Linhas preliminares sobre Direito do Consumidor

Para tratarmos das relações de consumo, precisamos igualmente abordar a passagem do Estado Liberal para o Estado Social.

O Estado Liberal[1] surgiu no século XVIII em contraposição ao Estado Absolutista[2] cujo ícone mais conhecido foi Luís XIV[3] cujo epiteto mais famoso foi "L'État c'est moi" (em português: O Estado sou eu).

O modelo constitucional liberal deu prioridade à liberdade do indivíduo e ao direito de propriedade, princípios fundamentais que ajudaram a burguesia a efetivar a manutenção do sistema capitalista.

Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!

A ordem econômica segundo o modelo liberal é decorrente das leis naturais, cabendo ao indivíduo contribuir com sua racionalidade, interesse e motivação no mercado de trocas de bens e serviços para obter o máximo de benefício.

As Constituições liberais muito se preocupavam basicamente com os direitos fundamentais individuais e com a organização política do Estado, sendo receptáculos, portanto, da ordem política.

O principal fundamento do liberalismo é o absoluto respeito às liberdades individuais em face da atuação do Estado. O liberalismo encara a necessidade de garantir a liberdade individual como sendo indispensável para que se alcance sua satisfação.

A primeira manifestação econômica da doutrina liberal é o postulado da livre iniciativa[4] que consagra o direito ao desenvolvimento, atribuído sem qualquer restrição, condicionamento ou imposição descabida por parte do Estado[5].

Pode-se enfim deduzir que os direitos individuais contidos nas constituições liberais não eram apenas instrumentos de defesa do indivíduo, mas principalmente a expressão da ordem econômica e social liberal. Sendo em verdade, uma garantia constitucional da economia capitalista.

A concepção de Estado Liberal gerou, em momentos críticos da humanidade, uma situação insuportável, de modo que mesmo em países de intensa tradição liberal e capitalista, passou-se admitir a necessidade de intervenção do Poder Público no mercado e na economia, ainda que extremamente restrita ou em setores específicos predeterminados.

Então a partir do século XIX podemos reparar que há maior movimento que estimula maior intervenção do Estado na economia, em razão pelo qual os direitos econômicos e sociais passaram ter amparo constitucional.

É certo, porém admitir que com um liberalismo exacerbado, o indivíduo não teria como ter e gozar do direito de ir e vir, restando a margem da sociedade. Passou-se a ser adotado o sistema chamado de modelo social democrata[6].

A secular sedimentação da concepção ocidental dos direitos individuais que formulou no pensamento filosófico e político, para projetar-se nas normas constitucionais dos séculos XVIII e XIX, a partir das matrizes norte-americana e francesa, passou a sofrer reparos e ajustes de novas correntes em ascensão com reflexos na doutrina constitucionalista.

Não se negava a relevância dos direitos individuais e nem se contestava a necessidade de incorporação ao texto constitucional. A crítica concentrava-se no seu individualismo político e reclamava a complementação desses direitos, para que fossem atualizados em função de novas realidades.

 E, pudesse estes oferecer ao homem a proteção concreta que a norma abstrata e semântica a Constituição nem sempre proporcionava.

Desta forma, os direitos fundamentais de segunda geração[7] passaram a ter amparo constitucional, assumindo o Estado um notório caráter assistencialista.

Tais direitos têm como objetivo aniquilar as barreiras sociais, protegendo o mais fraco e exigindo a presença dinâmica do Estado, a fim de garantir os direitos de primeira geração. 

Segundo o movimento mundial a Constituição Brasileira de 1934 foi a primeira que inseriu um capítulo dedicado à ordem econômica e social, com a garantia dos princípios de justiça e existência digna.

Também previa a intervenção do Estado na economia, a liberdade sindical e os princípios fundamentais do direito do trabalho.

A Constituição Brasileira de 1988 que está em vigor inseriu também um conjunto de diretrizes, programas e fins que devem ser perseguidos pelo Estado e pela sociedade conferindo caráter de plano global normativo.

Com o art. 170 do texto constitucional pátrio adotamos explicitamente o modelo de economia capitalista onde a livre iniciativa é princípio basilar da economia de mercado.

No entanto, não deixou de consignar a defesa do consumidor com o fito de coibir os possíveis abusos ocorridos no mercado de consumo. A promoção da defesa do consumidor finalmente se efetivou mais amplamente com a promulgação do Código de Defesa do Consumidor em 11 de setembro de 1990.

Por força dos ditames constitucionais e particularmente do princípio da dignidade da pessoa humana[8] que está expresso no art. 1º, III podemos confirmar que a defesa do consumidor busca também a defesa da pessoa humana cuja proteção deve sobrepor-se dos interesses produtivos e patrimoniais.

As regras estabelecidas no CDC são normas de ordem pública e de interesse social. E, nas relações de consumo, a autonomia privada das partes se encontra mais mitigada, devendo as partes obedecer às regras e princípios estabelecidos pela lei consumerista.

Note-se que são normas cogentes e que podem ser aplicadas de ofício pelo julgador e legitimam o Ministério Público[9] e as associações de Defesa do Consumidor a requerer em juízo o fiel cumprimento dos direitos dos consumidores.

Apesar da Súmula 381 do STJ[10] ao tratar da aplicação de ofício das normas do CDC trazer orientação divergente da doutrina majoritária e prevalente, determinando que nos contratos bancários seja vedado ao juiz conhecer de ofício, da abusividade das cláusulas.

Nosso ordenamento jurídico é composto por leis que regem diversas e específicas matérias tais como a Lei de Locações (a Lei 8.245/91), a Lei do Seguro (Dec. 73/66), a Lei dos Condomínios e Incorporações (Lei 4.591/64) entre outras.

A Lei 8.078/90 é o denominado CDC que só será aplicado quando houver relação de consumo, o que não impede a aplicação das demais leis especiais, no mesmo caso concreto, sempre respeitando os princípios da aplicação[11] da norma.

A relação jurídica de consumo possui três elementos: o subjetivo, o objetivo e ainda o finalístico.  O primeiro elemento se refere às partes envolvidas, ou seja, o fornecedor ou prestador de serviços e o consumidor.

Já o segundo elemento corresponde ao objeto sobre o qual recai a relação jurídica, podendo ser produto ou serviço, ou mesmo até ambos.

Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!

E, finalmente o elemento finalístico que informa que o consumidor deve adquirir e utilizar o produto ou serviço como destinatário final.

Esclareço que a relação de consumo pode ser efetiva quando resultante de efetiva transação entre o consumidor e o fornecedor, e, pode ser ainda presumida quando resultante da simples oferta ou de publicidade inserida no mercado de consumo.

O CDC corresponde a um microssistema jurídico pois insere regras de natureza civil, administrativa, penal e processual na defesa do consumidor.

Porém, o CDC não traz em seu bojo todos os conceitos jurídicos necessários para sua perfeita interpretação e aplicação. Portanto, a lei consumerista não é completa e se socorre de regras de Código Civil desde que não contrariem as regras protetivas ao consumidor.

O CDC define consumidor[12] como toda pessoa física ou jurídica que adquira e utiliza produto ou serviço como destinatário final.  Há ainda a definição de consumidor por equiparação ou bystander[13] sendo este a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

A expressão “destinatário final” trouxe complexidade tanto na seara doutrinária como jurisprudencial. E fez surgir três correntes doutrinárias para apontar quem seja o destinatário final de um bem de consumo, a saber: a) a teoria finalista (minimalista ou subjetiva); b) a tese maximalista; c) a tese finalista temperada (ou finalista aprofundada).

A doutrina finalista enxerga o consumidor como aquele que retira definitivamente de circulação o produto ou serviço do mercado. Para suprir a necessidade pessoal ou privada e, não para o desenvolvimento de outra atividade de cunho empresarial ou profissional. Há de se compreender que insumo não é consumo[14].

Para os finalistas a intenção do legislador ao outorgar o CDC estava em tutelar, de maneira especial e diferenciada, o mais vulnerável[15] e, em alguns casos, o hipossuficiente.

Adotam o conceito econômico de consumidor e a pessoa jurídica será considerada consumidora quando o produto ou serviço adquirido ou contratado não tenha qualquer conexão direta ou indireta com a atividade econômica por esta desenvolvida, e que seja demonstrada a sua vulnerabilidade[16] em face do fornecedor.

Também a pessoa jurídica que não tenha intuito de lucro será sempre considerada consumidora, tais como as associações, fundações, entidades religiosas e partidos políticos.

Doutrina maximalista ou objetiva já é bem mais condescendente ao considerar consumidor aquele que utilize ou adquira o produto ou serviço na condição de destinatário final, não interessando o uso particular ou profissional feito.

E, nessa hipótese o insumo pode ser considerado consumo mesmo que entre em processo de produção, transformação, montagem, beneficiamento ou revenda. A interpretação é bem extensa do art. 2º do CDC.

Consideram tal definição puramente objetiva, sendo o destinatário final um mero destinatário fático do produto ou serviço. A simples retirada do bem do mercado de consumo, ou seja, o ato objetivo já caracteriza a relação de consumo e o sujeito do consumidor.

Doutrina finalista temperada é o desdobramento da tese finalista (a que considera consumidor somente quem adquire produto ou serviço para uso próprio).

Mas, dependendo do caso é possível considerar como destinatário final mesmo que utilizando para fins profissionais ou econômicos, se houver vulnerabilidade[17] do adquirente. É o caso do taxista que compra um veículo automotor com a finalidade auferir lucro transportando passageiros.

Inegável que há o uso econômico do produto em questão, mas o referido taxista é tão vulnerável como o adquirente de um veículo para passeio, então deve ser considerado como consumidor.

Suponhamos que o taxista tenha adquirido veículo contendo vários defeitos de fabricação. Adotada a corrente finalista temperada, seria considerado taxista conforme o art. 2º do CDC pelos vícios do produto conforme o art. 18 do CDC o que apresenta grandes vantagens em comparação à relação regulada pelo Código Civil.

Desta forma, a doutrina finalista temperada traz uma interpretação mais aprofundada e madura revitalizando o finalismo e permitindo tratar os casos mais difíceis.

Há certa tendência do STJ em observar a corrente finalista temperada com a análise da vulnerabilidade do consumidor.

O freteiro adquirente de caminhão que contenha defeitos[18] é considerado consumidor, quando sua vulnerabilidade é constatada seja por hipossuficiência fática, técnica ou econômica.  E, poderá utilizar-se das regras do CDC para se ressarcir.

Também há atividade de consumo intermediária como aquela realizada de bens para o escritório de uma Administradora de crédito.

Nem sempre é simples a interpretação da expressão “destinatário final” no caso concreto. Apesar da tendência majoritária de orientar-se pela aplicação do CDC através da doutrina finalista temperada.

De fato, o CDC foi publicado em 11/09/1990, o Código Civil então vigente (o de 1916) estava em consonância com o Estado Liberal.

A tendência na época era pela doutrina maximalista aplicando a lei consumerista para grande parte das relações jurídicas com o objetivo de garantir a equidade e justiça social no caso concreto.

Mas, atualmente com o Código Civil ora vigente, ou seja, o de 2002 já trouxe regras e princípios que muito se aproximam das regras e princípios do CDC.

Realmente, a eticidade, a socialidade e a operabilidade são paradigmas assumidos pelo atual Código Civil e, estão em plena harmonia com a boa-fé e o interesse social do CDC.

Desta forma, o CDC deve ser aplicado para o vulnerável que precisa da proteção do Estado por estar em desigualdade com o fornecedor. E, o Código Civil deve ser aplicado nas relações entre iguais entre si, relações entre civis e relações entre empresários.

É certo também que a cláusula geral de função social do contrato, da boa-fé objetiva e do abuso do direito estabelecidos pelo Código Civil vigente garante aos civis e empresários a justiça contratual no caso concreto.

Evidentemente o conceito de consumidor ora estudado não é suficientemente abrangente para abrigar todas as situações em que se faz necessária a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, conforme veremos a seguir.

Os interesses e os direitos dos consumidores podem ser violados sem que, necessariamente, estes integrem relação de consumo como destinatário final. Desta feita, o art. 2º, parágrafo único, equipara o consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!

O exemplo mais trivial é aquele caso em que o fornecedor veicula propaganda enganosa ou abusiva. Nesse caso, não se faz necessário que o consumidor adquira o produto ou serviço[19] ou tenha danos efetivos, bastando, tão somente, que haja a veiculação da publicidade enganosa ou abusiva para a configuração de relação de consumo e a consequente aplicação das penalidades previstas na lei consumerista.

Assim, as pessoas de uma casa que sofreram um dano decorrente da utilização de algum produto contaminado comprado por apenas um deles, embora não possam ser considerados consumidores stricto sensu, equiparam-se a consumidor, beneficiando-se das normas protetivas do CDC.

Assim o art. 29 do CDC equipara aos consumidores aqueles expostos a práticas comerciais abusivas. Mas, já decidiu o STJ que não há relação de consumo nos moldes do art. 29 do CDC quando o contratante não traduz a condição de potencial consumidor nem de parte aderente, firmando negócio jurídico por acordo de vontades, na forma de contrato-tipo (REsp 655436/MT, Min. João Otávio de Noronha, DJ 28.04.2008).

Prevê o art. 17 do CDC a equiparação ao consumidor de todas as vítimas do evento. Assim, o sujeito que não fez parte do negócio jurídico entre consumidor e fornecedor, mas foi vítima de acidente de consumo, oriundo desse negócio jurídico, é equiparado a consumidor, aplicando-se todas as prerrogativas concedidas pelo CDC.

Atente-se ao fato de que no caput do art. 2º do CDC temos a definição de consumidor stricto sensu ou standard e nos arts. 2º, parágrafo único, 17 e 29 do mesmo diploma legal identificaram a definição de consumidores equiparados.

Jamais se deve esquecer que consumidor segundo o CDC, não é somente a pessoa física, mas também a pessoa jurídica que adquire ou utilize produto ou serviço como destinatário final e, também a coletividade de pessoas ainda que indeterminável que venha intervir nas relações de consumo.

A identificação da pessoa do fornecedor[20] é fornecida pelo art. 3º do CDC como sendo toda pessoa física ou jurídica, nacional ou estrangeira, de direito público ou privado, que atua na cadeia produtiva, exercendo atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

O fornecedor é qualquer pessoa física, ou seja, qualquer pessoa que, a título singular, mediante desempenho de atividade mercantil ou civil de forma habitual, ofereça no mercado produtos ou serviços, e a pessoa jurídica, da mesma forma, mas em associação mercantil ou civil de forma habitual.

Assim serão fornecedores todos que desenvolvam atividades tipicamente profissionais mediante remuneração, excluindo da relação de consumo aqueles que eventualmente tenham colocado o produto ou serviço no mercado de consumo sem o caráter profissional.

O requisito fundamental para caracterizar o fornecedor na relação de consumo é a habitualidade, ou seja, o exercício contínuo de determinado serviço ou fornecimento de produto.

Assim, por exemplo, a empresa que presta serviços de dedetização e que, para renovar sua frota, vende veículo de sua propriedade a particular não poderá ser considerada fornecedora no que tange a compra e venda deste veículo. Posto que a habitualidade situa-se na prestação de serviços de dedetização e não na comercialização de automóvel. Nessa hipótese, em questão incidem as regras do Código Civil e não as regras do CDC.

Quanto às sociedades civis sem fins lucrativos (de caráter beneficente e filantrópico) estas igualmente poderão ser consideradas como fornecedoras, como por exemplo, fornecem serviços médicos, hospitalares, odontológicos e jurídicos aos seus associados.

Para se definir o fornecedor utilizam-se critérios objetivos sendo irrelevantes a sua natureza jurídica, a espécie de serviços prestados e até mesmo o fato de se tratar de sociedade civil sem fins lucrativos, de caráter benemérito e filantrópico, bastando que desempenhe determinada atividade no mercado de consumo mediante remuneração.

Os artigos que especificam o fornecedor: o art. 8º, parágrafo único onde consta fabricante, que tem o dever de prestar informações sobre o produto industrial; art. 12 que corresponde responsabilidade do fabricante, produtor, construtor e importador; art. 13 refere-se à responsabilidade do comerciante; o art. 14, quarto parágrafo refere-se à responsabilidade dos profissionais liberais; art. 18, quinto parágrafo que se refere ao fornecedor imediato (comerciante referente aos produtos in natura); art. 19, segundo parágrafo que se refere ao fornecedor imediato (comerciante) responsável pela pesagem dos produtos, deve ter balança aferida segundo os padrões oficiais; art. 21 que diz respeito ao fabricante (especificação técnica) na reparação de produtos; art. 25, segundo parágrafo que se refere ao fabricante, construtor, importador e quem realizou a incorporação (que respondem por dano em função de peça ou componente incorporado ao produto); art.32 que se refere aos fabricantes e importadores (peças de reposição) e por fim, o art. 33 que diz respeito ao fabricante (nome na embalagem na oferta ou venda por telefone).

É discutível a possibilidade de as sociedades cooperativas[21] serem incluídas no rol de fornecedores de produtos e serviços do CDC. Não há de se cogitar em relação de consumo, já que a cooperativa[22] caracteriza-se, principalmente, pela mutualidade e presença do próprio cooperado nas decisões das cooperativas.

Evidentemente não nos referimos às chamadas “cooperativas de fachada” que apenas utilizam-se desta carapaça jurídica para se furtarem das obrigações fixadas pelo CDC.

Contudo, é relevante saber se realmente o cooperado participa efetivamente da cooperativa e se todos os requisitos necessários para a configuração deste tipo de sociedade estão presentes, ou se a empresa se utiliza deste tipo de sociedade apenas para esquivar-se de suas obrigações como fornecedora.

Também o Poder Público pode ser enquadrado como fornecedor de serviço, toda vez que, por si ou por seus concessionários, atuar no mercado de consumo, prestando serviço mediante a cobrança de preço.

É o caso quando o Estado for fornecedor de serviço público de tratamento de água e esgoto, mediante pagamento de preço pelo consumidor, é fornecedor de serviços nos termos do CDC.

Da mesma forma, os concessionários de serviços públicos de telefonia, que atuam no mercado de consumo através de contratos administrativos de concessão de serviços públicos[23], são fornecedores de serviços nas relações com os usuários, e consequentemente, devem observar os preceitos estabelecidos pelo CDC.

Mas o preço pago pelo consumidor na prestação de serviços públicos, conforme explicitado, não pode ser confundido com a prestação pecuniária compulsória. Somente haverá relação de consumo se houver manifestação de vontade do consumidor em adquirir o serviço prestado pelo Estado ou seus concessionários[24].

Também não se inserem os tributos em geral, ou taxas e contribuições de melhoria especialmente que se inserem no âmbito das relações de natureza tributária. Não se pode também confundir tributos com tarifas, estas, sim, inseridas no contexto de serviços ou, mais particularmente, o preço público, e pelos serviços prestados diretamente pelo Poder Público, ou então mediante concessão ou permissão pela iniciativa privada.

Lembrando que os impostos é espécie de tributo, estes têm como nota característica sua desvinculação a qualquer atividade estatal específica em benefício do contribuinte. Consequentemente, o Estado não pode ser coagido à realização de serviços públicos como contraprestação ao pagamento de impostos. Desvincula-se, desta forma, qualquer relação de consumo entre o Estado e o contribuinte em razão de pagamento de impostos.

A taxa, como espécie tributária que é, tem sua cobrança inteiramente submetida ao regime de direito público, mais precisamente ao regime tributário. É obrigação ex lege, só podendo ser exigida dos particulares em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição (art. 77 do CTN). O preço público ou tarifa é a contraprestação paga pelos serviços pedidos pelos consumidores ao Estado[25].

Desta forma, para haver preço, é necessário haver contrato, que é justamente a manifestação de vontade das partes em criar, modificar ou extinguir direitos.

Os entes despersonalizados também podem figurar como fornecedores de produtos e serviços. Previu o legislador a possibilidade de entes sem personalidade jurídica exercerem atividades produtivas no mercado de consumo. É o caso da massa falida, o espólio de comerciante individual e as pessoas jurídicas de fato, ou seja, as pessoas jurídicas que não estão devidamente regularizadas na forma da lei.

O elemento objetivo da relação de consumo, isto é, o objeto sobre o qual recai a relação consumerista e que é denominado pelo CDC de produto ou serviço.

O art. 3, primeiro parágrafo define como produto como sendo qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial suscetível de apropriação e que tenha valor econômico, destinado a satisfazer uma necessidade do consumidor.

O segundo parágrafo do art. 3º CDC serviço é toda atividade desenvolvida em favor do consumidor. Estando inclusas as atividades bancárias, financeiras, de crédito e securitárias estariam também inclusas no rol de serviços, para que não houvesse d´vida quanto à incidência do microssistema para estas atividades.

No que tange à expressão mediante remuneração[26], esta deve ser estendida de maneira abrangente, uma vez que esta remuneração pode ser feita direta ou indiretamente pelo consumidor. Muitas vezes, o produto ou serviço é oferecido gratuitamente ao consumidor, mas o custo daí inerente está embutido em outros pagamentos efetuados pelo consumidor.

Analisando o art. 3º do CDC percebemos o uso da terminologia "produto" ao invés de bem sendo mais condizente com a relação de consumo e, porque o vocábulo abranger tanto os bens de natureza patrimonial e econômica, como também os que não possuem natureza patrimonial e, portanto, não suscetíveis de valoração econômica. Assim, o CDC só disciplina os bens econômicos, podendo ser o produto material ou imaterial. Sendo mesmo possível que o objeto da relação de consumo seja o produto acrescido do serviço.

 

Referências:
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Direito do Consumidor. São Paulo: Editora Atlas, 2008.
DENSA, Roberta. Direito do Consumidor. Série Leituras Jurídicas – Provas e Concursos. Vol. 21. 6ª. Edição. São Paulo: Editora Atlas, 2010.
GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do Consumidor. Código Comentado e Jurisprudência. 6ª. Edição. Niterói: Editora Impetus, 2010.
MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Hermann V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 4ª. Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.
OLIVEIRA, Katiane da Silva. A teoria da perda de uma chance: Nova vertente na responsabilidade civil. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n.83, Disponível: http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8762&revista_caderno=7 Acesso em 25/06/2014.
TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito do Consumidor. Direito Material e Processual. Volume único. São Paulo: Editora Método, 2012.
 
Notas:
[1] O Estado Liberal numa perspectiva histórico-sociológico é aquele que sucedeu o Estado Absolutista. Enquanto este se caracterizou geralmente por uma relação autoritária entre a classe governante e o povo, o liberalismo, por outro lado, pregou a dissociação entre o Estado e a economia que, por sua vez, deveria ser estimulado e regulado pelo próprio mercado (e, não pela elite política) segundo Adam Smith, em sua obra "A Riqueza das Nações".

[2] Estado Absolutista foi um modelo político que se espalhou por vários países europeus no início da Idade Moderna, como consequência da destituição do feudalismo. Foi abastecido pela expansão do mercantilismo marítimo, como uma forma dominante de relação política.  E, nesse sentido, o liberalismo consagrou-se em ser a doutrina que pregou a defesa da liberdade no campo político representando uma reação ao Estado Absolutista.

[3] Apesar de que grande parte dos historiadores apontarem que se trata de mito ou lenda. Também se credita a esse rei absolutista a frase "Eu quase que esperei" que disse mesmo com todas as suas carruagens chegando pontualmente à hora marcada, o que ilustra bem o caráter absolutista e a visão que ele tinha de si mesmo. Teve o mérito de organizar a etiqueta da vida cortesã em um modelo que os seus descendentes seguiram à risca. É citado como Rei- Sol além do fato de ter lançada a moda do uso de perucas, costume que se prolongo por pelo menos cento e cinquenta anos nas cortes europeias e também nas cortes no Novo Mundo. Construiu o Palácio dos Inválidos e o luxuoso Palácio de Versalhes.

[4] O princípio da livre iniciativa é considerado como fundamento da ordem econômica e atribui a iniciativa privada o papel primordial na produção ou circulação de bens ou serviços, constituindo a base sobre a qual se constrói a ordem econômica, cabendo ao Estado apenas uma função supletiva pois a Constituição
Federal determina que a este cabe apenas a exploração direta da atividade econômica quando necessária a segurança nacional ou relevante interesse econômico (art. 173 da CF/1988). Segundo José Afonso da Silva, em seu Curso de Direito Constitucional Positivo ensina in verbis: "a liberdade de iniciativa envolve a liberdade de indústria e comércio ou liberdade de empresa e a liberdade de contrato".

[5] O direito reprime duas formas de concorrência por desprestigiarem a livre iniciativa, quais sejam: a concorrência desleal e o abuso de poder. A primeira é reprimida tanto pelo direito civil como pelo direito penal nos casos em que houver violação ao direito constitucional de explorar a atividade econômica expresso no princípio da livre iniciativa como fundamento da organização econômica, sendo esse dever em relação ao Estado fundado na inconstitucionalidade de exigências administrativas não fundadas em lei para o estabelecimento e funcionamento de uma empresar e no que concerne aos particulares que se traduz pela ilicitude de certas práticas de concorrência. Na concorrência desleal o empresário tem o intuito de prejudicar seus concorrentes, de modo claro e indisfarçado, retirando-lhes, total ou parcialmente, fatias do mercado que haviam conquistado, infligindo perdas a seus concorrentes, porque é assim que poderão obter ganhos. O abuso de poder no qual está prevista constitucionalmente a sua repressão, através do art. 173, § 4º da CF/1988.

[6] A social-democracia é ideologia política que tem como objetivo o estabelecimento de socialismo democrático. Surgida no final do século XIX por partidários do marxismo que acreditavam que a transição para uma sociedade socialista deveria ocorrer sem uma revolução, e, sim por meio de gradual reforma legislativa do sistema capitalista a fim de torná-lo mais igualitário. Atualmente em vários países, os sociais-democratas atuam em conjunto com os socialistas democráticos, que se situam à esquerda da social-democracia no espectro político. No final do século XX, alguns partidos social-democratas,  com o Partido Trabalhista britânico, o Partido Social-Democrata da Alemanha começara a se interessar pelas políticas econômicas liberais, originando o que foi caracterizado de "Terceira Via".

[7] Os chamados direitos sociais ou de segunda dimensão ou geração. Correspondem sobre o dever constitucional de prestações estatais com intuito de equilibrar as relações intersubjetivas (indivíduo e Estado; indivíduo e indivíduo) para consagração da almejada justiça social. Os direitos fundamentais agrupam-se num amplo rol de normas jurídicas constitucionais emissoras de efeitos jurídicos com alta densidade de valores histórico-sociais, os quais podemos conceituar como os direitos público-subjetivos de pessoas (físicas ou jurídicas), contidos em dispositivos constitucionais e, portanto, que encerram caráter normativo supremo dentro do Estado, tendo como finalidade limitar o exercício do poder estatal em face da liberdade individual.
A evolução histórica e social dos direitos fundamentais fora consagrada pelo jurista Karel Vasak conforme a bandeira francesa que simboliza a liberdade, a igualdade e a fraternidade o que desenhou as gerações ou dimensões dos direitos fundamentais. A primeira geração dos direitos corresponde a dos direitos civis e políticos, fundamentados na liberdade (liberté) que tiveram origem nas revoluções burguesas; A segunda geração corresponde aos direitos econômicos, sociais e culturais baseados na igualdade (égaité) impulsionada pela Revolução Industrial e pelos problemas sociais por esta causados; e a terceira dimensão seria referente aos direitos de solidariedade, em especial o direito ao desenvolvimento, à paz e ao meio ambiente, coroando a tríade com a fraternidade ou fraternité que ganhou notável expressão após a Segunda Grande Guerra Mundial.

[8] Indubitavelmente o conceito de dignidade humana está intimamente ligado à noção de liberdade pessoal de cada indivíduo. Afinal, o homem como ser livre e responsável por seus atos e destino. A dignidade é caráter inerente ao ser humano, não podendo se distanciar desta, sendo uma meta permanente do Estado Democrático de Direito mantê-la. Afinal, a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos principais, senão o fundamento basilar do Estado Democrático de Direito.

[9] Outro importante órgão além do PROCON é o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) que é vinculado à Secretaria de Direito Econômico, do Ministério da Justiça, é o órgão responsável pela coordenação do SNDC – Sistema Nacional de Defesa do Consumidor tendo suas atribuições estabelecidas no art. 106 do CDC, e nos arts. 3º, incisos I e X, e art. 63 do Decreto 2.181/97. Cumpre o DPDC planejar, elaborar, propor coordenar e executar a Política Nacional de Defesa do Consumidor.

[10] STJ Súmula nº 381 – 22/04/2009 – DJe 05/05/2009 Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas.

[11] O CDC constitui típica norma pós-moderna no sentido de redimensionar conceitos antigos do Direito Privado, tais como o contrato, a responsabilidade civil e a prescrição. E variados fatores contribuíram para tanto, como a globalização, a ideia de unidade mundial, de um modelo geral para as ciências e para o comportamento das pessoas. Cogita-se hoje em linguagem global, em economia globalizada, em mercado uno, em doenças e epidemias mundiais e até um Direito unificado.  No CDC brasileiro tal tendência pode ser identificada pela abertura constante do seu art. 7º que admite a aplicação de fontes do Direito Comparado, caso dos tratados e convenções internacionais.

[12] Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se ao consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.
Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.
Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas, determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.

[13] Desta forma, quem quer que intervenha, ainda que de modo indeterminado, nas relações de consumo, é equiparado ao consumidor, recebendo a proteção a este dispensada.  Quando ocorrer determinado dano, seja causado por vício ou defeito na qualidade de bens ou serviços, além de atingir o próprio consumidor, afetar terceiro alheio à própria relação jurídica de consumo. Juntamente para tutelar os direitos e os interesses daquele, integrante ou não da relação de consumo, que sofreu dano ou prejuízo, dispõe o art. 17 do CDC que para efeitos da responsabilidade pelo fato do produto ou serviço equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.

[14] A atual jurisprudência do STJ reconhece a existência da relação de consumo apenas quando ocorre a destinação final do produto ou serviço, e não nos casos em que o bem comprado seja utilizado para outra atividade produtiva. Para que o consumidor seja considerado destinatário econômico final, o produto, serviço adquirido ou utilizado não pode ter qualquer conexão, direta ou indireta, com a atividade exercida pela empresa compradora. Só há destinação final quando atende a uma necessidade própria e pessoal do consumidor.

[15] O art. 4º, inciso I do CDC aponta que o consumidor é vulnerável, significando ser a parte fraca da relação de consumo. Na medida em que não só não tem acesso ao sistema produtivo como também não tem condições de conhecer seu funcionamento, por não ter informações técnicas, nem ter informações sobre o resultado, que são os produtos e serviços oferecidos. De acordo com a Professora Cláudia Lima Marques, vulnerabilidade significa uma situação permanente ou provisória, individual ou coletiva, que fragiliza, enfraquece o sujeito de direitos, desequilibrando a relação de consumo. É uma característica, um estado do sujeito mais fraco, um sinal de necessidade de proteção. Portanto, a vulnerabilidade exclui a premissa de igualdade entre as partes envolvidas, e justamente em razão da desigualdade é que o vulnerável é protegido.
Todo consumidor é vulnerável, porém nem sempre hipossuficiente. Pois o conceito de hipossuficiência vai além do sentido literal das expressões pobre ou sem recursos, aplicáveis nos casos de concessão de benefícios da justiça gratuita, no campo processual. O conceito de hipossuficiência consumerista é mais amplo, devendo ser apreciado pelo aplicador de direito caso a caso, no sentido de reconhecer a disparidade técnica ou informacional, diante de uma situação de desconhecimento. Trata-se de conceito fático e não jurídico que se baseia na disparidade ou discrepância notada no caso concreto.
Há duas principais noções de hipossuficiência na lei brasileira, uma pela Lei 1.060/50, no art. 4º que concede gratuidade de justiça aos que alegarem pobreza no sentido técnico, na forma da lei. E, a outra é quanto à inversão do ônus da prova, prevista no inciso VIII do art. 6º do CDC que não se relaciona necessariamente à condição econômica dos envolvidos. Por isso, o reconhecimento da hipossuficiência do consumidor para fins de inversão do ônus da prova não pode ser visto como forma de proteção do mais pobre. Trata-se de dois conceitos bastante diversos de hipossuficiência para serem utilizados em situações diversas.

[16] Vulnerabilidades: Técnica: o consumidor não tem conhecimentos específicos sobre o produto. O cliente é facilmente iludido pelo vendedor. Jurídica: falta de conhecimento jurídico e econômico do consumidor. Ex: contrato de financiamento, que exige conhecimento de matemática financeira. Econômica: o cliente pode conhecer o produto e conhecer as normas jurídicas sobre a relação, entretanto naquela determinada relação de consumo o fornecedor está bem acima. Ex: prestação de energia elétrica ou situação em que uma empresa é tão forte no mercado que a outra parte sempre ficará em desvantagem.

[17] Importante ressaltar a diferença de vulnerabilidade do consumidor sendo pessoa física que é presumida por lei, ao passo que o consumidor sendo pessoa jurídica sua vulnerabilidade deverá ser demonstrada no caso concreto. O STJ tem considerado o consumidor-mutuário do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) como vulnerável faticamente em face do agente financeiro.

[18] Há de se diferenciar os vícios de defeitos de um produto ou serviço para que o consumidor reclame seus direitos e, se necessário buscar a solução judicial. Os vícios são aqueles que podem tornar o produto impróprio para utilização ou consumo. Podem dizer a respeito à quantidade ou qualidade do produto ou serviço. Por outro lado, os defeitos inutilizam o produto, podendo trazer risco à saúde ou a segurança do consumidor. Tal diferença também tem reflexo nos prazos de garantia. Conforme o CDC a garantia legal para produtos não duráveis é de trinta dias e para os produtos duráveis é de noventa dias. Os serviços ou atividades essenciais estão contidos na Lei 7.783/1989 (e não englobava telefonia móvel), porém foi editada Nota Técnica 62/2010 DPDC que reconhece o serviço de telefonia móvel como imprescindível.

[19] Pacificado no STJ quando não se aplica o CDC: Relação de locação predial urbano. (lei. 8245/91)
Relação de condômino e condomínio; Relação notarial (tabeliães); Relações tributárias, quem paga o imposto não é consumidor e, sim contribuinte. Súmula 321 STJ: se aplica o CDC na relação entre pessoa e previdência privada. Lembrando que o INSS não entra. STJ Súmula nº 321 – 23/11/2005 – DJ 05.12.2005 in verbis: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável à relação jurídica entre a entidade de previdência privada e seus participantes".

[20] O art. 3º do CDC considera como fornecedor todos os que participem da cadeia de fornecimento de produtos e serviços. Procurou a lei abranger genericamente todos os envolvidos na cadeia de fornecimento. No art. 7º está especificada a solidariedade entre eles. Mas é bom lembrar que o próprio CDC excepciona alguns casos, como o dos comerciantes em matéria de responsabilidade por defeitos de produtos (arts. 12 e 13), cuja responsabilidade será apenas subsidiária, independente de culpa. Seria fornecedor por equiparação aquele terceiro que na relação de consumo serviu como intermediário ou ajudante para a realização da relação principal, mas que atua frente a um consumidor como se fosse o fornecedor. Noutras palavras: este não é o fornecedor do contrato principal, mas atua como intermediário, sendo titular da relação conexa e possui posição de poder na relação direta com o consumidor.

[21] As sociedades cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, constituídas para prestar serviços aos associados, cujo regime jurídico no Brasil foi instituído pela Lei 5.764/1971. Ostentam natureza sui generis, caracterizando-se, precipuamente, por sua finalidade, e pela nítida configuração de sociedade de pessoas, criando regime jurídico próprio, ao qual, não se aplicam, necessariamente todas as normas do Direito Societário, prevalecendo sempre as regras societárias e eventualmente e subsidiariamente as normas de Direito Civil.

[22] Nos termos do artigo 79 da Lei 5764/1971 as operações realizadas entre sociedade cooperativa e seus associados denomina-se o ato cooperativo e tem por objetivo a consecução dos fins da sociedade, não constituindo operação de mercado, contrato de compra e venda de produto ou mercadoria. Por esta razão as relações jurídicas decorrentes do "ato cooperativo" não estão sujeitas às disposições do Código de Defesa do Consumidor, pois o associado não é consumidor, mas sim um dos titulares da sociedade, com quotas de capital e direito a voto, sendo aquela mera prestadora de serviços sem visar lucro ao próprio ente cooperativo.

[23] Por serviço público, na lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, entende-se que seja "toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material fruível diretamente pelos administrados, prestado pelo Estado ou por quem lhe faça às vezes, sob um regime de Direito Público (…) instituído pelo Estado em favor dos interesses que houver definido como próprios no sistema normativo". Sempre que o serviço público não atender a esses parâmetros constitucionais, causando danos a terceiros, o poder público pode ser responsabilizado patrimonialmente, ressarcindo o lesado nos termos do § 6º do art. 37 da Carta Magna. Essa responsabilidade é objetiva, ou seja, prescinde de culpa. Basta que tenha havido o dano, e este seja imputável à atividade pública, para que surja o dever de indenizar.

[24] O CDC, em seu artigo 22, impôs inúmeras obrigações tanto ao Poder Público quanto às concessionárias na prestação dos serviços públicos à comunidade, exigindo adequação, eficiência e segurança, quando da sua execução. Tais obrigações encontram-se reunidas no princípio da adequação do serviço público, o qual pressupõe que a prestação destes serviços deve atender plenamente às necessidades dos usuários, satisfazendo, assim, as condições de regularidade, continuidade, eficiência (serviço satisfatório qualitativa e quantitativamente), segurança, atualidade, generalidade (serviço para todos os usuários), cortesia na sua prestação (bem tratamento aos usuários) e modicidade das tarifas (tarifas razoáveis), reunindo-se aí, todos os princípios que dominam a execução dos serviços públicos, e que constituem as obrigações a serem cumpridas pelos seus fornecedores.

[25] O CDC, portanto, equipara as pessoas jurídicas de direito público como espécies de fornecedores, podendo, consequentemente, figurar no polo ativo da relação de consumo na qualidade de fornecedor de serviços e, logicamente, podendo figurar no polo passivo na eventual relação de responsabilidade. O Código de Defesa do Consumidor adota duas modalidades de responsabilidade: a responsabilidade por vícios do produto ou do serviço e a responsabilidade pelo fato do produto ou serviço.  Ambas as modalidades de responsabilidade são de natureza objetiva, sendo dispensável o elemento culpa para que exista a obrigação de indenizar por parte do fornecedor.  O CDC distingue dois modelos claros de responsabilidade: por danos causados aos consumidores e por vícios de qualidade ou quantidade dos produtos ou dos serviços prestados aos consumidores.

[26] Remuneração direta: ou seja, o pagamento direto para o serviço. Remuneração indireta: quando uma relação onerosa principal oferece vantagens aparentemente gratuitas, mas que ocorrem em decorrência de outra relação principal, onerosa. É o caso dos pontos derivados de cartão fidelidade, das promoções pague um leve dois, e dos estacionamentos em shopping centers, lojas e supermercados. Todos esses serviços não são considerados gratuitos, pois ou são facilidades utilizadas para atrair potenciais clientes ou estão embutidos no preço do que foi pago. É o que foi decidido no seguinte caso: Furto de veículo em estacionamento de supermercado.  Responsabilidade civil decorrente do dever de prestar segurança. Aplicação da Súmula 130 do STJ. Incidência do Código de Defesa do Consumidor. Dano Moral in re ipsa.
 Indenização por danos materiais arbitrados em R$15.855,42 e de R$5.000,00 por danos morais. Sentença mantida. (BRASIL. TJRJ. 4ª. CC. Des. Sidney Hartung. J. 08/04/2008 Ap. Civ. 2008.001.1112) Remuneração realizada por terceiro: Esta ampliação realizada pela jurisprudência considera serviço remunerado o que foi pago por terceiros, sejam estes consumidores,  patrocinadores ou anunciantes. No julgado referente ao programa televisivo “show do milhão” foram considerados consumidores os telespectadores da programação aberta, pois embora não paguem especificamente para acessar a tais programas, os mesmos são financiados pelos patrocinadores, a cujos comerciais assistem.


Informações Sobre o Autor

Gisele Leite

Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.


Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!
logo Âmbito Jurídico