Resumo: O presente trabalho tem como objetivo analisar, de forma crítica, as alterações trazidas pelo Novo Código de Processo Civil quanto ao princípio fundamental da motivação, especificamente em relação à sentença. Desta forma, se destacará, a partir de estudo doutrinário, além do princípio da motivação, os princípios fundamentais relacionados à ele, incluindo os elementos e os efeitos da sentença no âmbito civil.
Palavras-Chave: Processo Civil. Motivação. Sentença. Novo Código de Processo Civil.
Abstract: This study aims to analyze in a critical way, the changes introduced by the New Code of Civil Procedure, in a special way the fundamental principle of motivation, specifically in relation to the judgment. In this way, the study will be done by doctrinal books/articles, besides the principle of motivation, the fundamental principles related to it, including the elements and the effects of the judgment in the civil context.
Key Words: Civil Procedure. Motivation. Judgment. New Code of Civil Procedure.
Sumário: 1 Introdução; 2 O princípio da motivação e a sentença; 3 A inter-relação com outros princípios constitucionais; 4 Novo CPC e o princípio da motivação: o avanço; 5 Conclusão.
1 Introdução
A abordagem do presente se dará a partir de estudo de pesquisa bibliográfico referente ao princípio da motivação nas sentenças de natureza cível em consonância com o Novo Código de Processo Civil. Desta maneira, tem como objetivo analisar as principais mudanças no assunto em paralelo com o Código Buzaid, construindo críticas a respeito de tais alterações.
Neste sentido, se tentará aproximar ao máximo princípios fundamentais como do contraditório, da publicidade e do livre convencimento ao da motivação, relacionando-os à sentença. Ainda, se fará a análise dos artigos 11 e 489 do NCPC em conjunto com o art. 93, IX da CRFB/88, que trouxe modificações quanto ao tema no novo diploma legal.
Assim, objetiva-se neste trabalho verificar as principais mudanças quanto ao dever de motivar no NCPC, criando um ambiente crítico de reflexão em relação a um dos temas de grande importância trazidos pelo Novo Código que, atualmente, está em período de Vacatio Legis. Por este motivo, faz-se necessária tal análise para que, quando entrar em vigor o Novo Código, estejamos aptos para enfrentar tais questões jurídicas de forma exitosa.
2 O PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO E A SENTENÇA
O presente trabalho tem o fito de debater, de forma crítica, o princípio da motivação exigido na sentença civil, com enfoque nas mudanças do tema no Novo Código de Processo Civil em comparação ao Código Buzaid. Neste contexto introdutório, parafraseando Liebman[1], ao se viver em um Estado Democrático de Direito, os fatos que são submetidos ao Judiciário analisar deverão ter o direito aplicado de forma imparcial, sendo necessário que o Juiz exponha qual caminho lógico que percorreu para chegar na decisão apreciada. No mesmo sentido, a motivação, nas palavras de Ovídio Baptista, advém da tendência dos sistemas políticos contemporâneos de ampliar as bases do regime democrático, inspirado no princípio da igualdade absoluta de todos perante a lei[2].
Percebe-se que a motivação da decisão, seja ela qual for, é uma das bases para que a jurisdição seja realizada de forma justa, tanto em favor quanto contra à quem a requereu – sendo, inclusive, nela que se poderá verificar se a decisão foi, ou não, julgada de forma arbitrária. Ao juiz cabe previamente, ao proferir uma decisão, respeitar tanto a norma jurídica quanto o fato jurídico, sendo estes dois elementos condicionantes para se chegar à uma decisão judicial[3].
A motivação, prevista expressamente na Constituição Federal, no artigo 93, inciso IX defende, em linhas gerais, que todos os julgamentos devem ser públicos, bem como todas as decisões fundamentadas, obrigatoriamente, sob pena de nulidade. Desta maneira, podemos observar que, assim como qualquer cidadão pode requerer a tutela jurisdicional do Estado, o juiz que julgá-la terá o seu livre convencimento para decidir o direito no caso concreto; entretanto, terá a obrigação de expor as suas razões, justificando o porquê da sua decisão[4], que, segundo Tucci[5], devem ser de forma clara, lógica e precisa.
É importante pelo fato de que, direta ou indiretamente, ao fundamentar/motivar a decisão – que no presente será especificamente em relação a sentença – se acaba universalizando a participação de todas as partes integrantes no processo: o juiz, ao explanar as suas razões e a(s) parte(s), a terem a justificativa do resultado da demanda. Entretanto, Barbosa Moreira[6], aduz que não é somente para as partes que se deve assegurar a motivação, mas também aplicar efeitos difusos a ela, dando a oportunidade para a opinião pública saber como o julgador está aplicando o direito, decorrendo, daí, a necessidade da fundamentação ser obrigatória e pública.
Por conseguinte, antes de adentrarmos especificamente na sentença, necessária a sua distinção em comparação às decisões interlocutórias e aos despachos de mero expediente em relação à motivação. Cabe referir que sentença, segundo o novo CPC é o pronunciamento do juiz que põe fim à fase de conhecimento do procedimento comum, com ou sem resolução do mérito, bem como extingue a atividade da execução, ressalvadas as disposições expressas nos procedimentos especiais. Há preclusão consumativa para o juiz prolator da sentença, exceto nas situações como admissão de juízo de retratação, reexame de questões pendentes por força de formação de precedente superveniente à decisão de mérito ou alteração de inexatidões materiais ou erros de cálculo[7]. Quanto à motivação, na sentença, deve preencher requisitos específicos que, segundo interpretação de Rizzo[8], deverão seguir um caminho lógico, explanando todos os motivos e fundamentos que levaram o julgador a tomar a decisão judicial daquela forma, sob pena de nulidade. Para fins recursais, da sentença caberá apelação.
Por sua vez, as decisões interlocutórias são os pronunciamentos do juiz no processo sobre inúmeras questões de fato e de direito que controvertam entre as partes, todavia é apenas o pronunciamento judicial que regula e encaminha o processo até o seu término[9]. Em outras palavras, segundo o novo CPC, são pronunciamentos decisórios que não se enquadram no conceito de sentença, que resolvem questões incidentais no processo, preparando a causa para o seu julgamento final[10]. A motivação nas decisões interlocutórias poderá ser feita de forma concisa, singela[11], não podendo ser deficiente, por se tratar de pronunciamento com cunho decisório, sujeitando-se à nulidade em caso de desrespeito a tal disposição. Para fins recursais, em caso de inconformidade quanto a decisão interlocutória, se prevista nas hipóteses taxativas do código, caberá agravo de instrumento, caso contrário, poderá impugnar a decisão em apelação ou em contrarrazões[12].
Os despachos, por exclusão, são aqueles em que não há conteúdo decisório para o qual a lei não exige forma[13]. São atos de impulso e encaminhamento do processo, que não causam nenhum dano ou prejuízo às partes, por este motivo, são irrecorríveis[14]. No que convém aos atos ordinatórios, estes independerão de despacho, sendo praticados de ofício pelo servidor e revistos pelo juiz quando necessário, revisão esta que poderá ser feita de ofício ou à requerimento das partes.
Realizado o paralelo entre sentença, decisão interlocutória e despacho, aprofundaremos o conhecimento da primeira. A sentença deverá conter, obrigatoriamente, o relatório, a fundamentação – que é o objeto do estudo – e o dispositivo. Nos termos do art. 458[15] do Código de Processo Civil de 1973, que prevê os elementos da sentença, especificamente em seu inciso II, está expressa a necessidade de fundamentar a decisão, dando a ideia de que o juiz está, definitivamente, vinculado à Lei, devendo decidir conforme o direito e o seu convencimento. Tal motivação nas sentenças[16], em seu conteúdo intrínseco, deve seguir as seguintes formalidades: ser (1) expressa, ou seja, o juiz não pode deixar de revelar como interpretou o fato e o direito, bem como fazer a simples remissão às razões expendidas em atos produzidos em outros processos (motivação aliunde)[17]; (2) clara, passível de entendimento de plano; (3) coerente, a ordem da decisão deve ser coerente, julgando primeiramente as questões preliminares para depois adentrar nas questões de mérito; (4) lógica, o Magistrado deve guiar-se pelos princípios que regem a elaboração do pensamento racional, sendo, a sentença, o meio que justifica o convencimento do juiz.
Michele Taruffo[18] afirma que a função que é atribuída à motivação é interna somente ao processo, ou seja, endoprocessual, e consiste, essencialmente, no consentimento às partes do mais ágil exercício do direito de impugnar, sendo o meio de conhecimento dos motivos da decisão e em facilitar o controle do juiz da Instância Superior (Dell`impugnazione) sobre a mesma decisão. Deste modo, as razões que o Magistrado apresentar em seu decisum serão, sem dúvida, o meio garantidor para que, em caso de inconformismo, seja viável a impugnação em Instância Superior, assim como seja verificada a legalidade da decisão pelo órgão ad quem. Ainda, tanto Barbosa Moreira[19] como Wambier[20], confirmam tal premissa de Taruffo, aduzindo que, para a decisão ser passível de recorribilidade, a fundamentação é que será o objeto recursal, sendo só a partir do conhecimento das razões de decidir do juiz que permitirão aos interessados a recorribilidade adequada, como também a possibilidade de controle dos Órgãos Superiores quanto à segurança na justiça e na legalidade das decisões que serão reexaminadas por eles.
Além disso, cabe referir que a motivação também teria uma função extraprocessual, ligada diretamente à dimensão constitucional e à natureza garantística da obrigação, se agregando, assim, a função endoprocessual, colocando-se, entretanto, em um nível diferente e de maior importância político-institucional[21].
Por fim, ainda sobre o controle e a necessidade de fundamentação no sistema jurídico, aduz Taruffo[22]: Le considerazione che precedono si fondano sulla premessa che una decisione razionale sia possibile, e che anzi essa sia necessaria in un sistema giuridico non arbitrario.(…) La razionalità della decisione giudiziaria non va semplicemente presupposta, ma deve costantemente essere oggetto di possibile controllo. Deste modo, se deve sempre evitar decisões arbitrárias ou que sejam insuficientes de fundamentação, evitando que se pressuponha o motivo do ato decisório, mas sim seja ele expresso e passível de segurança jurídica ao jurisdicionado.
3 A INTER-RELAÇÃO COM OUTROS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
A partir da exposição do princípio da motivação, bem como a sua função fundamental no ordenamento jurídico, pode-se perceber que ele não é um princípio que existe por si só, possuindo, então, uma inter-relação com outros princípios jurídicos.
Quanto ao princípio do contraditório, tradicionalmente arguido apenas para as partes, também inclui o juiz que está atuando no processo, estando este em incansável diálogo com o autor e o réu durante o trâmite processual. Concretizando tal premissa, Álvaro de Oliveira[23] propõe que quando se trata deste princípio, a visualização tende a se fixar nas partes, sem alcançar a figura do juiz, o que diminui o alcance da garantia jurisdicional. Mesmo que de forma não tão perceptível, a motivação se relaciona ao princípio do contraditório, já que o Magistrado deverá apreciar o material produzido pelas partes, seja para acolhê-lo ou para rejeitá-lo em sua decisão[24] que, dependendo de sua fundamentação/motivação, poderá interferir na compreensão do seu julgado. Assim, inevitavelmente, impossível não mencionar o princípio do livre convencimento (motivado), que, através dele, o juiz, terá a oportunidade de observar a aplicação do princípio do contraditório entre as partes – seja em audiências ou na produção de provas, por exemplo -, que, ao fim, se convencerá dos argumentos ali discutidos e posteriormente exteriorizados em seu decisum, estando este motivado para as partes litigantes.
Todavia, Wambier[25] argumenta que o juiz, ao decidir o objeto da lide de forma divergente ao que as partes estão discutindo no processo, surgiria a necessidade da aplicação/provocação do princípio do contraditório antes que a decisão seja propriamente tomada, devendo ser ouvidas as partes bem como sejam consideradas as suas manifestações na decisão final, mesmo que não acolhidas, de maneira a serem demonstrados os fundamentos que o levou a tomar tal rumo decisório. O contraditório e a motivação, ao aplicá-los simultaneamente, ousaríamos referir, segundo as palavras de Fernando Rubin quanto ao princípio do contraditório, que aqui se aplica também ao princípio da motivação, seriam o verdadeiro meio de contenção do arbítrio do Estado-juiz, legitimando o Judiciário como meio efetivo de estabelecer a paz social com a justiça no caso concreto[26] – por um lado as partes clamando por justiça e por outro o juiz proferindo a sua decisão de forma clara e justa a partir de seu convencimento. Desta maneira, a sentença judicial só poderia ser resultado do princípio do contraditório, ou seja, do trabalho conjunto entre todas as partes integrantes do processo[27].
O princípio do livre convencimento e o dever de motivar, se olharmos os dois de forma conjunta, perceberemos como e quanto o juiz valorou os acontecimentos apresentados durante o processo, afirmação esta consubstanciada no art. 131 do CPC/73, referindo que o juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que Ihe formaram o convencimento. Mesmo que livre para sentenciar, a partir de seu convencimento, o juiz não pode deixar que o subjetivismo permeie o julgado, haja vista representar uma garantia do equilíbrio processual, necessário entre o excesso de formalismo, que tão nefasto já mostrou em épocas anteriores, e a deformalização irracional, que também deve ser repudiada[28].
Assim, o livre convencimento externado na motivação da sentença, respeitando as devidas formalidades processuais, constitui maneira de evitar o temido arbítrio judicial, bem como a subjetividade decisória – publicizando, desta maneira, o raciocínio lógico-valorativo das razões de decidir que, nas palavras de Pero[29], a motivação acaba resguardando a efetividade do devido processo legal, permitindo o seu controle por meio da publicidade e transparência.
É perceptível o grande vínculo entre a publicidade e a motivação da sentença, não apenas por ambas estarem expressas no mesmo art. 93, da CFRB, mas também por serem garantidoras da efetividade decisória. Ademais, o princípio da publicidade do processo constitui uma preciosa garantia do indivíduo no exercício da jurisdição[30].
A publicidade seria, nas palavras de Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, o freio no exercício de um poder do qual é tão fácil abusar, possibilitando a formação do espírito cívico e o desenvolvimento da opinião pública, que de outro modo, permaneceria muda ou impotente sobre os abusos dos juízes, fundando a confiança do povo[31]. Assim, a publicidade consubstanciada com a motivação prevaleceriam pelo interesse público do que ao interesse do particular, exceto nas situações em que o sigilo/regime de publicidade restrita requereriam. Ainda, ambas efetivam o exercício do contraditório e da ampla defesa, na medida em que as reações e condutas das partes são condicionadas à ciência dos atos que lhe dizem respeito[32].
A partir desta exposição, pode-se perceber que a motivação não caminha sozinha, mas sim em conjunto com outros princípios que servem de alicerce para a sua aplicação de forma correta e justa. Fez-se necessário esse apanhado para que, agora, possamos criar um ambiente crítico de reflexão quanto ao tema à luz do Novo Código de Processo Civil.
4 NOVO CPC E O PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO: O AVANÇO
A motivação, no Novo Código de Processo Civil, veio expressa tanto no artigo 11 como também no 489, que são nossos objetos de análise. Dispõe o artigo 11: todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, nota-se que é a clara repetição constitucional do artigo 93, IX da Magna Carta. Desta maneira, sem muito esforço, é possível percebermos que os juristas que conceberam o novo código, destacaram em sua redação a principiologia constitucional para que se assegure o devido processo legal[33] nas relações jurídicas. Assim, o artigo 11 cuidaria apenas do discurso da justificação que é pormenorizado no art. 489 que contém importantes inovações[34] que a seguir serão expostas.
Vale mencionar, a título de complementação, que é vedado no novo código o chamado “fundamento surpresa”, previsto em seu artigo 10, impedindo o juiz de fundamentar a decisão com argumentos que não se tenha dado as partes oportunidade para se manifestarem. Pode-se inferir que neste artigo o princípio do contraditório entra em cena em conjunto com a motivação.
Desta forma, na fundamentação da decisão judicial, deverão ser expostos tanto os motivos determinantes para o acolhimento, total ou parcial, dos argumentos da parte vencedora, quanto para o desacolhimento, total ou parcial, da parte derrotada[35], demonstrando, desta forma, a lógica de raciocínio do julgador. Assim, o artigo 489[36], que anteriormente correspondia ao 458 do CPC/1973, trouxe inovações quanto a fundamentação/motivação das decisões, acrescentando hipóteses expressas que antes eram inexistentes no Código Buzaid, que veremos minuciosamente uma a uma.
No tocante à mera indicação, reprodução ou paráfrase do ato normativo (inciso I), convém mencionarmos que, segundo Rizzo[37], seria uma prática perniciosa e comum, que consiste na falta de referência às peculiaridades do caso. Assim, a fundamentação deve ser concreta, demonstrando o real significado do dispositivo entendido, bem como apontando a sua relação com o que se discute na lide[38].Quanto aos conceitos jurídicos indeterminados (inciso II), o Magistrado deverá explicar tais conceitos, fazendo a relação com o caso concreto, assim como o porquê da sua incidência e os efeitos jurídicos dele extraídos[39].
O inciso III se refere à vedação de motivação genérica, que é aquela em que a fundamentação poderá servir para qualquer caso que seja apresentado ao juiz. Entretanto, o objetivo do jurisdicionado, ao provocar o Estado é, antes de qualquer circunstância, ter a resposta judicial do “confronto” ocorrido ao longo do processo, querendo que seja singularizada a sua demanda[40]. Neste sentido, a jurisdição é feita para o jurisdicionado e, para a sua validade no julgamento, é necessário que seja fundamentada a decisão que ali pretende, a fim de assegurar o conhecimento dos argumentos da lide, bem como saciar os que foram expedidos pelo autor e impugnados pelo réu[41].
É profusa a quantidade de decisões com motivação genérica em âmbito recursal, quando os Tribunais, premidos pela massificação de processos, passam a rejeitar embargos declaratórios ou negar seguimento a recursos aos Tribunais Superiores com a reprodução acrítica de precedentes ou súmulas sem fazer referência ao caso concreto que ali é julgado[42]. Assim, a decisão genérica não enfrentará os fundamentos e argumentos que foram debatidos ao longo do processo, podendo-se deduzir que a fundamentação, neste caso, seria inexistente, por não suprir a necessidade jurisdicional que foi pleiteada. Neste mesmo sentido, Mitidiero et al[43] salienta que a motivação genérica não serve para solucionar o caso concreto para o qual a sentença se encontra pré-ordenada, sendo assim não se considerará fundamentada por não ter conexão com o caso concreto.
Do que serviria, então, uma decisão que fundamenta qualquer demanda que ali é proposta sem saber os fundamentos que levaram o juiz a decidir daquela maneira no seu caso específico?
Em relação ao quarto inciso, quanto ao não enfrentamento dos argumentos que possam infirmar a conclusão do julgador, o novo código sustenta que o julgador deverá enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo, e não apenas aquele que escolher como fundamento para decidir, quando forem capazes de infirmar a conclusão ofertada[44]. No mesmo sentido, Gajardoni[45] expõe que mesmo sedimentado pela jurisprudência o entendimento de que o julgador não tem o dever de enfrentar todos os argumentos das partes nem os seus fundamentos, ter-se-á uma consequência evidente: o aumento no número de embargos declaratórios interpostos contra as decisões que, supostamente, não enfrentaram todos os argumentos apresentados pelas partes. Ainda, sustenta Ovídio Baptista[46] que a fundamentação deve ser ampla; deve compreender todos os aspectos relevantes do conflito, especialmente na análise crítica dos fatos, exigindo-se a análise completa da demanda, abrangendo todas as questões que ali circundam, sendo fundamental para que o convencimento judicial alcance o nível de racionalidade exigido pela lei. Entretanto, Mitidiero et al[47], menciona que o juiz não tem o dever de rebater todos os argumentos levantados pelas partes, mas sim aqueles que são relevantes, ou seja, todos os que são capazes de infirmar a conclusão adotada pelo julgador, aquele que é idôneo para a alteração do julgado.
Podemos perceber que, ao apresentar quatro doutrinadores, três defendem a necessidade de enfrentamento de todos os fundamentos e argumentos levantados pelas partes. Ora pois, o juiz tem o dever de debater e prestar jurisdição de forma completa, atendendo as necessidades dos jurisdicionados; necessidades estas que fizeram-os socorrer ao Estado-Juiz. Assim, o enfrentamento não deve ser ao que convém ao juiz, mas sim ao que as partes alegaram e clamaram pelo feedback jurisdicional, ou seja, a solução para todos os seus questionamentos de forma completa, caso em que se não fossem necessários, sequer teriam sido feitos.
Cabe complementar, quanto aos incisos III e IV, de cunho importantíssimo do artigo ora discutido, ao Magistrado caberá interpretar os fatos e o direito da forma mais completa possível, bem como expressá-los na sentença da mesma maneira. Em caso de descumprimento de tais diretrizes, incumbirá aos Tribunais de segundo grau fiscalizar a atividade jurisdicional do primeiro grau, bem como reprimir os atos contrários ao bom funcionamento da justiça, a fim de que se evite certo lapso do previsto no art. 489. Inclusive terá a função de servir de paradigma, deixando de julgar, de forma sumária algumas demandas que lhe são impostas e ainda de maneira pouco aprofundada, deixando de compactuar com jurisprudência por eles criada no sentido de que não estão obrigados a desenvolver fundamentação plena, mas tão somente suficiente[48], o que está em desacordo com a nova dicção do novo código.
No quinto inciso, destina-se à invocação de enunciado de súmula ou precedente sem o devido cotejo com o caso concreto, situação que se assemelharia ao inciso III quanto a motivação genérica. Neste caso, seria na aplicação de súmula ou precedente sem fazer a devida conexão ao caso concreto discutido. Desta maneira, não se considerará fundamentada a decisão que se omitir das razões de decidir, necessitando demonstrar o porquê do precedente ou da súmula se ajustar ao caso em tela[49].
No que compete ao inciso VI, que trata da técnica de distinção (distinguishing) e de superação dos precedentes (overruling), no caso da parte invocar determinado precedente favorável a sua tese e o Magistrado deixar de aplicá-lo, deverá motivar seu convencimento, fazendo o distinguishing ou reconhecendo a superação deste precedente – overruling[50].
A hipótese de colisão de normas na sentença, tratada no parágrafo segundo registra que, ao ocorrer essa conjuntura, o juiz deverá fundamentar a sua decisão valendo-se de princípios como da ponderação, da concordância prática, da proibição de excesso, da otimização, da igualdade, razoabilidade, proporcionalidade[51]. Em suma, deverá utilizar meios que justifiquem a sua aplicação por uma norma ao invés da outra, devendo estar claro na fundamentação qual postulado e estrutura que achou mais adequado aplicar ao caso concreto.
O parágrafo terceiro trata sobre a interpretação da sentença que deverá estar em conformidade com todos os seus elementos e com o princípio da boa-fé. Assim, deveremos consagrar a sentença como uma unidade de sentido e interpretá-la dentro do quadro de expectativas legítimas geradas pelo debate judiciário[52].
Isto posto, à título de complementação, o novo código não contemplou a ação declaratória incidental, devendo as questões prejudiciais serem julgadas na própria sentença. Tucci[53] salienta que esta alteração exigirá a perspicácia do juiz, diferindo o que é fundamento e o que é decisum, e do advogado, para evitar a preclusão[54] sobre as questões suscitadas, caso haja a necessidade de preparar as razões de eventual recurso. Feita a exposição, seguimos ao próximo tópico.
5 CONCLUSÃO
A partir da exposição realizada ao longo do presente trabalho, constatamos que a motivação é fundamental para a administração da justiça de forma correta, sendo uma das maiores garantias do jurisdicionado em um Estado Democrático. Assim, ela desempenha uma função de justificação do Magistrado em relação à sua decisão, para que se evitem decisões arbitrárias à quem tem o direito de receber uma atividade jurisdicional de forma digna.
O Novo Código de Processo Civil, em comparação ao Código Buzaid, trouxe muitas melhorias para a ordem jurídica, já que acrescentou hipóteses taxativas, aqui explicitadas, para que sejam seguidas pelo Magistrado. Tais hipóteses, sem dúvida alguma, melhorarão a qualidade dos provimentos judiciais.
Entretanto, a partir da argumentação realizada ao longo do presente, especialmente quanto aos incisos III e IV do artigo 489, fomos capazes de perceber que estes dispositivos são de suma importância para o justo provimento jurisdicional que, se desrespeitados, poderão influenciar, e muito, na motivação válida que a lei regulamentou. Caso contrário, caberá aos Magistrados de segundo grau, quando interposto recurso em face de descumprimento de alguma das hipóteses elencadas no art. 489 por falta de fundamentação ou fundamentação incompleta, zelar pelo bom funcionamento da justiça para que se tenha o provimento judicial justo.
Este dispositivo ainda será muito discutido pela doutrina e jurisprudência, bem como debatido entre os julgadores e os advogados representantes das partes, sendo bem possível que surjam diversos entendimentos quanto ao tema. Por um lado, os julgadores deverão enfrentar todas as questões referidas pelas partes para que se coadunem com o dever de fundamentar requerido pelo Codex, assim como os advogados terão de interpretar a decisão de forma mais completa possível, tentando reduzir, de forma considerável a enxurrada de embargos declaratórios.
De igual maneira, ao longo do presente, verificamos que as alterações quanto a motivação nas sentenças foram de uma evolução ímpar, comparado ao que antes era previsto no CPC de Buzaid, levando muito em conta o dever constitucional de ter uma decisão justa e bem fundamentada, garantindo, desta forma, a segurança jurídica ao jurisdicionado.
Informações Sobre o Autor
Maria Victória Mangeon Knorr
Advogada. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Ritter dos Reis Laureate International Universities em Porto Alegre RS. Pós Graduanda a nível de especialização em Processo Civil pela PUCRS