Resumo: O presente trabalho científico visa a análise da derrogação parcial do art. 34 da Lei Federal nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) e do art. 20 da Lei Federal nº 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social) no que tange a idade mínima para a concessão do benefício de prestação continuada ao idoso, à luz do disposto no art. 1º do diploma legal conhecido como Estatuto do Idoso, cuja nomenclatura da Lei já se encontra disposta no texto.
Palavras chave: Derrogação parcial – princípios que regem a matéria – idade necessária para a concessão do benefício de prestação continuada ao idoso – sessenta anos.
Abstract: This scientific work concerns the analysis of partial derogation of art. 34 of Federal Law No. 10.741 / 2003 (the Elderly) and art. 20 of the Federal Law No. 8.742 / 93 (Organic Law of Social Assistance) regarding the minimum age for granting the benefit of continued provision for the elderly in light of the provisions of art. 1 of the statute known as the Elderly, whose nomenclature Act already is arranged in the text.
Keywords: Partial derogation – principles governing the matter – age for the granting of continuous benefits to the elderly – sixty years.
Introdução
O benefício de prestação continuada ao idoso foi estabelecido, primordialmente, no art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social, onde se verifica a fixação da idade mínima de sessenta e cinco anos para a concessão do benefício pelo órgão estatal.
Com o advento da Lei Federal nº 10.741/2003 foi declarado pelo ordenamento jurídico pátrio que a condição de idoso se inicia aos sessenta anos (art. 1º), sendo que no art. 34 desta regra legal foi estabelecido que para fins de concessão de benefício assistencial, seria mantida a regra de idade já vigente.
Cabe perquirir se é possível a aplicação de critérios diferentes para avaliação da mesma condição, visto que a pessoa não pode – ou deve – ser considerada idosa para certos benefícios legais e ser excluída de outros.
Em linhas gerais, o que se busca nesse trabalho é avaliar se há possibilidade de um cidadão ser enquadrado parcialmente na condição de idoso, ou melhor, se a lei pode delimitar de forma gradativa quais os direitos são alçados aos jurisdicionados de acordo com o advento de idade.
Evolução legislativa da questão
Diante da celeuma tratada no presente trabalho, não há necessidade de uma busca remota na legislação do início de concessão do benefício, visto que a discussão nasceu com a publicação de uma nova lei, que regulou a interpretação da condição de idoso.
Como visto acima, o benefício de prestação continuada ao idoso é previsto no art. 20 da Lei Federal nº 8.742/93, o qual estabelece que é a garantido um salário-mínimo mensal ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
Tal carta legal se encontra em pleno vigor e baseia a concessão de benefícios assistenciais a todos os brasileiros.
Ocorre que, em 01 de outubro de 2003, foi publicada a Lei Federal nº 10.741/2003, estabelecendo-se logo em seu artigo 1º que a sua aplicação visava regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, se auto intitulando a regra nesse artigo como Estatuto do Idoso.
A lei apresentada em seu art. 34 estabelece que aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social – Loas.
Neste diapasão, até o presente momento, encontram-se em vigor ambas as Leis.
Da derrogação parcial da regra de concessão do benefício
A formação de uma lei segue criterioso processo legislativo, sabendo-se que os primeiros artigos regulam a essencialidade da regra a ser posta em vigor.
Cabe dizer com isso, que os primeiros artigos de uma lei que estabeleça uma regra específica, tem maior preponderância, sendo que em uma análise sistemática da regra legal devem se sobrepor as demais previsões nela esculpida. Ou seja, havendo antinomia de preceitos em uma norma deve se avaliar a importância maior dada a determinada regra.
O § 1º do art. 2º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro prevê que uma das modalidades de revogação de uma lei, se dá quando a nova regra promulgada se mostre incompatível com a regra existente.
Essa revogação pode ser total ou parcial, sendo que quando se trata de revogação parcial se dá o nome de derrogação, conforme ensina André Franco Montoro:
“A lei perde sua vigência porque foi modificada por outra lei. É o caso da revogação parcial, também chamada de “derrogação” da lei. Nesse caso é o novo texto que passa a vigorar, nos prazos já indicados.”[1]
Não é diferente o entendimento de Arnoldo Wald, que assim se manifesta:
“A revogação da lei pode ser total ou parcial. A revogação total é também denominada ab-rogação, e a revogação parcial, derrogação.
A revogação parcial ou total deve emanar da mesma fonte que elaborou o ato revogado. Uma lei revoga-se por outra lei; um decreto, por outro decreto, mas também pode ser revogado por um ato de hierarquia superior como a lei.”[2]
O Estatuto do Idoso estabeleceu que a condição inferida se dá aos sessenta anos de idade, estabelecendo logo em seu primeiro artigo essa assertiva, não deixando qualquer dúvida quanto a importância relacionada ao tema.
Os artigos legais que tratam do benefício de prestação continuada, embora estabeleçam a idade prevista para a sua concessão, utilizam-se do termo idoso, deixando claro que a situação de vulnerabilidade social que se pretende preservar é exatamente essa.
Essa questão segue o viés constitucional que determina ao Estado Brasileiro a preservação e proteção aos idosos (art. 230 da Constituição Federal).
A espancar qualquer dúvida o art. 203, inciso V da Carta da República estabelece literalmente que ao idoso é garantido um salário mínimo mensal. Neste panorama é importante destacar que a regra constitucional não prevê idade mínima para a concessão do benefício, remetendo o intérprete a análise da condição de idoso.
Logo, se a pessoa é idosa para todos os fins legais, segundo o claro texto constitucional, deve ter garantido um salário mínimo mensal se não possuir outros meios de subsistência.
O legislador ao editar a Lei Federal nº 10.741/2003 procedeu estudo minucioso sobre os efeitos do tempo, no que tange a empregabilidade, compreensão física, laboral, relação com a sociedade, entre outros fatores, não sendo a idade fixada de forma aleatória.
Em razão disso, ao que parece não pode a regra legal estabelecer que as pessoas são idosas para diversos benefícios sociais, mas não para o recebimento de benefícios assistenciais de prestação continuada, porque ou a pessoa está inserida na condição ou não está, não havendo meio termo possível.
Isto se dá não só pela previsão constitucional que prevê o benefício ao idoso sem prever a idade mínima, relegando tal reconhecimento da condição a regra infraconstitucional, mas também pelos princípios que regem a matéria.
A revogação intrínseca dos artigos citados pelo art. 1º do Estatuto do Idoso, encontra espeque primordialmente no princípio da vedação do retrocesso social.
Nesse ponto, a doutrina afirma que:
“Princípio bem retratado por Marcelo Leonardo Tavares, “consiste na impossibilidade de redução das implementações de direitos fundamentais já realizadas”. Impõe-se, com ele, que o rol de direitos sociais não seja reduzido em seu alcance (pessoas abrangidas, eventos que geram amparo) e quantidade (valores concedidos), de modo a preservar o mínimo existencial.”[3]
O reconhecimento jurídico da condição de idoso aos sessenta anos de idade, com extensão dos direitos inerentes a ela é uma evolução nos direitos sociais e o assentamento de um direito fundamental do indivíduo, sendo um retrocesso imensurável, impor restrições a essa condição como no caso do benefício de prestação continuada.
A cláusula de barreira imposta na lei para o recebimento pelo idoso do benefício não encontra qualquer amparo legal, porque inserida dentro das finalidades da assistência social, que como sabido não possui caráter retributivo ou exige correlação atuarial, sendo dever do Estado o custeio da contingência, dado o caráter social de nossa Federação, imposto pela Carta da República.
O texto fere a própria dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III da Constituição Federal), porque estende a condição de idoso aos cidadãos a partir dos sessenta anos, mas não o benefício de prestação continuada aos indivíduos nessa idade e que seja considerado miserável.
Neste diapasão, encontra-se também ofensa direta aos princípios da solidariedade, da proteção ao hipossuficiente e da universalidade de cobertura, já que não existe qualquer diferença prática nestes cinco anos existentes entre os cidadãos de sessenta anos e os seus paradigmas agraciados com o benefício.
A dificuldade econômica, os fatores físicos e a dificuldade de empregar-se encontram esteio em ambos os casos, não existindo qualquer lógica jurídica para a manutenção do patamar etário.
Como ensina Marcelo Leonardo Tavares:
“A universalidade é uma característica dos direitos humanos como direito de todas as pessoas. As prestações decorrentes do sistema de seguridade social devem ser destinadas às pessoas que delas necessitem, da forma mais abrangente possível.”[4]
Como acertadamente leciona o mestre, a universalidade de atendimento pressupõe uma análise abrangente e de inclusão social, uma política de direitos humanos, não podendo a lei excluir esse direito constitucional e elementar de grande parcela de idosos.
O termo idoso é unívoco e encontra sua configuração prevista em Lei, de modo que todos que se encaixam nessa condição estão incursos nos benefícios destinados a esse público.
Neste ponto, ao sentir da expressão legal, houve ab-rogação dos art. 34 da Lei Federal nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) e do art. 20 da Lei Federal nº 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social), considerada uma análise teleológica dos princípios que norteiam o Direito Previdenciário e a previsão principiológica do art. 1º do Estatuto do Idoso.
Nas palavras de André Franco Montoro:
“Realmente, interpretar uma norma não é simplesmente esclarecer seus termos de forma abstrata, mas, sobretudo, revelar o sentido apropriado para a vida real e capaz de conduzir a uma aplicação justa. Não compete ao intérprete apenas procurar, atrás das palavras, os conceitos possíveis, mas, entre os pensamentos possíveis, o mais apropriado, correto, jurídico.”[5]
No Direito Previdenciário vigora ainda, o princípio do in dubio pro misero, conduzindo o intérprete a uma análise do ordenamento que se alinhe ao caráter social da regra e mais benéfica ao cidadão que pretende usufruir da prestação assistencial.
Neste ponto, considerados os princípios informadores da matéria e as questões técnicas que redundam em uma análise sistêmica da própria Lei Federal nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), tem-se que a derrogação tácita e parcial está presente na forma preconizada no introito.
Afinal, a Carta Cidadã visa estabelecer meios de sustento mínimo existencial àqueles que por contingências sociais previstas não possuem qualquer capacidade de se manter, o que ocorre sem dúvidas nos casos de deficiência e perda da capacidade laborativa pelo advento da idade.
O Estatuto do Idoso trouxe verdadeiro paradoxo ao afirmar que para fins deste benefício assistencial previsto na Lei Maior a idade mínima seria de sessenta e cinco anos.
Com isso, houve criação de duas classes de idoso, ou seja, o conceito para fins gerais e o conceito para fins de concessão de benefício assistencial, nada mais odioso porque exclusivo.
Nossa legislação é calcada no fundamento matriz da legislação, que é a dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III da CF).
Tal norte orienta o legislador a visualizar antes de qualquer propositura legal, o caráter social da norma, não estando conforme excetuar os idosos mais necessitados do acesso aos benefícios sociais de subsistência.
A assistência social não possui caráter retributivo e tem por objetivo universalizar sua atuação, logo existindo uma situação de risco social deve ela prontamente agir para reconduzir tal contingência a patamares de bem estar social.
Neste contexto, se o legislador reconheceu por ordem legal que a situação de idosidade deve ser revista no ordenamento, a fim de reduzir os seus patamares, por reconhecer que esse estágio da vida social nasce em momento mais precoce, não pode excetuar essa característica para fins assistenciais, onde a situação de vulnerabilidade é maximizada.
Não existem cálculos atuariais para dirimir tal situação, nem tampouco questões tributárias de prévio orçamento, por ser ela uma questão objetiva (idosidade pura) e tratar-se de mínimo existencial ao ser humano, sendo benefício alimentar que deve ser custeado acima de qualquer outra atividade estatal, porque de nada adianta conceder segurança, lazer, educação, cultura, se o próprio bem maior que é a vida dos cidadãos idosos está se esvaziando por falta de recursos para custear as necessidades básicas destes.
Deste modo, nada adianta prevê o acesso ao transporte coletivo, a prioridade de tramitação de processos judiciais, a prioridade de atendimentos em repartições públicas e privadas, entre outros direitos, se a matriz social de amparo não for estendida.
A análise sistemática do ordenamento aponta que o artigo 34 da Lei Federal nº 10.741/03 foi derrogado implicitamente pelo art. 1º da mesma lei, porque a clara antinomia das regras deve ser afastada.
Comentando a interpretação das normas constitucionais, Pedro Lenza traz os seguintes princípios:
“Princípio da máxima efetividade. Também chamado de princípio da eficiência ou da interpretação efetiva, o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais deve ser entendido no sentido de a norma constitucional ter a mais ampla efetividade social.
Segundo Canotilho, ‘é um princípio operativo em relação a todas e quaisquer normas constitucionais, e embora a sua origem esteja ligada à tese da atualidade das normas programáticas (THOMA), é hoje sobretudo invocado no âmbito dos direitos fundamentais (no caso de dúvidas deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais)’.
Princípio da força normativa. Os aplicadores da Constituição, ao solucionar conflitos, devem conferir a máxima efetividade às normas constitucionais.
Assim nas palavras de Canotilho “na solução dos problemas jurídicos-constitucionais deve dar-se prevalência aos pontos de vista que, tendo em conta os pressupostos da Constituição (normativa), contribuem para uma eficácia ótima da lei fundamental. Consequentemente, deve dar-se primazia às soluções hermenêuticas que, compreendendo a historicidade das estruturas constitucionais, possibilitam a ‘actualização’ normativa, garantindo, do mesmo pé, a sua eficácia e permanência’. …
Princípio da interpretação conforme a Constituição. Diante de normas plurissignificativas ou polissêmicas (que possuem mais de uma interpretação), deve-se preferir a exegese que mais se aproxime da Constituição e, portanto, não seja contrária ao texto constitucional, daí surgirem várias dimensões a serem consideradas seja pela doutrina, seja pela jurisprudência, destacando-se que a interpretação conforme será implementada pelo Judiciário e, em última instância, de maneira final, pela Suprema Corte:”[6]
A utilização de apenas três dos princípios trazidos por Pedro Lenza em seus substanciais argumentos já resolveria a matéria de forma irretratável.
A norma constitucional é calcada no fim social imposto ao administrador e, principalmente, ao legislador, que não pode criar normas contrárias aos princípios da solidariedade e da dignidade da pessoa humana priorizadas pelo poder constituinte originário.
Deste modo, o intérprete aplicando os princípios da máxima efetividade, da força normativa e da aplicação conforme, deve considerar derrogada a letra de lei que para fins assistenciais estende a idade para considerar a condição de velhice.
Não há qualquer lógica legal, em análise conforme o regramento constitucional, reconhecer o estado de idoso para direitos menos efetivos no contexto social e de aplicação irrestrita em idade inferior, acrescendo lustros quando se trata de estender atendimento em casos de vulnerabilidade social.
O termo idoso é unívoco, de modo que ao estender diferenciação no reconhecimento dessa condição para aplicação de direitos, estará o aplicador da regra, por óbvio, atingindo ainda, o direito fundamental de igualdade estabelecido no art. 5º, caput da Carta da República.
Não há desigualdade aceitável entre um idoso de sessenta anos e um de sessenta e cinco, senão a preocupação exclusiva do legislador em resguardo dos cofres públicos em setor onde não existe cotização, por se tratar de atividade estatal de fim eminentemente social, com atendimento universal e irrestrito.
Aliás, sobre a derrogação implícita da norma, provinda da mesma regra legal, a doutrina é uníssona quanto a sua possibilidade. Nas lições do inesquecível doutrinador Vicente Ráo:
“Só por lei a lei se revoga, tal é o princípio fundamental, a aplicar-se na matéria.
Mas, para cessar a vigência de uma lei, ou de uma particular disposição, não é necessário que outra lei sobrevenha e explicitamente, ou implicitamente, revogue a norma anterior.
O preceito que faz cessar a força obrigatória das leis, ora existe na própria lei, ora em lei outra. …
Fiore, citado por Espínola, confirma este ponto de vista e esclarece: ‘Quando a lei nova é diretamente contrária ao próprio espírito da antiga, deve entender-se que a ab-rogação se estende a todas as disposições desta, sem qualquer distinção. Mas acrescenta: em caso contrário, cumpre examinar cuidadosamente quais as disposições da lei nova absolutamente incompatíveis com as da lei antiga e admitir semelhante incompatibilidade quando a força obrigatória da lei posterior reduz a nada as disposições correspondentes da lei anterior: posteriores leges ad priores pertinent nisi contrariae sint. Em sendo duvidosa a incompatibilidade, as duas leis deverão ser interpretadas por modo a fazer cessar a antinomia, pois as leis não se revogam por presunção.”[7]
Os argumentos contrários, importariam em uma análise literal e pobre do regramento constitucional e infraconstitucional, calcado tão somente na letra expressa da lei, sem a análise do conteúdo jurídico de sua validade e da realidade fática que se busca resguardar.
Neste sentido, os argumentos da seletividade e da necessidade de prévio orçamento, encontram óbice na impossibilidade de diferenciação de cidadãos colocados na mesma condição fática, posto que idosos na expressão legal do termo.
Para Carolina Becker Lamounier, há a necessidade de prévio orçamento inclusive quanto as parcelas relativas a saúde e assistência social:
“A Seguridade, como é sabido, divide-se em três grandes áreas: Previdência Social, Saúde e Assistência Social. A fruição das prestações da Previdência é condicionada ao pagamento de contribuições sociais, requisito inexistente quanto à Saúde e à Assistência Social, cujos benefícios e serviços podem ser gozados sem necessidade de qualquer contribuição específica. Apesar disto, é indispensável que todo benefício ou serviço criado ou ampliado nestas duas últimas áreas tenha a origem de seu financiamento já determinada, sob pena de inconstitucionalidade.”[8]
No que tange a seletividade informa Fabio Camacho Dell'Amore Torres:
“É possível que o Estado brasileiro conceda o resguardo contra todas as contingências causadoras de necessidades, bem como proteja todas as pessoas em estado de necessidade?
Certamente que não, na medida em que seus recursos financeiros são inferiores às necessidades advindas de acontecimentos que coloquem as pessoas em tal estado.
Daí que, o princípio da seletividade é a orientação para que o legislador, quando da elaboração da lei referente à área da Seguridade Social, tenha a sensibilidade de elencar (pela lei) as prestações que cobrirão as contingências sociais que mais assolam a população.
E, o princípio da distributividade é a orientação para que o mesmo legislador, ao elaborar uma lei afeta à seguridade social, tenha a sensibilidade de fazer resguardar o maior número de pessoas possível.
Assim, o legislador deve “selecionar” (seletividade) as contingências sociais mais importantes e “distribuí-las” a um maior número possível de pessoas acometidas de necessidades.”[9]
Não há dúvida que o legislador possui fonte de custeio para os benefícios assistenciais já instituídos. Neste ponto, ao alterar a faixa etária do benefício assistencial em comento, não se estará concedendo novo benefício apenas antecipando a sua concessão, de tal forma que a previsão orçamentária já está disponível.
Não se trata em absoluto na criação de novo benefício sem lastro tributário.
Ademais, o princípio da seletividade conforme ratifica o autor citado acima, visa selecionar as contingências sociais existentes e aplicar as prestações devidas a um número cada vez maior de cidadãos.
Desta feita, ao que tudo indica, por mais esse princípio, não se justifica a diferenciação da condição de idoso para fins sociais e assistenciais.
Com isso, tais regras legais não se aplicam ao benefício assistencial em análise, restando como única conjectura válida a aceitação da derrogação amplamente discorrida no presente trabalho.
Conclusão
A seguridade social tem sua criação prevista no artigo 194 e seguintes da Constituição Federal e compreende segundo a letra da lei um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
Pelo próprio teor do dispositivo legal se descortina a formação de uma tríade prestacional que irá compor a base dos serviços previstos dentro da seguridade social, divididos em saúde, assistência social e previdência social.
A seguridade social visa garantir uma condição de bem estar social, reduzindo as iniquidades do meio e possibilitando a todos a igualdade de oportunidades e a satisfação das necessidades básicas existenciais.
A solidariedade entre os membros de um Estado é o fundamento maior da seguridade social, porque com as discrepâncias regionais e sociais, se acentuam as diferenças e os riscos sociais são acrescidos pelo implemento da pobreza.
Logo, não existe qualquer lógica jurídica na criação de acepções jurídicas distintas para a palavra idoso, uma para apuração de direitos sociais e outra para a concessão de benefícios assistenciais.
Neste panorama, a análise axiológica da matéria redunda na aplicação mais extensiva possível dos benefícios assistenciais. Já em uma análise sistemática da legislação verifica-se a derrogação clara e verossímil dos dois artigos de lei que criam diferenciação do termo idoso para fins de concessão do benefício de prestação continuada.
Não existe base jurídica a possibilitar a manutenção desta diferenciação provocada pelo Poder Legiferante, que cria uma regra legal autointitulada Estatuto do Idoso e relega os benefícios assistenciais previstos na Constituição Federal apenas para os idosos com sessenta e cinco anos.
Tal regra faz tábua rasa da preocupação do legislador originário com os idosos, visto que se este colocou no texto da Carta Magna que os mesmos terão direito ao benefício de prestação continuada, não poderia a lei infraconstitucional reconhecer a condição de idoso a uma pessoa natural, mas afastar por um período esse direito elementar.
Como dito alhures, o termo idoso é unívoco, logo a regra etária prevista no art. 34 da Lei Federal nº 10.741/2003 e no art. 20 da Lei Federal nº 8.742/93, confronta a própria previsão constitucional, sendo clara a revogação parcial de ambos os dispositivos pelo art. 1º do Estatuto do Idoso.
Notas:
Informações Sobre o Autor
Rodrigo José Accacio
Formado em direito pela Universidade Camilo Castelo Branco pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho e pós-graduando em Direito da Seguridade Social pela Faculdade Legale e Advogado em São Paulo