Resumo: Este artigo aborda as modificações significativas do instituto da guarda compartilhada com o advento da Lei nº 13.058 de 22 de dezembro de 2014, sancionada pela Presidenta da República, Sra. Dilma Roussef, que alterou os artigos 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 do nosso atual Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002).
Palavras-chave: Guarda Compartilhada, Lei nº 13.058/2014 e Código Civil Brasileiro.
Abstract: This article discusses the significant changes in joint custody institute with the enactment of Law nº 13.058 of December 22, 2014, sanctioned by the President of the Republic, Mrs. Dilma Rousseff, which amended articles 1.583, 1.584, 1.585 and 1.634 of our current Brazilian Civil Code (Law nº. 10.406 of January 10, 2002).
Keywords: Shared custody, Law nº 13.058/2014 and the Civil Code.
Apresentação
No final do ano de 2014, especificamente na data de 22 de dezembro, a então Presidenta da República, Sra. Dilma Roussef, sancionou a Lei nº 13.058, que alterou os artigos 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 do nosso atual Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002), os quais já tratavam da guarda compartilhada aos genitores e sua aplicabilidade na prática.
Portanto, o Projeto de Lei (PLC nº 117/2013) do deputado Arnaldo Faria de Sá do partido político PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), que tramitou por 3 (três) anos na Câmara dos Deputados e fora aprovado pelo Senado Federal em 26 de novembro de 2014, o qual originou a supracitada Lei nº 13.058/2014, sancionada recentemente e sem vetos pela nossa atual Presidenta da República, não inovou com o instituto da guarda compartilhada, uma vez que, desde o ano de 2008, a Lei nº 11.698 já estabelecia a respeito de tal instituto, trazendo a necessidade da divisão de responsabilidades e despesas quanto à educação, manutenção, criação e convívio com os filhos comuns.
Ou seja, em seu artigo 1.584, §2º, o Código Civil já prescrevia a aplicação da guarda compartilhada aos genitores, sempre que possível, uma vez que, mesmo separados fisicamente, os genitores ainda deveriam continuar como responsáveis pela manutenção, convívio, educação e criação dos filhos comuns, em prol das próprias crianças, as quais se beneficiariam com a presença de ambos os genitores, conforme determina inclusive o Estatuto da Criança e do Adolescente e nossa Constituição Federal, conforme verifica-se:
Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990:
“Artigo 4º – É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Artigo 19 – Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988:
Artigo 227 – É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
No entanto, na prática, o que ocorria na maioria das situações judiciais, era o litígio entre os genitores, ou seja, uma relação desarmoniosa e desrespeitosa, sem o consenso quanto a definição da guarda dos filhos, cabendo ao magistrado determinar, na maioria das vezes, uma guarda unilateral a um dos genitores, e destaca-se que um índice superior concedido às mães em detrimento aos pais, talvez por questões culturais e históricas, já que a nossa Constituição Federal proclamou que todos são iguais perante a lei, seja homem ou mulher, mas desde que, no caso da concessão da guarda, tal genitor demonstre possuir melhores condições para exercer a guarda do filho.
Portanto, antes do advento da Lei nº 13.058/2014, por mais que já existisse a guarda compartilhada, ainda a guarda unilateral se via com predominância no judiciário, isto por conta da falta de estabilidade emocional entre os pais, que não consentiam quanto a concessão da guarda, conforme depreendemos em alguns julgados. Vejamos:
“PROCESSUAL CIVIL – DIVÓRCIO LITIGIOSO GUARDA E RESPONSABILIDADE – GUARDA UNILATERAL CONCEDIDA À MÃE – INCAPACIDADE DE CONVIVÊNCIA DO PAI COM OS FILHOS SUSPENSÃO DO DIREITO DE VISITAS DO PAI AOS FILHOS – PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. 1. Nos termos da jurisprudência deste Eg. Tribunal de Justiça, a guarda compartilhada somente é possível de ser concedida quando os pais, mesmo separados, mantêm uma boa convivência e diálogo, a fim de permitir a preservação do melhor interesse das crianças. 2. No caso concreto, a fim de resguardar a incolumidade física e psíquica dos infantes, mostra-se plausível a manutenção da guarda exclusiva à mãe, bem assim a suspensão do direito de visitas do pai aos filhos menores, até que o genitor apresente, doravante, equilíbrio emocional, com aceitação da separação conjugal e, principalmente, comportamento de afetividade e proteção às crianças, condições estas que podem ser alcançadas mediante “acompanhamento psicoterápico individual, de base sistêmico-relacional fora do âmbito judicial, por tempo indeterminado como forma de superar o sofrimento que se presentifica no convívio com os filhos. Parecer Técnico.3. Recurso conhecido e provido.” (TJDF. Apelação Cível nº 20100111454125. 3ª Turma Cível. Desembargadora Relatora Silva Lemos. Publicado no DJe em 06/11/2014).
Frise-se que, antes do advento da Lei nº 13.058/2014, a guarda unilateral era comumente adotada pelos magistrados, pois o que pressupunham para atribuir a guarda compartilhada era a ausência de litígio, ou seja, a relação harmoniosa entre os pais, o que geralmente não é fácil, por mais que não estivessem mais juntos e já tivessem constituído novas famílias, caso contrário, o magistrado tendenciava a atribuir a guarda unilateral, conforme depreendemos pelo julgado do Desembargador Lamberto Sant´Anna, in verbis:
"GUARDA DE MENOR COMPARTILHADA – IMPOSSIBILIDADE – PAIS RESIDINDO EM CIDADES DISTINTAS – AUSÊNCIA DE DIÁLOGOS E ENTENDIMENTO ENTRE OS GENITORES SOBRE A EDUCAÇÃO DO FILHO – GUARDA ALTERNADA – INADMISSÍVEL – PREJUÍZO À FORMAÇÃO DO MENOR. A guarda compartilhada pressupõe a existência de diálogo e consenso entre os genitores sobre a educação do menor. Além disso, guarda compartilhada torna-se utopia quando os pais residem em cidades distintas, pois aludido instituto visa à participação dos genitores no cotidiano do menor, dividindo direitos e obrigações oriundas da guarda. O instituto da guarda alternada não é admissível em nosso direito, porque afronta o princípio basilar do bem-estar do menor, uma vez que compromete a formação da criança, em virtude da instabilidade de seu cotidiano. Recurso desprovido." (TJMG. Apelação Cível nº 1.0000.00.328063-3/000. Publicado no DJe em 24/10/2003).
Outro entendimento não poderia ser outro do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, conforme verificamos em recente julgado, senão vejamos:
“GUARDA. TUTELA ANTECIPADA. COMPARTILHADA OU UNILATERAL. INTENSA LITIGIOSIDADE. 1- Decisão não acolheu, em tutela antecipada, pedido do pai de guarda compartilhada. 2- O alto grau de litigiosidade entre os pais da criança não autorizam, pelos elementos trazidos no agravo, a modificação da guarda unilateral da mãe para a forma compartilhada. 3- Recurso não provido”.
(TJSP. Agravo de Instrumento nº 0140557-86.2013.8.26.0000. 9ª Câmara de Direito Privado. Desembargador Relator Alexandre Lazzarini. Publicado no DJe em 05/02/2014).
Com o advento da Lei nº 13.058/2014, que alterou os artigos 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 do nosso atual Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002), temos que o magistrado deverá priorizar o instituto da guarda compartilhada mesmo quando não haja consenso entre os pais e mesmo quando não haja um relacionamento harmonioso entre eles, com exceção quando algum dos genitores declarar expressamente o seu desejo de não compartilhar a guarda da criança ou quando o juiz, de forma justificada, opinar pela unilateralidade da guarda.
Ou seja, na prática é capaz que não haja mudanças significativas em nossos tribunais com o advento desta nova lei, uma vez que ela trouxe novamente o livre arbítrio do magistrado em opinar pela unilateralidade da guarda, assim como já previa a Lei nº 11.698/2008, sempre que verificar que um dos genitores não se encontre apto a exercer a guarda do filho, por inúmeros motivos existentes, que deverão ser avaliados caso a caso pelo magistrado.
Tal liberalidade mantida ao juiz para conceder ou não a guarda compartilhada é extremamente essencial, pois dependendo de cada caso, é fundamental que se determine a guarda a apenas um dos genitores, como por exemplo se o pai ou a mãe for dependente químico ou tiver abusado sexualmente do filho (a), e etc, bem como em casos em que um dos pais deseja mudar de residência com o filho(a) e não possui a autorização do ex-cônjuge para levar o filho comum – desde haja fundado motivo para tanto – como uma alteração do local trabalho para outro Município, Estado ou País, ou para tratamento médico que perdure por longo período e etc, os quais também justificariam o juiz determinar a guarda unilateral a um dos genitores ou conceder a guarda compartilhada, decidindo o conflito por eles.
Importante destacar que um dos benefícios desta nova lei foi a prestação de constas, ou seja, os genitores agora terão mais forças para solicitar informações, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que, direta ou indiretamente, afetem a saúde física e psicológica, bem como a educação dos filhos comuns, incluindo aqui a própria pensão alimentícia paga por um dos genitores, a fim de verificar se a mesma está sendo revertida ao interesse e bem estar do filho.
Neste caso específico, acreditamos que a lei trouxe o entendimento de que a prestação de constas ensejará o pedido de revisão de pensão alimentícia, já existente em nosso ordenamento, mas com mais embasamento jurídico, e sempre lembrando que por serem irrepetíveis, os alimentos já pagos não serão devolvidos ao pagador.
Outro benefício significativo advindo desta nova Lei nº 13.058/2014 é quanto a aplicação de multa diária no valor de R$ 200,00 (duzentos reais) a R$ 500,00 (quinhentos reais) a qualquer estabelecimento público ou privado, pelo não atendimento da solicitação por qualquer dos genitores sobre quaisquer informações que desejam ter de seus filhos. Tal inovação trouxe uma certa segurança aos genitores que não possuem a guarda de seus filhos e são privados muitas vezes de informações básicas da rotina de seus filhos. Vejamos como passará a constar no Código Civil tal exigência:
“Artigo 1.584 (…)
§ 6º Qualquer estabelecimento público ou privado é obrigado a prestar informações a qualquer dos genitores sobre os filhos destes, sob pena de multa de R$ 200,00 (duzentos reais) a R$ 500,00 (quinhentos reais) por dia pelo não atendimento da solicitação.” (Incluído pela Lei nº 13.058 de 2014).
Ou seja, se houver uma certa estabilidade emocional dos genitores, com uma boa comunicação e maturidade o suficiente para ultrapassar os anseios pessoais e egoísticos de cada um, a aplicabilidade da guarda compartilhada só tem a acrescentar à vida do filho comum, pois a criança continuaria a ter a referência, o vínculo e a convivência com ambos os pais.
Sobre este assunto, J. F. Basílio de Oliveira (2008, p. 58) explica que a continuidade do convívio da criança com ambos os genitores é fundamental para o saudável desenvolvimento psicoemocional da criança, constituindo-se a guarda em um direito fundamental dos filhos que não podem ficar ao livre e injustificado arbítrio de apenas um dos pais.
Referido autor ainda entende que a perda do convívio com os filhos não pode depender exclusivamente da decisão de apenas um dos genitores, seja qual for a modalidade da guarda adotada, que deverá ter como base o interesse do filho e não a satisfação de apenas um dos genitores.
Assim, além de estreitar os laços e o vínculo entre pais e filhos, tornando como regra a convivência familiar, essa nova lei da guarda compartilhada também minorará a utilização dos filhos como propriedade e prêmio que alguns genitores fazem questão de realizar, principalmente os que detém unilateralmente a guarda das crianças. O mestre Rolf Madaleno (2013, p.445) explica como ocorre nestes casos:
“Não é da índole da guarda compartilhada a disputa litigiosa, típica dos processos impregnados de ódio e de ressentimentos pessoais, onde pensam os pais serem compensados pela decisão judicial da guarda unilateral, para mostrar a sentença ao outro contendor e, com esta vitória processual de acirrado dissenso, acreditar que o julgador teria encontrado no vencedor da demanda pela guarda os melhores atributos de guardião, sendo o filho o troféu dessa insana disputa sobre a propriedade do filho”
Além disso, e em complementação ao entendimento do mestre Rolf Madaleno, temos que em tais casos a alienação parental era algo muito comum, ou seja, um dos genitores, que obtinha unilateralmente a guarda do filho, criava situações dificultosas e até mesmo constrangedoras, criando prejuízos aos próprios filhos, além de desestimular e afastar o filho do outro genitor, e com o compartilhamento da guarda a tão famosa alienação parental será algo mais difícil de ocorrer, é o que se espera.
Assim, em suma, os benefícios que esta nova Lei nº 13.058/2014 trará será quanto ao reforço do poder familiar, previsto no artigo 1.630 e seguintes do Código Civil, através do compartilhamento de decisões e responsabilidades dos pais com os filhos comuns.
Já quanto as críticas a esta nova lei, temos que ao estabelecer o tempo dos filhos “de forma equilibrada” entre os genitores, a lei trouxe a subjetividade em cena, que poderá causar ainda brigas e desentendimentos entre os genitores, pois para um genitor o equilíbrio poderá ser considerado 50% (cinquenta por cento) do tempo com o filho, e para o outro genitor poderá ser um tempo menor ou maior.
Ora, um filho não é um produto ou mesmo um objeto que se pode dispor a qualquer tempo ou momento, mas sim que educar e criar, com paciência e amor, impondo rotinas diárias de educação, higiene, saúde, lazer, etc, e se não houver um certo amadurecimento dos pais quanto a isso, para conjuntamente educarem seus filhos, o compartilhamento da guarda poderá ser desfavorável à própria criança, que uma hora tem um ordem e uma rotina a ser seguida, e logo depois tem outra totalmente diferente da primeira, causando-lhe confusão e medo, o que não pode ocorrer, pois não é esta a finalidade da lei.
No tocante as pensões alimentícias, mister se faz esclarecer que as mesmas permanecem inalteradas na maioria dos casos, pois errôneo o entendimento de que por compartilhar a guarda, os valores devidos à titulo de pensão também deveriam ser igualmente compartilhados, nas mesmas proporções, ou até mesmo excluídos, deixando de existir a proporcionalidade com os salários dos genitores, o que é um equívoco. A verba alimentar do filho não é calculada com uma divisão igualitária aos pais, mas sim com uma divisão proporcional aos salários desses pais.
Ou seja, as pensões alimentícias ainda se baseiam no binômio necessidade/possibilidade, ou seja, aos gastos para o sustento dos filhos, como despesas com: moradia, alimentação, escola e material escolar, plano de saúde e medicamentos, despesas com lazer, vestuários e calçados e etc, mas são divididas de acordo com a proporção dos rendimentos de cada genitor, ou seja, a sua possibilidade de custear tais gastos, e isto não quer dizer a proporção exata de 50% (cinquenta por cento) para cada genitor, como algumas pessoas podem estar interpretando com o advento desta nova Lei nº 13.058/2014. Portanto, o genitor que ganha mais contribui com mais para o sustento dos filhos.
E, assim como no caso da pensão alimentícia, em que não há o instituto da coisa julgada material, a guarda dos filhos também não há, podendo ser modificada a qualquer tempo, então, cabe esclarecer que caso seja instituída a guarda compartilhada dos filhos aos genitores, a mesma poderá ser revista a qualquer tempo pelo magistrado, em casos em que se constate prejuízo ao interesse da criança, descumprimento de determinação judicial e etc.
Conclusão
Ex positis, entendemos que a Lei nº 13.058/2014, que alterou os artigos 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 do nosso atual Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002), trouxe mais benefícios do que malefícios na prática, pois, nas palavras de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2013, p.606), as vantagens de uma guarda compartilhada são claras na medida em que diminui a existência da danosa exclusividade da guarda unilateral, fazendo, desta maneira, com que melhore a dimensão psíquica do próprio filho que passará a sofrer menos com o devastador efeito do fim da relação de afeto que unia os seus genitores, portanto, é válido destacar que a tendência é que o vínculo entre pais e filhos não deva se extinguir, permitindo que se amplie cada vez mais a convivência saudável entre todos da família.
Informações Sobre o Autor
Francine Amanda Franchi Brito
Advogada formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós Graduada em Direito Público pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Pós Graduanda em Direito de Família e Sucessões pela Faculdade Legale. Conciliadora e Mediadora pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo