10]. Mister se faz ponderar que os alimentos naturais terão assento apenas quando decorrerem de culpa daquele que o pleiteia, sendo imprescindível a comprovação concreta pelo interessado, não havendo que se falar em presunção. À guisa de exemplificação, os alimentos naturais serão estabelecidos em favor do filho indigno ou ainda do ex-cônjuge, culpado pela ruptura da relação existente.
Além disso, pelo aspecto de solidariedade que o instituto dos alimentos são revestidos na atual sistemática vigente, infere-se que a culpa não obsta o direito ao recebimento de verbas alimentares, tendo o condão de acarretar, somente, a mutação da natureza, influenciando, de modo determinante, para o seu arbitramento. Logo, em constatada a culpa do credor, não há que se familiar em pagamento de alimentos civis, mas apena os naturais. Nesta senda, infere-se que os alimentos naturais substancializam os valores de solidariedade, expressamente, consagrados na Constituição da República Federativa do Brasil.
Nessa esteira de exposição, há que se elucidar que tais espécies encontram-se buriladas, de maneira expressa, no artigo 1.704 do Código Civil, que salvaguarda os alimentos apenas indispensáveis à sobrevivência. Para tanto, com o escopo de ilustrar o expendido há que se citar a redação do dispositivo supramencionado: “Se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de alimentos, será o outro obrigado a prestá-los mediante pensão a ser fixada pelo juiz, caso não tenha sido declarado culpado na ação de separação judicial”[11].
2.2 Quanto à Causa Jurídica
Ao esmiuçar a espécie em testilha, pode-se verificar que os alimentos podem ser decorrentes do texto da lei, da vontade do homem ou do delito. “Como legítimos, qualificam-se os alimentos devidos em virtude de uma obrigação legal; no sistema do nosso direito, são aqueles que se devem por direito de sangue (ex iure sanguinis)”[12]. Trata-se de espécie que se alicerça no parentesco ou ainda relação de natureza familiar ou mesmo em decorrência de matrimônio, ou seja, encontram-se inseridos no Direito de Família. Neste sedimento, “serão legítimos ou legais quando decorrem de uma relação familiar (seja de casamento, união estável ou de parentesco), estabelecendo uma prestação em favor daquele que necessita”[13], bem como atentando-se para as possibilidade que o alimentante possui em prestar a verba de natureza alimentar. Ainda nesta esteira de exposição, há que se arrazoar que a espécie em comento encontra-se acampada, de maneira rotunda, pela Lei Substantiva Civil, em seu artigo 1.694, cujo teor colaciona-se:
“Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação”[14].
Nessa toada, os alimentos, doutrinariamente, considerados como voluntários são aqueles decorrentes de uma declaração de vontade, que pode ser tanto expressada em um contrato ou ainda quando a pessoa, de maneira espontânea, se obriga a pagar alimentos para outrem. Computa-se entre as hipóteses da espécie em tela quando há legado de alimento, isto é, o auctor successionis dispõe, em cédula testamentária sua intenção. Nesta senda de exposição, cuida trazer à colação o entendimento estruturado por Diniz, no qual “o legado de alimentos abrange o indispensável à vida: alimentação, vestuário, medicamentos, habitação, e, se o legatário for menor, educação”[15], devendo a quantia ser arbitrada pelo Juízo, atentando-se para as forças da herança, as necessidades do alimentário e a circunstância de estar o alimentário na dependência do legante, quando em vida.
Cuida entalhar que os alimentos provenientes de ato de disposição de última vontade (causa mortis) são denominado testamentários, produzindo os efeitos tão-somente com o falecimento do testador. De outra banda, os provenientes de fixação em contrato, ou seja, oriundos de ato inter vivos são denominados de convencionais, apresentando-se sob a forma de doação. Sobreleva destacar que ambas as hipóteses defluem de uma liberalidade, porquanto “o devedor não estava obrigado por lei a prestá-los. É importante registrar que os alimentos voluntários submetem-se ao limite da legítima e não estão regidos pelas regras familiaristas”[16].
Ao lado disso, há que se arrazoar que os ditos alimentos voluntários integram a rubrica dos direitos das obrigações e aqueles que defluem do ato de disposição de última vontade decorrem do direito sucessório. Insta pontuar que “a aquisição do direito resulta de ato voluntário sempre que os sujeitos pretendem a criação de uma pretensão alimentícia; a obrigação assim estatuída pode sê-lo a benefício do próprio sujeito da relação jurídica”[17], como também em benefício de terceira pessoa.
Quanto à obrigação alimentar proveniente da perpetração de um ato tido como ilícito, infere ponderar que ela se afigura como modalidade de indenização do dano ex delicto. O pensionamento tem por objetivo suprir as necessidades das pessoas que dependiam da vítima falecida, que já não pode mais fazê-lo, o que evidencia a carência que a morte provocou no lar e dependentes, que assim ficaram privados de uma sobrevivência similar àquela que dispunham antes do acidente. Os alimentos serão ressarcitórios, também nominados indenizatórios quando resultam de uma sentença condenatória em matéria de Responsabilidade Civil, quando o juiz fixa a reparação do dano sob a forma de prestações periódicas, com natureza alimentar. Assim, cabe ao ofensor suprir essa falta, na forma do artigo 948, inciso II, do Código Civil[18]. Neste sentido, inclusive, colhem-se os seguintes entendimentos jurisprudenciais:
“Ementa: Apelação Cível. Ação de Exoneração de Pagamento de Pensão Mensal fixada em Ação de Indenização por Acidente de Trânsito. Alteração nas Condições Econômico-Financeiras das Partes. Impossibilidade Jurídica do Pedido. Os alimentos próprios, disciplinados pelo direito de família, não se confundem com os alimentos devidos em razão de condenação por ato ilícito, como no caso em tela. Nestes, não se analisa a possibilidade do devedor e a necessidade do beneficiário, mas somente a renda que este deixou de perceber. Resta caracterizada a impossibilidade jurídica do pedido de exoneração do devedor baseado em suas condições econômico-financeiras, observado que não encontra guarida no arts. 602, §3º, ou 471, I, ambos do CPC. Embora não haja vedação expressa no ordenamento pátrio à pretensão do autor, a mesma não se insere nas possibilidades de ajuste do valor da condenação sem ofensa à res judicata. Manutenção da decisão que determinou a extinção do feito sem julgamento de mérito. Recurso Desprovido”. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Décima Segunda Câmara Cível/ Apelação Cível Nº 70007840648/ Relator Desembargador Naele Ochoa Piazzeta/ Julgado em 24.06.2004). (destaquei)
“Ementa: Apelação Cível. Responsabilidade Civil em Acidente de Trânsito. Ação de Exoneração de Pensionamento. Impossibilidade. Extinção do Feito. 1. Como a obrigação teve como origem a reparação por ato ilícito, não se mostra possível o ajuizamento de ação de exoneração de pensionamento, tendo em vista que não se trata de hipótese de alimentos, comum ao direito de família. 2. A pretendida exoneração de pensionamento somente poderia ter sido deduzida por meio de ação rescisória, caso presente alguma das hipóteses dispostas no artigo 485 e seguintes do Código de Processo Civil Apelo desprovido.” (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Décima Segunda Câmara Cível/ Apelação Cível Nº 70013251384/ Relator Desembargador Dálvio Leite Dias Teixeira/ Julgado em 16.03.2006). (destaquei)
Além disso, deve-se pontuar que a verba alimentar oriunda da perpetração de ato ilícito comporta o procedimento revisional, ambicionando o reajuste da prestação afixada, quando da condenação do perpetrador do dano. “Embora haja alguma resistência na concessão de tutela antecipada sob a forma de pensionamento alimentar em casos de acidente de trânsito”[19], temperando a possibilidade de incidência da tutela de urgência contida no artigo 273 do Código de Processo Civil[20], quando restar configurada ação intentada por grávida, viúva da vítima ou ainda o pedido de alimentos provisionais, desde que presentes os requisitos autorizadores à concessão, saber o periculum in mora (perigo da demora) e o fumus boni iuris (a fumaça do bom direito). Neste passo, é transcrito o seguinte precedente:
“Ementa: Agravo Interno no Agravo de Instrumento – Ação de Indenização – Acidente de Trânsito – Morte do mantenedor da família – Alimentos – Antecipação de Tutela – Presença dos Requisitos Legais – Recurso Desprovido. 1. Em sede de cognição sumária, não há como afastar a responsabilidade da agravante, proprietária do veículo suposto causador do sinistro. 2. De outro lado, existem elementos nos autos que demonstram o dano de difícil reparação advindo da demora na concessão da pensão alimentícia decorrente do ato ilícito. Os prejuízos de ordem material oriundos da perda do provedor da família são evidentes, com a redução do padrão de vida dos familiares e o comprometimento das condições básicas imperiosas para a vida dos filhos e do cônjuge do falecido, vítima de acidente. 3. Assim, presentes os requisitos legais exigidos, consistentes na aparência do direito alegado e na necessidade dos agravados, que dependiam financeiramente daquele que foi vítima fatal de acidente de trânsito, impõe-se o pagamento de alimentos pelo seu suposto causador. 4. Recurso desprovido.” (Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo – Quarta Câmara Cível/ Proc. 28109000100/ Relator Desembargador Carlos Roberto Mignone/ Julgado em 04.04.2011/ Publicado no DJ em 18.04.2011). (destaquei)
Doutro modo, uníssono é o entendimento jurisprudencial de descaber a prisão civil por falta de pagamento de prestação alimentícia proveniente de ação de responsabilidade ex delicto. Afora isso, mister se faz citar que a prisão civil, enquanto instrumento coercitivo, tem assento tão apenas nos alimentos previstos no Direito de Família. Inicialmente, cumpre salientar que a prisão civil é medida de exceção, só se justificando em casos extremos, razão pela qual comporta sempre interpretação restritiva, levando em conta os aspectos fáticos e jurídicos do caso examinado.
Ademais, indispensável a ponderação dos interesses em conflito, consubstanciados no direito a uma vida digna, sendo os alimentos indispensáveis a tanto; bem como no direito à liberdade e à dignidade do devedor de alimentos. A par disso, deve-se dar uma interpretação estrita do dispositivo constitucional em comento, abarcando somente o devedor de alimentos de natureza parental, ou seja, decorrentes do direito de família. Em se tratando de obrigação alimentar por ato ilícito, não se aplica o rito previsto nos artigos 733 e 734 do Código de Processo Civil. Ao lado disso, colacionam-se os seguintes precedentes jurisprudenciais que acenam:
“Ementa: Agravo de Instrumento. Responsabilidade Civil em Acidente de Trânsito. Execução de Alimentos. Ato Ilícito. O procedimento executivo dos arts. 733 e 734 do CPC, que prevê pena de prisão em caso de inadimplemento e/ou inclusão da pensão na folha de pagamento do réu, não se aplica aos casos em que o pensionamento se originou de ato ilícito. Agravo de instrumento provido.” (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Décima Segunda Câmara Cível/ Agravo de Instrumento Nº. 70046866455/ Relator Desembargador Umberto Guaspari Sudbrack/ Julgado em 12.04.2012) (destaquei)
“Ementa: Habeas Corpus Preventivo. Prisão Civil. Pensão. Ato Ilícito. Tratando-se de pensão decorrente da prática de ato ilícito, não é possível a utilização da prisão civil como meio de coerção para o pagamento da dívida. Interpretação restritiva do art. 5º, LXVII, da CF. A dívida alimentar que admite a prisão civil é somente aquela que tem origem no direito de família. Ordem concedida”. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Quinta Câmara Cível/ Habeas Corpus Nº 70018747196/ Relator Desembargador Leo Lima/ Julgado em 09.05.2007). (destaquei)
Em igual sentido, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou acerca da impossibilidade de decretar a prisão civil no caso de inadimplemento de prestação alimentícia oriunda da perpetração de ato ilícito. Ao lado disso, cuida trazer à baila os seguintes entendimentos jurisprudenciais:
“Ementa: Habeas Corpus. Alimentos devidos em razão de ato ilícito. Prisão Civil. Ilegalidade. 1. Segundo a pacífica jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é ilegal a prisão civil decretada por descumprimento de obrigação alimentar em caso de pensão devida em razão de ato ilícito. 2. Ordem concedida.” (Superior Tribunal de Justiça – Quarta Turma/ HC 182.228/SP/ Relator Ministro João Otávio de Noronha/Julgado em 01.03.2011/ Publicado no DJe em 11.03.2011). (destaquei)
“Ementa: Habeas Corpus. Prisão Civil. Alimentos devidos em razão de ato ilícito. Quem deixa de pagar débito alimentar decorrente de ato ilícito não está sujeito à prisão civil. Ordem concedida.” (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/ HC 92.100/DF/ Relator Ministro Ari Pargendler/Julgado em 13/11/2007/ Publicado no DJ em 01.02.2008, p. 1). (destaquei)
Para esses casos, cabe ao credor requerer o cumprimento de sentença, postulando, quanto às prestações alimentícias, a constituição de capital, a fim de assegurar o adimplemento da obrigação, ou, ainda, a inclusão do benefício na folha de pagamento do réu, conforme dispõe o artigo 475-Q e a Súmula 313 do Superior Tribunal de Justiça. Por derradeiro, gize-se que os conflitos que tenham como objeto os alimentos voluntários ou indenizatórios serão dirimidos pelo Juízo da Vara Cível, enquanto os litígios envolvendo alimentos legítimos tramitarão na Vara de Família, em decorrência da especificidade que emoldura a matéria em comento.
2.3 Quanto à Finalidade
A espécie em tela pode ser subdividida em definitivos ou regulares, provisórios e provisionais, admitindo-se, outrossim, que sejam reivindicados judicialmente por meio da tutela antecipada. Nesta toada, “alimentos regulares ou definitivos são aqueles estabelecidos pelo juiz na sentença ou por homologado em acordo de alimentos firmado entre o credor e devedor”[21], podendo ser revisto, desde que haja alteração na situação financeira de quem pensiona ou de quem os recebe. Propugna o artigo 1.699 do Código Civil: “Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação financeira de quem os supre, ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução ou majoração do encargo”[22].
Nesse passo, também, faz-se necessário realçar que a prestação alimentícia encontra-se subordinada à cláusula rebus sic stantibus, comportando, por extensão, revisão, a qualquer momento, desde que reste alterada a necessidade de quem os recebe ou a capacidade do alimentante, sendo imprescindível que a alteração seja emanada por meio de nova decisão judicial ou acordo entre os interessados. Há que se examinar, ao se ambicionar a revisão, o binômio necessidade-possibilidade que orienta o instituto em tela.
Por seu turno, os alimentos provisórios são estabelecidos pelo magistrado, em sede de liminar, ao despachar a ação de alimentos, proposta sob o rito insculpido na Lei Nº 5.478, de 25 de julho de 1968, sendo exigida, previamente, a comprovação do parentesco, do casamento ou ainda da obrigação de alimentar. Nesta linha, infere-se que “os alimentos provisórios possuem natureza antecipatória, sendo concedidos em ações de alimentos (ou em outras ações que tragam pedido de alimentos de forma cumulativa)”[23], ainda no início da lide, bastando que seja comprovada, de forma prévia, por meio de documentos hábeis, a existência da obrigação alimentícia.
Outrossim, os alimentos provisórios poderão ser deferidos pelo Juízo ex officio, independentemente da presença de pedido expresso do autor. Vale salientar que o Diploma Legislativo supramencionado, quando de sua formulação, não albergou a união estável, que, em decorrência dos valores culturais e históricos vigentes, era considerada como concubinato. Ao lado disso, os objetivos constantes da Lei Nº. 5.478/1968 era distintos da união estável, que não gozava da condição de família, vindo tão-somente a receber, de maneira rotunda, respaldo pela Constituição Federal de 1988.
Ademais, o rito especial cunhado na Lei de Alimentos não compreendia as uniões estáveis, vez que estas se encontravam despidas de prévia prova do vínculo afetivo, enquanto entidade familiar, porquanto era originária de relacionamentos informais. A Lei Nº. 8.971/1194, ressoando os ditames hasteados pela Carta de Outubro, expressamente, pontuou que a companheira, ao comprovar a união estável mantida, poderia utilizar das disposições contidas na Lei Nº. 5.478/1968, logo, pedir alimentos a seu companheiro, estatuindo o aspecto temporal assentado em um vínculo afetivo de, no mínimo, cinco anos. Igualmente, era carecida a demonstração da “efetiva necessidade alimentar, porque os alimentos entre cônjuges e companheiros não decorrem de presunção de necessidade, como ocorria ao tempo da autocracia marital”[24]. À guisa de citação, cuida transcrever o entendimento jurisprudencial que abaliza as ponderações vertidas acima:
“Ementa: União Estável. Alimentos em favor da Companheira. Inexistência de Prova da Necessidade. 1. Para que seja cabível a fixação liminar da verba de alimentos, que decorre do compromisso de mútua assistência entre companheiros, deve estar comprovada razoavelmente a existência da união estável, a sua ruptura recente e a condição de necessidade de quem postula. 2. Descabe fixar alimentos provisórios em favor da postulante, quando não está demonstrada a existência da união estável, nem está comprovada a necessidade dela em recebê-los. Recurso desprovido.” (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Sétima Câmara Cível/ Agravo de Instrumento Nº 70047891825/ Relator Desembargador Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves/ Julgado em 24.04.2012) (destaquei)
Nesse passo, premente se faz assinalar que a presunção de necessidade só subsiste em relação aos filhos que se encontram sob o poder familiar, bem como os filhos maiores incapazes. Já os maiores e capazes devem provar a necessidade de pensão, conquanto a exoneração da obrigação da verba alimentar não aconteça, ex officio, pelo simples implemento da maioridade civil. Com efeito, o poder familiar cessa quando o filho atinge a maioridade civil, mas evidentemente não desaparece a relação parental, que pode justificar a manutenção ou o estabelecimento de pensão alimentícia, desde que reste comprovada a condição de necessidade. No entanto, a prova da necessidade de receber ou de continuar recebendo a pensão de alimentos, quando se trata de filho maior, constitui ônus do alimentando.
Os alimentos provisionais, por sua vez, são derivados de medida cautelar preparatória ou incidental de ação de divórcio, nulidade ou ainda anulação de casamento, bem como demanda de alimentos. “Trata-se de medida topologicamente cautelar, porque está elencada dentre as medidas cautelares, embora não possua tal natureza assecuratória”[25]. Deste modo, em decorrência da natureza irrepetível dos alimentos, é perceptível que os alimentos provisionais não gozam de natureza cautelar, porquanto não se destinam a assegurar o resultado de um outro apostilado processual, entretanto satisfazer, de forma imediata, as necessidades do autor.
Prima negritar, ainda ressoando as ponderações estruturadas alhures, como bem sustenta Madaleno, que a espécie em comento tem por escopo primevo “garantir a subsistência do credor de alimentos durante a tramitação da ação principal de separação ou de alimentos, inclusive para o pagamento de despesas judiciais e dos honorários do advogado”[26]. Com efeito, os alimentos provisionais substancializam medida satisfativa sujeitada a uma cognição de natureza sumária, sendo os alimentos estabelecidos em caráter ainda não definitivos, cujo fito é atender às necessidades do requerente, que evidenciou a presença dos elementos essenciais das medidas cautelares.
Nesse passo, insta anotar que, em razão da natureza satisfativa dos alimentos provisionais, não é aplicável a exigência da propositura da ação principal no ínterim de trinta dias, acinzelada no artigo 806 do Código de Processo Civil. Há que se registrar que os alimentos provisionais serão concedidos quando não houver prova pré-constituída da exigência de obrigação alimentar, não subsistindo a possibilidade de pleitear alimentos provisórios em sede de ação de alimentos. “Então, poderá ajuizar uma ação cautelar, preparatória ou incidental, requerendo alimentos provisionais, demonstrada a presença dos requisitos genéricos das cautelares”[27], quais sejam: o periculum in mora e o fumus boni iuris.
Por oportuno, a distinção mais proeminente entre os alimentos provisórios e os provisionais junge-se à existência, ou não, de prova pré-constituída da relação de casamento, união estável ou ainda vínculo de parentesco. Deste modo, em um procedimento de investigação de paternidade cumulada com alimentos, em sendo necessário ao requerente alimentos para se manter, poderá este ajuizar uma ação cautelar de alimentos provisionais, sendo carecida a demonstração de indícios verossímeis da relação, uma vez que ainda não disporá de provas pré-constituídas imprescindíveis para o pleito de alimentos provisórios. Destarte, constata-se que a distinção se assenta, precipuamente, em uma acepção terminológica e procedimental do que em relação à sua substância e natureza. No mais, ambas as espécies apresentam o mesmo escopo, qual seja: a concessão, de modo temporário, para assegurar a quem precisa os meios necessários à sua mantença, até que seja prolatada uma decisão estabelecendo a verba alimentar em caráter definitivo.
2.4 Quanto ao Momento em que são reclamados
Sob o prisma do momento em que os alimentos são reclamados, a doutrina os classifica em pretéritos e futuros. “Futuros são os alimentos prestados em decorrência de decisão judicial e são devidos desde a citação do devedor”[28]. Já os alimentos pretéritos são anteriores a propositura da ação, não sendo devidos em razão de não serem requeridos, porquanto se consideram como vencidos os alimentos estabelecidos a partir do aforamento da ação, presumindo a lei inexistir dependência alimentar quando o credor nada pleiteia, conquanto não seja descartada a possibilidade do ingresso de uma ação de indenização para o ressarcimento dos gastos com a mantença do filho em comum, todavia este ressarcimento em nada se confunde com a pensão alimentícia.
Além disso, os alimentos pretéritos são relacionados às prestações estabelecidas judicialmente e não adimplidas pelo alimentante, podendo ser objeto de ação executiva, enquanto não forem atingidas pela prescrição, no lapso temporal de dois anos, como bem aponta o artigo 206, §2º, da Lei Substantiva Civil vigente[29]. Ao lado do arrazoada, calha salientar que os créditos de natureza alimentar vencidos e não pagos pelo alimentante poderão ser objeto de cobrança em execução por quantia certa, atentando-se para as disposições albergadas pelo artigo 732 do Código de Processo Civil ou ainda pela opção da eleição da prisão civil contida no artigo 733 do Diploma Legal ora mencionado, estando, neste caso, limitada às três últimas prestações. Tal entendimento resta devidamente consagrado no enunciado da Súmula Nº. 309 do Superior Tribunal de Justiça.
3 Aspectos Característicos da Obrigação Alimentar
Cuida assinalar que o pagamento de prestação de verba alimentar apresenta aspectos caracterizadores distintos das demais obrigações de cunho civil, em razão de natureza especial, adstrita à dignidade da pessoa humana, encontrando-se entre valores tidos como fundamentais, considerados como indispensáveis e indisponíveis para a subsistência do ser humano. “Esta sua natureza especial decorre do intrínseco propósito de assegurar a proteção do credor de alimentos, mediante um regime legal específico”[30].
Tal fato decorre da premissa que o crédito alimento ambiciona cobrir necessidades impostergáveis do alimentando, cuja satisfação não comporta morosidade ou demora, motivo pelo qual aprouve ao legislador enrodilhar o instituto dos alimentos de um sucedâneo de garantias especiais, com o escopo de assegurar o pagamento do quantum estipulado. Ao lado disso, quadra transcrever o entendimento firmado por Farias e Rosenvald, notadamente quando pontuam que “tratando-se de uma obrigação tendente à manutenção da pessoa humana e de sua fundamental dignidade, é natural que os alimentos estejam cercados de características muito peculiares”. No mais, há que se anotar que tais aspectos se revelam preponderantes para distinguir o instituto do pensionamento de alimentos das demais obrigações.
3.1 Caráter Personalíssimo
Em uma primeira plana, cuida anotar que a verba alimentar é descrita como direito personalíssimo, porquanto tão somente aquele que mantém a relação de parentesco, casamento ou ainda união estável com o alimentante poderá vindicá-los. Ora, em decorrência da atual interpretação concedida pelo Supremo Tribunal Federal no que concerne às uniões homoafetivas, óbice não subsiste que companheiros pleiteiem o pagamento de verba alimentar. Como bem arrazoou o Ministro Celso de Mello, ao julgar o RE 477554 AgR/MG, hasteou como flâmula desfraldada que:
“Isso significa que a qualificação da união estável entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, desde que presentes, quanto a ela, os mesmos requisitos inerentes à união estável constituída por pessoas de gêneros distintos (Código Civil, art. 1.723), representa o reconhecimento de que as conjugalidades homoafetivas, por repousarem a sua existência nos vínculos de solidariedade, de amor e de projetos de vida em comum, hão de merecer o integral amparo do Estado, que lhes deve dispensar, por tal razão, o mesmo tratamento atribuído às uniões estáveis heterossexuais. Impende considerar, neste ponto, o afeto como valor jurídico impregnado de natureza constitucional, em ordem a valorizar esse novo paradigma como núcleo conformador do próprio conceito de família”[31].
Ao lado disso, há que se obtemperar que os alimentos concedidos, diante da sua destinação e relevância social, privilegiados de maneira maciça pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, configuram direito personalíssimo que reúne particularidades que recomendam total controle e observância das formalidades legais, não admitindo renúncia, compensação, penhorabilidade, cessão, transação, restituição ou qualquer outra forma que comporte sua redução sem o devido processo legal. Como bem arrazoa Rolf Madaleno, os alimentos visam “preservar, estritamente a vida do indivíduo, não podendo ser repassado este direito a outrem, como se fosse um negócio jurídico”[32], conquanto possa a obrigação de pensionamento ser repassada aos herdeiros do alimentante, como bem frisa o artigo 1.700 do Código Civil: “Art. 1.700. A obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do art. 1.694”[33].
Ipso facto, é defeso no Ordenamento Pátrio vigente a renúncia sobre o direito de percebimento de alimentos, maiormente em razão da ilicitude do objeto, sendo tais avenças consideradas como nulas, porquanto dispõe de direito compreendido na rubrica personalíssimo. Nesta esteira de exposição, com efeito, cuida trazer à colação o entendimento jurisprudencial que explicita, de maneira rotunda, o aspecto característico em comento, assim como a impossibilidade da renúncia ao recebimento de verba alimentar, em decorrência do aspecto personalíssimo que emoldura o instituto dos alimentos:
“Ementa: Agravo de Instrumento. Família. Acordo de Renúncia de Alimentos de Incapaz. Direito Personalíssimo e Irrenunciável. Negócio Jurídico Manifestamente Nulo. Na espécie, o acordo entabulado pelas partes visa, em verdade, à renúncia aos alimentos a que tem direito a criança (filho comum), o que é vedado pelo ordenamento legal, consoante arts. 841 e 1.707, ambos do Código Civil, porquanto o direito a alimentos é personalíssimo e irrenunciável. Destarte, o negócio jurídico entabulado entre as partes é manifestamente nulo, consoante art. 166 do Código Civil. Agravo de Instrumento Desprovido.” (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Oitava Câmara Cível/ Agravo de Instrumento Nº. 70043331966/ Relator Desembargador Ricardo Moreira Lins Pastl/ Julgado em 18.08.2011) (destaquei)
“Ementa: Apelação Cível. Acordo de Renúncia dos Alimentos de Incapaz. Direito Indisponível. O direito a alimentos é personalíssimo, sendo defeso que os representantes do alimentado-incapaz realizem transação que acarrete sua renúncia (artigo 1.707 do Código Civil). Apelo não Provido.” (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Oitava Câmara Cível/ Apelação Cível Nº 70036963809/ Relator Desembargador Alzir Felippe Schmitz/ Julgado em 02.12.2010) (destaquei)
Faz-se necessário arrimar-se, por imperioso, que o arbitramento dos valores a serem pagos, a título de verba alimentar, observarão o binômio possibilidade-necessidade, devendo o magistrado, neste ponto, valorar o princípio da proporcionalidade ao estipular o quantum a ser afixado. “É um direito personalíssimo por ter por escopo tutelar a integridade física do indivíduo, logo, sua titularidade não passa para outrem”[34]. Ao lado disso, em decorrência de seu caráter intuitu personae unilateral, o pensionamento de verba alimentícia não é transmissível aos herdeiros do alimentando. Ademais, o aspecto personalíssimo que caracteriza o instituto dos alimentos justifica a natureza declaratória da ação de alimentos.
3.2 Irrenunciabilidade
Em uma primeira exposição, insta trazer a lume que, quando da vigência do Código Civil de 1916, o Supremo Tribunal Federal, que detinha competência para apreciação de matéria infraconstitucional, buscando interpretar as disposições contidas no artigo 404[35], consagrou o entendimento que os alimentos, em quaisquer circunstâncias, eram irrenunciáveis. Doutro modo, o Superior Tribunal de Justiça, que, em decorrência de expressa disposição constitucional, passou a gozar de competência para apreciação de matéria infraconstitucional, “sempre entendeu que a irrenunciabilidade dos alimentos dos alimentos somente alcançava os incapazes. Logo, afirmou-se que os alimentos somente seriam irrenunciáveis em favor de incapazes”[36]. Em decorrência de tal ótica, passou-se a assentar visão jurisprudencial no que concerne à possibilidade de cônjuges ou companheiros renunciarem, quando da feitura do acordo de dissolução de casamento ou união estável, obstando, por consequência, uma posterior cobrança de pensionamento alimentar.
Com o advento do Código Civil de 2002, foi trazida à baila, por meio do artigo 1.707, novas polêmicas, porquanto o dispositivo ora aludido consagrou em sua redação que “Art. 1.707. Pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora”[37]. Entrementes, a redação do artigo suso mencionado não turbou o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, o qual manteve a visão que somente as verbas alimentares dos incapazes não seriam incapazes pelo característico da irrenunciabilidade, sendo, doutro giro, admitida a renúncia em acordos que versem acerca do casamento ou da união estável. Neste sentido, inclusive, colhem-se os seguintes arestos:
“Ementa: Apelação Cível. Pedido de Alimentos. União Estável. Em se tratando de união estável, sua dissolução equivale ao divórcio no casamento. Ou seja: o vínculo foi rompido. Logo, não importa se foi utilizado o termo “renúncia” ou “dispensa” dos alimentos, pois, em qualquer hipótese, desaparecido o vínculo, não haverá mais possibilidade de demandar alimentos posteriormente. Assim, bem andou a r. sentença, ao dar pela improcedência do pleito. Não caracterizado qualquer dos pressupostos da obrigação alimentar (vínculo, necessidade e possibilidade), inviável acolher o pleito. Negaram Provimento. Unânime.” (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Oitava Câmara Cível/ Apelação Cível Nº 70046584819/ Relator Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos/ Julgado em 22.03.2012) (destaquei)
“Ementa: Apelação Cível. Ação de Alimentos. Ex-Esposa. Divórcio. Renúncia aos alimentos. Descabimento. Em razão do divórcio do casal, que rompe o vínculo parental, e da renúncia aos alimentos, não prospera o pedido de alimentos entre ex-cônjuges, porquanto deixou de existir o dever de mútua assistência. Negaram Provimento ao Apelo.” (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Oitava Câmara Cível/ Apelação Cível Nº. 70040502924/ Relator Desembargador Alzir Felippe Schmitz/ Julgado em 15.09.2011) (destaquei)
“Ementa: Apelação Cível. Família. Ação de Alimentos à Ex-Esposa. Dispensa dos alimentos no divórcio. Impossibilidade de pleito alimentar. Sentença que julgou improcedente o pedido. Manutenção da Sentença. Ocorrida a renúncia dos alimentos na ação de divórcio, inviável se mostra o pedido de alimentos postulado em ação de divórcio. Precedentes jurisprudenciais. Apelação Desprovida”. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Sétima Câmara Cível/ Apelação Cível Nº. 70037100179/ Relator Desembargador José Conrado de Souza Júnior/ Julgado em 23.08.2010) (destaquei)
Dessarte, conquanto a redação do artigo 1.707 da Lei Substantiva Civil, pode-se extrair o entendimento de que os alimentos são dotados de irrenunciabilidade tão somente quando arbitrados em favor de incapazes. Doutra banda, é admissível a renúncia entre pessoas capazes, sendo, em razão disso, vedada posterior cobrança do pagamento de verba alimentar. Com efeito, não é razoável que o cônjuge ou companheiro que venham renunciar ao pagamento de alimentos, em acordo consensual, possa, posteriormente, vindicar verba alimentar. “Trata-se de típica hipótese de nemo venire contra factum proprium (proibição de comportamento contraditório, caracterizando ato ilícito objetivo, também chamado de abuso do direito”[38].
Em decorrência dos postulados ora desfraldados, impende realçar que a vedação obsta a ocorrência de comportamento tido como contraditório, logo, o cônjuge ou companheiro não poderá contradizer seu próprio comportamento, notadamente quando produziu, em outrem, uma determinada expectativa. A hipótese de renunciabilidade albergada pelo entendimento jurisprudencial e a impossibilidade de, posteriormente, requerer verba alimentar, colocam empecilho para uma inesperada mudança de comportamento, desdizendo uma conduta dantes adotada pela mesma pessoa, culminando, desta sorte, em frustrar a expectativa de terceiro.
No que concerne aos incapazes, em razão da impossibilidade de perpetrar atos de disposição de direito, é inadmissível a renúncia dos alimentos, sendo possível ulterior vindicação de tal direito. Logo, haverá, nesta hipótese, ocasional dispensa da pensão alimentícia, não sendo cobrada momentaneamente. Isto é, o alimentando poderá deixar de exercer o direito que possui, todavia não poderá renunciá-lo.
3.3 Atualidade
Há que se frisar, inicialmente, que o pensionamento de verba alimentar substancializa obrigação de trato sucessivo, ou seja, sua execução de protrai no tempo, sendo, em razão disso, submetida aos efeitos danosos da inflação, que poderá comprometer o quantum pago. Nesta senda, objetivando salvaguardar o numerário de tais efeitos, o artigo 1.710 do Código Civil espanca que “Art. 1.710. As prestações alimentícias, de qualquer natureza, serão atualizadas segundo índice oficial regularmente estabelecido”[39]. Deste modo, salta aos olhos que é fundamental que os alimentos sejam estabelecidos com a indicação de um critério (seguro) de correção de valor, preservando, desta forma, o seu caráter atual.
Em inexistindo a possibilidade de fixar a prestação alimentícia em percentuais a serem descontados de maneira direta dos rendimentos do alimentante, o entendimento jurisprudencial caminha no sentido de estabelecimento em salários mínimos. Neste ponto, a visão consagrada pelo Supremo Tribunal Federal é que a vedação agasalhada no artigo 7º, inciso IV, da Constituição Federal, que estipula a impossibilidade do emprego do salário mínimo como fatos de indexação obrigacional, não abrangem as obrigações de cunho alimentar, motivo pelo qual não há óbice na fixação da verba alimentar fulcrado no salário mínimo, com o fito de assegurar sua atualidade. “O ideal é que os julgados que fixam os alimentos levem em conta um fator seguro de atualização, garantindo que a prestação alimentícia mantenha, sempre o seu valor”[40], com o escopo de evitar o ajuizamento, desnecessário, de ações que visem a revisão de alimentos.
3.4 Futuridade
In primo loco, mister faz-se frisar que os alimentos objetivam a manutenção do alimentando, destinando-se, desta sorte, ao futuro, não sendo exigíveis para o passado. O aspecto característico em comento assenta sua lógica no ideário que o numerário objetiva a mantença da integridade física e psíquica do alimentando, devendo, desta forma, servir-lhe no tempo presente e no futuro, mas não no passado. Id est, se o alimentando já se manteve até aquele momento sem o pagamento de prestação alimentícia pelo alimentante, não subsiste justificativa para a concessão dos alimentos no pretérito.
O aspecto de futuridade é tão substancial no instituto dos alimentos que, a fim de resguardar a sua manutenção, o Código de Processo Civil[41], em seus artigos 732 ut 734, permite que haja o desconto diretamente na folha de pagamento, compreendendo tal locução a remuneração e outras rendas, das parcelas vincendas da verba alimentar. “Pontue-se, todavia, que este caráter futuro não impede que sejam executadas as parcelas alimentícias fixadas judicialmente e não pagas pelo devedor”[42], atentando-se, por necessário, para o prazo prescricional de dois anos. Desta sorte, a concepção de alimentos atrasados alcança apenas as parcelas já fixadas pelo magistrado e não adimplidas pelo devedor, quando deveria tê-la feito.
3.5 Imprescritibilidade
Em razão dos alimentos serem destinados a manter aquele que deles necessita no presente e no futuro, não há prazo extintivo para o seu pensionamento. Nesta toada, o direito de obter, em Juízo, a estipulação de uma verba de natureza alimentar pode ser exercido a qualquer tempo, desde que os requisitos insertos na lei se encontrarem preenchidos, inexistindo qualquer prazo prescricional. Entrementes, uma vez assinalado o quantum a ser pago, proveniente de ato decisório judicial, fluirá, a partir daquele momento, o prazo prescricional para que seja aforada a competente execução dos valores correspondentes.
Desse modo, infere-se que a prescrição afeta a pretensão executória dos alimentos, substancializando-se no prazo de dois anos, conforme entalha o artigo 206, §2º, do Código Civil. No mais, quando os alimentos forem estipulados em favor de absolutamente incapazes ou pelo filho menor na constância do poder familiar, até os 18 (dezoito) anos, não fluirá o prazo prescricional, uma vez que restará substancializada a causa impeditiva, como bem estatui o inciso II do artigo 197 e o inciso I do artigo 198, ambos da Lei Substantiva Civil vigente.
3.6 Transmissibilidade
O Estatuto de 1916 trazia em sua estrutura, de maneira expressa, a intransmissibilidade dos alimentos, restando tal preceito consagrado em seu artigo 402, como se infere, inclusive, da redação oportunamente colacionada “Art. 402. A obrigação de prestar alimentos não se transmite aos herdeiros do devedor”[43]. O maciço axioma que sustentava tal ideário advinha do aspecto personalíssimo que o instituto em tela possui, fazendo com que a morte do alimentante ou do alimentando acarretasse a extinção de tal obrigação. Entretanto, com o advento do Código de 2002, passou a vigorar novel postulado, no qual a obrigação de prestar alimentos é transmissível aos herdeiros do alimentante. Farias e Rosenvald, ao discorrerem acerca do tema, manifestam que “em nosso entender, tratando-se de uma obrigação personalíssima, os alimentos não deveriam admitir transmissão, impondo-se a reconhecer a sua automática extinção”[44], em decorrência do falecimento do alimentante ou do alimentado.
A transmissão, em relação aos herdeiros do alimentante, só seria possível em relação as prestações vencidas e não adimplidas, atentando-se, por necessário, para as forças do espólio, eis que se trata de dívida do auctor successionis, a qual é transmitida juntamente com o patrimônio, em decorrência do princípio da saisine. Nesta senda, Rolf Madaleno anota que “a transmissão da obrigação alimentar não extrapola a esfera hereditária, para penetrar no patrimônio de cada sucessor, sendo balizado seu limite à totalidade dos bens deixados pelo sucedido”[45]. Ao lado disso, ao se examinar o tema em comento, deve ser considerada a herança em sua totalidade, uma vez que só há herança líquida passível de inventariança, após o pagamento das obrigações deixadas pelo sucedido. No mais, cuida expor que as obrigações oriundas de verba alimentar gozam de prioridade para serem saldadas.
Outrossim, vale destacar que a obrigação alimentar é considerada como proporcional ao quinhão de cada herdeiro, alcançando os legítimos, necessários ou testamentários, mesmo porque os legados só serão pagos se a herança assim o suportar, após o atendimento das dívidas deixadas e das obrigações deixadas pelo falecido. Neste sedimento, cuida trazer à colação que “os legitimados a responder pelos alimentos transmitidos (fixados judicialmente em favor de quem não seja herdeiro do morto) serão todos aqueles que possuírem direitos sucessórios em relação ao espólio”[46]. Ergo, não há que se cogitar em reserva da legítima dos herdeiros necessários, uma vez que é possível que não subsista, após o adimplemento das dívidas e das obrigações do sucedido, herança líquida.
Em sendo o alimentando herdeiro do alimentante, não poderá aquele requere verba alimentar do espólio, uma vez que dele já terá um quinhão, em decorrência de sua condição de herdeiro. Tal entendimento, destaque-se, obsta um desequilíbrio nos valores recebidos por indivíduos que se encontram, a rigor, em mesma situação jurídica. Além disso, como direito alimentar transmitido, o valor a ser pago está sujeito à revisão judicial, desde que reste demonstrada a modificação na situação patrimonial do alimentando, sendo possível a ocorrência de diminuição, majoração ou ainda exoneração. Ademais, deve-se afastar a hipótese de só serem transmitidos os alimentos porventura não pagos em vida pelo sucedido, já que o Diploma Legal, de maneira contundente, se refere à transmissão da obrigação alimentar, incluindo-se as parcelas vincendas, observando-se, por necessário, as forças da herança, e não apenas do débito alimentar deixado pelo alimentante.
4 Tessituras à Obrigação Alimentar entre Cônjuges/Companheiros: Uma interpretação à luz do princípio da solidariedade familiar
Em anotações introdutórias, cuida destacar que a solidariedade familiar, enquanto robusto axioma da tábua principiológica do Direito das Famílias, pode ser observada no artigo 1.511 do Código Civil[47], especial quando dicciona que o casamento importa em comunhão plena de vida, eis que evidente na ausência da comunhão plena de vida, desaparece a essência do matrimônio e, por extensão, da própria entidade familiar, como sustentáculo da união estável ou mesmo qualquer associação familiar ou afetiva. Ao lado do expendido, “a solidariedade é princípio e oxigênio de todas as relações familiares e afetivas, porque esses vínculos só podem se sustentar e se desenvolver em ambiente recíproco de compreensão e cooperação” [48], fortalecido pela ajuda mútua, quando se fizer necessário. Incumbe destacar, a partir do sedimento coligido, que os aspectos característicos irradiados pelo corolário da solidariedade familiar refletem, com clareza solar, a desconstrução do patrimonialismo que norteava a ramificação das famílias da Ciência Jurídica, notadamente durante a vigência do revogado Estatuto de 1916.
Não se deve olvidar que a valoração dos liames afetivos, dentre os quais a solidariedade familiar, foi introduzido robustamente no Ordenamento Pátrio por meio de um novo cenário propiciado pelos dogmas desfraldados pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e consolidados no Códex Civil de 2002. “A solidariedade social é reconhecida como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, […], no sentido de construir uma sociedade livre, justa e solidária. Por razões óbvias, esse princípio acaba repercutindo nas relações familiares”[49], porquanto a solidariedade deve ser aspecto caracterizador dos relacionamentos pessoais. Ademais, o dever de assistência imaterial entre os cônjuges/companheiros atenta-se para a comunhão espiritual nos momentos felizes e serenos, tal qual nas experiências mais tormentosas e desgastantes da vida cotidiana. Ora, ainda nesta toada, consoante o Ministro Massami Uyeda, ao relatoriar o Recurso Especial Nº 1.257.819/SP, firmou entendimento robusto de que “não se pode compreender como entidade familiar uma relação em que não se denota posse do estado de casado, qualquer comunhão de esforços, solidariedade, lealdade (conceito que abrange "franqueza, consideração, sinceridade, informação e, sem dúvida, fidelidade” [50].
Salta aos olhos, deste modo, que os contornos caracterizadores da célula familiar e dos arranjos que nela se desenvolvem reclamam a presença de elementos que denotam fidelidade, solidariedade e companheirismo para a convivência cotidiana e superação das dificuldades que surgem corriqueiramente. A Ministra Nancy Andrighi, ao relatoriar o Recurso Especial N° 995.538/AC, explicitou, com bastante proeminência o plexo compreendido pelos feixes irradiados pelo corolário em comento. Neste passo, “fundamentado no princípio da solidariedade familiar, o dever de prestar alimentos entre cônjuges e companheiros reveste-se de caráter assistencial, em razão do vínculo conjugal ou de união estável que um dia uniu o casal, não obstante o rompimento do convívio, encontrando-se subjacente o dever legal de mútua assistência”[51]. Igualmente, na vida social, cuida destacar que o cônjuge está concatenado com os ideários de solidariedade o respeito aos direitos de personalidade do seu consorte, fomentando e incentivando suas atividades sociais, culturais e profissionais, que constituem a personalidade de cada um dos integrantes do par afetivo.
Informações Sobre o Autor
Tauã Lima Verdan Rangel
Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES