Resumo: A ideia central do artigo baseia-se nos impostos de consumo e no imposto de renda (IR). Deste modo, os impostos de consumo são os que mais arrecadam impostos. Isto porque, o imposto é o mesmo para todos independentes da condição financeira, fato que nos remete ao tema da regressividade tributária. Além disso, voltando-se para os impostos de consumo, este artigo fará uma reflexão a respeito do imposto sobre valor agregado, guerra fiscal e substituição tributária e desigualdade tributária. Não obstante, diante das inúmeras críticas acerca da carga tributária brasileira, o artigo inquirirá a proposta do imposto único, o qual consiste na defesa de uma alíquota única incidente sobre a movimentação financeira. Em contrapartida, o IR se destina apenas a uma parcela da população, qual seja, a que aufere renda. Diante disso, será feita uma análise IR, suas controvérsias, oneração das empresas e repasse de carga.
Palavras-chave: Impostos sobre consumo, Imposto de Renda, regressividade tributária, princípio da seletividade, imposto único.
Abstract: The gist of the article is based on consumption taxes and income tax ( IR ) . Thus , consumption taxes are the ones who collect taxes . This is because the tax is the same for all independent of the financial condition , a fact that leads us to the issue of tax regressivity . Moreover , turning to consumption taxes , this article will reflect about the value-added tax , tax competition and tax relief and tax inequality. Nevertheless , given the numerous criticisms about the Brazilian tax burden , Article inquire the proposed flat tax , which is the defense of a single rate on financial transactions . In contrast, the IR is for only a portion of the population , namely, that earns income. Therefore, an IR analysis , their controversies , encumbrance of companies and transfer of cargo will be made.
Keywords: Consumption taxes , income tax , tax regressivity , principle of selectivity, single tax .
Sumário: Introdução. 1. O tributo como diretriz financeira no direito brasileiro. 2. Imposto. 2.1. Imposto do consumidor. 2.2. Imposto sobre valor agregado, guerra fiscal e substituição tributária. Desigualdade tributária. 2.2.1. O problema da regressividade. 3. As demandas pelo imposto único. 3.1. Regressividade. 3.2. Insuficiência do imposto. 3.3. Desigualdade social. 4. Imposto sobre a renda. 4.1. Oneração das empresas e repasse de carga. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Os tributos possuem a principal função de angariar recursos financeiros para que o Estado consiga realizar suas atividades com excelência. Em contrapartida, o imposto é uma espécie de tributo que financia os serviços universais, assim denominados, pois são utilizados por toda a sociedade. Baseiam-se assim, na ideia de solidariedade social.
Pois bem, este artigo fará uma análise nos impostos de consumo e no de renda. Os impostos de consumo possuem arrecadação bem maior se compararmos com os de renda. Isto porque, os impostos de consumo atingem toda a sociedade, desde o mais rico até o mais pobre, haja vista que ele é embutido no preço final da mercadoria. Desta forma, qualquer cidadão, independente de sua condição social, irá paga o mesmo imposto nos alimentos, por exemplo. Tal situação nos leva a fazer uma crítica quanto à regressividade do imposto.
De outra sorte, o Imposto de Renda (IR), além de possuir uma arrecadação inferior, não atinge a todos. Isto porque, o IR incide em quem detém renda e portanto, desempregados, trabalhadores informais e os isentos do IR (trabalhadores que recebem até R$ 1.710,78), não pagam esta prestação pecuniária.
Em outro momento, o artigo fará uma análise na proposta formulada pelo economista Marcos Cintra, de adotar-se um imposto único. Outrossim, a ideia do imposto único baseia-se na adoção de uma alíquota única, incidente sobre a movimentação financeira de 2,65%, tanto para débitos quanto para créditos bancários.
Deste momento em diante, o artigo se volta na reflexão do imposto único. Imposto este que, pode resolver o problema da tão criticada carga tributária brasileira. Entrementes, inquirindo o Princípio da Seletividade do imposto de consumo e observando a extrema desigualdade social do nosso País, indagamo-nos se esta proposta é efetivamente suficiente para resolver os clamos de quem paga impostos no Brasil.
1. O TRIBUTO COMO DIRETRIZ FINANCEIRA NO DIREITO BRASILEIRO
Para que o Estado realize satisfatoriamente suas atividades, são necessários recursos financeiros que se conseguem: a) mediante receitas originárias, em que o Estado explora o seu patrimônio e com isso, consegue receitas, a exemplo dos alugueres e receitas de empresas públicas e sociedades de economia mista;[1] b) mediante receitas derivadas, em que o Estado se utiliza de suas prerrogativas e obriga o particular a contribuir, como por exemplo nos tributos, multas e reparações de guerra (ALEXANDRE, 2013).
Cingimo-nos a tratar das receitas derivadas, particularmente aos tributos. Segundo o Código Tributário Nacional (CTN), em seu artigo 3º: "Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.
Desdobrando o conceito exposto no próprio CTN, verifica-se que o tributo deve ser pago em dinheiro e não de outra forma, a exemplo do trabalho ou entrega de bens. Entrementes, a frase "ou cujo valor nela se possa exprimir" faz referencia a época de elaboração do Código (1966) e se referia a tributos "cujo valor não é previsto em reais, mas sim por indexadores, como a extinta UFIR – Unidade Fiscal de Referência" (CORNÉLIO, 2014, p. 16). Não obstante, hodiernamente o tributo é quitado apenas com dinheiro.
Quanto à prestação pecuniária compulsória, verificamos à obrigatoriedade quanto ao pagamento do tributo, independentemente de vontade por parte do devedor. Assim, a "lei tributária cria, entre outras, a obrigação de pagar o tributo. Se a lei obriga, o contribuinte não pode se negar a pagar o tributo" (CORNÉLIO, 2014, p. 16).
Saliente-se que o tributo não se constituiu a partir do ato ilícito, uma vez que:
“(…) a lei não pode incluir na hipótese de incidência tributária o elemento da ilicitude. Não pode estabelecer como necessária e suficiente à ocorrência da obrigação de pagar um tributo uma situação que não seja lícita. Se o faz, não está instituindo um tributo, mas uma penalidade” (LUKIC, 2012, p. 11, apud MACHADO, 2005, p. 73).
Isto posto, o dever de pagar tributo surge com uma das hipóteses previstas em lei (que é denominada fato gerador). Do tributo, devem ser desconsiderados os recursos provindos de ato ilícito. Entretanto, é possível que o pagamento do tributo incida sobre uma atividade ilícita (como tráfico de drogas, por exemplo), eis que o fato de auferir renda não se constitui um ilícito (LUKIC, 2012, p. 11). Além disso, o princípio do "pecunia non olet" ("dinheiro não cheira") prevê também, a possibilidade da tributação de rendimentos advindos de atos ilícitos (CORNÉLIO, 2014, p. 16). O entendimento dos tribunais também tem se dado neste sentido, conforme observamos na decisão abaixo:
“PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 1º, I, DA LEI Nº 8.137/90. SONEGAÇÃO FISCAL DE LUCRO ADVINDO DE ATIVIDADES ILÍCITAS. NON OLET". Segundo a orientação jurisprudencial firmada nesta Corte e no Pretório Excelso, é possível a tributação sobre rendimentos auferidos de atividade ilícita, seja de natureza civil ou penal; o pagamento de tributo não é uma sanção (art. 4º do CTN – "que não constitui sanção por ato ilícito"), mas uma arrecadação decorrente de renda ou lucro percebidos, mesmo que obtidos de forma ilícita (STJ: HC 7.444/RS, 5ª Turma, Rel. Min. Edson Vidigal, DJ de 03.08.1998). A exoneração tributária dos resultados econômicos de fato criminoso antes de ser corolário do princípio da moralidade – constitui violação do princípio de isonomia fiscal, de manifesta inspiração ética” (STF: HC 77.530/RS, Primeira Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU de 18/09/1998).
Avançando as reflexões quanto ao conceito de tributo disposto no art. 3º do CTN, a parte que afirma devir o tributo de uma obrigação instituída por lei, reafirma o caráter compulsório do tributo. Isto porque, o tributo decorre de lei e não por vontade das partes. Por tal razão, somente a lei pode instituir, aumentar, reduzir e extinguir tributos, conforme estipulam os artigos 150 da CF e 97 do CTN. Quanto à instituição do tributo, a regra geral é a de que dá por Lei Ordinária. Porém a lei complementar pode ser usada para instituir tributo quando houver expressa previsão constitucional (LUKIC, 2012, p. 11).
A última parte do conceito expõe que a prestação deve ser cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. Isto quer dizer que o agente estatal não pode escolher se quer ou não cobrar determinado tributo. Isto significa dizer que "não há qualquer grau de discricionariedade (análise de conveniência e oportunidade) na cobrança de tributo por parte da autoridade administrativa competente” (CORNÉLIO, 2014, p. 16).
Além do conceito do tributo, é fundamental observar a natureza jurídica dos tributos. Deste modo, observa-se que a natureza jurídica especifica de cada tributo é determinada "pelo fato gerador da respectiva obrigação (…)" (CORNÉLIO, p. 17). Assim, pelo fato que gera a obrigação é possível identificar-se qual a sua espécie tributária, conforme advoga o art. 4º do CTN. São cinco as espécies tributárias – conforme o entendimento do STF que adota a Escola Pentapartida – a saber: impostos, taxas, contribuição de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições especiais (ALEXANDRE, 2013, p. 17).
2. IMPOSTO
Limitamo-nos ao imposto para focar o objetivo deste artigo. O imposto é uma espécie de tributo não vinculado à hipótese de incidência, ou seja, o fato gerador independe de qualquer atividade estatal específica e, portanto, diz respeito ao contribuinte (artigo 16 do CTN). Além disso, a receita do imposto financia as atividades gerais do Estado, ou os denominados serviços universais (uti universi), os quais não são específicos e são indivisíveis,[2] além de que se baseiam na ideia de solidariedade social (ALEXANDRE, 2013, p. 22). Desta forma:
“(…) os impostos têm como fato gerador à "manifestação de riquezas do contribuinte (sujeito passivo), incidindo independente de contraprestação estatal específica. Ou seja, quando alguém obtém rendimento, vende mercadoria, presta serviço de assistência médica, por exemplo, deve contribuir com a União (IR), com o Estado (ICMS) e com o Município (ISS), respectivamente. Os recursos arrecadados por esses entes, por sua vez, devem ser usados em prol de toda a sociedade. Portanto, afirma-se que o imposto é uma exação (exigência) para todos os manifestantes de riqueza, que, compulsoriamente, contribuem para prestações de serviços estatais em prol de toda a coletividade. Os impostos, têm, dessa forma, caráter contributivo” (CORNÉLIO, p. 19-20) (grifo nosso).
A Constituição Federal não cria tributos, ela apenas delega competência aos entes federativos (União, Estado e Município) para estes criarem seus tributos, através de lei. Assim, a lei deve definir o fato gerador, a base de cálculo, a alíquota e os contribuintes do respectivo imposto (ALEXANDRE, 2013, p. 23).
É importante observar também, que os impostos podem caráter pessoal ou real. Como consequência, no imposto pessoal é analisada a capacidade econômica do contribuinte. Como exemplo disto se tem o Imposto de Renda incidentes sobre proventos de qualquer natureza (IR). Por outro lado, o imposto real incide objetivamente sobre o contribuinte, independentemente da sua capacidade econômica, a exemplo do IPVA (não importa se meu carro é importado ou popular, o imposto é devido pelo simples fato de eu possuir um automóvel) (CORNÉLIO, 2014, p. 24).
O imposto pode ainda ter duas finalidades: fiscal e extrafiscal. Como finalidade fiscal, o desígnio do imposto é angariar recursos para os cofres públicos, fazendo com que o Estado possa desenvolver suas atividades fins. Estes impostos possuem finalidade exclusivamente financeira.
Ao contrário, os impostos com finalidade extrafiscal, são aqueles que objetivam intervir numa situação social ou econômica (AZEVEDO, 2013). Portanto, com a extrafiscalidade, o dinheiro não vai para os cofres públicos, mas sim, para projetos que visam transformação da realidade social. Além disso, as pessoas também podem participar – por meio de contribuições pessoais – ativamente do na garantia e promoção de direitos sociais, além da melhoria da sociedade.
2.1. IMPOSTO DO CONSUMIDOR
O imposto do consumidor possui finalidade fiscal, ou seja, sua finalidade é angariar recursos para que o Estado possa desenvolver suas atividades. Para tanto, este imposto é embutido no preço do produto final e, portanto, quem irá pago-ló será o consumidor final.
Do universo de impostos arrecadados, vale salientar que o imposto sobre o consumo é o que mais arrecada no País, conforme podemos observar no gráfico elaborado pela Folha de São Paulo, no ano de 2013, através de uma pesquisa realizada pela OCDE:
Analisando o seguinte gráfico, percebemos que além do Brasil possuir a maior parte de suas arrecadações advindas do imposto sobre o consumo, ele ainda é um dos países que mais arrecada impostos nesta modalidade. A matéria da Folha de São Paulo (2013) faz uma reflexão importante sobre este ponto, acertando alguns motivos para o imposto de consumo ser bem maior que o de renda.
Um dos motivos que a matéria aponta, é que no Brasil nem todos os salários pagam Imposto de Renda (IR). Isto que dizer que, quem ganha até R$ 1.710,78 (exercício de 2014, ano-calendário 2013) está isento desta tributação (RECEITA FEDERAL, 2014). Ora, evidentemente que no Brasil a grande maioria da população não possui tal rendimento. Segundo a referida matéria, apenas 25 milhões de pessoas possuem renda maior que R$ 1.710,80, em um país com uma projeção de população de mais de 203 milhões de pessoas (IBGE, 2014). Em qualquer hipótese, mesmo admitindo-se unidades familiares (4 pessoas), teríamos percentual considerável que de pessoas que não contribuem tributariamente nesta modalidade de arrecadação.
Além desta constatação, outro motivo apontado é o fato de existir muita informalidade no mercado brasileiro, tanto de pessoas sem carteira assinada, quanto das que colocam valor diverso do recebido na mesma. Além disso, existe muita sonegação da declaração do IR, fato que não ocorre no imposto sobre o consumo, eis que o imposto já vem embutido no valor final da mercadoria. Dito isto, fica fácil perceber as razões de existe muito mais arrecadação no imposto sobre o consumo do que no IR.
O Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) é um imposto de consumo de competência estadual. Ele incide nas “operações reativas à circulação de mercadorias e sobre a prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações prestadas se iniciem no exterior” (MESSA, 2014, p. 426).
Deste modo, o ICMS recai com a circulação de mercadoria ou a prestação de serviços. Todos os que vendem algo ou prestam algum serviços estão sujeitos a pagar ICMS, sendo que sua base de cálculo se baseia no valor da operação ou no preço do serviço. No que se referem às alíquotas elas se diferem dependendo de cada Estado (MESSA, 2014).
Outro imposto de consumo é o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o qual é de competência da União. É importante mencionar que “a arrecadação do IPI é a segunda entre os impostos federais (só é menor que a do IR)” (ALEXANDRE, 2013, p. 552). Tal arrecadação justifica a proteção aplicada a este imposto vetando sua elevação repentina.
O IPI é aplicado com a “industrialização do produto, ou seja, com a operação que modifique a natureza ou a finalidade do produto, ou o aperfeiçoe para o consumo” (MESSA, 2014, p. 431). Importante observar, que o IPI passa pelo Princípio da Seletividade, isto que dizer que “as alíquotas deste imposto devem ser fixadas de acordo com a essencialidade do produto, sendo menores para os gêneros considerados essenciais e maiores para os supérfluos” (ALEXANDRE, 2013, p. 552).
Deste modo, os produtos com maiores tributações do IPI são os supérfluos, tais quais perfumes, cigarros, bebidas alcoólicas, dentre outros. De outra sorte, alguns produtos considerados essenciais são imunes a este imposto, conforme dispõe a Constituição Federal, como por exemplo, livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão (art. 150, VI, d da CF).
2.1.1. IMPOSTO SOBRE VALOR AGREGADO, GUERRA FISCAL E SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. DESIGUALDADE TRIBUTÁRIA.
Por certo que o imposto incidente sobre a produção de bens vai incidindo sobre valor agregado. Isto vale dizer, a indústria coloca sobre o bem produzido o valor do imposto (IPI) e, depois, o comércio agrega ao valor de custo de aquisição, o valor do imposto sobre a circulação de mercadorias (ICMs). Trata-se de modelo tributário que encarece o preço final dos produtos, eis que o ICMs, por exemplo, é pago considerando o valor total do preço de venda. É o que ocorre com o preço da energia elétrica, que se pode tomar de exemplo. Se a fatura for de R$ 300,00 e constar que o ICMs é de 20%, isto significa que o valor lançado a título de imposto terá importado R$ 60,00. Na verdade, o valor do bem é de R$ 240,00 e o imposto incide sobre estes R$ 240,00. Isto significa que o consumidor paga alíquota percentual de 25% e não 20% como estaria constando na fatura.
Isto ocorre com todos os bens comercializados e daí se formula a máxima de que os percentuais reais de impostos são muito maiores do que os valores nominais que constam nas faturas. Ademais, como o Brasil é ente federado, os Estados entre si “guerreiam”, inclusive no que diz respeito à matéria tributária na esfera de sua competência. O ICMs, por ser de competência estadual, não conta com alíquotas nacionalmente unificadas.
Se o preço final dos produtos produzidos for determinante para o sucesso do empreendimento, é possível que determinada empresa se instale no Estado que cobre a menor alíquota de ICMs e não naquele que tem a maior alíquota. Os Estados lutam entre si, por meio das alíquotas de imposto, para atrair investimentos e empresas para si. E, da mesma maneira, Municípios acabam por tentar atrair investimentos pela concessão de benefícios fiscais (isenção de impostos).
Esta questão é razão pela qual já se sugeriu insistentemente que fosse adotado o modelo do imposto sobre valor agregado (IVA) com consequente redução das alíquotas (ARAÚJO, 2011). Mas, mesmo a adoção do IVA não resolve o principal problema dos impostos incidentes sobre a produção e comercialização de bens que é a regressividade do imposto.
2.1.2. O PROBLEMA DA REGRESSIVIDADE.
Um dos nós górdios da tributação vigente no Brasil é sua regressividade. A regressividade significa dizer que a maior parcela da carga tributária é suportada exatamente pelos mais pobres. A agregação do imposto sobre os bens de consumo estabelece um sistema de penalização regressiva e contra aqueles que percebem rendimentos menores.
Atente-se para a diferença entre valor do tributo e incidência percentual do tributo sobre a massa de rendimentos. No caso do imposto incidente sobre o consumo é evidente que, quem consome mais, paga mais tributo. Mas, o consumo não mede a renda disponível. Ou, para dizer de outro modo, no consumo dos mesmos bens ou produtos, o percentual do imposto pago sobre a renda auferida vai ser muito maior para quem tem menor renda.
Admita-se que haja rendas diferentes de R$ 1.500,00 e R$ 30.000,00. Se o consumo de ambos de determinado produto, digamos pimenta, for igual e no valor de R$ 10,00, a incidência do tributo sobre a pimenta significará muito maior desembolso percentual para quem ganha R$ 1.500,00. Como se admite que o consumo de pimenta para quem perceba os valores maiores e menores seja igual eis que pressupõe-se um limite de consumo equivalente, o percentual desembolsado por quem ganha menos com a paga do imposto é maior. Ou seja, os pobres contribuem com parcelas percentuais significativamente superiores de seu rendimento para a paga dos impostos e manutenção do Estado. É isto que significa regressividade tributária.
Os pobres, no imposto sobre consumo, pagam muito mais impostos, em termos percentuais, do que os ricos. E, considerando-se a base alimentar, fator que atinge o consumo de todos, os trabalhadores (isto em oposição genérica aos rentistas) perfazem a maior parte das pessoas, as quais suportam o valor da carga tributária que aufere o Estado. O imposto sobre o consumo é imposto insonegável por parte do consumidor; o imposto está embutido no preço do produto. A sonegação, se houver, será pela falta de repasse do imposto cobrado pela venda ao fisco.
As pessoas de menor faixa de renda pagam mais impostos porque a base tributária brasileira se estabelece a partir e em privilégio aos impostos incidentes sobre o consumo. Mesmo os impostos que são incidentes sobre a produção (IPI) acabam sendo pagos pelo consumo porque tais impostos são repassados à cadeia de produção e venda. Considerando a totalidade dos impostos sobre produção e comercialização, todos estes são repassados ao consumidor como custo do produto que está sendo vendido ao consumo.
Se o Estado deve arrecadar, a forma privilegiada de sustento da máquina pública se faz prioritariamente sobre o consumo e aí, fica patente a regressividade tributária brasileira. O que aqui se diz, não é novidade (SEVEGNAN,2011). Mas, em que pese ser tema reiterado na doutrina e na discussão técnica em que praticamente não há dissenso (PINTOS-PAYERAS, 2014), o fato é que o tema tributário brasileiro se mantém persistentemente regressivo.
3 . AS DEMANDAS PELO IMPOSTO ÚNICO
Considerando o tema da regressividade e também motivado por um persistente combate ideológico contra a carga tributária brasileira, há muito vem sendo discutida a proposta formulada pelo economista Marcos Cintra (EAESP/FGV) de adoção do imposto único. Pelos termos básicos da proposta, toda arrecadação tributária se converteria numa alíquota de tributos única incidente sobre a movimentação financeira de 2,65%, tanto para débitos quanto para créditos bancários. Em parte, se propõe tal imposto único nos mesmos moldes da extinta CPMF. A diferença é que não seria mais um imposto e sim, imposto substituto de toda carga tributária.
3.1. REGRESSIVIDADE
Há diversos méritos na proposta do imposto único. Um destes méritos seria o automatismo das operações, fator que dispensaria a atividade de contadores e advogados para o cálculo e defesa dos contribuintes. O imposto incidiria automaticamente e o repasse se faria no momento da circulação financeira. Depois, outra vantagem seria a virtual impossibilidade de sonegação fiscal. Além disso, os realmente pobres, por não terem conta de movimentação bancária estariam livres da paga do imposto único. Todavia, em que pesem os grandes méritos de tal proposta do imposto único, preocupamo-nos especialmente quanto à sua plausibilidade prática e as decorrências para o sistema tributário como um todo.
3.2. INSUFICIÊNCIA DO IMPOSTO
A primeira crítica fundada sobre a adoção do imposto único diz respeito à aleatoriedade da alíquota fixada. De fato, mesmo que seja possível estimar a priori o percentual do imposto, o efetivo percentual haveria de ser calculado a posteriori. Isto significa que o imposto único provavelmente deveria ser superior a 5%. O problema daí, se pode ver que, além das questões legais e também referentes à manipulação política da tributação, seriam necessários outros mecanismos de controle do consumo. Isto porque, mesmo que muitos apreciem consumir Whisky legitimamente escocês, é evidente que este consumo deve ser, de algum modo, refreado. O mesmo pode ser dito em relação ao multimilionário mercado de luxo o qual, muito provavelmente, não reduzirá os seus preços por conta da adoção de uma alíquota única.
O que se diz neste momento é o estabelecimento de uma crítica profunda à proposta do imposto único. Se está a dizer que, contra os cânones do senso comum, que o mercado não é, nem pode ser livre. Não é possível que o Estado se exima de interferir nas políticas de consumo. A tributação das bebidas alcóolicas destiladas e cigarros, por exemplo, é um dos motivos ensejadores do seu preço elevado. No caso do cigarro, não poucos que estão livres deste hábito, gostariam que o imposto sobre o consumo fosse multiplicado, pelo menos, por 100 vezes.
De igual modo, o consumo indiscriminado de produtos importados, mesmo para aqueles que contam com similares nacionais, de algum modo precisa ser contido. E, a forma natural de controle a ser exercido pelo Estado sobre o mercado é o imposto incidente sobre os bens de consumo. Esta tributação há de ser exercida de forma qualificada e técnica.
De qualquer modo, já se pode dizer que os agentes econômicos haveriam de adaptar-se ao imposto único e, tal qual ocorre com os impostos incidentes sobre o consumo, haveria repasse do custo tributário ao preço dos produtos vendidos. Isto vale dizer, também, que o imposto único não resolve o principal problema dos impostos que é a regressividade.
3.3. DESIGUALDADE SOCIAL
Ademais, outro problema do imposto único é que não se enfrenta, pela estrutura tributária, o problema da desigualdade social. O Estado tem de ser sustentado exatamente porque se demanda que cumpra com suas funções. Agora, é por demais evidente que a contribuição ao sustento do Estado deve dar-se em função da renda dos cidadãos, até porque, o aparato público do Estado se organiza em sentido contra revolucionário. Isto vale dizer, que o Estado se engendra como mantenedor da ordem social posta. Se assim é, há de sobriamente reconhecer-se que compete encontrar uma forma tributária que seja compatível com as desigualdades sociais brasileiras. Isto implica dizer que aqueles que detêm maiores rendas e posses devem suportar fatias maiores de imposto. O problema, na verdade, é saber como se faz isto. Normalmente se entende que o Imposto sobre a Renda cumpriria esta função.
4. IMPOSTOS SOBRE A RENDA
O Imposto de Renda e Proventos de Qualquer Natureza (IR) possui como fato gerador a “aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou de proventos de qualquer natureza” (MESSA, 2014, p. 430). Desta forma, o IR é um imposto pessoal, eis que depende da renda de cada contribuinte[3]. Ademais, tal imposto é de competência da União, conforme dispõe o art. 153, III da CF.
No que diz respeito ao conceito de renda, grande parte da doutrina defende que: "a Constituição trouxe um conceito implícito de renda no sentido de acréscimo patrimonial, ou seja, como a diferença entre as receitas (entradas) e as despesas (saídas), seja da pessoa física ou jurídica, durante um determinado período de tempo" (LUKCI, p. 104).
Salienta-se assim, que o IR é devido tanto pela pessoa física quanto pela jurídica. No caso da pessoa física, a tributação varia de acordo com a base de cálculo (depende do salário), eis que a partir dela será estipulada a alíquota (de 0 a 27,5%), conforme é possível visualizar abaixo na tabela:
Já na pessoa jurídica, a tributação pode ser feita por meio de três formas de apuração: lucro presumido, lucro real e lucro arbitrado (LUKCI, p. 118).
4.1 ONERAÇÃO DAS EMPRESAS E REPASSE DE CARGA
Não é de hoje que se aponta para o imposto de renda como o santo graal para a solvência da regressividade tributária. De fato, o imposto sobre a renda incide sobre a renda dos cidadãos e das empresas. No primeiro caso, incide sobre os rendimentos auferidos e se paga conforme a previsão aliquotária de incidência do tributo.
Entretanto, também o imposto de renda não é isento de críticas, muitas destas, sem dúvida, acertadas. Fixamo-nos em dois problemas críticos para falar do imposto de renda. O primeiro problema é questão da base de cálculo e o segundo é, mais uma vez, a regressividade. Falemos destes dois problemas em conjunto, base de cálculo e regressividade.
O imposto de renda é, também, suscetível a acertadas críticas quanto à base de cálculo. Como incide sobre a renda disponibilizada ao pagamento, é de perguntar-se qual é o significado desta renda disponível. Advogados podem bem conhecer este problema. Por resolução da corregedoria de diversos (senão todos) tribunais estaduais e federais, se entendeu ser o caso de proceder aos descontos fiscais no momento do pagamento de alvarás. Na justiça federal, em inovação, se entendeu cabível a aplicação de alíquota única e, para o caso da justiça estadual do Estado do Paraná, tomado aqui como exemplo, se adotou o caso de desconto conforme as alíquotas progressivas do imposto de renda.
O beneficiário do alvará tem desconto do seu crédito da parcela destinada ao fisco. Todavia, ao assim proceder-se não se processam os descontos previstos pela legislação. Em específico se aponta para os descontos previdenciários e as despesas incorridas pelos advogados na manutenção dos seus escritórios de advocacia.[4] Isto vale dizer que, antes de pagar o salário da secretária, a advogada paga o imposto sobre o total da receita auferida. Em ambos casos, a paga da previdência e o salário da secretária são parcelas dedutíveis da base de cálculo do imposto sobre a renda.
Entrementes, não é apenas este o caso crítico em relação ao imposto de renda. A legislação tributária admite que certas despesas sejam abatidas da base de cálculo da incidência tributária. É o caso das despesas médicas, de instrução e de pagamento de pensão alimentícia. Todavia, por que não se permite o abatimento da base de cálculo o valor pago com alugueres, para o caso da pessoa física? Como, quem paga o imposto é o proprietário do imóvel alugado, entende-se que a exclusão da base de cálculo dos alugueres pagos, implicaria em duplicidade de consideração tributária sobre o mesmo evento gerador.
Até aqui, consideramos o caso do imposto de renda da pessoa física. No caso do imposto de renda da pessoa jurídica, a situação não é muito diferente. O imposto de renda se dá como contribuição sobre o lucro líquido apurado ao final do exercício fiscal. Isto na teoria. Na prática, a parcela destinada ao imposto de renda da pessoa jurídica se lança como despesa a ser enfrentada futuramente. Se é lançada como despesa, ela também integra os custos dos produtos fabricados e vendidos. Mais uma vez, também o imposto de renda pessoa jurídica se mostra como regressivo pelo fato de aumentar o preço dos produtos disponibilizados para venda.
Todavia, o problema apontado, isto gera por parte do sujeito passivo tributário, uma série de medidas defensivas contra o imposto. E aí surgem os advogados tributaristas que acabam dedicando boa parte do seu tempo em encontrar mecanismos para reduzir o impacto da paga de tributos. Trata-se de um jogo de gato e rato. O Estado mantém enorme arcabouço regulatório para tentar equacionar o casuísmo tributário e o cidadão e as empresas tentam encontrar brechas e falhas na legislação para reduzir os impostos. É o caso exemplar das indústrias que se vêm obrigadas a criar novas empresas com a finalidade de venderem os produtos que produzem para que parte considerável dos impostos incidentes sobre a produção sejam reduzidos e conversos para o imposto sobre a prestação de serviços. A segunda empresa (que é apenas desdobramento da primeira) absorve carga tributária menor.
CONCLUSÃO
Do que foi até aqui mencionado, é perceptível que o Estado brasileiro deve fazer esforço para deslocar a carga tributária incidente sobre o consumo para a incidência sobre a renda. É a renda auferida que tem as condições de paga do imposto. Quando o imposto incide sobre o consumo, em que pese as vantagens já apontadas para esta forma tributária, a sua desvantagem é por demais perniciosa. Assim, o que se propugna é a adoção de uma sistemática tributária que privilegie a progressividade do imposto. E, isto se faz com a alteração combinada do peso de incidência sobre a renda e sobre a propriedade. Trata-se de disposição combinada para que a tributação alcance os seus objetivos de progredir conforme a capacidade contributiva do sujeito passivo.
Além do imposto sobre a renda efetiva auferida pelos agentes econômicos, o imposto deve incidir sobre a propriedade. Isto é necessário especialmente considerando os movimentos do capital especulativo que se desloca do mercado financeiro para outros empreendimentos de alto rendimento. É o caso atual da especulação imobiliária. A renda auferida pode não ser alcançada pelo imposto incidente sobre a renda quando se transfere o rendimento para a propriedade imobiliária.
Assim, adquire-se terras vendidas por alqueire para anos depois, seja a terra vendida em lotes. Enquanto fica a terra parada à espera da valorização imobiliária não há renda sobre a qual incide o imposto de renda. A valorização suposta ou provocada das terras não é atingida pelo sistema tributário. Quando a venda ocorre, o valor do tributo sobre o ganho imobiliário já se inclui no preço de venda. Isto vale dizer que a estrutura tributária precisa encontrar formas de incidir efetivamente sobre a especulação proprietária. Não é possível enfrentar a regressividade tributária sem coragem e determinação.
Na verdade, a modificação tributária em favor de um sistema progressivo tem diante de si um enorme problema. Este deriva da conformação política. A lei se altera por força do Poder Legislativo e neste, da forma como está erigida a democracia representativa, fica muito difícil implementar modificações estruturais na tributação. Pretender que o imposto incida sobre a renda e sobre a propriedade é, na verdade, propor, de certo modo, fazer modificações que alavancaram as revoluções. Quem pensa ser difícil fazer uma revolução vai compreender que fazê-la por força da democracia tampouco é fácil.[5]
Na verdade, quem demanda as modificações na estrutura tributária é a evolução conceitual e filosófica do próprio Direito. Ao se pretender que a igualdade jurídica não seja apenas um dogma liberal, que os Direitos Humanos sejam matriz de reflexão do Direito e que a sociedade deve encarar a democracia como um dos seus mais altos valores é daí que deriva a demanda pelas alterações no sistema tributário. Agora, se estas alterações são exequíveis, isto depende, em grande parte, da tomada de posicionamento por parte daqueles que, por dever de ofício, assumem o nobre encargo de colocar-se ao lado daqueles a quem não se lhes faz justiça.
Justifica-se assim, o título do artigo “O Imperativo de dizer-se não à regressividade tributária”, eis que o Direito, mais do que ninguém, deve lutar pela justiça social.
Informações Sobre os Autores
Bárbara Cristina Kruse
Advogada, Geógrafa e especialista em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná, núcleo de Ponta Grossa. Mestre em Gestão do Território pela Universidade Estadual de Ponta Grossa
Marcos Kruse
Perito Judicial Cível. Bacharel em Direito. Economista. Doutorando em Direito Civil pela Universidade Nacional de Lomas de Zamora (UNLZ) – Argentina