Resumo: O objetivo deste artigo é mostrar a importância da obrigação dos pais em relação aos filhos, que não se insere no dever de sustento ou apenas obrigação alimentar. É a obrigação de proporcionar uma participação mais efetiva e presente na criação dos filhos, de forma a contribuir para o desenvolvimento emocional dos mesmos. A conseqüência desta medida pode ser a diminuição de índice de rejeição dos pais, o que diminuiria com a quantidade de crianças e adolescentes com evidentes sinais de desestruturação familiar.
Palavras-chave: Família. Relações. Abandono Afetivo. Responsabilidade Civil.
Sumário: Introdução. 1. Desenvolvimento. Conclusão. Referência.
Introdução
A atual tendência do nosso ordenamento jurídico, e especialmente o Direito de Família, é de buscar uma vida digna, baseada na afetividade e respeito mútuo no ambiente familiar de nossas crianças e adolescentes. Ou seja, o ideal a ser alcançado em todas as relações familiares é a harmonia, por meio do afeto.
Verifica-se que a família, além de ser havida como célula básica da sociedade e presentes nos interesses do Estado, passou a ser tratada como centro de preservação do ser humano, com a devida tutela à dignidade nas relações familiares.
E há explicação para tamanho cuidado, pois é na infância que o ser humano constrói o seu caráter, bem como o evolui, formando, assim, a instrução necessária para se fazer escolhas durante toda a vida. Isto se verá refletido na própria sociedade em um futuro bem próximo.
Não é nenhuma novidade que a ausência de um pai, ou uma mãe, acarreta evidente prejuízo à formação da criança. O dano na esfera subjetiva, íntima e moral causado pelo abandono culposo é conseqüência de uma infração aos deveres jurídicos de assistência imaterial e proteção que são decorrentes do poder familiar.
Ora, a verdade sócio-afetiva não é menos importante do que a fruto de uma obrigação alimentar. Aliás, o mau exercício do poder familiar origina evidente dor psíquica e conseqüente prejuízo à formação da criança ou adolescente.
Isto porque é função do direito viabilizar a vida em sociedade. Vivemos em família e precisamos de regras de proceder, que sejam atuais e eficientes a acompanhar a evolução das necessidades sociais. Essas regras são eficazes exatamente quando a família padece da atuação do Estado, se não o fizer o direito deixar de cumprir sua função e, por conseguinte, não alcançar sua finalidade.
O legislador teve o cuidado de estabelecer, na Constituição Federal, os princípios gerais de proteção à família, com destaque ao resguardo dos direitos dos filhos, em absoluta igualdade, independentemente de suas origens. Houve importantes mudanças que, além de permitir o reconhecimento da paternidade qualquer que seja o estado civil do declarante, na constância do casamento ou não, também dissipou qualquer dúvida em relação aos direitos dos filhos havidos de relações entre parentes e dos adotivos, todos igualados na sua designação e situação jurídica. (art. 227, § 6º, CFB).
Dentro dessa perspectiva, a proteção à família por parte do Estado é elevada ao nível constitucional, como se depreende do dispositivo no art. 226 da mesma.
Demais disso, a intervenção prevista em lei do Estado nas relações entre pais e filhos, estes a merecerem apoio integral, retrata que a formação da criança é função/dever do Estado, e interesse da sociedade e da família, sendo autorizada esta interferência para subtrair o menor de sofrer prejuízos graves e de difícil reparação.
Temos, então, um problema: O papel dos pais se limita ao dever de sustento? Ou a ausência de afeto para com os filhos menores, infringindo a lei, pode, ou deve, ser motivo de indenização por dano moral? Pode o Direito interferir neste campo, impondo sanções e exigências? Ou ainda: Como obrigar alguém a amar? Pode o judiciário coagir o pai a amar seu filho? Existiria o perigo de se ter uma grande leva de processos aos tribunais requerendo indenizações por todos os tipos de sofrimento causados em relações por falta de amor?
A grande polêmica gerada em torno do tema, as divergências doutrinárias, os diferentes julgados, são motivos pelos quais é necessário um estudo sobre o caso para que se tenha a melhor solução para o conflito.
1 – Desenvolvimento
Pretende-se no presente artigo tratar da proteção à relação familiar como garantia do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, relacionado com o direito à personalidade.
Tendo a Constituição consagrado a dignidade da pessoa humana como fundamento do estado Democrático de direito, é de rigor que a leitura do Código Civil seja pautado por este princípio, reconhecendo que a dignidade da pessoa humana situa-se na parte íntima do indivíduo.
Para garantir tais direitos, compete ao Estado se valer dos meios necessários para sua plena eficácia. Isto quer dizer, que tudo concernente à criança ou adolescente deve ter um cuidado significativo do legislador, para que não seja a previsão constitucional uma letra morta, ou não produza efeito na sociedade.
Tendo-se também em vista, que as crianças/ adolescentes requerem uma proteção especial por serem hiposuficientes, o que justifica, inclusive, seu status de incapaz, absoluta ou relativamente, para a prática civil, devendo ser sempre representando ou assistido.
Tudo isto deve ser analisado sob a base do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, que é o marco teórico deste estudo.
Tal Princípio deve ser considerado de forma absoluta, ou seja, há de prevalecer sempre sobre qualquer outro valor ou norma.
Primeiramente, porque toda a nossa legislação dá, notoriamente, maior valoração à vida – só observar, por exemplo, o maior interesse à proteção dada pelo direito penal.
Sobre a proteção dada em nossa legislação à dignidade da pessoa humana, cláusula geral de tutelada personalidade e fundamento da República Federativa do Brasil, leciona Washington de Barros Monteiro:[1]“Essa proteção [à dignidade da pessoa humana] revela-se, também, na Parte Geral do novo Código Civil, ao versar sobre os direitos da personalidade, que são aqueles direitos subjetivos e intransferíveis em regra, salvo disposição em contrário, como dispõe o art. 11 do Código Civil, inatos ou originários, essenciais, oponíveis erga omnes e imprescritíveis, que conceituamos como as faculdades que têm por objeto os modos de ser físico ou morais da pessoa em si e em suas projeções sociais, com vistas à proteção da essência da personalidade.”(Curso de Direito Civil, Washington de Barros)
Esses direitos classificam-se como físicos, psíquicos e morais. Nos físicos são exemplos os direitos à vida, à integridade física, ao corpo e às partes do corpo, à imagem e à voz. Nos psíquicos são inseridos os atributos da inteligência ou do sentimento, como os direitos à liberdade, à vida privada e ao segredo. Nos morais localizam-se as qualidades da pessoa em suas projeções ou valorações sociais, são os direitos ao nome, à honra e às criações intelectuais.
Dentro desta definição, um pai que, por exemplo, deixa de dar assistência imaterial ao filho carecedor – muito embora contribua financeiramente – acarretando-lhe profundo trauma e dano decorrentes deste abandono, deveria, então, ser responsável civilmente pelo mesmo, em virtude da ofensa ao direito da personalidade por danos morais (psíquicos ou morais).
O Código Civil contém artigos específicos sobre o direito à vida, à integridade física e ao corpo (arts. 13e 15), ao corpo após a morte (at. 14), ao nome (arts. 16,17, 18 e 19), à honra, ao segredo, à voz, à imagem (art. 20), à vida privada (art. 21). Em outros dispositivos, como os arts. 948 e seguintes, oferece também a proteção aos direitos da personalidade.
Com o necessário cuidado, claro, de não realizar uma enumeração taxativa, já que os direitos da personalidade são ilimitados, o código disciplina essa matéria com vistas à proteção da dignidade da pessoa humana.[2]“A proteção da dignidade da pessoa humana tem como finalidade propiciar tutela integral à pessoa, de modo que não pode permanecer em departamentos estanques do direito público e o direito privado. Assim, o novo Código Civil privilegia a dignidade da pessoa humana, diante da proteção oferecida à sua personalidade.” (grifo não original; Curso de Direito Civil, Washington de Barros Monteiro)
Contudo, não basta que haja proteção à vida, e sim necessária que se garanta a proteção à vida com dignidade.
Desta forma, além da Parte Geral, em outras várias partes do Código Civil são encontrados dispositivos de proteção à dignidade da pessoa humana, especialmente no livro do Direito de família, que contém normas que buscam acompanhar os princípios de igualdade no casamento e na filiação e o acolhimento da união estável como entidade familiar, alcançada pela Constituição nacional.
Acentua-se a necessidade de tutela dos direitos da personalidade nas relações familiares por meio da proteção à dignidade da pessoa humana tendo em vista que a família deve ser havida como centro de preservação da pessoa, da essência do ser humano, antes mesmo de ser tida como célula básica da sociedade.
Conclui Edinês Maria S. Garcia que: [3]“não há no mundo valor que supere ao da pessoa humana, pois o valor coletivo não pode nunca, sacrificar, ferir, o valor da pessoa.”
É somente por meio do respeito a esses direitos que pode ser alcançada a harmonia nas relações familiares e preservada a dignidade da pessoa humana.
Além disto, o próprio texto constitucional, logo em seu art. 1º, inc. III, diz que [4]a dignidade da pessoa humana é fundamento da República Federativa do Brasil.
Desta forma, sendo um princípio norteador de toda a legislação nacional, a interpretação dos demais conceitos constitucionais e legais há de fazer-se à luz deste princípio que consagra a dignidade humana, assim como outros que proclamam e consagram direitos fundamentais.
Sem sombra de dúvida, uma base familiar bem estruturada e um bom convívio familiar possibilitam um melhor desenvolvimento da pessoa, de forma a alcançar a dignidade proclamada.
Para manter esta dignidade é fundamental o zelo pela ambiência familiar e pela possibilidade de correlação afetiva entre seus membros, para assegurá-la como bem maior que é.
Considerando que a falta de educação familiar pode acarretar prejuízos imensuráveis à vida de uma pessoa, especialmente se causados na fase de crescimento e formação de caráter, é necessário se estabelecer um vínculo entre a vida com dignidade e o respeito pelo ser humano que representa a criança em seu desenvolvimento, com seus medos, anseios e frustrações, e acima de tudo, com seus vínculos afetivos estabelecidos desde o nascimento, na coletividade familiar.
Para José Afonso da Silva, o respeito à vida com dignidade e a proteção do bom convívio familiar estão bem ligados, conforme citado abaixo:[5]“Essa família, que recebe a proteção estatal, não tem só direitos. Tem o grave dever, juntamente com a sociedade e o Estado, de assegurar, com absoluta prioridade, os direitos fundamentais da criança e do adolescente enumerados no art. 227: direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e convivência familiar e comunitária. Colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão é exigência indeclinável do cumprimento daquele dever.” (grifo não original; José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, pag. 850.)
Esta é a realidade do nosso ordenamento jurídico constitucional, que avocou para as relações de Direito Privado, em particular para as relações de família, a dignidade da pessoa humana como valor central, superando todos os outros interesses que possam se sobrepor na escolha nas novas técnicas legislativas.
Desta maneira, o mau exercício do poder familiar é um dano ao direito da personalidade do filho, ou seja, o abandono afetivo e o evidente sinal de destruição familiar originam clara dor psíquica e conseqüente prejuízo à formação da criança.
Entrando na esfera da responsabilidade civil, não é difícil de imaginar uma reparação causada por dano patrimonial, porém a legislação nos dá o direito de pleitear além da esfera do dano material/patrimonial.
Já a agressão ao direito da personalidade, uma vez que o dano moral encontra-se protegido no âmbito da responsabilidade civil, sobre qual também se funda a obrigação de indenizar.
Abandonar afetivamente é deixar de prestar assistência imaterial ao filho, é deixar de educar, participar e auxiliar.
Ora, se em tantos casos há possibilidade de responsabilização por danos causados à honra, seria incoerente não se possibilitar a reparação causada por uma rejeição ao dever de educação e zelo à vida do filho.
Contudo, deve ser feita uma prudente distinção entre o sentimento em si e a exteriorização deste, que torna efetiva este sentimento.
Não há como obrigar ninguém a amar, a sentir o afeto. Tal exigência acarretaria, no máximo, um amor dissimulado, isto se houvesse meio de detectar o cumprimento desta.
O que é exigido é a participação dos pais na criação dos filhos, proporcionando-lhes lazer, educação e um bom convívio e para que isso seja concretizado, não há necessidade do sentimento amor, que é intrínseco, mas da exteriorização no universo da criação e educação do filho.
Ora, o próprio ordenamento jurídico impõe tais ações, o que possibilita a responsabilização judicial.
O artigo 22 da Lei 8.069/90 impõe a obrigação: [6] “Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais" (grifo não original).
Educar é dar condições para que a criança viva em meio a um ambiente produtivo. Dessa obrigação o pai não pode eximir-se, devendo indenizar caso o faça, pois fere a tutela ao tríplice dever previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente. Cabe aos pais propiciar e manter o espaço onde a educação se desenvolve.
O próprio Código Civil, em seu art. 1566, inc. IV considera que o [7]sustento, a guarda e a educação dos filhos incumbem aos pais, assim como outras atividades que são elencadas entre os deveres conjugais. Também dispõe sobre a proteção à pessoa dos filhos nos arts. 1.583 a 1.590 do mesmo código.
Desta forma, se há evidente sinal do abandono, fruto de um descaso e rejeição paternal e se, em conseqüência, este abandono afeta a personalidade do filho, causando-lhe traumas e dor psíquica, perfeitamente possível seria indenização por dano moral.
Efetivamente, não há como medir o amor. Nem há como saber se o afeto está, em maior ou menor grau, sendo suficiente para suprir as necessidades imateriais do filho. Porém, o abandono e o descaso dos pais são facilmente detectáveis, assim como as conseqüências deste abandono na vida da criança.
Por isto, importante é a análise de cada caso. Deve-se estar presente um binômio necessário, qual seja: o trauma causado pelo abandono.
Assim como nas conhecidas ações civis de responsabilização por dano moral, a responsabilização por abandono afetivo é de constatação de semelhante complexidade e requer uma análise apurada do caso, medindo-se o ressarcimento através da gravidade do dano causado, da culpa, nexo e condições financeiras do responsável.
A questão é a responsabilização por atitudes que refletem absoluto descaso e desconsideração em relação ao laço afetivo que deveria haver entre pais e filhos, para que estes pudessem ter o direito, dado por lei, de crescer um ambiente saudável físico e emocionalmente.
A responsabilidade pode ser encarada como conseqüência da obrigação. Descumprida uma obrigação, surge a responsabilidade do patrimônio do devedor pelo seu cumprimento.
Neste trato, a responsabilidade imputada ao agente que abandona afetivamente a quem tinha o dever que propiciar assistência é a civil, excluindo, portanto, a responsabilidade das esferas penal, administrativa e tributária.
Nota-se que, a responsabilidade civil pressupõe a ocorrência de um delito, na qual há ocorrência de dano, que merece ser reparado e a reparação do dano é feita por meio da indenização, que é quase sempre pecuniária.
A responsabilidade civil deriva da agressão à interesse particular, sujeitando o infrator ao pagamento de uma compensação pecuniária à vítima, caso não seja possível a reposiçao in natura ao estado anterior e coisas.
Desta forma, a responsabilidade civil se decompõe nos elementos: conduta (positiva ou negativa); dano e nexo de causalidade, conforme descreve o Código Civil de 2002:[8]“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” (grifo não original; Código Civil, 2002)
O primeiro elemento da responsabilidade civil, ou seja, a conduta humana, tem como núcleo fundamental a voluntariedade, que se manifesta de forma positiva (ação) ou de forma negativa (omissão).
E, para haver a responsabilização, necessária é a presença de um nexo causal entre o fato ilícito e o dano por ele produzido.
Por último, e mais abordado neste artigo, o dano, que pode ser à integridade física, aos sentimentos ou aos bens de uma pessoa, sendo os pressupostos para se impor a alguém a obrigação de reparar um dano, em regra, a ação ou omissão do agente, a sua culpa, o dano experimentado pela vítima e a relação de causalidade entre aquela ação ou omissão e este dano. Excepcionalmente, há casos em que a culpa pode ser dispensada.
Estes danos classificam-se em (1)dano que afeta a parte social do patrimônio moral (honra, reputação, etc.) e (2) dano que afeta a parte afetiva do patrimônio moral (dor, tristeza, saudade, etc.) e (3)dano moral que provoca direta ou indiretamente dano patrimonial (cicatriz deformante, etc.).
Conclui-se, que o dano causado ao patrimônio moral de alguém é tratado na sistemática do dano moral, que não está relacioando diretamente à perda patrimonial.
Assim sendo, toda lesão não patrimonial que venha a sofrer o indivíduo que cause repercussão no seu interior, é em tese passível de reparação.
A Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso V, assim preleciona: [9] “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem".
Além disto, o Código Civil de 2002 dispõe: [10] “Artigo 159 – Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano".
Questão crucial é a que diz respeito à quantificação do dano moral. Sabe-se da função eminentemente de ressarcimento da responsabilidade civil, que visa tanto possível, ao restabelecimento do status quo ante (estado anterior) pela recomposição do patrimônio lesado, o que não é algo difícil de se obter nos danos materiais.
Porém, no dano moral, há o reconhecimento que a reparação não visa a recompor sentimentos, insuscetíveis, por sua natureza, deste resultado. Busca, sim, propiciar ao lesado meios para aliviar sua mágoa e prejuízos emocionais, servindo, cumulativamente, de pena ao infrator.
Deve-se levar em conta que esta lesão emocional varia de pessoa para pessoa, assim como as conseqüências do abandono. Por este motivo, é necessária uma profunda análise do caso concreto, ou seja, deve haver um respeito aos princípios da equidade e da razoabilidade, como forma de atingir a indenização adequada.
Além da equidade e razoabilidade, deve ser observado o princípio da proporcionalidade, levando-se em conta a as condições econômicas do ofensor e do ofendido, o grau de sua culpa ou do elemento volitivo.
E se o abandono ocorre sem que o filho chegue à fase de consciência, ou não se constatando qualquer alteração psíquica causada pelo abandono, ainda sim seria possível se falar em dano moral?
Neste campo, leciona Inácio de Carvalho Neto:[11]“A se utilizar o conceito comum de dano moral – ou seja, o ato lesivo que afeta a personalidade do indivíduo, sua honra, sua integridade psíquica, seu bem-estar íntimo, suas virtudes, enfim, causando-lhe mal-estar ou uma indisposição de natureza espiritual – não se poderia dizer possível que o infante sofresse dano moral.” (Resp.civil no D. de Família; Inácio de Carvalho Neto, p 457)
Neste aspecto, cabe a distinção entre dano moral objetivo e dano moral subjetivo. O dano moral objetivo, diferentemente do subjetivo, independe da consciência da parte de quem o sofre.
Tal distinção foi usada em voto proferido pelo Ministro Ruy Rosado de Aguiar:[12]“Quando se trata de pessoa jurídica, o tema da ofensa à honra propõe uma distinção inicial: a honra subjetiva, inerente à pessoa física que está no psiquismo de cada um e pode ser ofendida com atos que atinjam a sua dignidade, respeito próprio, auto-estima, etc., causadores de dor, humilhação, vexame; a honra objetiva, externa ao sujeito, que consiste no respeito, admiração, apreço, consideração que os outros dispensam à pessoa."[grifo não original] (STJ – RESP – Recurso Especial n.º 60033/MG, Quarta Turma, 09/08/95, publicado na Revista do Superior Tribunal de Justiça – RSTJ, Ano 08 n.º 85 Setembro /1996 p.268)
Importante salientar, que somente haverá direito a indenização por danos morais se houver um dano a se reparar, e o dano moral que pode e deve ser indenizado é a dor, pela angústia e pelo sofrimento relevantes que cause grave humilhação e ofensa ao direito de personalidade.
Ora, não há que se falar em conseqüências pelo abandono se a criança não possui consciência de que está sendo lesada em seus direitos, nem se sente ofendida por tal lesão, não ocorrendo, portanto, um dano real na esfera íntima de tal criança. Portanto, o dano é de caráter pessoal e subjetivo.
Além disto, tem-se a função “punitivo-educativa” da responsabilização em desfavor da pessoa que praticou a conduta ofensiva, sinalizando aos cidadãos em relação às quais condutas deve evitar, por serem reprováveis.
Conclusão
A Constituição da República brasileira consagrou a dignidade da pessoa humana como fundamento do estado Democrático de direito, e, para manter esta dignidade é fundamental o zelo pela ambiência familiar e pela possibilidade de correlação afetiva entre seus membros, para assegurá-la como bem maior que é.
Ora, que é exigido não é a obrigação ao pai em amar seu filho, algo humanamente impossível de se medir, mas exigir o cumprimento de preceito legal no que tange a participação dos pais na criação dos filhos, proporcionando-lhes lazer, educação e um bom convívio.
A responsabilidade civil deriva da agressão ao interesse particular, sujeitando o infrator ao pagamento de uma compensação pecuniária à vítima, sendo que o dano causado ao patrimônio moral de alguém é tratado na sistemática do dano moral, que não está relacioando diretamente à perda patrimonial.
De tal forma que, no dano moral a indenização não visa a recompor sentimentos, insuscetíveis, por sua natureza, deste resultado, nem se presta a compensar lesão a bens ofendidos. Busca, sim, propiciar ao lesado meios para aliviar sua mágoa e sentimentos agravados, servindo, por outro lado e cumulativamente, de pena ao infrator.
A discussão sobre o tema existe a tempo suficiente para que já pudesse ser pacificada através de lei expressa sob o tema, muito embora haja obrigações relacionadas a tal, continua a polêmica a ser decidida no judiciário.
Porém, o entendimento jurisprudencial não tem sido unânime, havendo divergentes decisões e votos.
O assunto em tela é extremamente delicado e tem dividido opiniões de psicólogos e juristas. Se por um lado os filhos têm direito em reclamar do abandono dos pais, é preciso ter cuidado para que a Justiça não seja usada de forma inescrupulosa, ou como instrumento do capricho ou da vingança de filhos desgostosos porque as coisas não são exatamente como gostariam que fossem, ou até mesmo crianças sendo usadas .como moeda de troca pelo detentor da guarda.
Deve haver, para tanto, bastante cautela e prudência de nossos juízes ao analisar cada caso concreto.
Informações Sobre o Autor
Ana Paula Valentim de Araujo
Bacharel em Direito Assessora Jurídica no Ministério Público do Estado de Minas Gerais Pós-Graduada em Direito de Família Direito Processual e Direito Penal