Conflito aparente dos direitos fundamentais brasileiros paradoxo entre a informação e a privacidade

Resumo: Os Direitos Fundamentais abrangem os requisitos essenciais para uma vida digna, segura e saudável, não só da pessoa humana como do próprio Estado. Entre esses direitos elementares estão o Direito à Informação e o Direito à privacidade. Com o advento de novas tecnologias de informação a questão dos limites à invasão da vida privada das pessoas vem crescendo em destaque. Até que ponto o Direito à Privacidade pode ser suprimido pelo Direito à Informação é o que analisa o presente artigo.

Palavras-Chave: Direitos Fundamentais. Direito à Informação. Direito à Privacidade e à Intimidade. Conflitos entre Direitos Fundamentais.

Abstract: The Fundamental Rights covering the essential requirements for a dignified, safe and healthy life, not only the human person as the State itself. Among these basic rights are Right to Information and the Right to Privacy. With the advent of new information technologies the question of the limits to the invasion of the privacy of individuals is growing in prominence. To what extent the Right to Privacy can be suppressed by the Right to Information is to examine this article.

Keywords: Fundamental Rights. Right to Information. Right to Privacy and Intimacy. Conflicts Between Fundamental Rights.

Sumário: Introdução, 1. Direitos fundamentais da pessoa humana, 2. Direito à informação, à privacidade e à intimidade, 2.1. Direito à informação, 2.2. Lei de imprensa, 2.3. A mídia e as novas tecnologias de informação. 2.4. Direito à privacidade e à intimidade, 3. Colisão entre direitos fundamentais, 3.1. Casos de colisão entre direito à informação e direito à privacidade, 3.1.1. O “caso da escola base”, 3.1.2. O caso “Sandra de Moraes x Rede Globo”, 3.1.3. O caso “Alessandro Aleixos x Diário de São Paulo”. Considerações finais. Referências.

INTRODUÇÃO

Com o advento de novas tecnologias de informação/comunicação, os Direitos à Privacidade e à Intimidade vieram à pauta de discussão. Questiona-se, inclusive, sobre a definição do que é privacidade, do que é intimidade.

 Até que ponto a esfera privada de cada cidadão entra em intersecção com a esfera pública?  Quando é que os assuntos pessoais de cada indivíduo têm relevância e podem ser considerados de interesse público, e, portanto ser legalmente, e sem a permissão do titular do direito, serem veiculados pelos meios de comunicação?

A informação na sociedade é uma das molas mestras para a formação de cidadãos na plenitude de suas capacidades como tal, cumprindo seus deveres e requerendo os seus direitos.

Uma rede de educação formal de qualidade é apenas um dos aspectos na construção de um espírito crítico e ativo. O acesso à mídia impressa (jornais, revistas, livros), televisiva e à rede internacional de computadores (internet) representa uma fonte de integração social de profunda relevância tanto no que concerne à informação quanto aos relacionamentos interpessoais, já que o hoje o mundo inteiro está conectado à internet nos seus sites de relacionamento, numa imensa “aldeia global”.

A velocidade com que as informações percorrem pelo mundo é extraordinária e pode se acompanhar fatos nos diversos cantos do mundo em tempo real, as distâncias físicas perderam relevância no que se concerne à interação interpessoal por meio da fala, da escrita e das imagens.

Não só a velocidade que as informações circulam pelo mundo é surpreendente, mas também as formas de captá-las.

Com a utilização de avançados recursos tecnológicos, as imagens e sons podem ser captados e imediatamente serem disponibilizados para o mundo inteiro.

Pode-se vislumbrar que as informações (imagens, textos, sons) que são postados na internet, por exemplo, podem ser reenviadas infinitas vezes, o que já demostra de antemão, que tais informações dificilmente serão controladas após estarem na rede mundial de computadores.

Merece destaque que o campo de legislação sobre a veiculação de imagem, som e textos na internet encontra-se ainda incipiente no mundo todo, dado que hackers e pirataria via internet são temas relativamente recentes e envolvem não apenas um país específico, mas toda a rede internacional de computadores – a internet.

Os Direitos à Privacidade e à Intimidade estão sujeitos a serem violados a qualquer momento, tanto pelos veículos de comunicação oficiais, como por qualquer outro cidadão que possua um recurso tecnológico que possa captar informações sem a devida autorização do titular dos referidos direitos.

Uma pessoa com uma câmera fotográfica, uma filmadora, um gravador, pode facilmente captar imagens e sons de forma despercebida pelo fato de que, dado o avanço tecnológico, esses instrumentos apresentam-se de tamanho e peso reduzido, e, portanto plenamente portáteis.

O mesmo direito à informação que instrui e constrói o cidadão pleno em suas faculdades é o que pode invadir o seu direito a ter uma vida saudável com seus pares, consigo mesmo nos seus momentos de íntima reflexão, ou seja, invadir sua privacidade e sua intimidade.

Cabe, portanto, levantar a seguinte questão: Até que ponto a esfera privada tem relevância para a esfera pública, ou seja, quando a informação privada ou íntima tem relevância para o bem comum da sociedade?

1- DIREITOS FUNDAMENTAIS DA PESSOA HUMANA

Os Direitos Fundamentais são de importância crucial para o estabelecimento de Estados Democráticos de Direito, e, quando são violados representam um sério risco ao respeito à dignidade humana, indicando, também, o surgimento de regimes autoritários, ditatoriais e totalitários.

Destacam-se, alguns documentos do século XVIII, relacionados aos direitos fundamentais: A “Declaração de Direitos” (Bills of Rigths), no Estado de Virgínia, em 1776 que

“[…] [em] seu texto, foram enunciados direitos tais como a liberdade, a autonomia e a proteção da vida do indivíduo, a igualdade, a propriedade e a livre atividade econômica, a liberdade de religião e de imprensa, a proteção contra a repressão penal.” (DIMOULIS, p.23, 2010, grifo nosso)

É relevante o fato de, em 1776, já se reconhecer a importância de se proteger o direito de imprensa, que está intimamente relacionado aos direitos de informar de ser informado, inclusive sobre os negócios públicos, o que implica numa forma de policiamento contra atos ilícitos dos governantes.

Em 1789 tem-se a “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão” texto que possui, em vários aspectos, semelhanças com a Declaração de direitos estadunidense.

O estabelecimento dos Direitos Fundamentais e o constitucionalismo do século XVIII revelam entre si uma relação íntima e dependente: 

“Convém não olvidar que, ao nascer o constitucionalismo no século XVIII, direitos fundamentais (ou melhor, como então se dizia, direitos do homem) e Constituição estavam, na perspectiva doutrinária e na concretização prática, intimamente ligados.

De fato, a finalidade essencial atribuída à Constituição era garantir tais direitos, estabelecendo uma organização limitativa do poder, um sistema de freios e contrapesos que prevenisse o abuso dos governantes. Abuso este que importava em vilipêndio dos direitos naturais do ser humano. (FERREIRA FILHO, p.293-294, 2009)

Já no século XX, tem-se a “Declaração Universal dos Direitos Humanos”, em 1948, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, o “Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos” (1966) e a “Carta dos Direitos Fundamentais da união Europeia” (2000).

Na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, formam elencados vários direitos fundamentais como afirma Ferreira Filho:

“[…] a carta de 1988 explicita numerosíssimos direitos “fundamentais”, muitíssimos mais do que as anteriores e mesmo que as estrangeiras. Basta lembrar que, se a Constituição alemã enuncia cerca de vinte e poucos direitos fundamentais, o art. 153 da emenda n.1/69 arrolava cerca de trinta e cinco direitos e garantias e o art. 5º da atual enumera pelo menos setenta e seis, afora os nove ou dez do art. 6º, afora os que se depreendem do art. 150 relativos à comunicação social (art. 220), portanto, cerca de uma centena, se se considerar que vários dos itens do art. 5º consagram mais do que um direito ou garantia. Quer dizer, três vezes mais do que o texto brasileiro anterior, cinco vezes mais do que a Declaração alemã. Há, portanto, na Carta vigente uma “inflação” de direitos fundamentais”. (FERREIRA FILHO, p.298, 2009)

Dada essa “inflação”, essa multiplicidade de Direitos Fundamentais no atual ordenamento jurídico brasileiro, deduz-se haver vários conflitos entre direitos, como os referentes à informação (incluindo-se aí o direito de imprensa) e os direitos à privacidade e à intimidade.

Os direitos à informação (comunicação), à privacidade, e à intimidade, são antes garantias fundamentais que protegeriam os Direitos Fundamentais como à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade assim como esclarece Ferreira Filho:

“Num sentido mais restrito, garantias são as defesas especiais relativas a determinado direito. Constituem proibições que visam a prevenir violação de direito. Por exemplo, a proibição da censura para proteger a livre expressão do pensamento e comunicação. Garantia-defesa, assim, ou garantia-limite”. (FERREIRA FILHO, p.303, 2009)

Portanto, quando se depara com o conflito entre Direito à Informação e Direito à Privacidade e à Intimidade, tem se o embate entre duas “garantias- defesa”, ou “garantia-limite”, de igual hierarquia, pois ambas preservam os direitos fundamentais da pessoa humana. Cabe então abordar cada caso conflituoso para que prevaleça a supremacia do interesse público.

2.- DIREITO À INFORMAÇÃO, À PRIVACIDADE E À INTIMIDADE

2.1- Direito à Informação

Segundo Palhares (2008 apud GODOY, 2001, p.56), o Direito à Informação é compõe-se de duas vertentes: uma interna e outra externa.

Quando determinado indivíduo recebe informações e manifestação de pensamento com o intuito de participar da “esfera pública”, caracteriza-se a vertente externa do Direito à Informação.

Já a vertente interna, encontra-se a procura por informações que comporão a própria personalidade, na formação de convicções, credos, valores perante o mundo e, inclusive o autoconhecimento, de como cada ser se compreende como indivíduo único e como integrante do todo, que é a sociedade onde está inserido.

Percebe-se pelo exposto que o Direito à Informação aborda tanto a formação de cada indivíduo em si como partícipe e (re)formador das instituições pública já que, pleno de conhecimento de como funciona a máquina estatal pode, efetivamente, na qualidade de povo, ser titular do Poder Constitucional e evitar uma “ruptura totalitária”, segundo descreve Celso Lafer sobre o pensamento de Hanna Arendt:

“Hanna Arendt tem uma percepção muito clara da relevância do direito à informação como meio para se evitar a ruptura totalitária. Com efeito, uma das notas características do totalitarismo é a negação, ex parte principis, da transparência na esfera pública e do princípio da publicidade, seja através da estrutura burocrática na forma de cebola, seja através do emprego da mentira e da manipulação ideológica, que impedem a circulação de informações exatas e honestas.” (LAFER, 1991, p.48)

A Declaração Universal dos Direitos Humanos elenca e seus artigos 18 a liberdade de consciência e de manifestação de suas crenças:

“Art.18 – Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos.”

Já em seu artigo 19 a citada declaração expressa o direito à “liberdade de opinião e de expressão”:

“Art. 19 – Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e idéias por qualquer meio de expressão.”

No Pacto Internacional de Direitos Humanos (1966) em seu art. 18, §1º, aborda, segundo a vertente interna do direito à informação que se relaciona a “liberdade de pensamento, de consciência e de religião” (PALHARES, p.45, 2008):

“Art.18 – §1. Toda pessoa terá direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião.

Esses direito implicará a liberdade de Ter ou adotar uma religião ou crença de sua escolha e a liberdade de professar sua religião ou crença, individual ou coletivamente, tanto pública como privadamente, por meio do culto, da celebração de ritos, de práticas e do ensino.”

Já em seu artigo 19, § 2, expressa a vertente externa, o que se refere ao direito de informar, de expressar suas opiniões:

“Art. 19 – …

§2. Toda pessoa terá o direito à liberdade de expressão; esses direito incluirá a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza, independentemente de considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, de forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua escolha.”

Na CRFB/1988 estão elencados direitos à informação na vertente interna nos arts. 5º, IV, VI :

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;”

E na mesma Carta, no Capítulo V – Da Comunicação Social, art. 220:

“Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”.

Têm-se, então, duas dimensões sobre o direito à informação uma referente à cada indivíduo e outro à toda coletividade. E sobre esta é que se afirma que o povo se mantém bem informado, exercendo livremente o poder democrático, e garantindo a simetria  a necessária transparência da administração dos negócios públicos (GODOY, 2001 apud PALHARES, 2008).

A imprensa do Brasil, responsável pela formação de opinião de massa, esteve sobre a tutela de uma lei criada em período ditatorial militar.  Período este que representou uma das fases mais repressivas no que concerne à liberdade de expressão. Essa lei é a Lei de Imprensa de 9 de fevereiro de 1967, e esteve em vigor até 30 de abril de 2009, portanto esteve em vigor por mais de 42 anos.

2.2- Lei de Imprensa

Sobre o que representa a imprensa no contexto do Estado Democrático de direito positivado, veja-se o que diz Supremo Tribunal Federal, na ementa do ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) de 30 de abril de 2009:

“EMENTA: Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). Lei de Imprensa. Adequação da Ação. Regime Constitucional da “Liberdade de Informação Jornalística”, expressão sinônima de liberdade de imprensa. A “plena” liberdade de imprensa como categoria jurídica proibitiva de qualquer tipo de censura prévia. A plenitude da liberdade de imprensa como reforço ou sobretutela das liberdades de manifestação do pensamento, de informação e de expressão artística, científica, intelectual e comunicacional. Liberdades que dão conteúdo às relações de imprensa e que se põem como superiores bens de personalidade e mais direta emanação do princípio da dignidade da pessoa humana. O capítulo constitucional da Comunicação Social como segmento prolongador das liberdades de manifestação do pensamento, de informação e de expressão artística, científica, intelectual e comunicacional. Transpasse da fundamentalidade dos direitos prolongados ao capítulo prolongador. Ponderação diretamente constitucional entre blocos de bens de personalidade: o bloco dos direitos que dão conteúdo à liberdade de imprensa e o bloco dos direitos à imagem, honra, intimidade e a vida privada. Precedência do primeiro bloco. Incidência a posteriori do segundo bloco de direitos, para o efeito de assegurar o direito de resposta e assentar responsabilidades penal, civil e administrativa, entre outras consequências do pleno gozo da liberdade de imprensa. Peculiar fórmula constitucional de proteção a interesses privativos que, mesmo incidindo a posteriori, atua sobre as causas para inibir abusos por parte da imprensa. Proporcionalidade entre liberdade de imprensa e responsabilidade civil por danos morais e materiais a terceiros. Relação de mútua causalidade entre liberdade de imprensa e democracia, relação de inerência entre pensamento crítico e imprensa livre. A imprensa como instância natural de formação de opinião pública e como alternativa à versão oficial dos fatos. Proibição de monopolizar ou oligopolizar à versão órgãos de imprensa. […]” (grifo nosso)

Constata-se, do exposto acima a importância da imprensa e da regulamentação de seu funcionamento perante o sociedade civil.

A importância está relacionada ao direito de informar, de ser informado, como prolongamento desse direito e veículo no qual a população encontra uma nova perspectiva dos fatos oficiais, podendo, assim, munir-se de importante instrumento para a fiscalização dos atos governamentais. Fiscalização esta que se apresenta como ferramenta essencial para se evitar corrupção, ilegalidades, desvio de função, e o surgimento de formas de governos que não se harmonizam com o Estado Democrático e com a publicidade de seus atos.

Com relação à regulamentação das atividades da imprensa, há de se estabelecer os limites de tal atuação. O direito de informar, de comunicação, deve ser proporcional ao respeito a outros direitos igualmente fundamentais, como o direito de privacidade, o direito à dignidade humana, à honra e à imagem, por exemplo. Cabendo estabelecer as condições nas quais, a imprensa, deve responder civil, penal e administrativamente, não sendo vedada a acumulação das mesmas.

A Lei de Imprensa (Lei 5.250/1967), redigida em período de ditadura militar, foi revogada no dia 30/04/2009, por apresentar-se incompatível com diversos princípios fundamentais da Constituição brasileira de 1988.

Em vista de se tratar de norma anterior à CFRB/1988, a Lei 5.250/1967, não caberia à mesma uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn), e sim uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceitos Fundamentais) estabelecida na CRFB/1988 art.102, parágrafo único, e regulamentada pela Lei 9882 de 03 de dezembro de 1999.

Sobre o que o que é a ADPF veja-se o conceito dado pelo STF, na ADPF 130/DF de 30/04/2009:

“1.ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). […] A ADPF, fórmula processual subsidiária do controle concentrado de constitucionalidade, é via adequada à impugnação de norma pré-constitucional. Situação de concreta ambiência jurisdicional timbrada por decisões conflitantes. […]”

Segundo a ADPF, interposta pelo PDT (Partido Democrático Trabalhista), em 2008, a Lei de imprensa apresentava artigos incompatíveis com a CRFB/1988. Esta ADPF resultou na suspensão de vigência de 20 artigos da citada Lei, dentre os quais o art. §2º, onde se lê:

“Art. 1º…

§ 2o O disposto neste artigo não se aplica a espetáculos e diversões públicas, que ficarão sujeitos à censura, na forma da lei, nem na vigência do estado de sítio, quando o Governo poderá exercer a censura sobre os jornais ou periódicos e empresas de radiodifusão e agências noticiosas nas matérias atinentes aos motivos que o determinaram, como também em relação aos executores daquela medida”. (grifo nosso)

O trecho grifado do artigo acima vai claramente contra o art. 5º, IX, da CRFB/1988: “art.5º, IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;” (grifo nosso)

Por maioria de votos, a Lei 5.250/1967 foi extinta, e os casos envolvendo a imprensa serão julgados segundo o Código Penal e pelo Código Civil. Cabendo agora ao Poder Legislativo a elaboração de nova lei que aborde a temática. Tem-se abaixo, na íntegra, o acórdão do STF, da ADPF 130/DF sobre a Lei 5.250/1967:

“Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal federal em julgar procedente a ação, o que fazem nos termos do voto do Relator e por maioria de votos, em sessão presidida pelo Ministro Gilmar mendes, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas. Vencidos, em parte, o Ministro Joaquim Barbosa e a Ministra Ellen Gracie, que a julgavam improcedente quanto aos artigos 1º, §1º; artigo 2º, caput; artigo 14; artigo 16, inciso I e artigos 20, 21 e 22, todos da Lei nº 5.250, de 9.2.1967; o Ministro Gilmar Mendes (Presidente), que a julgava improcedente quanto aos artigos 29 e 36, e vencido integralmente o Ministro Marco Aurélio, que julgava improcedente a ADPF em causa.  Brasília 30 de abril de 2009.”

2.3- A mídia e as novas tecnologias de informação.

O mundo, que há poucas décadas se comunicava por meio de telégrafos, baseado em Código Morse, apresenta-se, hodiernamente, baseada na informática com o código binário, com os telefones portáteis de tamanho reduzido, com dezenas de funções, de calculadora e relógio até às câmeras de alta resolução e mecanismos de comunicação via satélite.

Encurtando distâncias as novas formas de comunicação, ampliaram as possiblidades das relações interpessoais, pessoas separadas por grandes distâncias encontram mecanismos para manterem as informações em dia, sejam elas de cunho pessoal ou de negócios. É sem dúvida uma revolução, que integra o mundo inteiro como uma imensa “Aldeia Global”, expressão que designa o encurtamento das distancias devido aos meios de comunicação (rede mundial de computadores, linhas telefônicas que funcionam via ondas de rádio, via satélite) e/ou transportes de grande rapidez, como a avançada viação aérea mundial.

A rede mundial de computadores – internet – além de oferecer sítios de empresas, de busca de outros sítios, apresenta locais virtuais onde as pessoas podem trocar informações (imagens, ideias), nos chamados sites de relacionamento ou redes sociais.

Exemplos dessas redes são o Orkut, o Twitter, o Facebook, WhatsApp, Instagram, Likedin, skype, entre outros, nas quais os usuários, após fazerem adesão às comunidades das mesmas, expõem informações pessoais que vão desde a própira rotina diária até fotos e vídeos. Há o risco de pessoas que na posse de informações de outrem possam clonar perfis falsos o que pode implicar na difamação e violação do direito à honra.

Pelo fato das informações, depois de postadas, fazerem parte de toda uma rede mundial de usuarios, os crimes dessa natureza são de difícil julgamento, e, tembém de escassa legislação sobre tal assunto.

A mídia televisiva e escrita (e também os seus correspondentes online – internet) representa uma fonte importante na formação da opinião de massa. E é por meio destas que a imensa maioria da população brasileira forma sua opinião sobre os fatos.

Cabe ressaltar o poder manifestado pela “televisão” na formação de opinião da população brasileira, chegando-se até em denominar de 4º Poder (alusão aos três poderes previstos na CFRB/1988, Título IV- Da Organização dos Poderes; Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário). E é justamente esta forma de mídia, junto com jornais impressos, os responsáveis por vários casos de divulgação de informações que invadem de forma injustificada, e não apurada judicialmente, a vida de pessoas públicas e não públicas, o que tem gerado processos judiciais com alegação de danos morais, de violação a direitos de imagem e à privacidade.

O Estado também faz uso das novas formas de informação, como, por exemplo, as câmeras usadas em lugares públicos com o intuito de preservar a segurança de seus concidadãos, além de se valer da coleta de dados pessoais registrados no cadastro nacional desde o nascimento com a certidão de nasciturno até à morte com a certidão de óbito.

Essa vigilância do Estado, uma “liberdade vigiada” faz remontar a obra de George Orwell intitulada em português como “1984” (nome original em inglês: “Nineteen eighty-four”), de 1949. Nessa obra George Orwell (pseudônimo de Eric Arthur Blair) escreve sobre um mundo cuja máquina estatal é representada pelo “Grande Irmão” (Big Brother) que  por meio da propaganda, e de uma eficiciente “polícia de consicência” , controla e detecta qualquer tipo de dissidência e a cosntatando a reprime com a morte. O autor citado inspirou-se na forma como os regimes totalitários impunham seu poder através da “invasão das mentes” das pessoas por meio do uso da propaganda e da vigilância. É de George Orwell a seguinte afirmação sobre suas obras:

“Toda a linha de trabalho sério que eu escrevi desde 1936 foi escrita direta ou indiretamente contra o Totalitarismo e a favor do Socialismo Democrático, assim como eu o entendo.” (GEORGE ORWELL – Why I Whrite, 1946)

Destaca-se o exposto acima para salientar a importância do livre exercício da imprensa, como prolongamento do direito de informação e de democracia, no que concerne ao respeito aos direitos à privacidade, à honra e à dignidade humana que o Estado deve respeitar, é característica de regimes autoritários, ditatoriais e totalitários, o controle estatal da imprensa, que como se sabe pode-se ser veículo de manipulação de massa.

Destaca-se, ainda sobre o uso da mídia como forma de poder (político, econômico) o documentário “Brasil: Muito Além do Cidadão Kane” (Beyond Citizen Kane). O documentário foi elaborado pelo canal britânico Channel 4, dirigida pelo jornalista Simon Hartog. Este filme aborda a concentração de poder de imprensa no Brasil no caso das organizações Globo e compara o presidente de fundador das referidas organizações – Roberto Marinho (1904-2003) com a personagem Charles Foster Kane, do filme “Cidadão Kane” (1941), de Orson Welles. Orson Welles teria se inpirado em William Randolph Hearst, um maganata da comunicação estunidense e que manipulava groceiramente notícias para inflenciar a opinião pública. Daí, então a compração que o documentário “Brasil: Muito Além do Cidadão Kane” faz entre Roberto Marinho e a personagem Charles Foster Kane, indicando que aquele por meio da Rede Globo manipulava a opinião pública esteve envolvida com regime ditatorial militar no Brasil.

2.4- Direito à privacidade e à intimidade

Segundo Tércio Sampaio Ferraz (1992, apud PALHARES, 2008, p.53), a intimidade é espécie do gênero que é a privacidade. A intimidade é de âmbito mais restrito a qual a pessoa reserva-se para ser um momento de interação consigo mesma, enquanto a privacidade compõe-se daquelas situações onde o indivíduo entra em interação com seus pares mais próximos sem a intervenção de terceiros.

Sobre privacidade e intimidade veja-se o que diz Paulo José da Costa Jr.:

“Em correspondência com sua natural divisão de ser individual e ser social, o homem vive como personalidade em esferas diversas: uma esfera individual e noutra esfera privada. Assim, o homem, como pessoa, procura satisfazer dois interesses fundamentais: enquanto indivíduo, o interesse por uma livre existência; enquanto co-partícipe do consórcio humano, o interesse por um livre desenvolvimento na vida da relação”. (COSTA JR., 1995, p.30)

Vê-se pelo exposto acima a importância dos dois momentos de privacidade, um no qual o ser assimila as informações adquiridas de sua interação com o mundo, o que seria a intimidade propriamente dita, e, noutro momento quando compartilha uma interação interpessoal mais aprofundada com os seus pares, ou seja, com o grupo no qual sente mais acolhido e cujas ideias e ideais são compartilhadas pela maioria, e que, portanto, possui uma ligação afetiva/ideológica/social mais intensa.

A CRFB/1988 faz menção ao direito à intimidade, à vida privada, ao lar como asilo inviolável e inviolabilidade das comunicações interpessoais, no art.5º, X, XI e XII, respectivamente:

“Art.5º- …

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

XI – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;

XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;”

Sobre a utilização das novas tecnologias de informação no mundo contemporâneo, a invasão à vida privada e a urgência de legislação que possa amparar os novos conflitos e valores que surgem nessas novas, transcreve-se o que diz Paulo José da Costa Jr . na parte intitulada “Conclusão” de seu livro “O direito de estar só: Tutela penal da intimidade”:

“O aperfeiçoamento da tecnologia passou a comprometer seriamente a intimidade, pelo enorme potencial das modernas teleobjetivas, pela sensibilidade dos microfones atuais e pelo processo na técnica da filmagem, principalmente por serem capazes de captar à distância sons e imagens. Ademais a informática, que vem requintando a olhos vistos, usada abusivamente, poderá comprometer sobremaneira a vida privada, fazendo do homem livre um verdadeiro escravo da tecnologia.

Vê-se, assim, a personalidade humana ameaçada em seu reduto de intimidade, que deverá ser inviolável, ou em sua integridade, que haverá de ser preservada. Só o manto agasalhador de tutela normativa poderá resguardá-la dos abusos e das novas agressões que o advento da técnica propicia e estimula.

Por que então aguardar pacientemente, com o bem jurídico a descoberto, a reforma da Parte Especial do Código, em fase lenta de elaboração? Por que não se introduzir desde logo, na Parte Especial do Código vigente, um dispositivo, que poderia ser o art. 150 bis, para tutelar de imediato a intimidade, tão desprotegida com o avanço da tecnologia?

É o apelo que fazemos, a algum deputado federal que nos dê a honra de ler este texto”. (COSTA JR., 1995, 95, grifo nosso)

Percebe-se pelo exposto acima a preocupação do autor sobre a falta de legislação sobre a atuação de novas tecnologias que invadem a vida privada, e finaliza-se com o apelo àqueles que são responsáveis pela normatização do funcionamento de novas mídias e da emergência de novos valores na sociedade, ou seja, aos legisladores.

3- COLISÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS

Veja-se a definição dada por Wilson Steinmetz (2001 apud DIMOULIS; MARTINS, 2010, p.154) sobre o que é colisão entre direitos fundamentais:

“Há colisão entre direitos fundamentais quando, in concreto, o exercício de um direito fundamental por um titular obstaculiza, afeta ou restringe o exercício de um direito fundamental de outro titular”. 

Com o advento de novas formas de mídia e tecnologias de informação a privacidade e a vida íntima vêm sendo devastadas.

As redes de TV com seus programas de fofocas esquadrinham cada centímetro dos passos daqueles que são considerados celebridades. Os jornais sensacionalistas sempre à procura de notícias muitas vezes destorcem a realidade com a intenção de aumentarem as suas audiências. Os reality shows constroem uma nova foram de entretenimento onde os personagens são pessoas comuns e expõem suas vidas de forma suas vidas privadas e suas intimidades sejam tema de discussão por milhares de pessoas que os acompanham via televisão. Nos sítios de relacionamento, na internet, são expostas ideias, mensagem, fotos, e às vezes os afazeres de cada indivíduo durante o dia para que os “seguidores” possam inteirar-se de tudo.

Os meios de comunicação, em especial, a mídia impressa e televisiva, usam como artifício para aumentar audiência ou a venda de exemplares a veiculação de fatos que causam comoção geral como os que envolvem violência, corrupção na administração pública, e o cotidiano de pessoas notórias na sociedade como artistas e políticos.

Nesse viés de encontrar “furos de reportagem”, numa corrida pela audiência e pela venda de exemplares, a mídia incorre em divulgar fatos inverídicos ou não apurados corretamente, violando os direitos à imagem, a honra, e a dignidade, na pretensão de estar cumprindo a sua função de ser a extensão da população no que concerne ao direito de ser informado.

Os direitos de informar e de ser informado assim como o direito à privacidade são direitos de personalidade que estão elencados entre os Direitos Fundamentais, e, pelo fato de serem hierarquicamente compatíveis necessitam, quando se encontram em situação de colisão, passar pelo crivo do princípio da relatividade e da proporcionalidade.

3.1- CASOS DE COLISÃO ENTRE DIREITO À INFORMAÇÃO E DIREITO À PRIVACIDADE

3.1.1- O “Caso da Escola Base”

Em março de 1994, vários órgãos da imprensa, entre os quais a Rede Globo e a Revista Veja publicaram uma série reportagens sobre a acusação de duas mães que seus filhos, estudantes da Escola Base (Bairro da Aclimação, São Paulo Capital), estariam sofrendo abusos sexuais. Estariam envolvidas nesses abusos seis pessoas, os acusados eram donos da escola Icushiro Shimada e Maria Aparecida Shimada; os funcionários deles, Maurício e Paula Monteiro de Alvarenga; além de um casal de pais, Saulo da Costa Nunes e Mara Cristina França. O fato foi repassado à imprensa, pelo delegado Edelcio Lemos, sem apurar a veracidade dos mesmos. Como a comoção popular foi grande a escola foi depredada e saqueada por pais de alunos e de moradores da redondeza. Após apurarem os fatos constatou-se a inocência dos acusados que já se encontravam com a vida privada toda desestruturada pelo julgamento precipitado que, a mídia, em especial a rede Globo (devido ao alcance em todo país). Abaixo se transcreve a notícia do site “Última Instância”, de 07/08/2006, sobre a decisão do STF sobre o caso:

“No entendimento do ministro Celso de Mello, a Constituição Federal garante o exercício da liberdade de informação jornalística, mas é preciso observar os postulados de dignidade da pessoa humana e de integridade da honra e imagem alheia, direitos fundamentais previstos na Constituição. O ministro considerou não ter havido restrição judicial à liberdade de imprensa.
“O reconhecimento ‘a posteriori’ da responsabilidade civil, em regular processo judicial de que resulte a condenação ao pagamento de indenização por danos materiais, morais e à imagem da pessoa injustamente ofendida, não transgride os parágrafos 1º e 2º do artigo 220 da Constituição da República, pois é o próprio estatuto constitucional que estabelece, em cláusula expressa, a reparabilidade patrimonial de tais gravames, quando caracterizado o exercício abusivo, pelo órgão de comunicação social, da liberdade de informação”, julgou o ministro
”. (ÚLTIMA INSTÂNCIA, 2006)

3.1.2- O caso “Sandra de Moraes X Rede Globo”

Em 23 de novembro de 2010 foi julgado o recurso interposto por Sandra de Moraes contra a Rede Globo, no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), 3ª Vara Cível da Comarca de São Gonçalo. A apelante requeria indenização por danos morais por ter tido sua imagem veiculada sem sua devida permissão, e por ter sofrido danos morais devido a brincadeiras “de mal gosto”. Apesar de não possuírem permissão de utilização de imagem da apelante o TJRJ indeferiu o pedido, pois considerou infundada a argumentação de que Sandra tivesse sofrido danos morais. Afirmando que

“O uso da imagem da pessoa em programa televisivo, por si só, não configura afronta ao direito à privacidade e imagem, não havendo que se falar, portanto, no dever de indenizar pelos fatos daí advindos. […]O ordenamento constitucional, ao dispor sobre os direitos fundamentais e preservar a privacidade das pessoas, assegura a inviolabilidade da imagem pessoal (CF, art. 5º, X). Dessa forma, o ordenamento constitucional atribui o direito personalíssimo à privacidade e admite a indenização pelos danos experimentados com a sua afronta. Os elementos trazidos aos autos demonstram que a apelada, sem a autorização expressa da apelante, usou a sua imagem em programa televisivo. Nesse âmbito, alega a apelante que a conduta da apelada afrontou o seu direito à privacidade, imagem e boa fama e, ipso facto, ensejou o dever de indenizar. No entanto, as circunstâncias reveladas nestes autos — uso da imagem em programa televisivo, com alusão a determinadas brincadeiras—, indicam a razoabilidade da tese defensiva, haja vista não se haver configurado, in casu, efetiva afronta aos direitos da personalidade da apelante. Dessa maneira, é de se reconhecer que, conforme bem ressaltado pelo Magistrado prolator da sentença recorrida, “não se pode considerar uma mera brincadeira como uma ofensa ou dano moral. Mesmo que a brincadeira seja num programa de televisão”. Veja-se ainda a inexistência de subsunção do caso em apreço ao teor da norma contida no artigo 20 do novo Código Civil, haja vista, repita-se, a não configuração da ofensa à honra, à boa fama ou a respeitabilidade da apelante. Ademais, o quadro do programa em questão não se destinava a fins comerciais, não se amoldando o caso sequer à parte final do mencionado dispositivo legal. Acrescente-se que a apelante não se desincumbiu de seu ônus probatório de demonstrar os fatos constitutivos de seu direito, haja vista a ausência de comprovação acerca do efetivo constrangimento que alega ter sofrido e a decorrente lesão em sua esfera extrapatrimonial, de molde a ensejar a indenização a título de danos morais (artigo 333, I, do CPC). Portanto, os elementos constantes destes autos são insuficientes para a formação do convencimento acerca da ocorrência de dano moral passível de indenização em decorrência dos fatos narrados na inicial, mormente se levarmos em consideração o caráter meramente jocoso da brincadeira estampada no programa em apreço, que, por si só, não tem o condão de ensejar a pleiteada indenização. Desta forma, a sentença impugnada não merece reparos, devendo ser mantida. Por estes motivos, nega-se provimento ao recurso”. (TJRJ, Apelação nº 0046650-84.2006.8.19.0004, grifo nosso)

Percebe-se que apesar da Rede Globo ter violado o direito à imagem a alegação de danos morais e ofensa à honra foi considerada improcedente, portanto o TJRJ indeferiu o recuso.

3.1.3- O caso “Alessandro Aleixos X Diário de São Paulo”

Este julgamento refere-se ao recuso da empresa Diário de São Paulo, para diminuir a indenização por danos morais a Alexandro Garcia Aleixos, por ter anunciado o fato inverídico da detenção do referido, em 12 de abril de 2000. Detenção esta que não ocorreu.

“[…] Alessandro, em suas razões de apelação (fls.381/390) afirma que a reparação do dano moral por prejuízo causado através da imprensa pode ser ressarcido com fundamento no direito comum e daí entende que o valor fixado é insignificante diante dos danos que experimentou, devendo ser majorado, inclusive com a finalidade de inibir a empresa a repetir essa conduta.

Por sua vez, a Empresa Jornalística (fls. 394/400), invocando essa sua específica atividade, alega que a matéria divulgada é sobre a acusação de um traficante de vender drogas a menores, e, que a narração desses fatos foi realizada em linguagem ao alcance do entendimento do leitor. Entende que o fato de Alessandro "ficar à disposição por 4 dias da CPI, mediante condução coercitiva, podendo se ausentar somente no final do dia (ao término dos trabalhos diários da CPI) e devendo retornar obrigatoriamente no dia seguinte " não é muito diferente da ideia de restrição de liberdade, ou detenção. Acrescenta que não agiu de má-fé, daí então, o pedido deve ser julgado improcedente ou o

valor da indenização ser reduzido.

[…] E incontroverso que no dia 12 de abril de 2000, a Empresa Jornalística publicou em sua primeira página, a notícia de que o investigador Alessandra Gouveia Aleixos, da Delegacia de Jandira, foi detido sob a acusação de vender drogas para jovens em Alphaville (fls.16).

Ocorre que, conforme depoimento do Corregedor Geral da Polícia (fls. 215/217), restou induvidoso que Alessandro, ao contrário do que foi noticiado, não foi preso ou detido. Assim, é óbvio que a Empresa Jornalística publicou uma inverdade que acabou por causar danos ao policial, que decidiu ajuizar esta ação.

No caso, o fato de existirem suspeitas a respeito do comportamento de Alessandro, não permite que a imprensa tire conclusões precipitadas e publique notícias falsas. Ademais, supõe-se que um jornal publicado, diferente dos noticiários ao vivo transmitidos por rádio ou televisão, tenha maior cuidado na redação de suas notícias, até porque não existe a necessidade do fator improvisação, não há aquela urgência ditada pelo fato e sua forma imediata de divulgação. Nesse caso, existe o crivo do revisor, outro do redator ou editor, antes da publicação de alguma matéria, inclusive para autorizá-la como desse interesse.

Contudo, não se desconhece que nem sempre essa

cautela é cumprida e, sobre isso, oportunas as observações de Israel Drapkin Senderey : "Cada edição de um jornal, é feita de maneira a permitir o destaque de toda a notícia capaz de atrair a atenção do maior número de presumíveis leitores. As alternativas de uma guerra, as grandes tragédias e os crimes, os terremotos ou cataclismas similares, os

imprevistos acontecimentos e surpreendentes mudanças políticas, constituem invariavelmente a matéria-prima para este tipo de notícias.

Geralmente se consegue criar um estado coletivo de tensão e ansiedade, pois ainda se ignora o rumo que os acontecimentos tomarão. Este estado anímico da massa é, por sua vez, um valioso estímulo para incrementar a circulação de um periódico, o que logicamente constitui a ambição máxima dos seus proprietários e editore, até porque todo acontecimento desperta invariavelmente, como reação lógica, algum juízo ético na massa em geral e em cada indivíduo em particular. "

E, mais adiante: "Poucos temas despertam um interesse tão vivo e universal como o da criminalidade'' (Imprensa eCriminalidade, Editora José Bushatsky).

Nesse vértice, é claro que o jornal, diante de um momento de repercussão – a CPI do Narcotráfico – não tomou as devidas cautelas antes de publicar uma notícia a ele relacionada e envolvendo um policial, com certeza pelo maior destaque que experimentou com a informação de que, logo no primeiro dia dos seus trabalhos, houve essa detenção. Todavia, e como se apurou, isso era falso. A prova oral e documental (oficio de convocação de fls. 13, na qualidade de testemunha), são coesas nesse sentido, o que bem acentua a ausência de qualquer investigação a esse respeito por parte do jornalista.

[…] O dever da verdade foi atropelado pela premenda do furo jornalístico, pelo sensacionalismo, pela manchete fácil, pela criação do fato a ser depois investigado. Notícia falsa cria presunção de culpa, ou até mesmo responsabilidade objetiva.

Portanto, e pela gravidade da notícia, com muitos comentários em seu meio social e profissional, aliás, o que também se confirmou para esse aspecto negativo, é induvidoso que Alessandro sofreu prejuízos de ordem moral, que, obrigatoriamente, devem ser indenizados.

Nesse vértice, verificado o ilícito por abuso no exercício desse direitodever de informação, o demais é mera conseqüência de nosso ordenamento jurídico.

Aliás, a respeito da necessidade de algum limite à liberdade que deve nortear a atividade da imprensa, pela apelante, e, sempre impedir essa diretriz, o Desembargador Maia da Cunha, que também compõe esta 4a. Câmara, com muita propriedade, argumenta:

"Com efeito, em casos complexos de proximidade entre dois direitos constitucionais, é necessário lembrar que a constituição Federal protege tanto o direito de informar, com base na liberdade de imprensa, quanto o direito de o cidadão ter preservadas de ofensas a sua honra e a sua dignidade. A livre manifestação da imprensa, assim, encontra limite apenas na ofensa à honra e à dignidade daqueles que se veem objeto de notícia ou de reportagem.

Os doutrinadores já se debruçaram sobre o tormentoso tema, lançando obras riquíssimas acerca de assunto e todos, sem exceção, sempre reconheceram a dificuldade de conciliar e equilibrar

conceitos de tamanha grandeza. A liberdade de informação e a livre manifestação da imprensa precisam ser compatibilizadas com o direito inalienável que possui cada cidadão de não ver sua honra enxovalhada e denegrida sob o pretexto de que é livre o direito de informar.

A partir daí, o que precisa se analisar, em cada caso positivo, se ele atingiu a honra daquele que protagonizou o fato veiculado a pretexto do direito de informação" (TJSP, APELAÇÃO CÍVEL n° 296.228.4/0-00, grifo nosso)

 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O direito à privacidade e à intimidade e o direito à informação e de imprensa são considerados direitos fundamentais e encontram-se em mesma hierarquia, são interdependentes, pois os direitos à privacidade e à intimidade só fazem sentido no contexto de convivência social.

O direito à informação e de imprensa, como direitos difusos da população de receber informação, são essenciais à formação e manutenção de um Estado de Direito Democrático, pois, por meio da circulação de informação na transparência na gerência dos negócios públicos.  Consagrada, portanto, a publicidade dos atos públicos, que possibilita que cada cidadão pode se manifestar em sua plenitude, requerendo, como verdadeiro titular do poder constituinte, que seus representantes possam cumprir a meta do Estado que a própria manutenção tendo por base o bem comum.

A interferência da busca de informação na vida privada encontra seus limites legais nos casos em que as pessoas e/ou os fatos envolvidos têm relevância pública. Essa relevância está ligada às pessoas de destaque na sociedade como gestores públicos, legisladores, agentes políticos, servidores públicas, pessoas de grande notoriedade, como artistas, celebridades; e a fatos que tenham relevância, por exemplo, na divulgação à sociedade de casos onde a justiça se mostre atuante com o intuito de orientar e informar.

Os direitos citados atualmente têm entrado em constante conflito, pois com o advento de novas tecnologias de informação e captação de imagem e som a vida privada vem sendo cada vez mais constante à invasão da esfera íntima, de pessoas comuns e não comuns. Inclusive há mudança de valores no que concerne à vida privada onde há um destaque à exposição de fatos, imagens, sons e escritos a toda comunidade mundial por meio de sites de relacionamento via rede mundial de computadores (internet), o que causa certa perplexidade, pois como se sabe a legislação é posterior ao advento de novos valores e há atualmente parca normalização da utilização desses novos meios de interação interpessoal.

A justificativa para se entender a relevância do interesse público está na questão de que os fatos relacionados a pessoas públicas (políticos, artistas, pessoas notórias, “celebridades”) apresentam-se como informações que fazem parte de toda uma coletividade, são fatos da vida privada que se confundem com a esfera pública. Os agentes políticos e os servidores públicos são indivíduos cujas ações podem comprometer toda a estrutura governamental, vejam-se os constantes casos de escândalos sobre a vida pessoal de governantes que chegam até mesmo em deposição de cargos públicos e eletivos.

Também há de se sublinhar que mesmo os indivíduos que compõem alguns fatos serem pessoas comuns, o fato em si apresenta relevância pública, por seu conteúdo, que pode ser, pela sua divulgação, um exemplo de informação para toda comunidade.

Deve-se ater ao fato de não chegar aos extremos de invasões injustificadas e injustificáveis à vida privada, pois como foi salientado neste artigo, é na esfera privada que o indivíduo pode se desenvolver no seu aspecto mais íntimo, sozinho ou com os seus pares; e também se deve ficar atento ao fato de se restringir ou cercear do direito à informação e de imprensa, pois, esse cerceamento pode indicar o caminho para a formação de regimes autoritários, onde a informação suprimida e manipulada com o instrumento de domínio de massa.

 

Referências
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PALHARES, Cinara. Direito à informação e direito à privacidade: Conflito ou complementaridade? Revista dos Tribunais, São Paulo, v.878, ano 97, p.44-66, dez. 2008.
MARCELINO, Pedro Renato Lúcio. A liberdade de informação e o direito à intimidade na Persecução criminal. 2010. 126 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Centro Universitário FIEO, Osasco, 2010.
PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS. Disponível em: http://www.oas.org/dil/port/1966%20Pacto%20Internacional%20sobre%20Direitos%20Civis%20e%20Pol%C3%ADticos.pdf . Acesso em 01 abr. 2014.
SILVA, Angela Maria; PINHEIRO, Maria Salete de Freitas; FREITAS, Nara Eugênia de. Guia para normalização de trabalhos técnico-científicos: Projetos de pesquisa, monografias, dissertações, teses. Uberlândia; UFU, 2004. 158p.
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Informações Sobre os Autores

Wander Pereira

Pós-Doutorado em Criminologia, Pós-doutorado em História do Direito: Filosofia e Constituição. Doutor e Mestre pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Especialista em Direito e Processo do Trabalho, em Direito Público e Filosofia do Direito. Cirurgião-dentista CRO22510, Advogado OABMG109559 graduações pela UFU. Professor visitante do Pós-Doutorado da UFU. Professor de Direito pro tempore da Faculdade de Direito, da Faculdade de Administração e da Faculdade de Ciências Contábeis, todas da UFU. Professor de Direito nas Faculdades ESAMC e UNIPAC, Professor de Direito na Pós-Graduação da PUC-MINAS

Nádia Carrer de Ruman de Bortoli

Professora de Direito Constitucional, Civil e Processual Civil, Advogada, Graduada pela Universidade Federal de Uberlândia


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