Conforme regra disposta no art. 33, § 2º, do Código Penal, e tendo por base o quantum da pena fixada: a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado; b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semiaberto; c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.
Não se desconhece a possibilidade de fixação de regime prisional mais severo que aquele determinado pelo quantum da pena, inclusive por força do disposto no § 3º do art. 33 do Código Penal, segundo o qual “A determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á com observância dos critérios previstos no art. 59 deste Código”. Em casos tais, todavia, na sentença o Juiz deverá fundamentar convenientemente a escolha/fixação do regime mais severo.
Não é por razão diversa que foi editada a Súmula 719 do Supremo Tribunal Federal, que tem o seguinte teor: “A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea”.[1]
Dispunha o § 1º do art. 2º da Lei n. 8.072/90, que o réu condenado por crime hediondo ou assemelhado deveria iniciar o cumprimento da pena privativa de liberdade no regime fechado.
Impunha, portanto, regime inicial ex lege, sem outros questionamentos em linhas de individualização, de modo a tolher a atividade individualizatória conferida ao Poder Judiciário, e malferir garantia fundamental do acusado, assegurada no art. 5º, XLVI, da Constituição Federal.
Por força de equivocada interpretação lastreada no § 1º do art. 2º da Lei n. 8.072/90, em condenações proferidas, invariavelmente juízes e tribunais se descuidaram do dever de individualizar de maneira adequada a escolha do regime prisional de cumprimento da pena inicialmente fixado.
De modo a incidir em lamentável equívoco por falta de interpretação sistêmica e leitura Constitucional das regras vigentes; admitindo eficácia ao dispositivo citado, foram proferidas condenações nas quais a fundamentação única para fixação do regime inicial fora lastreada no já mencionado art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90.
Ocorre que em 26 de junho de 2012, quando do julgamento do Habeas Corpus nº 111.840/ES, de que foi relator o Ministro Dias Toffoli, o Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional o § 1º do art. 2º da Lei n. 8.072/90, por malferir o princípio da individualização da pena, que também se aplica à individualização do regime prisional.
Conforme anotamos em nossos livros Lei de Execução Penal Anotada (5ª ed., São Paulo, Saraiva, 2014) e Tóxicos (10ª ed., São Paulo, Saraiva, 2015, p. 131/132):
“Embora com alguma tardança, no julgamento do HC 111.840/ES, de que foi relator o Min. Dias Toffoli, o Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei n. 8.072/90, que determinava o cumprimento de pena dos crimes hediondos, de tortura, de tráfico ilícito de entorpecentes e de terrorismo no regime inicial fechado.
‘Se a Constituição Federal menciona que a lei regulará a individualização da pena, é natural que ela exista. Do mesmo modo, os critérios para a fixação do regime prisional inicial devem se harmonizar com as garantias constitucionais, sendo necessário exigir-se sempre a fundamentação do regime imposto, ainda que se trate de crime hediondo ou equiparado’ (STF, HC 114.568/ES, 1ª T., rel. Min. Dias Toffoli, j. 16-10-2012, DJe n. 220, de 8-11-2012).
De tal sorte, o regime inicial fechado não é de imposição compulsória (STF, HC 111.840/ES, Tribunal Pleno, rel. Min. Dias Toffoli, j. 27-6-2012; stf, hc 112.979/MS, 1ª T., rel. Min. Luiz Fux, j. 18-6-2013, DJe n. 125, de 1º-7-2013; STF, HC 112.868/DF, 1ª T., rela. Mina. Rosa Weber, j. 12-3-2013, DJe n. 086, de 9-5-2013; STF, HC 113.389/MS, 2ª T., rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 26-2-2013, DJe n. 048, de 13-3-2013; STF, HC 113.741/SP, 2ª T., rela. Mina. Cármen Lúcia, j. 19-2-2013, DJe n. 043, de 6-3-2013).
‘Não evidencia fundamentação idônea e suficiente, decisão que impõe o regime inicial fechado de cumprimento de pena, baseada, objetiva e exclusivamente na norma inscrita no art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, declarada incidentalmente inconstitucional por este Supremo Tribunal, no HC 111.840 (Relator o Ministro Dias Toffoli, de 27-6-2012)’ (STF, HC 120.274/ES, 2ª T., rela. Mina. Cármen Lúcia, j. 10-6-2014, DJe n. 118, de 20-6-2014).
No mesmo sentido: STF, HC 115.766/GO, 1ª T., rel. Min. Luiz Fux, j. 10-12-2013, DJe n. 022, de 3-2-2014; STF, HC 118.717/SP, 2ª T., rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 25-2-2014, DJe n. 047, de 11-3-2014; STF, HC 121.724/SP, 2ª T., rel. Min. Gilmar Mendes, j. 10-6-2014, DJe n. 149, de 4-8-2014; STF, HC 121.435/SP, 2ª T., rela. Mina. Cármen Lúcia, j. 24-6-2014, DJe n. 148, de 1º-8-2014; STJ, HC 280.555/SP, 5ª T., rel. Min. Jorge Mussi, j. 18-6-2014, DJe de 1º-7-2014; STJ, HC 283.306/SP, 6ª T., rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 13-5-2014, DJe de 2-6-2014.
‘O regime inicial do cumprimento da pena não é mera decorrência do quantum fixado, exigindo-se, também, a análise das circunstâncias judiciais arroladas no art. 59 do Código Penal, a que faz remissão o art. 33, § 3º do mesmo Código’ (STF, RHC 112.875/MS, 1ª T., rel. Min. Luiz Fux, j. 30-10-2012, DJe n. 226, de 19-11-2012).
‘A jurisprudência do STF é no sentido de que a fixação do regime inicial de cumprimento da pena não resulta apenas de seu quantum, mas também das circunstâncias judiciais elencadas no artigo 59 do Código Penal, a que faz remissão o artigo 33, § 3º, do mesmo diploma legal” (STF, HC 120.576/MS, 2ª T., rel. Min. Gilmar Mendes, j. 29-4-2014, DJe n. 093, de 16-5-2014)’”.
Registre-se, a propósito, que o §1º do art. 2º da Lei n. 8.072/90 teve sua execução suspensa pelo Senado Federal, por força da Resolução n. 5, de 16-2-2012.
Disso decorre que, nas execuções criminais em andamento, se a condenação versar sobre crime hediondo ou assemelhado, faz-se imprescindível verificar se o regime inicial fora fixado tão somente com base no dispositivo em testilha e, sendo caso, proceder-se ao ajuste do regime em sede de execução, e isso por força do disposto no art. 33, § 2º, do Código Penal; na Súmula 719 do STF, e no art. 66, I, da LEP, segundo o qual, compete ao Juiz da Execução “aplicar aos casos julgados lei posterior que de qualquer modo favorecer o condenado”.
Veja-se, a propósito, o teor da Súmula 611 do STF: “Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao juízo das execuções a aplicação de lei mais benigna”.
A esse respeito: “Tratando-se de lei penal nova e mais benéfica, é de ser aplicada, ope constitutionis, aos casos pretéritos. A aplicação da Lex mitior compete ao juiz da execução, nos termos da legislação e da Súmula 611 do STF” (STF, 1ª T., rel. Min. Celso de Mello, DJU de 12-6-1992, p. 9028). “A competência para a análise da aplicabilidade da lei penal benigna é do juízo da execução penal, nos termos do artigo 66, inciso I, da Lei de Execução Penal, razão pela qual é inviável a deliberação da matéria diretamente pelo Superior Tribunal de Justiça, sob pena de supressão de graus de jurisdição. Súmula n. 611/STF” (STJ, AgRg no HC 250.812/SP, 5ª T., rel. Min. Jorge Mussi, j. 25-2-2014, DJe de 10-3-2014).
Incabível afastar a incidência da citada Súmula 611 do STF ao argumento de que não se trata de lei nova, mas de decisão do Supremo Tribunal Federal.
Note-se que a decisão foi proferida pelo Plenário da Suprema Corte, e por ela se declarou a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei n. 8.072/90, cuja eficácia foi retirada pelo Senado Federal por intermédio da Resolução 5, de 16-2-2012, do que decorre ser correto afirmar que ocorreu “mudança na legislação”, de forma benigna para o executado, tanto que a partir de 26 de junho de 2012 não se faz possível aplicar o fulminado dispositivo.
Bem por isso o entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que: “Fixado o regime inicial fechado com base no § 1º do art. 2º da Lei n. 8.072/1990, posteriormente declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (HC 111.840/ES, julgado em 27/6/2012), cabe ao Juízo da Execução, tendo em vista o trânsito em julgado da condenação, reavaliar os elementos concretos dos autos, à luz do art. 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal, para verificar qual o regime inicial adequado para o paciente. Precedentes: AgRg no HC n. 257.178/SP, Relatora Ministra Assusete Magalhães, 6ª Turma, DJe 23.9.2013; HC n. 226.064/DF, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJe 24.4.2013” (STJ, HC 307.902/SP, 6ª T, rel. Min. Ericson Maranho, j. 16-12-2014, DJe de 3-2-2014; STJ, HC 288.376/SP, 6ª T, rela. Mina. Marilza Maynard, j. 18-8-2014, DJe de 25-8-2014).
A manutenção do condenado em regime fixado exclusivamente com fundamento em regra inconstitucional materializa indesculpável constrangimento ilegal.
Não é ocioso destacar que o art. 66, I, da LEP se refere à aplicação da norma “posterior que de qualquer modo favorecer o condenado”, e a Súmula 611 do STF trata da necessária incidência da regra posterior “mais benigna”.
É fora de dúvida, portanto, que na hipótese tratada, a adequação do regime inicial na fase execucional só poderá se verificar de forma benéfica ao executado, jamais in pejus.
Informações Sobre o Autor
Renato Flávio Marcão
Membro do Ministério Público do Estado de São Paulo. Mestre em Direito. Professor convidado no curso de pós-graduação em Ciências Criminais da Rede Luiz Flávio Gomes e em cursos de pós-graduação em diversas Escolas Superiores do Ministério Público e da Magistratura. Membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP. Membro da Association Internationale de Droit Pénal (AIDP). Membro Associado do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), do Instituto de Ciências Penais (ICP) e do Instituto Brasileiro de Execução Penal (IBEP).