Resumo: Trata-se da evolução do pensamento filosófico para a construção das Teorias do Estado e do Direito, abordando seus diversos momentos históricos, com referência aos grandes pensadores.
Palavras-chave: Pensamento filosófico. Teoria do Estado. Teoria do Direito. Evolução.
Abstract: Deals with the evolution of philosophical thought for the construction of State and Law Theories, addressing its various historical moments, with reference to the great thinkers.
Keywords: Philosophical thought. State Theory. Legal Theory. Evolution.
Resumen: Se trata de la evolución del pensamiento filosófico para la construcción de las teorías del Estado y Derecho, abordando sus diferentes momentos históricos, con referencia a los grandes pensadores.
Palabras-clave: Pensamiento filosófico. Teoria del Estado. Teoria del Derecho. Evolución.
Sumário: Introdução. 1. Naturalismo. 2. Jusnaturalismo. 3. Positivismo. 4. Pós-positivismo. Conclusão. Referências.
Introdução
Pode-se dizer que os grandes pensadores contribuíram expressivamente para a concepção atual do Estado e do Direito. A história nos revela que o homem sempre viveu em grupo, impondo um mínimo de norma de convivência e solução de conflitos, mesmo que por meio da força e da dominação por parte dos mais fortes sobre os mais fracos.
Costumes e tradições ditavam as regras de proceder, e os conceitos de lei e de justiça eram de natureza divina, tanto que, por muito tempo, Estado e Igreja permaneceram interligados, impondo a crença de que o soberano e o líder religioso eram representantes divinos na Terra. Contudo, esse pensamento sofreu alterações no curso história, passando basicamente por quatro estratos: naturalismo, jus-naturalismo, positivismo e pós-positivismo
1. Naturalismo
A história grega relata que, no período homérico (sécs. XII a VIII a.C.), a célula social básica era formada predominantemente por um sistema gentílico, em que as pessoas eram ligadas entre si por laços sanguíneos ou religiosos, geralmente considerados a partir de um ascendente divino. Posteriormente, esse modelo sofreu desintegração, surgindo as diferenças sociais e divisão desigual da terra, que passou a se concentrar nas mãos de uma aristocracia. Diante disso, os que perderam suas terras passaram a trabalhar para a nova classe aristocrática, desenvolvendo-se aos poucos um sistema escravista. [1]
Na época arcaica, período pré-socrático (sécs. VII e VI a.C.), a justiça que era vinculada à arbitrariedade dos reis ou à interpretação da vontade divina, passa a perder essas características com a codificação da legislação escrita por Drácon (séc. VII a.C.), Sólon e Clístenes (séc. VI a.C.), aplicando-se regras comuns a todos, norma racional, sujeita à discussão e modificação, passando a lei a ter uma dimensão humana, igualitária, direcionando-se à uma ideia de democracia em oposição à hierarquia do poder aristocrático.[2]
Já no período clássico ou socrático (sécs. V e IV a.C.), destacam-se os pensamentos dos sofistas, responsáveis pela elaboração teórica e legitimação do ideal democrático da nova classe em ascensão (comerciantes enriquecidos). A maior virtude passa a ser a justiça, defendendo que a ideia de que todos os cidadãos da polis devem ter o direito ao exercício do poder. O critério do justo e do injusto passa a ser previsto na lei escrita e a democracia atinge seu apogeu.[3]
Crítico ferrenho dos sofistas, Sócrates (séc. V a.C.) via nas leis um fundamento racional e não arbitrário, e pregava obediência a elas, mesmo quando injustas.
Platão, discípulo de Sócrates, desenvolveu um pensamento político e democrático nas obras A República e As Leis, sendo sucedido por Aristóteles, considerado o pai da Lógica, que entendia ser o homem um animal político (zoom politicum) que só vive dentro do Estado.
Aristóteles foi responsável pela distinção dos poderes ou funções do Estado em Executivo, Legislativo e Judiciário, que bem mais tarde foi desenvolvida por Montesquieu, em sua obra O Espírito das Leis (1748). Desenvolveu, também, a clássica distinção entre lei particular – que cada povo se dá, seja ela escrita ou não –, e lei comum – de acordo com a natureza, sem ter sido pactuada, mas aceita por todos (Direito natural).
No entanto, foi no período pós-socrático do pensamento filosófico grego (sécs. III e II a.C.), com a escola filosófica do estoicismo,[4] que o ideal de Direito natural construiu uma reflexão filosófica universal para o fenômeno jurídico.
Esse período também coincide com o período arcaico do direito romano (que vai até o século II a.C.) e com o período clássico (sécs. II a.C. a III d.C.). A filosofia estoica se expandiu influenciando o pensamento político, filosófico e jurídico romanos.
Os juristas romanos tinham base filosófica e conheciam os pensadores gregos, no entanto, sua preocupação era prática. Desenvolveram “três estratos de ordem jurídica: o jus naturale, racional e perpétuo, superior ao arbítrio humano; o jus gentium, inicialmente considerado o direito dos estrangeiros, mas posteriormente identificado como elemento comum dos diversos direitos positivos; e o jus civile, reservado aos cidadãos, formal e solene, regulador das relações individuais”.[5] Não havia, ainda, distinção entre direito material e direito processual.
Com o advento do cristianismo e a decadência do Império Romano, o pensamento filosófico se volta para a ideia de liberdade (livre-arbítrio) e justiça (caritas), em uma perspectiva teológica, encontrando, na escola Patrística (séc. III), Paulo de Tarso, seu principal expoente, que, inspirado na filosofia estoica de um Direito natural, defendia que a justiça não é aprisionada na lei escrita, reconhecendo quatro dimensões: lei divina (eterna); lei natural (da razão); lei positiva (elaborada pelos homens) e lei do pecado.
Paulo de Tarso formula a distinção entre querer e poder (é possível querer algo que não se pode e vice-versa), possibilitando aos filósofos medievais a ideia de liberdade subjetiva (livre-arbítrio).
Santo Agostinho (354-430), com influência platônica, desenvolve a noção de que querer é ser livre, e de que no interior da vontade há ausência de coação ou de necessidade. Surge então a oposição entre liberdade e necessidade, rompendo a ligação homem-natureza. Com isso, abrem-se as portas para as teorias do Direito e do Estado, implementadas com o racionalismo moderno a partir do século VII, já na Idade Média.
A Idade Média (476 a 1453), marcada entre a queda do Império Romano e a tomada de Constantinopla pelos turcos, foi caracterizada pela divisão do Império em diversos reinos bárbaros; pelo surgimento do feudalismo como organização social, econômica e política; pelo enfraquecimento do poder central, contrapondo-se ao anseio de unidade de poder e restauração da unidade perdida.[6]
Outra grande escola filosófica cristã da Idade Média foi a Escolástica, tendo como principal representante Santo Tomás de Aquino (1225-1274), com influência aristotélica, que buscava conciliar a filosofia antiga com os dogmas religiosos.
Para Tomás de Aquino, o objeto da justiça é o Direito que surge por uma regra da razão que, quando manifestada por escrito, chama-se lei. A lei determina o justo quando está em conformidade com a lei natural.
Com o renascimento comercial e urbano no final do século XI, dá início à laicização da sociedade em oposição ao poder religioso. Embora houvesse dois poderes (um temporal e outro espiritual), a Igreja intervinha no Estado por se considerar de ordem superior. Marcou nessa época a “querela das investiduras”, em que o papa Gregório VII excomungou e depôs Henrique IV, liberando os súditos do dever de fidelidade ao rei.
A partir do século XII a Igreja institui a Inquisição, com tribunais para julgamento dos “desvios da fé”, com delação anônima, julgamento sem advogados, torturas, imposição de penas de prisão perpétua e condenação à morte em fogueira.
Durante os séculos XII e XIII surgem documentos que deram abertura a uma nova estrutura de poder e direitos. Na Inglaterra, Henrique I, no dia de sua coroação, outorga uma Carta que honrou cumprir e institui o júri formado por pessoas do local, substituindo aos poucos o antigo sistema das ordálias ou juízos divinos.
Em 1215, a burguesia, rememorando a Carta de Henrique I, obriga o rei João Sem Terra a assinar a Magna Carta, concedendo privilégios aos barões e reduzindo a intervenção do rei; contudo, acaba sendo suspensa pelo papa.
Embora não fosse o objetivo da Magna Carta, futuramente se extraiu dela os princípios da legalidade, da igualdade, do habeas corpus, da soberania dos vereditos dos jurados, do devido processo legal, do direito adquirido.
Outros importantes documentos foram as Constituições de Melf, instituídas por Federico II de Svevia, compostas por um conjunto de leis que todos estavam sujeitos a cumprir, independentemente das condições sociais, religião ou privilégios dos nobres.
As divergências entre Federico II e o papa Inocêncio IV e, entre Felipe (o Belo, da França) e o papa Bonifácio VIII, demonstram a intenção dos reis de afastarem a interferência religiosa.[7]
O Estado intensifica suas forças no final do século XIV para firmar sua soberania e apartar-se da Igreja. O teólogo inglês Wyclife defende a ideia de uma Igreja nacional e traduz a Bíblia para o idioma inglês, recusando-se a intromissão do papado. As divergências dão início à Reforma protestante no século XVI.[8]
Na Itália, a ciência política começa a ser estruturada a partir de Nicolau Maquiavel (1496-1527), rejeitando o sistema utópico da política normativa dos gregos que tenta explicar a todo custo como o homem deve agir.
Maquiavel, em sua obra O príncipe (1513), parte da observação dos fatos históricos da Antiguidade para constatar que os homens sempre agiram de forma corrupta e com violência, sugerindo ao monarca como comportar-se para se manter no poder ou conquistar principados. Para Maquiavel, o poder no modelo monárquico de sua época era absoluto.
2. Jusnaturalismo
Uma nova corrente de pensamento começa a surgir. O inglês Tomas Hobbes (1588-1679), mesmo sendo defensor do absolutismo do Estado, parte para uma nova concepção de transição do estado natural do homem para o Estado civil ou político, em uma vertente contratualista, que futuramente sofre alterações por outros pensadores.
Segundo Hobbes, o homem vive em um estado natural de anarquia, insegurança, angústia, medo e egoísmo. É livre, tem direito à vida e, para protege-la, pode tudo, o que faz gerar a guerra. Hobbes diz que “o homem é o lobo do homem”.
Para evitar a destruição do homem pelo próprio homem, Hobbes defende a transferência do direito à vida para o Estado em troca da segurança que seria dada por um Estado absoluto e forte. O Estado não estaria obrigado, mas poderia garantir também a liberdade, a igualdade, a educação e a propriedade.[9] Assim, começa a concepção contratualista.
O absolutismo, após seu apogeu, começa a declinar, pois as novas ideias de um Direito natural ganham forças nos séculos XVII e XVIII como instrumento contra a antiga organização social medieval, desenvolvendo-se uma teoria contratualista do Estado liberal, e não mais absoluto, em que o direito positivo (posto pelo homem) deve-se amoldar.
O filósofo inglês John Locke (1632-1704), defensor da teoria do Direito natural e do Estado liberal,[10] entende que o homem é livre e bom por natureza, tendo direitos à propriedade, às leis divinas e naturais, bem como o direito de punir os transgressores desses direitos. Na visão de Locke, o direito de propriedade é mais amplo, englobando a propriedade da vida, da liberdade e dos bens.
Para Locke, o homem cederia ao Estado esses direitos, mas não os transferiria, ao contrário do que defende Hobbes. O Estado não seria absoluto e haveria separação de poderes eleitos pelo homem. Assim, para Locke, o poder político deriva do estado de natureza que se caracteriza pela liberdade e igualdade entre os homens. Dessa forma, a passagem do estado de natureza para o Estado civil ou político se daria por consentimento dos cidadãos (contrato social).
Outro filósofo dessa época, o francês Montesquieu (1689-1755), com sua teoria da separação dos poderes, exposta na obra O Espírito das Leis (1748), retoma as ideias de Aristóteles para impor limites internos ao Estado, impedindo a concentração do poder em uma só pessoa, propondo a distribuição das funções estatais por órgãos distintos.
Dessa forma, haveria separação das funções legislativa, executiva e judiciária, que passariam a corresponder aos respectivos poderes independentes, que poderiam controlar-se reciprocamente.
A Teoria do contrato social, dentro do Jusnaturalismo, vai atingir sua definição mais adequada com Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), filósofo suíço que passa a viver em Paris (1742), e que também desenvolve seu pensamento a partir do homem em estado de natureza, mas fazendo uma distinção entre soberano e governo.
Para Rousseau, a passagem do estado de natureza ao Estado civil, por meio do contrato social, deve originar-se do consentimento unânime, em que todos abdicam de seus direitos em favor da sociedade e, assim, cada um nada perde.
Diz Rousseau que, “se cada um se der a todos, não se dá a ninguém e como não há um associado sobre o qual não se adquira o mesmo direito que se lhe cede sobre si, e mais força para conservar a que se tem”.[11]
O pensamento de Rousseau é mais democrático, ataca o absolutismo de Hobbes e supera o elitismo de Locke. A soberania é o exercício de uma vontade geral não opressora que dirige as forças do Estado para coibir atos atentatórios do governo.
3. Positivismo
No período anterior (jusnaturalismo) ocorreram as principais revoluções: na Inglaterra (séc. XVII) e na França (séc. XVIII), em que os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade foram determinantes para a concepção dos institutos de Direito pelos próximos tempos, principalmente na elaboração das Constituições dos diversos Estados (países). O princípio da legalidade é valorizado como fundamento para evitar os abusos do Estado, anteriormente experimentados no absolutismo.
A função legislativa, agora, caminha para uma nova ordem de valores jurídicos, já que o direito passa a resultar da lei, limitando a atividade do jurista e do julgador ao que diz a lei.
Surge, então, o positivismo jurídico, que não se preocupa com o conteúdo normativo, mas com observância do procedimento legal descrito na lei. O positivismo trouxe uma ideologia de segurança jurídica, mas não foi suficiente para impedir as desigualdades, já que havia pouco espaço para tratamento diferenciado para os desiguais (discrímen).
Hans Kelsen (1881-1973), jurista e filósofo nascido em Praga, que pertencia ao Império Austro-Húngaro, contribuiu para a elaboração da Constituição da Áustria (1920). Liderou em Viena um grupo de notáveis juristas, o que lhe rendeu o cognome de Mestre de Viena.
Em 1934, ao publicar sua obra Teoria pura do direito, Kelsen adverte: “A teoria Pura do Direito é uma teoria do direito positivo. Tão-somente do direito positivo e não de determinada ordem jurídica. É teoria geral e não interpretação especial, nacional ou internacional, de normas jurídicas. Como teoria, ela reconhecerá, única e exclusivamente, seu objeto. Tentará responder à pergunta “o que é” e “como é” o direito e não à pergunta de “como seria” ou “deveria ser” elaborado. É ciência do direito e não política do direito”.[12]
Com Kelsen, surge a escola de Viena e desenvolve-se o pensamento positivista do direito que influenciou todo o arcabouço jurídico de leis por muito tempo.
4. Pós-positivismo
Viu-se que o positivismo jurídico é uma ciência de método explicativo de um objeto, ou seja, da norma positivada, não se preocupando com a atividade de produção do direito. Direito, para essa corrente, é todo direito posto pelo homem (legislador).
Diante disso, a aplicação do direito passa a ser uma atividade mecânica, o que não condiz com um ideal de justiça, e que leva a uma nova perspectiva de reestruturação do pensamento jurídico da época; aliás, o direito deve ser construído e evoluído a partir da observação de fatos históricos, sociais e políticos, principalmente para assegurar eficácia aos direitos fundamentais, tanto é que, para Miguel Reale, em sua Teoria tridimensional do direito, o direito é fato, valor e norma.
Assim, surge uma vertente crítica do positivismo, a que se denomina positivismo crítico ou pós-positivismo, em que o texto da lei se submete aos princípios de justiça e de direitos fundamentais, obtendo uma norma jurídica que apresenta uma adequada conformação com a lei.[13]
Essa nova dogmática se preocupa com os valores do direito para superar a dicotomia: direito positivo x direito natural.
Nessa fase do pensamento jurídico, o Direito passa a ter status constitucional. Fala-se em direito civil constitucional, direito penal constitucional, direito processual constitucional. A norma jurídica passa a ser gênero, da qual os princípios e regras são suas espécies.
É sobre essa nova construção de sistemas constitucionais que a teoria geral do processo deve se amoldar. A jurisdição, a ação e o processo devem ser constitucionais e não apenas legais. O Estado de Direito deve ser um Estado de Direito Constitucional que permite mutação para garantir eficácia a direitos fundamentais pelos métodos de interpretação do texto de lei, para dele se extrair a norma jurídica, seja por parte do jurista ou do julgador.
A letra fria da lei é mero texto legal, elaborado por meio da atividade legislativa, que deve ser complementada pelos operadores do direito, capazes de extrair do texto de lei a norma jurídica a ser aplicada. Ao juiz não se admite mais a simples reprodução do texto, já que o dogma do positivismo de que o juiz é a boca da lei não encontra mais espaço no atual sistema jurídico.
Conclusão
Note-se que a evolução do pensamento filosófico foi fundamental para se atingir um Estado Democrático de Direito, com bases firmadas nos direitos e garantias fundamentais, abandonando o extremismo do Estado absolutista e do Estado liberal.
O Estado passa a ser laico, desvinculando-se da Igreja, qualquer que seja ela, abrindo espaço para todas as religiões.
O poder do Estado é dividido em três (executivo, legislativo e judiciário), todos eles independentes mas guardando harmonia entre si, de modo que um não invada a esfera de atuação típica do outro, contribuindo para o bem comum (a sociedade).
O texto de lei não se confunde mais com a norma, que é extraída da interpretação, daí não estar mais o magistrado “engessado” no exercício da jurisdição, podendo interpretar o direito posto e utilizar-se de outras fontes, exigindo-se a devida fundamentação.
Informações Sobre o Autor
Marivaldo Cavalcante Frauzino
Advogado. Graduado em Direito pela PUC. Pós-graduado com especializações em Direito Processual Civil (UFG), Direito do Trabalho e Processo do Trabalho (UniAnahguera/GO) e Direito Tributário (UCB)