Resumo: Existe uma crise em curso no Brasil. E esta é inerente à tributação, com uma vasta gama de dificuldades e absurdos evidentes, a começar pela elevada carga dos tributos e pela sua péssima distribuição, chegando à quase total ausência de retorno social, dentre tantos outros problemas, conhecidos e sofridos pela população como um todo. Desafios de um país que cresce e se desenvolve, mas que carece da prioritária reformulação de seu sistema tributário. Essencial, portanto, a reflexão que o artigo inaugura, principalmente para que a população possa começar a realmente se conscientizar sobre o assunto.
Palavras-chave: Sistema Tributário. Crise. Reflexão.
Abstract: There is an ongoing crisis in Brazil. And this is inherent in taxation, with a wide range of difficulties and absurdities evident, starting with the high burden of taxes and its poor distribution, reaching almost total absence of social return, among many other problems, known and suffered by the population as whole. Challenges of a country that grows and develops, but it lacks the priority recast its tax system. Essential, therefore, to reflect that Article opens, especially so that the population can start to really become aware of it.
Keywords: Tax System. Crisis. Reflection.
Sumário: 1) Introdução; 2) Sistema tributário regressivo e carga mal distribuída; 3) Retorno social baixo em relação à alta carga tributária; 4) Inadequação do pacto federativo; 5) Estrutura tributária desincentivadora das atividades produtivas; 6) Ausência de cidadania tributária; 7) Sistema tributário ideal; 8) Considerações finais; 9) Referências.
1 – Introdução
“Taxes are what we pay for civilized society”
Oliver Wendell Holmes [1]
Ao Estado é atribuída a missão de organizar e prover a existência em sociedade. Para tanto, revela-se necessário coletar recursos financeiros entre os cidadãos que a compõe. E o meio de se realizar isso recebe o nome de tributação, procedimento em que cada pessoa contribui, no limite de suas posses ou condições, para com o desafio do Poder Público de entregar os serviços e a infraestrutura de que todos precisam para sobreviver. Portanto, na esteira dessa acertada fórmula, e somente de posse do respectivo numerário, podem ocorrer investimentos em saúde, educação, transportes, segurança, previdência, ou seja, é com o que se arrecada que o país prepara e constrói o que lhe é basilar para crescer social e economicamente.
Entretanto, existem problemas correlatos a essa elementar função estatal. “Todo imposto é ruim. Por isso chama-se imposto e não voluntário”. A frase é do Ex-presidente da República, Fernando Henrique Cardoso (GUARACY, 2001, p.99), e traduz uma grande verdade: ninguém gosta de pagar tributos, aqui ou em qualquer outro lugar do mundo. Mas há episódios que tornam os deveres tributários no Brasil difíceis de serem cumpridos “de bom grado”, vez que ter parte de sua renda onerada não é bom para quem quer que seja, mas pior sucede quando, ao quitar suas obrigações para com o Fisco, que são diversas e pesadas, não se perceba, a olhos claros, o esperado retorno de tão alto investimento.
Qual é a presença estatal sentida pela população face à arrecadação de tributos ao tesouro público? O que destinamos, compulsoriamente, ao Estado de alguma maneira permite a melhora na condição de vida das pessoas? Portanto, ao pensar a respeito de pontos nevrálgicos como esses, é que se tem a certeza de que algo não vai muito bem.
Estanque, pouco funcional, complicada, hermética, extensa, geradora de discórdias e obsoleta, a legislação tributária segue retilínea em sua insólita verborragia, servindo unicamente ao propósito de funcionar como amarra ao desenvolvimento, retirando do país as preciosas eficiência e competitividade, exigidas pelo capitalismo de uma pós-modernidade globalizada.
Logo, o artigo em voga ergue a bandeira da luta por um futuro mais justo, enaltecendo a importância de uma providencial reestruturação das atividades estatais nessa seara. Perseguindo esse propósito, não pode jamais faltar a vontade em enfrentar os problemas. Daí que um dos flancos de batalha é o correlacionado ao aperfeiçoamento e a simplificação do aparato jurídico-tributário empregado no dia a dia do contribuinte.
A essa proposta de diálogo se juntaram esforços no sentido de estudar as causas e as eventuais consequências, analisando criticamente os fatos, de modo a instigar o debate e fomentar a possível transformação fiscal. Nesse ínterim, como desde o título restou frisado, é por intermédio de apontamentos didático-científicos, aonde se parte da concretude das dificuldades enfrentadas cotidianamente por todos nós, que o presente texto estimula essa reflexão. É o que se acredita. É o que se almeja. É o que nos propomos a desvendar nas páginas seguintes.
2 – Sistema tributário regressivo e carga mal distribuída
Em qualquer sistema tributário que se preze, paga mais quem pode mais. Isso é evidente, e é o que se chama “progressividade”. No Brasil a excentricidade é tamanha que a lógica é outra, ou, dizendo de outra forma, é completamente invertida: quanto mais pobre, mais tributado o cidadão o é. E essa é a mais simplória explicação que podemos fornecer acerca do perverso fenômeno denominado “regressividade tributária”.
O nosso país é uma das maiores economias do mundo, no entanto possui uma gritante concentração de renda. Em 2009, 1% dos mais ricos da população brasileira detinham 12,6% da renda domiciliar, ao passo que os 50% mais pobres detinham apenas 17,5%. Nesse mesmo ano, 28,7% dos domicílios viviam em situação de pobreza. Essa disparidade distributiva permanece imutável ao longo das décadas e governos, independentemente dos esforços políticos em minimizá-la (RIBEIRO; LUCHIEZI JÚNIOR; MENDONÇA , 2011, p.10-11).
Comprovada tamanha incoerência, a “injustiça fiscal” aqui experimentada acompanha a concentração de riquezas, chegando a transparecer em dados como os que apontam que: a) em 2002/2003, os 10% mais pobres pagavam 32,8% de seus ganhos com tributos, e os 10% mais ricos sofriam uma carga de apenas 22,7% (BRASIL, 2009, p.27); e b) em 2009, as pessoas que ganhavam até dois salários mínimos gastavam 53,9% de sua renda no pagamento de tributos, ao passo que, na faixa salarial entre dois e três salários mínimos, o percentual caia para 41,9%, indo, para aqueles que tinham de três a cinco salários mínimos mensais, aos 37,4%, até que chegamos àquelas que tinham renda superior a trinta salários mínimos, as quais arcavam com apenas 29% (MARTINS, 2009, p.64).
Várias são as causas dessa situação. Porém observa-se que, ao se decompor o peso fiscal, consoante sua incidência direta e indireta sobre a renda, nota-se claramente que os ditos tributos diretos aumentam, e muito, de relevância na medida em que a renda familiar se eleva. Biderman e Avarte (2004) chegam a asseverar a distância entre a legislação e a prática, uma vez que oficialmente, o Brasil tem um sistema tributário progressivo, mas a realidade é outra, havendo consenso geral de que este é sim inteiramente regressivo e potencialmente maléfico ao desenvolvimento nacional (BRASIL, 2009).
Todavia, alterado esse panorama, com a correção das distorções e a adoção de um sistema que pudesse traduzir uma verdadeira justiça fiscal, com a progressividade necessária a liberar os assalariados de baixa renda e a tributar aqueles que detêm maior capacidade contributiva, poderíamos assistir a ampliação do mercado interno, com inclusão social e incentivo aos setores produtivos. Ou seja, corrigida a regressividade, a renda disponível para quem mais precisa reverterá em aumento no consumo de bens e serviços e, por conseguinte, no almejado desenvolvimento econômico (CARDOSO JÚNIOR, 2009).
3 – Retorno social baixo em relação à alta carga tributária
Podemos dizer que o conceito econômico de carga tributária é “o quociente entre a receita tributária total e o valor do Produto Interno Bruto (PIB) do país, em determinado exercício fiscal. Representa a parcela de recursos retirados compulsoriamente dos indivíduos e empresas pelo Estado para financiar o conjunto das atividades do governo” (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2011, p.26).
É cada um de nós que mantém o Estado funcionando. Os tributos que pagamos, quer direta ou indiretamente falando, sustentam o edifício do poder. E, concebido certo nível de benefício, é consenso de que o sistema tributário de um país deve ter o menor efeito possível sobre a sociedade. Nesse ínterim, a colocação de Jean Baptiste Colbert, ministro das finanças de Luís XIV, vem a calhar: “A arte da tributação consiste em retirar as penas do ganso com o mínimo de dor” (LIMA, 1999, p.5-6).
Mas, aparentemente, não dominamos essa lição, de modo que a carga tributária brasileira se assemelha à de países desenvolvidos, cuja população tem alta renda. Porém, um detalhe chama a atenção: nosso país destoa das nações ricas no tocante ao atendimento das expectativas e das necessidades que o cidadão contribuinte tem, face aos recursos que o Estado lhe retira, sendo notória a baixa qualidade dos serviços públicos prestados. Não há a devida compensação. “O retorno social em relação à carga tributária é considerado baixo porque dos 33,8% do PIB auferidos em 2005 apenas 9,5% do produto retornaram à sociedade na forma de investimentos públicos em educação (4,4%), saúde (3,5%), segurança pública (1,2%) e habitação e saneamento (0,4%)” (BRASIL, 2009, p.30).
E, novamente, é a população menos favorecida economicamente a que mais padece, pois a contrapartida do peso tributário que sofre, quando em comparação com as classes mais ricas, é bastante reduzida. Justamente a faixa da sociedade que mais precisa da guarida do poder público. Os investimentos em saúde, educação, segurança, só para citar alguns dos ditos serviços essenciais, não crescem proporcionalmente ao esforço desprendido pelos mais pobres em pagar os tributos. Portanto, o prejuízo para quem realmente precisa é duplo: primeiro porque arca com uma carga maior a se abater sobre sua parca renda, dada a regressividade do sistema, e, em segundo lugar, porque, ao custear o Estado, este falha na prestação de um serviço público de qualidade, o qual aquela família, pela carência de recursos, não pode prescindir. Dessa maneira, diremos, sem receio nenhum, que o que acontece no Brasil, em matéria de tributação, é um crime contra os mais humildes, uma grave afronta aos direitos inerentes à cidadania.
“A grande maioria da população também acredita que o volume atual dos tributos arrecadados é suficiente para que o governo melhore a qualidade do serviço público. Dos entrevistados, 82% concordam total ou parcialmente com a afirmação “O governo já arrecada muito e não precisa aumentar mais os impostos para melhorar os serviços públicos”. A população brasileira considera a carga tributária demasiadamente pesada no País. Para 87% dos entrevistados, os impostos são “elevados” ou “muito elevados” e apenas 7% consideram o valor “adequado”. Esse percentual aumenta significativamente para faixas de renda e de escolaridade mais altas. Na faixa mais elevada de renda familiar (acima 10 de salários mínimos), 97% dos entrevistados consideram os impostos “muito elevados” ou “elevados” e apenas 2% os consideram “adequados”. Além de questionados sobre a carga tributária atual, os entrevistados também foram indagados a respeito da evolução dos impostos no Brasil nos últimos anos. Para 79%, há a percepção de que os impostos “aumentaram muito” ou “aumentaram um pouco”; 12% acham que eles “nem aumentaram, nem diminuíram”. Apenas 3% acham que os impostos “diminuíram um pouco” e nenhum entrevistado optou por “diminuiu muito”. Como visto anteriormente, a maioria dos brasileiros acredita que o governo já arrecada muito e não precisa aumentar mais os impostos para melhorar os serviços públicos. Defrontados com a frase “A baixa qualidade dos serviços de saúde deve-se mais à má-utilização dos recursos públicos do que à falta deles”, 63% dos entrevistados “concordam totalmente” com a afirmação e 18% “concordam em parte”. Apenas 9% dos entrevistados discordam, em parte ou totalmente, dessa afirmação” (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA, 2011, p.11-19).
Giambiagi e Além (2008), e também o escritório da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, CEPAL, da Organização das Nações Unidas (2010), observam que a carga tributária brasileira, em comparação com outros países da América Latina, é alta, visto que a média da região é de somente 18%. Na consideração com o resto do planeta, estamos em uma linha intermediária. As maiores cargas são as do continente europeu, as quais, em casos pontuais, como o da Dinamarca e o da Suécia, ultrapassam os 50% do PIB. No oriente, a mais elevada é a do Japão, a qual é da ordem de 26%. Entretanto, quando são adicionados os componentes da renda per capita e da destinação de recursos a esse complicado cálculo, denota-se que a carga tributária brasileira, na comparação com a experiência internacional, é tradução de injustiças e extremamente desproporcional.
Pois, sinalizando que o Estado é grande e custoso, uma pressão tributária a “roubar” em torno de 35% do PIB anualmente[2] (desde meados dos anos 1990, a carga tributária tem subido, em média, 1 ponto percentual do PIB todo ano), não reflete em infraestrutura de transportes, em serviços públicos acessíveis, e em quantidade e qualidade satisfatórias, em planejamento e correta gestão de gastos, em respeito ao contribuinte. De forma que pagamos tributos como se estivéssemos num país escandinavo, e temos de volta uma presença estatal mínima, tal como alguma nação paupérrima da África. Além do que, tamanha carga é muito dependente de impostos e contribuições que recaem sobre a produção e a circulação de bens e serviços, atravancando o desenvolvimento nacional e onerando indiretamente a iniciativa privada e a população, o que gera distorções incorrigíveis no sistema e tornam caros, em demasia, o crédito e os preciosos investimentos sociais.
4 – Inadequação do pacto federativo
O Brasil é formado por 26 Estados, mais de 5.000 municípios e um distrito federal. Biderman e Avarte (2004), no entanto, colocam que, dadas essas condições diferenciadas, afora as especificidades de cada um dos seus componentes, a nossa organização federativa é problemática, sendo difícil a implementação de um modelo de sistema tributário que possa ser tido como ideal, uma vez que nenhum ente irá apoiar ou efetivar mudanças se houverem perdas de receitas ou deslocamento de custos ou competências, e nenhum setor econômico aceitará maiores aumentos na carga que já suporta sem que expresse reações negativas ou adote posturas contrárias.
Em suma, nosso país tem problemas de três ordens em sua órbita federativa, a saber: a) “conflitos de interesses” entre o poder público, visando maiores fontes de recursos para seus cofres, e a iniciativa privada, que quer desonerações, as quais permitam maior eficiência e competitividade; b) choque entre as próprias esferas de governo, a caracterizar um “embate vertical”, com União, estados e municípios se digladiando entre si mesmos, num inequívoco processo autofágico por mais repartição de receitas e por menos encargos; e c) desentendimentos nas variadas regiões de um idêntico nível de governo, o chamado “conflito horizontal”, a exemplo do que acontece com o ICMS, e a famigerada oposição e autofagia entre estados produtores e consumidores, além da propagada “guerra fiscal”, impulsionada na busca pela fixação de indústrias e pela maior arrecadação desse imposto. Logo, qualquer reforma tributária imaginável tem que rever o pacto estabelecido entre os entes federados, objetivando formas de administrar e de vencer essas desordens estruturais.
Ainda dentro da complexidade da federação brasileira, podemos listar que a falta de clareza quanto às atribuições de cada estado e município, a partir de 1988, tem compelido ao aparecimento de dificuldades nos serviços de saúde e educação. A transferência de despesas sociais veio a ocasionar distorções no atendimento das demandas, face à limitação de receitas e à superposição de interesses (GIAMBIAGI; ALÉM, 2008). Descentralizaram-se atribuições sem que se pensasse se as políticas públicas seriam hábeis e teriam a accountability adequada, gerando heterogeneidades entre os municípios e os estados, num ambiente em que faltam instrumentos eficazes de coordenação e cooperação intergovernamental.
A suposta “coparticipação” reverbera mais como figura ilustrativa, pois a Constituição Federal disciplina que as três esferas federais podem e devem oferecer o acesso à educação, podem e devem financiar a educação, podem ou não atuar nas diversas áreas da educação. “Resultado: não existe uma instância do poder público que seja responsável (e responsabilizável) pela oferta (ou não) de ensino fundamental. Cada instância faz o que pode e o que quer, supostamente em regime de colaboração” (CUNHA, 2010, p.203).
Para rematar, o desafio do modelo de Estado brasileiro envolve o respeito, duplamente considerado, à autonomia dos entes a compor a federação e à soberania da União, numa perspectiva de agregar valores e ações, em perfeita coordenação dos instrumentos fiscais predispostos a cada um destes, na exata medida de sua participação e relevância.
5 – Estrutura tributária desincentivadora das atividades produtivas
Sondagem da CNI (Confederação Nacional da Indústria) revelou que “grande parte das empresas brasileiras considera que o sistema tributário brasileiro tem viés anti-crescimento e reduz a competitividade de nossos produtos” (BRASIL, 2009, p.33). A referida pesquisa escancarou alguns dos dilemas enfrentados pela iniciativa privada, onde o “grande número de tributos” (76%), “tributos cumulativos ou em cascata” (57%), “tributação sobre a folha de pagamento” (44%), “complexidade ou excesso de burocracia” (41%), “carga tributária desigual entre os setores” (34%), foram os principais problemas listados pelas empresas consultadas (BRASIL, 2009, p.33).
Quando o desenvolvimento de uma nação torna-se expressão de crescimento econômico, e a partir do momento em que atores privados são reconhecidos, e devidamente respeitados, como basilares à produção da riqueza nacional, a orientação de qualquer governo que se preze, até por uma questão de sobrevivência, face à globalização, à proposta de Estado mínimo e à autorregulação dos mercados, deve ser no sentido de estímulo, ou de não obstaculização, do ciclo de prosperidade.
Nesse ínterim, firma-se um sustentáculo de fomento a atitudes positivas, as quais desembocam na ampliação do parque industrial, na expansão dos negócios, na potencialização dos lucros, na valoração do comércio internacional, na geração de emprego e renda, na circulação monetária, no aumento da arrecadação de tributos (devido a uma maior formalização das atividades e por incremento no contingente de contribuintes), e no importantíssimo retorno social, pronto e adequado, pois, afinal, o maior ingresso de receitas permitiria a adequação dos serviços públicos e a satisfação direta das necessidades da coletividade, com a eliminação de eventuais disparidades. Essa seria a maneira acertada de um Estado conduzir suas políticas orçamentária, fiscal e tributária, contudo, não é o que se assiste por aqui.
A complexidade do sistema tributário de nosso país, consoante Amaral, Olenike e Viggiano (2008), é espantosa e surge na constatação de que: a) são 61 tributos cobrados; b) existem mais de 3.200 normas a reger o sistema tributário, e outras 300 são editadas todos os anos; c) em virtude das 97 obrigações acessórias (declarações, formulários, guias de recolhimento, tempo despendido no pagamento dos valores, manutenção de livros etc.), as quais uma empresa deve cumprir em termos de burocracia para estar em dia com o Fisco, 1,5% de seu faturamento é sumariamente perdido, a um custo de R$ 35 bilhões anuais. Só para que se tenha uma ideia, o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (AMARAL, OLENIKE e VIGGIANO, 2008, p.2) ainda aponta que as “deformações tributárias elevam a carga tributária brasileira em 2,03 pontos percentuais e arrecadam R$ 52 bilhões indevidamente”. Portanto, a tributação, tal como se encontra, não condiz com a fórmula que o Brasil deveria seguir para que viesse a se industrializar e a crescer economicamente.
Outros dados chamam ainda mais a atenção. Para a Confederação Nacional da Indústria (2010), os tributos que incidem diretamente sobre uma empresa tendem a majorar, exponencialmente, o custo total de qualquer projeto, a exemplo do IPI (representado 8,3% do investimento total), do ICMS (8,17%), do Imposto de Importação (6,2%), da Cofins (3,95%), do ISS (1%) e do PIS (0,8%). Também o grande número de tributos, a coexistência de diferentes métodos de apuração, e a profusão legislativa acerca das regras, exceções e deveres, tornam o mero recolhimento do que é devido uma empreitada de alto custo. Mas isso não é tudo, haja vista que tamanha “confusão” ocasiona incertezas e inseguranças jurídicas, de modo que o aporte de capital para que, por exemplo, uma indústria venha a se instalar ou expandir, torna-se oneroso demais. Nas empresas de capital aberto, os atos necessários para quitar os tributos devidos corespondem a 0,75% do valor adicionado das mesmas, significando uma despesa da ordem de R$ 23,6 bilhões anuais. “Além de serem extremamente elevados, os custos de conformidade afetam de forma mais significativa as empresas menores. Segundo o estudo, o percentual chega a 5,8% do valor adicionado nas empresas com receita bruta anual de ate R$ 100 milhões. Nas empresas com receita bruta anual superior a R$ 5,0 bilhões, ele e de 0,24%” (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA, 2010, p.81).
Para o Banco Mundial (“Doing Business”, 2010, apud, CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA, 2010, p. 81), o pagamento de tributos, no nosso país, toma 2.600 horas/ano[3] de uma empresa. Essa mesma levaria apenas 385 horas/ano para recolher seus tributos na média da América Latina e somente 194 horas/ano na média dos países que compõem a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, OCDE. Em outras palavras, a empresa brasileira é penalizada em excesso, precisando trabalhar 13 vezes mais para manter seus tributos em dia, contrariamente ao que sucede em um país desenvolvido. “Entre as 183 economias pesquisadas em 2010, o Brasil aparece na 150ª posição entre os países onde mais se gasta tempo para pagar tributos, tendo recuado 4 posições em relação ao estudo de 2009” (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA, 2010, p.81).
E o mais incrível é constatar que o Estado é uma das vítimas das situações absurdas que ele próprio acaba criando. Um ambiente tributário desfavorável à indústria e ao comércio, não apenas estrangula as vias normais de desenvolvimento, mas igualmente inviabiliza algumas das funções típicas da Administração Pública. Fato é que o gasto com a fiscalização e a arrecadação de tributos federais equivaleu, em 2009, a 1,35% de tudo que a União carreou para seus cofres, ou 0,4% do PIB, uma cifra que girou em torno de R$ 11,3 bilhões (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA, 2010, p.81-82).
A cumulatividade de alguns tributos, ao longo da cadeia produtiva, é outro entrave para que a indústria e o comércio venham a crescer e a realizar investimentos. “O Ministério da Fazenda estimou em pelo menos 2% do PIB a incidência cumulativa remanescente na economia brasileira” (SENADO FEDERAL, 2010, p.31). Esses impostos cumulativos, vulgarmente denominados “impostos em cascata”, abrangem todos os estágios do processo produtivo, e, dependendo do grau desse efeito, tal cobrança acaba sendo, de uma maneira ou de outra, repassada ao consumidor final (BIDERMAN; AVARTE, 2004).
Podemos dar dois exemplos dessa prática: a) não adianta de nada isentar o pão de tributos se forem aumentados aqueles cobrados da farinha, e estes não acabarem por ser devolvidos; b) se um veículo, ao ser exportado, tem o referido imposto isentado, não surtirá efeito a renúncia fiscal, pois antes será preciso restituir o que fora cobrado do aço, do motor, e de outros componentes empregados em sua fabricação (SENADO FEDERAL, 2010, p.31). “Portanto, um imposto em cascata, implementado à alíquota de 10%, quando existem apenas três estágios no processo de produção e distribuição, equivale a um imposto cuja alíquota é [de] 33%, portanto mais de três vezes a alíquota inicial” (BIDERMAN; AVARTE, 2004, p.190). Nesse diapasão, o peso dos tributos cumulativos sobre o consumo tornam todo o sistema ainda mais regressivo e essencialmente custoso.
Não podemos nos furtar de abordar dois outros flancos dessa inglória batalha: a informalização da economia e a sonegação fiscal. O Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, da Presidência da República, no estudo denominado “Indicadores de Equidade do Sistema Tributário Nacional” (BRASIL, 2009, p.30), aponta que, consoante o IBGE, em 2005, aproximadamente 8,7% do PIB foram gerados por unidades produtivas informais. “Segundo os mesmos dados, cerca de 58,8% das ocupações da economia brasileira corresponderam a ocupações sem vínculo formal, ou seja, trabalhadores sem carteira assinada, ocupações por conta própria, empregadores de unidades informais e trabalhadores não remunerados” (BRASIL, 2009, p.30).
Obviamente que a pessoa, dentro dessa perspectiva, ao ponderar sobre os custos para abrir um negócio próprio ou para registrar e arcar com os direitos de um funcionário, buscará o melhor para si, o que desloca parte do capital produtivo nacional para um perigoso e sombrio espaço, fora das amarras e do controle governamental, e que não aparece em estatísticas oficiais. E isso é sério, pois, segundo estimativas, apenas quanto ao Imposto de Renda Pessoa Física, a evasão e/ou elisão fiscal atinge 80% das famílias cujas rendas principais são oriundas do trabalho por conta própria ou da atividade empresarial irregular (BRASIL, 2009, p.30). Quer dizer, a pessoa, ao não regularizar sua situação para com o Estado, ocasiona a queda na arrecadação direta do sistema, o que reflete negativamente na receita disponível para investimentos em serviços essenciais e na infraestrutura básica, o que, por consequência, ocasiona a tributação indireta e o declínio econômico.
Concluindo esse ponto, vamos reiterar o que disse o juiz John Marshall, em 1819: “O poder de tributar é, sem dúvida alguma, o poder de destruir” (PAULA, 2009, p.38). Tornar as atividades industriais e comerciais inviáveis por custos elevados relacionados a um sistema tributário falho é um erro estratégico dos mais grosseiros que nosso país precisa urgentemente corrigir. Dessa maneira se reclama que sejam retirados os empecilhos ao desenvolvimento econômico, com a acertada reforma e gestão do aparato fiscal, impulsionando a necessária e preciosa transformação do Brasil em uma nação do primeiro mundo.
6 – Ausência de cidadania tributária
Cidadania tributária significa a “conscientização do cidadão para o fato de que a necessária arrecadação de tributos deve reverter-se em benefícios que cumpram o papel de atender às necessidades da coletividade, reduzindo distâncias sociais” (BRASIL, 2009, p.39). De posse dessa conceituação, afirmaremos que, no Brasil, a população desconhece, quase que totalmente, o quanto paga em tributos e qual o percentual de sua renda que é mensalmente retirada para esse fim, tampouco entende como o Estado se mantém e se faz sentir, inexistindo vontade em se buscar apreender como está estruturado ou como funciona o sistema tributário nacional, bem como a Administração Fazendária. Além disso, outro aspecto pouco debatido é a quase ausência de controle social, o qual transparece na fiscalização deficitária, por parte do cidadão contribuinte, do processo orçamentário e da destinação das receitas públicas.
Logo, configura-se como prejudicial aos preceitos da cidadania a inacessibilidade a informações, transparentes e simples, aptas a gerar e aprimorar, no seio de cada indivíduo, a oportuna reflexão sobre as injustiças tributárias, até para que se possa reivindicar direitos e lutar por um país menos desigual e mais justo. “Aliás, não seria demais afirmar que quase todas as revoluções, no Brasil e no mundo, tiveram origem em questões tributárias. Isso é claro: o abuso de poder de tributar ofende diretamente dois dos valores mais caros ao homem: liberdade e propriedade” (AMARAL, 2010, p.11). Daí exsurge que o pleno domínio dos aspectos mais intrínsecos e relevantes a respeito da tributação, e de seus efeitos no dia-a-dia, pode vir a alterar para melhor as feições díspares que vemos atualmente.
“A área tributária é, seguramente, uma das mais sensíveis a essa questão, pois ela é que retira os recursos da sociedade, tornando-se a interlocutora fundamental do processo de cidadania fiscal” (VASCONCELOS, 2002, p.14). E as distorções na cobrança e na arrecadação dos tributos assumem papel dúbio tanto de causa como de consequência dessa verdadeira ignorância por parte da população.
Explica-se. Ao comprar um bem ou contratar um serviço, ao ter um trabalho ou exercer uma profissão, ao realizar movimentações financeiras, dentre outras muitas atividades corriqueiras, a pessoa, quer direta ou indiretamente, contribui para o Estado, mas não sabe o quanto isso representa, nem quais os tributos incidentes, tampouco como o Fisco age para levar tais recursos para o tesouro público, ou, pior ainda, não tem ciência sequer de qual a esfera de governo beneficiada. Desse modo, a falta de visibilidade, resultado da vasta gama de tributos, da enorme quantidade de leis, da miríade de alíquotas e dos regimes de apuração e de cobrança distintos, agravam sobremaneira o problema.
Chama a atenção que a falta de transparência é a mãe da regressividade, da elevada carga tributária, da injustiça social e da inadequação do sistema tributário do País. “Reformar esta estrutura deve começar por transformar consumidores-pagadores em cidadãos-cobradores” (SENADO FEDERAL, 2010, p.32). Nas exatas palavras de Ronald Reagan: “O contribuinte é alguém que trabalha para o governo federal, mas não precisa prestar concurso para a administração pública” (BARELLI; PENNACCHIETTI, 2001, p.623).
Por conseguinte, mudar essa situação, propiciando a redefinição do que se compreende por cidadania na relação entre Estado e contribuintes, não deve ser apenas mais uma meta, perdida dentre muitas outras, mas deve sim representar a própria alma a lastrear uma futura insurreição em matize tributária. A sociedade brasileira clama por isso, e já não é sem tempo chegada a hora de se pensar no elemento humano por trás da manutenção da receita pública. Aceitemos ou não, esses são os fatos, e teremos que deixar de lado tamanha hipocrisia se quisermos evoluir.
7 – Sistema tributário ideal
Dois termos estão no centro de quaisquer discussões em torno das frequentes propostas de reforma tributária: “equidade” e “eficiência”. Consoante Biderman e Avarte (2004), a dificuldade em encontrar o “desenho tributário ótimo” pode ser visto como equivalente ao de identificar a melhor combinação entre esses objetivos. Especificamente, o Estado busca arrecadar e distribuir recursos sem a ocorrência de perdas ou distorções, com o menor custo possível, ao mesmo tempo em que o cidadão contribuinte merece ter seus direitos respeitados e anseia ser dignamente tratado, arcando tão somente com o que pode pagar, e em nível de igualdade para com os demais integrantes da sociedade. Dessa forma, viabilizar a solução para tamanho dilema existencial é o que interessa, pois, em uma configuração próxima de ser classificada como perfeita, “equidade” e “eficiência” haverão de conviver sob uma mesma base.
Na obra “A riqueza das nações”, publicada em 1776, Adam Smith determina quatro diretrizes fundamentais, as quais deveriam nortear a construção de qualquer aparato tributário, e são elas: a) a “capacidade contributiva” [4], onde cada pessoa terá uma parcela de sua renda retirada, em correta e imparcial proporção, quando necessário, velando-se, em tal contribuição, pela “verticalidade”, a qual diz respeito ao maior pagamento pelos que estão em maiores condições de pagar, e pela “horizontalidade”, que abrange o tratamento igualitário aos que estão em idêntica situação; b) “regras claras”[5] para fixação dos tributos, prevenindo-se arbitrariedades, por intermédio da discriminação do valor e da forma de pagamento, de maneira a permitir que o contribuinte se programe e tenha, antecipadamente, os meios de se defender, característica essa que se exprime em simplicidade na tributação; c) “conveniência para o contribuinte”[6], de modo que, conforme tal desígnio, os tributos devem a ser cobrados no momento em que os indivíduos estão de posse dos recursos para pagá-los; e, finalmente, d) “menor custo”[7] para o contribuinte, zelando pela manutenção do fluxo de receita e pelo desenvolvimento nacional (LIMA, 1999; BIDERMAN; AVARTE, 2004).
Basta, após essa leitura, ponderarmos como cada um dos pontos supralistados no parágrafo acima se encaixa perfeitamente nos problemas vivenciados no Brasil, e, também, nas propostas de mudanças no âmbito tributário, restando, tão somente indagar se, passados mais de dois séculos de tão válida construção teórica, em algum momento, aprendemos o que é, para que se destina e como deve ser efetivado um sistema tributário justo e equânime? Ou será que persistiremos por mais algum tempo com a multiplicação exponencial de nossos erros e equívocos, a prejudicar severamente todo um país? Como já ensinou Rudolf Von Ihering: “Mas, se só chegamos a compreender as lições da história quando já é tarde, a culpa é nossa; não é por causa da história que não as percebemos em tempo, pois ela nos ensina de forma clara e inconfundível” (IHERING, 2000, p.77).
8 – Considerações finais
Ao epílogo do artigo, remeteremos, novamente, a Adam Smith, agora em seu “Essays on Philosophical Subjects”, de 1755, onde aparece a ilustre máxima: “Para transformar um Estado do mais baixo barbarismo ao mais alto grau de opulência são necessários: paz, tributação leve e uma tolerável administração da justiça. Todo o resto vem pelo curso natural das coisas” (BIELSCHOWSKY; MUSSI, 2002, p.83). Sem sombra de dúvidas, em nosso país, não podemos deixar de ter em mente que resta muito por fazer em sede tributária, haja vista as incorreções e desigualdades de algo que não atende as necessidades do Estado e, muito menos, aos pleitos da sociedade.
Mencionar as expressões “cidadania tributária” e “justiça fiscal” não pode, de maneira alguma, significar discurso vazio ou ausente de sentido. Se a população padece com altos tributos e com o fenômeno da regressividade, se o Estado devolve a coletividade serviços públicos pífios e incipientes, se a indústria nacional é indevida e demasiadamente onerada, se a Administração Fazendária pode fazer pouco para arrecadar mais, se não existe planejamento algum, e se o crescimento econômico e o desenvolvimento foram esquecidos, não nos cabe sequer pensar em desistir de reclamar e de lutar por um amanhã mais digno. Como diria Geir Campos, a tarefa reside em:
“Morder o fruto amargo e não cuspir
mas avisar aos outros quanto é amargo,
cumprir o trato injusto e não falhar
mas avisar aos outros quanto é injusto,
sofrer o esquema falso e não ceder
mas avisar aos outros quanto é falso;
dizer também que são coisas mutáveis…
E quando em muitos a noção pulsar
– do amargo e injusto e falso por mudar-
então confiar à gente exausta o plano
de um mundo novo e muito mais humano” (CAMPOS, 2013, p.89).
O estudo “Brasil 2022” arquiteta que, ao completar 200 anos de independência, em nosso país, “o sistema tributário cumprirá sua função de forma progressiva, fazendo com que a contribuição de cada um corresponda à sua capacidade econômica. O Brasil em 2022 terá deixado de ser um dos países mais desiguais do mundo” (BRASIL, 2010, P.59). Temos ainda nove anos. Portanto, é das cinzas de um sistema tributário falido que haverá de renascer uma nova nação, mais rica, mais forte, mais justa, e, porque não, mais equitativa e eficientemente tributada. Temos de acreditar, ou será que esse é apenas um sonho?
Notas:
Informações Sobre o Autor
Thiago Nóbrega Tavares
Advogado Especialista em Direito Tributário e Mestre em Ciências Jurídicas