Resumo: Um tema muito atual e polêmico no Direito Brasileiro diz respeito à atividade regulatória, cujo destaque em território pátrio começou no governo de Fernando Henrique Cardoso, quando foram criadas diversas Agências Reguladoras, inseridas na Administração Pública Indireta, num paradigma de Estado denominado de Estado Democrático de Direito, e, correlato ao assunto, o poder normativo de que tais Agências gozam e as implicações que tais atos podem trazer nas relações que travam com os particulares.
Palavras-chave: Agências. Reguladoras. Brasil. poder. normativo.
Abstract: A very current and controversial topic in Brazilian Law with respect to regulatory activity, which highlighted the homeland began in the government of Fernando Henrique Cardoso, when several regulatory agencies, inserted in Indirect Public Administration, a paradigm of state called democratic state were created right, and correlate to the subject, the legislative power that such agencies enjoy and the implications that such acts can bring in relations with catching individuals.
Keywords: Agencies. Regulators. Brazil. power. normative.
Sumário: Introdução. 1. A criação das Agências Reguladoras e suas características. 2. O poder normativo das Agências Reguladoras. Conclusão. Referências.
Introdução
O trabalho em tela visa abordar uma questão muito debatida e recentíssima no Brasil, que é a atividade regulatória, cujo destaque em território pátrio começou no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), quando foram criadas diversas Agências Reguladoras, inseridas na Administração Pública Indireta, num paradigma de Estado denominado de Estado Democrático de Direito, em contraposto aos demais que existiram, quais sejam, o Estado Liberal e o Estado Social.
Neste estudo, merecerá análise aprimorada o poder normativo de que as Agências Reguladoras gozam e as implicações que tais atos podem trazer nas relações que travam com os particulares.
Note-se que a atividade regulatória do Estado Brasileiro é algo que surgiu há cerca de 15 (quinze) anos. Ainda, será explicitado que a noção de regulação trazida do exterior (EUA e Franca) para o cenário nacional é controvertida, já que não parece ter sido adequada às peculiaridades do sistema jurídico pátrio; outrossim, não são raras situações em que o poder regulatório dessas Agências é questionado em sede judicial, sob alegação de extravasamento de competência normativa, por se tratar de hipótese reservada à lei.
Porém, se há tantas indagações sob um assunto tão polêmico, o certo é também que as Agências são de suma importância para os recentes processos de privatização e de complexidade fática, em que aspectos da vida cotidiana e do evidente crescimento e desenvolvimento econômico-financeiro e tecnológico do País imprescindem de regulação mais ágil, moderna e flexível.
1. A criação das Agências Reguladoras e suas características
Na fase gerencial de paradigma de Estado, no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), deu-se início a um processo de desburocratização do aparelho estatal e de eficiência e otimização na prestação de serviços públicos. Nesse prisma, foram criados entes públicos descentralizados, as Agências Reguladoras, com o objetivo de fiscalização da prestação de serviços públicos praticados pela iniciativa privada, controle da qualidade na prestação do serviço e de estabelecer regras para o setor, bem como para a intervenção indireta do poder público no mercado, processo no qual se destacou a criação de Autarquias de regime especial.
Nesse sentido, em meados da década de 90 do século XX, à semelhança de modelos adotados em sistemas jurídicos estrangeiros, o direito brasileiro passou a contar com essa figura específica de entidade pública, as quais foram criadas inicialmente nos setores de telecomunicações e energia elétrica.
As Agências Reguladoras são Autarquias especiais criadas por lei e integrantes da Administração Pública descentralizada, como autonomia administrativa e financeira e sem subordinação hierárquica a nenhum órgão de governo, apenas vinculação temática e finalística a determinado Ministério.
Note-se que as Autarquias, entre as quais se incluem as Agências Reguladoras, são pessoas jurídicas de Direito Público Interno, ou seja, como pessoas jurídicas são sujeitos de direitos os quais são dotados de direitos e deveres, para pleitearem suas pretensões em nome próprio e também para serem demandados, judicial ou extrajudicialmente, também de forma direta.
Sobre o tema, transcreve-se o artigo 41 do Código Civil de 2002, verbis:
“Art. 41. São pessoas jurídicas de direito público interno:
I – a União;
II – os Estados, o Distrito Federal e os Territórios;
III – os Municípios;
IV – as autarquias;
IV – as autarquias, inclusive as associações públicas; (Redação dada pela Lei nº 11.107, de 2005)
V – as demais entidades de caráter público criadas por lei.
Parágrafo único. Salvo disposição em contrário, as pessoas jurídicas de direito público, a que se tenha dado estrutura de direito privado, regem-se, no que couber, quanto ao seu funcionamento, pelas normas deste Código.”
Frise-se que as Agências Reguladoras apenas podem ser criadas por lei, com arrimo no artigo 37, inciso XIX, da CF, que tem a seguinte dicção:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)(…)
XIX – somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998).”
Atualmente, segundo dados extraídos de portal do Governo Federal[1], existem 10 (dez) Agências Reguladoras, implantadas entre dezembro de 1996 e setembro de 2001, mas nem todas realizam atividades de fiscalização. São essas as ditas Agências Reguladoras, a saber: Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL); Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA); Agência Nacional de Águas (ANA), Agência Nacional do Cinema (ANCINE), Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), Agência Nacional dos Transportes Terrestres (ANTT) e Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC).
De forma geral, pode-se elencar como traços marcantes comuns de tais Agências a não vinculação à estrutura hierárquica dos Ministérios e a não influência política da Administração Central.
O jurista Dirley da Cunha Junior[2] leciona que as Agências Reguladoras possuem certa independência relativamente aos Poderes Executivo e Legislativo, devido ao fato de possuírem regime especial e os mandatos de seus dirigentes serem fixos.
Com efeito, a autonomia financeira dimana de suas receitas serem próprias vinculadas, arrecadadas diretamente em seu favor, em geral oriundas de taxas de fiscalização ou regulação, ou por meio de destinação direta através do orçamento anual na Lei Orçamentária da União.
Já a autonomia administrativa provém do fato de haver um regime diferenciado de investidura de seus dirigentes e de sua estrutura interna, com servidores e bens próprios, o que impede ingerências externas desnecessárias.
No que tange à autonomia política, é oriunda de haver nas Agências uma direção colegiada e um regime especial de investidura e demissão dos seus administradores, já que seus membros são nomeados pelo Presidente da República, com aprovação do Senado Federal, e providos em cargos em comissão por prazo determinado, sendo que apenas podem ser demitidos mediante regular processo administrativo disciplinar, observados os princípios do contraditório e da ampla defesa, ou através de processo judicial, quando comprovada infração a certas obrigações, ou, ainda, pela perda de requisitos essenciais para o exercício do cargo. Para corroborar essa autonomia, após o fim do mandato de tais dirigentes, há uma “quarentena”, ou seja, sujeitam-se, por um prazo pré-estabelecido, a não atuarem em setores específicos da Autarquia, sobe pena de serem enquadrados no crime de advocacia administrativa.
A estudiosa Daisy de Asper y Valdés[3] sintetiza os elementos essenciais das aludidas Agências desse modo:
“Como autarquias de regime especial, diferem-se das autarquias comuns, pois a lei instituidora lhes confere privilégios específicos com vistas à ampliação de sua autonomia técnica, administrativa e financeira. Seus diretores possuem mandato fixo, o que lhes assegura independência e autonomia nas decisões.
Logo, como pessoas jurídicas de direito público, são sujeitos de direitos e obrigações. Podem, portanto, adquirir direitos e contrair obrigações, inclusive as de indenizar pelos atos danosos, ainda que lícitos.”
Essa relativa autonomia não significa, porém, total independência e desvinculação da Agência. De fato, ao contrário do que uma primeira leitura faz parecer, as competências atribuídas por lei às Agências Reguladoras são extraídas do Poder central, eis que parcelas de poderes da Administração Pública Direta são cedidos a essas Autarquias. Outrossim, frise-se que a atuação de tais Agências não é ilimitada, posto que lhe é defeso assumir a formulação de políticas ou concentrar competências decisórias sobre questões essenciais ao destino da Nação[4].
Tanto assim o é que a Administração Central exerce o controle finalístico sobre tais Agências, de modo que lhe incumbe zelar pelos fins do ente criado, para que os atinja da forma preconizada na lei criadora da Agência, e, assim, podem fiscalizar tais entes.
Com efeito, as Agências encontram-se vinculadas ao Ministério de sua área de atuação, como a ANP fica vinculada ao Ministério de Minas e Energia, a ANS ao Ministério da Saúde e a ANCINE ao Ministério da Cultura, entre outros. Sobremais, as funções de cada uma estão delimitadas pelas leis que as instituíram, já supracitadas; de forma geral, tais atribuições são amplas e abrangentes, como regular determinado setor, organizar o funcionamento do serviço público a qual está vinculada e fiscalizar a prestação dos serviços pelo concessionário.
Ainda, saliente-se que tais Agências detêm outras importantes funções, que são:
“- 1) o poder de editar normas abstratas infralegais (normas de cunho não legislativo), como se dá com a edição de Portarias com disposições específicos sobre o setor em que atua, a tratar pormenorizadamente de assuntos genericamente mencionados em lei ou que exigem tratamento cotidiano e célere, face à necessidade de adequação contínua com as mudanças mercadológicas;
– 2) o poder de adotar decisões discricionárias; repise-se que a maioria das Agências dispõe de uma divisão interna entre órgãos, cada qual responsável por um assunto, e, como tais entes também têm poderes sancionatórios, podem exercer os poderes de polícia e disciplinar, e disso resulta o poder de impor sanções em regular processo administrativo, cuja decisão final poderá resultar a inscrição do débito em Dívida Ativa, com a adoção de medidas restritivas em cadastros próprios, e o ajuizamento da respectiva execução fiscal, e
– 3) o poder de compor conflitos em determinado setor econômico, com ou entre particulares, sendo que tais decisões são vinculantes aos poderes estatais e não estatais. Nesse caso, pode-se exemplificar com a interessante intervenção da ANS no mercado de planos de saúde, ao fixar limites, condições e proteção ao livre mercado e ao consumidor.”
A atuação das Agências está balizada pelo texto constitucional, a saber:
“Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.
§ 1º – A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento.
§ 2º – A lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo.
§ 3º – O Estado favorecerá a organização da atividade garimpeira em cooperativas, levando em conta a proteção do meio ambiente e a promoção econômico-social dos garimpeiros.
§ 4º – As cooperativas a que se refere o parágrafo anterior terão prioridade na autorização ou concessão para pesquisa e lavra dos recursos e jazidas de minerais garimpáveis, nas áreas onde estejam atuando, e naquelas fixadas de acordo com o art. 21, XXV, na forma da lei.
Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
Parágrafo único. A lei disporá sobre:
I – o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;
II – os direitos dos usuários;
III – política tarifária;
IV – a obrigação de manter serviço adequado.”
Além desses pontos, é cediço destacar outra competência da Agência, que é a proteção da livre concorrência, atividade esta que envolve a fiscalização, a supervisão e a regulamentação da livre iniciativa. Esse papel está novamente atrelado às funções cruciais da Agência e aos princípios fundamentais do Estado Brasileiro e aos pilares básicos do Estado Democrático de Direito, como se depreende dos seguintes dispositivos:
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I – a soberania;
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
v – o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.(…)
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I – soberania nacional;
II – propriedade privada;
III – função social da propriedade;
IV – livre concorrência;
V – defesa do consumidor;
VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
VII – redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII – busca do pleno emprego;
IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995)
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”
Sendo assim, na atualidade pode-se resumir as funções das Agências Reguladoras em basicamente 4 (quatro) papéis: regular, fiscalizar, aplicar sanções e compor conflitos[5].
2. O poder normativo das Agências Reguladoras
A problemática, porém, reside nos desvios da concepção clássica da separação dos poderes, que ocorre com a hipoprodução do Legislativo e, por outro lado, a hiperprodução legislativa pelo Executivo[6]. Em verdade, as deficiências de atuação do Legislativo, como a limitação técnica e a demora do processo legislativo, implicam um Poder pouco atuante ou movido pelo clamor social. Por outro lado, a complexidade fática e a imprescindibilidade de respostas mais ágeis, eficientes e satisfatórias permitiram que o Executivo passasse a desempenhar papéis outrora inaceitáveis, inicialmente no Estado Social e, após, através da intervenção indireta no poder econômico, mediante atos infralegais e a atuação de Agências Reguladoras e Executivas.
Esse assunto está relacionado também com o novo papel desempenhado pelo Estado Democrático de Direito, nos termos desenvolvidos pela Reforma do aparelho estatal. Ao se defender uma atuação mais célere e eficiente do Estado e que a Administração Pública valorize mais os fins do que os meios de seus procedimentos, a nova estrutura administrativa, baseada na descentralização da Administração, visa justamente atingir esses objetivos, primando por um Estado mais atento às mudanças e complexidades técnicas e fáticas e que a escolha regulatória se enquadre como uma nova categoria das escolhas administrativas[7].
Nesses termos, Claus Offe, citado por Argemiro Cardoso Moreira Martins[8], entende que essa mudança de papeis do Estado provocou um déficit de legitimidade da administração pública, eis que afeta profundamente o princípio da legalidade, pois “no momento em que as normas jurídicas se tornam utilizáveis do ponto de vista de sua adequação para tarefas concretas, elas perdem por isso mesmo sua capacidade de legitimar, em função de sua validade intrínseca, a escolha e a execução das tarefas.” Assim, a noção de eficiência aponta para critérios de adequação a contextos variáveis, como a regulação do sistema financeiro nacional, que levou a revogação do artigo 192, parágrafo 3◦, da CF, que dispunha sobre a taxa de juros. A complexidade e a mutabilidade do mercado financeiro não se coadunavam com uma atuação engessada, que levou a um dispositivo sem eficácia.
Note-se que, se antes apenas o Legislativo editava leis, a regulação provocou uma inédita capacidade normativa das Agências Reguladoras, que, não poucas vezes, passaram a prever normas que exorbitavam de seu âmbito de atuação e invadiam a competência reservada à lei. Por outro lado, é evidente que a complexidade cotidiana dos temas em que essas Agências atuam demanda uma normatização mais flexível e dinâmica, que não se adequa à rigidez do processo legislativo previsto na CF, sob pena de engessar o desenvolvimento tecnológico, econômico e financeiro do País. Sobremais, é preciso lembrar que a hiperprodução do Executivo está atrelada também à hipoprodução do Legislativo, preso ao jogo de interesses de seus componentes e a um procedimento rígido, próprio do controle constitucional em que se insere.
Logo, a competência reguladora do Executivo põe em crise a definição clássica do princípio da legalidade.
Nesse diapasão, exemplo da inflação legislativa atípica se dá pelo artigo 62 da CF, quando o Executivo edita medidas provisórias, submetidas ao controle do Legislativo. Entretanto, a competência normativa do Executivo tem o ponto mais polêmico nos regulamentos, já que a CF determina a preponderância da lei, em acepção ampla (com fulcro no artigo 5◦, inciso II, da CF, a abranger o texto constitucional e as espécies normativas do artigo 59 da CF), mas admite a existência de regulamentos. Estes se dividem em regulamentos de execução, destinados a facilitar a aplicação das normas contidas na lei, e autônomos, que inovam a ordem jurídica, ao criarem direitos e obrigações sem a prévia existência de lei.
A doutrina majoritária entende ser vedado o regulamento autônomo no ordenamento jurídico brasileiro, embora o assunto seja muito polêmico.
Nesse ponto, Marçal Justen Filho ressalva que o regulamento não pode se restringir a reiterar os termos da lei, já que seria inútil; assim, sustenta que “o que se pode discutir não é a existência de cunho inovador nas regras contidas no regulamento, mas a extensão da inovação produzível por essa via”[9]. Porém, Sérgio Guerra entende que essa posição tem sido minimizada, de modo a se permitir o exercício do poder regulamentar autônomo, desde que se traduza “no fiel detalhamento das condições de realização de direitos, deveres e demais disposições normativas previstas, explícita ou implicitamente, na lei que lhe confere fundamento de validade” e afirma que o Supremo Tribunal Federal (STF) vem admitindo essa espécie de regulamento, embora o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ainda não[10].
A divergência doutrinária também se dá se quanto ao exercício da competência reguladora do artigo 84, inciso IV, da CF, isto é, se restrita ao Executivo ou se inclui também as Agências Reguladoras. Citada por Fernando José Gonçalves Acunha, o professor destaca que Maria Sylvia Zanella di Prieto discorda do exercício da competência normativa pelas Agências Reguladoras, pois o Constituinte Originário atribuiu sua titularidade apenas ao Presidente da República[11].
De qualquer forma, admitindo-se a competência reguladora das Agências Reguladoras, objeto de muita controvérsia teórica e jurisprudencial são os limites que um ato infralegal possui nessa competência reguladora, ou seja, se deve restringir-se a esclarecer conceitos técnicos-científicos ou se pode inovar a ordem jurídica, como ocorre quando um decreto trata de matéria diversa da lei, tornando-a mais flexível ao rígido regime jurídico administrativo de licitações e contratos pelo Poder Público[12].
A questão fica, pois, nos limites do poder regulamentar pelo Executivo e por suas Agências Reguladoras e Executivas. Isso porque a criação de Agências faz com que, muitas vezes, ao tratar de aspectos técnicos específicos da lei, excedam os limites legais. Por outro lado, essa atuação é conflituosa porque a própria Constituição fixa muitos standards e conceitos indeterminados, valorativos e técnico-científicos, que prescindem da atuação do intérprete e da auxiliar normatização técnica das Agências.
Note-se que a delimitação da ilegalidade ou não do regulamento fica adstrita muitas vezes ao Judiciário, e o equilíbrio entre as funções estatais é tutelado também por outros mecanismos, como a atuação do Tribunal de Contas.
Destarte, conclui-se que o tema de regulação no Direito Brasileiro é ainda muito recente e polêmico, pois, de um lado, traz inegável avanço ao permitir a primazia da eficiência e da técnica ao invés da política e da burocracia, mas, por outro lado, põe em cheque o conceito tradicional de separação de poderes, o qual sofreu mudanças consideráveis nos últimos tempos em face da sobreposição de funções entre os órgãos de poder e não raramente resulta em demanda judiciais para se ter uma decisão transitada em julgado sobre o assunto e apaziguar conflitos sociais.
Conclusão
Como visto, as Agências Reguladoras constituem instrumento da intervenção estatal no mercado, aptas a exercer a regulação e a editarem normas regulamentares e técnicas em setores específicos em que atuam, sendo que sua criação foi impulsionada pelas privatizações levadas a feito em nosso País e iniciadas na década de 90 do século passado, cabendo a elas garantir a qualidade dos serviços privatizados.
Detentoras de discricionariedade, as Agências só poderão discriminar dentro de critérios técnicos, dentro do que se chama de “discricionariedade técnica”, segundo a qual existe acentuada restrição à liberdade de escolha do titular do poder e seu juízo de conveniência e oportunidade somente poderá ser exercido dentro critérios técnicos e científicos e de uma visão estratégica. Note-se, ainda, que esses critérios não podem ser objeto de apreciação pelo Judiciário, já que a este fica restrita a análise dos aspectos de legalidade.
Ao lado dessas características peculiares, um ponto que merece destaque acerca de tais Agências é o poder normativo de que são detentoras. Inicialmente, em obediência à separação tradicional de poderes, entendia-se que somente o Legislativo podia editar leis. No entanto, a regulação provocou uma inédita capacidade normativa das Agências Reguladoras, que, não poucas vezes, passaram a prever normas que exorbitavam de seu âmbito de atuação e invadiam a competência reservada à lei. Por outro lado, é evidente que a complexidade cotidiana dos temas em que essas Agências atuam demanda uma normatização mais flexível e dinâmica, que não se adequa à rigidez do processo legislativo previsto na CF, sob pena de engessar o desenvolvimento tecnológico, econômico e financeiro do País. Sobremais, reitere-se que a hiperprodução do Executivo está atrelada também à hipoprodução do Legislativo, preso ao jogo de interesses de seus componentes e a um procedimento rígido, próprio do controle constitucional em que se insere.
Em sendo assim, a competência reguladora do Executivo põe em crise a definição clássica do princípio da legalidade e também ao dogma da separação dos poderes, os quais passaram a sofrer releituras e muitas vezes a posição final sobre eventual controvérsia fica dependente de um posicionamento definitivo do Poder Judiciário.
Informações Sobre o Autor
Graziele Mariete Buzanello
Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo 2006. Pós-Graduada em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera-Uniderp Rede LFG 2010. Procuradora Federal