Resumo: Na segunda metade do século XX, o Brasil passa a participar de importantes encontros políticos sobre os aglomerados humanos e suas diversas formas de ocupar e usar os recursos naturais (ordenamento territorial urbano e rural) . Ações políticas essas com reflexo à expansão do neocapitalismo e suas alterações econômicas globais a fim de despertar a sociedade para os inúmeros problemas ambientais e execução de políticas normativas em âmbito nacional, regional e local. O país aderiu ao denominado “crescimento econômico a qualquer custo”, pondo em cheque o entendimento de progresso da nação quanto à visão de futuro. No entanto, em 1988, o Brasil aprova a atual Constituição Federal com a exigência de proteção e preservação do meio ambiente. A partir da consulta a leis e fontes diversas, o artigo elucida algumas concepções de desenvolvimento, crescimento econômico e meio ambiente à luz do Princípio da Equidade Geracional. Destacam-se as principais situações envolvendo indicadores de desenvolvimento nacional brasileiro sob um viés teórico-reflexivo, além de discutir a política pública ambiental com foco na estratégia da sustentabilidade. O escrito utiliza-se do método dissertativo-bibliográfico. Desse modo, procura-se entender a locução do “desenvolvimento sustentável” como vinculada a quatro dimensões: ambiental, social, econômica e política.
Palavras chave: Princípio da Equidade Geracional. Meio ambiente. Sustentabilidade.
Abstract: In the 20th Century, the expansion of neo-capitalism brought seismic economic global markets, together several social and economic problems to the implementation of regulatory environmental public policies that calls into question the understanding of nation’s progress. This report brings conceptions of development and environment based in the Principle of Generational Equity, it has collected with a view to applying articles 170, VI, and 225, caput, in the current Brazil’s Federal Constitution. It emphasizes the main situations to the national development indicators, which see as theory-reflexive way from discussing the public policy on a strategy of sustainability. The written uses a bibliographic method. Therefore, it analysis the shortened term of “sustainable development” as linked to temporal aspect in environmental protection, large sense, for future human generations.
Keywords: Principle of Generational Equity. Environment. Sustainability.
Sumário: Introdução. 1. Desenvolvimento: reflexões teóricas. 2. Crescimento econômico sob novas políticas públicas. 3. Números em prol do “desenvolvimento”. 4. Otimismos sobre a sustentabilidade. 5. Conclusão. Referências.
Introdução.
Após críticas dos cientistas ao modelo vigente do “crescimento econômico a qualquer custo” do país e os estudos do Clube de Roma[1], o Brasil, em 1972, reúne-se com 113 países para a produção da Declaração da ONU sobre o Ambiente Humano e a formulação de leis e princípios jurídicos de preservação e conservação dos recursos naturais para as presentes e futuras gerações humanas.
Na década seguinte, em 1988, nasce a Constituição Federal da República Federativa do Brasil consagrando, sobretudo em seus artigos 170, VI, e 225, a obrigação tanto dos entes particulares quanto do Poder Público à defesa, à proteção e à garantia da efetividade do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, considerando o meio ambiente como responsabilidade de todas as pessoas (jurídicas ou físicas, incluindo suas atividades econômicas) e elemento chave para o desenvolvimento sustentável do país.
Por outro lado, é insatisfatória a leitura de dispositivos de lei, ainda mais quanto à temática ambiental (de visão necessariamente holística), pois não é esclarecedor de pontos conceituais de desenvolvimento, crescimento econômico, política pública ambiental, sustentabilidade e meio ambiente: assuntos de interesse jurídico, que juntos constroem o entendimento do Princípio da Equidade Geracional.
Esse princípio jurídico impõe igualdade na distribuição de benefícios e custos entre gerações quanto à preservação ambiental. Uma questão que, apesar da vasta e vanguardista legislação ambiental brasileira, ainda esbarra-se na “má vontade política” para sua aplicação. Na medição de forças entre setores econômicos tradicionais e urgentes medidas protetoras do meio ambiente, o desafio político torna-se cada vez maior aos governos vindouros.
Diante desse contexto, o Brasil é um país em pleno desenvolvimento? É sabido que suas reservas naturais são exploradas extensivamente desde a Era Colonial para atender a “números” por uma balança comercial favorável que representa, comumente, a “riqueza nacional” em indicadores positivos qual o Produto Nacional Bruto (PNB). Entretanto, indicadores quantitativos realmente medem o desenvolvimento de uma nação ou apenas medem um mero avanço econômico de um limitado setor produtivo?
A resposta a todas aquelas questões parece quedar-se simplesmente negativa, mas constitui-se um complexo em melhor análise. Pois há que abordar-se o desafio ambiental que está no centro das contradições do Brasil pós-colonial, conforme salienta Carlos Porto-Gonçalves (2006, p.62). O “mercado emergente” não se limita a princípios numéricos ou materiais, tendo em vista que o Brasil precisa adequar sua exploração econômica às estratégias da adequada gestão de seus recursos naturais, além de conceber meios para promover o bem-estar social, sem permitir o esfacelamento dos recursos naturais em prol de uma economia “rusticamente agrícola” (agropecuária extensiva, economia historicamente dominante no país), a fim de que o consumo dos recursos naturais finitos pelas presentes gerações humanas não obstaculize o direito de uso àquelas futuras.
Doutra feita, muitas concepções teóricas “ambientalistas” tentam conciliar a encruzilhada do neocapitalismo global ao longo do século XX, ainda quando se esbarram nas intricadas aspirações humanas atuais por sustentabilidade: crescimento econômico, desenvolvimento e preservação ambiental a um só tempo. Então, é possível crescer economicamente sem destruir os finitos recursos naturais? Economia e meio ambiente, um exclui o outro? Desenvolvimento é sinônimo de progresso? Sustentabilidade é possível? Em que medida deve-se entender o que é desenvolvimento sustentável?
Para melhor compreender essa “desordem global”, o artigo traz as principais discussões que problematizam as temáticas: desenvolvimento, crescimento econômico, meio ambiente e sustentabilidade, a partir de quatro capítulos: 1. “Desenvolvimento: reflexões teóricas”; 2. “Crescimento econômico sob novas políticas públicas”; 3. “Números em prol do ‘desenvolvimento’”; 4.“Otimismos sobre a sustentabilidade”. No primeiro capítulo são relatadas algumas concepções sobre o desenvolvimento e como algumas indagações podem ser respondidas. Depois, no segundo e terceiro capítulos, discutem-se questões sobre expansão econômica e liberdade humana, e alguns índices medidores do desenvolvimento. Por derradeiro, no quarto capítulo, são traçadas as ideias ou formulações do que seria a estratégia política da sustentabilidade.
Portanto, discutir principais aspectos do desenvolvimento e da sustentabilidade no Brasil à luz do Princípio da Equidade Geracional é o alvo deste artigo. Longe de querer exaurir o tema, o trabalho procura despertar o leitor para a questão da dificuldade em se estabelecer uma conexão entre Desenvolvimento e Sustentabilidade, que numa análise aprofundada, tais institutos se distinguem, porém não se excluem. Diante daquelas duas premissas, é feita uma junção entre os dois termos, ou seja, uma relação entre o que seria a condensada locução “desenvolvimento sustentável”.
1.Desenvolvimento: reflexões teóricas.
Em breve apanhado histórico pelo longo, curto e inquietante século XX, tem-se que, nos anos de 1950, a Revolução Industrial desponta em tecnologias de superação dos limites físico-espaciais, a revelar, em poucas décadas seguintes, uma corrida aeroespacial, bélica e consumerista (produtivismo fabril intenso), com reflexos que dominam o cenário político internacional. “A globalização, mundialização e planetarização são palavras-chave desse momento histórico” (PORTO–GONÇAVES, 2012, p. 13-15).
Teorias científicas e invenções tecnológicas se unem por uma excitante vida em consumismo de bens e produtos industrializados; mais obedientes, porém, aos interesses de seus protagonistas capitalistas do que às reais necessidades materiais humanas. No mundo posterior à Segunda Grande Guerra, tanto nos países industrializados quanto nas nações emergentes economicamente havia um tripé político-econômico fundado em abundancia de recursos naturais (e energéticos), aumento da produtividade do trabalho e presença do bem-estar do país, algo reproduzido fielmente no Brasil (BUARQUE, 2002, p.15).
A expansão do capitalismo encontrou guarida na idealização da escala global do “mundo sem fronteiras”, todavia as consequentes armas bélicas atômicas, poluição e destruição do ambiente natural relembraram a visão do cosmonauta Yuri Gagarin: a Terra tem limites, é uma esfera pequena, azul e finita solta no espaço sideral.
Até por volta dos anos de 1960, não havia necessidade de fazer distinção entre desenvolvimento e crescimento econômico, porquanto as poucas nações desenvolvidas eram as que haviam criado o conceito de desenvolvimento como expansão industrial e reserva de capitais. Essa identificação entre os dois institutos era satisfatória para se verificar que as nações ricas seriam as “desenvolvidas”, e as pobres, as “subdesenvolvidas”, simplesmente. Poucos anos depois, a partir do intenso acúmulo de capitais nos países em fase de industrialização, constatou-se que crescimento econômico e desenvolvimento não eram sinônimos (VEIGA, 2005). Países que tiveram grande crescimento de sua economia (Brasil) não proporcionaram, simultaneamente, acesso das populações mais carentes a itens básicos como saúde, educação, moradia, etc.
Em 1972, o modelo de desenvolvimento via crescimento econômico fordista é posto em cheque na Primeira Conferência Mundial sobre o homem e o meio ambiente, em Estocolmo, Suécia, inaugurando ideias e acordos entre países sob o olhar do tão debatido, ainda hoje, mecanismo do desenvolvimento sustentável. Esse período notabiliza-se pelo “movimento ecológico que desenvolveu-se na esfera pública a partir dos anos 1970, tendo como referência a criação de partidos políticos, os partidos verdes (…)” (VINCENT, 1995, apud BARBIERI, VASCONCELOS, ANDREASSI et al., 2010, p. 147). No Brasil, lutas sociais tomaram a pauta pública, a exemplo da manifestação dos seringueiros e castanheiros na Região Amazônica, com liderança de Chico Mendes, em anseios pelo causa socioambiental (ibid., 2010).
Em 1990, no Brasil, podem-se destacar dois momentos públicos que marcaram a preocupação de um equilíbrio sócio-ecológico: (i) o conjunto de medidas governamentais assinado mediante a conferência global da ONU, ECO-92, em 1992, no Rio de Janeiro, RJ; (ii) a ratificação da atual Constituição Federal, quando dispôs como princípio ambiental constitucional: a Equidade Geracional.
Tal princípio exige a preservação do meio ambiente para as presentes e futuras gerações humanas (art. 225, CF/88), e de ordem econômica, a defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação (art. 170, VI, CF/88). Consolidando, ainda que formalmente, a criação de políticas normativas (leis ordinárias, decretos, portarias, etc.) como mecanismo de proteção e preservação ambiental, e desenvolvimento socioeconômico, tendo em vista a implementação de politicas públicas adequadas à estratégia da sustentabilidade.
O Direito Ambiental Constitucional traz uma nova dimensão temporal às questões ambientais, exigindo-se o seu art. 225, mais que remediação de danos ecológicos pretéritos, mas também o reconhecimento de programas e ações políticas capazes de proteger futuros beneficiários dos recursos naturais. Isto é, uma nova ordem jurídico-política em garantir direitos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado às presentes e futuras gerações humanas, estas vítimas potenciais das violações ecológicas praticadas no agora.
Contudo, ainda era necessário “quantificar” os resultados dessas políticas gerais. Foi preciso criar índices novos para examinar o desenvolvimento. “A renda per capita (PIB) não mais respondia às complexidades que construíam o pensamento do desenvolvimento” (VEIGA, 2005, p. 45). Então, a ONU passou a divulgar o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), em 1990, na tentativa de ampliar os indicadores de desenvolvimento. Uma controvérsia que não terminou até os presentes anos.
Quanto às políticas públicas ambientais, “é possível perceber as incongruências, limites e potencialidades de sua implementação em diversas escalas e em diferentes realidades” (OLIVEIRA, 2012, p. 479). Ocorre que, em via oposta às formulações formais-jurídicas, a problemática da disparidade social e a ausência de ações ou projetos políticos eficientes na preservação do meio ambiente natural permaneceram uma constante no Brasil. A revelar a crescente irracionalidade no uso dos recursos naturais e a presença de distúrbios humanos nos centros urbanos (violência social, drogadição, doenças, corrupção, resíduos sólidos, poluição de rios e córregos). De modo que, preservar os ecossistemas, assegurar meios de qualidade de vida social, crescimento econômico e políticas normativas exequíveis tornaram-se o grande desafio na promoção do desenvolvimento do país.
Igualmente, o termo “desenvolvimento” está envolto em processos de inferiorização, ou pior, destruição de culturas, etnias, animais, vegetais, a um só tempo que o fenômeno da globalização tende à padronização planetária de culturas europeia e estadunidense, “sem que indaguemos acerca dos diferentes modos de sermos iguais” (PORTO-GONÇALVES, 2006, p.64). O “desenvolvimento” aparece, em realidade, como uma esfinge enigmática e voraz, quando, ao se procurar suas respostas, estar-se-á diante de dúvidas, ilusões e realidades distintas. Para tanto, é interessante examinar criticamente tal temática em três formas básicas de respostas à indagação: “o que é desenvolvimento?”.
A primeira resposta trata o desenvolvimento como sinônimo de crescimento econômico. Isso, simplesmente, por tais termos serem medidos através do PIB – Produto Interno Bruto (per capita). A segunda resposta concebe o desenvolvimento como mito, ilusão. Um mero argumento persuasivo empregado como “razão” para todo o tipo de exploração econômica em reforço às disparidades sociais. Por derradeiro, a terceira resposta é mais complexa: é o “caminho do meio”. Logo, deve-se buscar demonstrar que o desenvolvimento não deve ser reduzido ao simples crescimento econômico, muito menos ser tratado como uma ilusão (VEIGA, 2005, p. 15).
Aplicando-se a ideia do desenvolvimento ao Princípio da Equidade Geracional, Juarez Freiras (2012, p.55) questiona: “o que condiciona o desenvolvimento de maneira a ensejar o bem-estar das gerações presentes sem prejudicar a produção do bem-estar das gerações futuras?”
Exige-se à referida questão uma reflexão que transcenda o próprio subjetivo humano para com o uso, e abuso, dos recursos naturais finitos. Igualmente, busca-se atender aos vários critérios de sustentabilidade para atingir o fim do desenvolvimento sustentável; cuidando-se, ao mesmo tempo, do meio ambiente, sem afrontar o social, o econômico, o ético e o jurídico-político (ibidem, p.57).
2.Crescimento econômico sob novas políticas públicas.
Até os anos de 1990, tornou-se quase que um senso comum conceber o crescimento econômico a partir da política do neocapitalismo global, caracterizado pelo forte progresso industrial e tecnológico como sinônimo de desenvolvimento. Uma região, um país dito “desenvolvido” deveria ter inúmeras indústrias propulsoras de economia nos grandes centros urbanos, com ênfase em números positivos de produção em massa de bens e serviços.
No entanto, é um grande equívoco obter a concepção de desenvolvimento como algo tão-somente quantitativo do mundo, consoante nota do diplomata peruano Oswaldo de Rivero (apud, VEIGA, 2005). Para ele, é preciso ter uma visão qualitativa, e não-linear, do progresso social. Ignorar os processos histórico-culturais, as sociedades, os impactos ambientais é um grande erro. Do mesmo modo, o ambientalismo mostra que as atividades antrópicas são limitadas pelos recursos naturais, porque as altas tecnologias esbarram-se na utopia da “dominação ilimitada” da natureza (PORTO-GONÇALVES, 2006, p. 64-65).
Há a utopia quando economistas confundem crescimento econômico com desenvolvimento de uma modernidade capitalista, que não existe nos países pobres, tal quando se faz a aplicação irrestrita do PIB per capta, o comportamento das exportações, a evolução do mercado acionário: um paradoxo do desenvolvimento local e descentralização econômica, social e política. Isto é, muitos experts ou economistas confundem “os movimentos localizados e endógenos de mudança e desenvolvimento” (BUARQUE, 2002, p. 95). Daí, podem-se classificar três grupos de nações: um núcleo orgânico formado pelos países ricos; outro, grande periferia formada por países pobres; por fim, uma semiperiferia constituída por nações “emergentes”.
A questão central é que alguns grupos de países seriam incólumes, ou seja, muito improvável que pertencessem à categoria de “subdesenvolvidos”. Ou, por outro lado, seria difícil que países de “Terceiro Mundo” quebrassem as amarras do mercado neocapitalista e ascendessem de categoria (VEIGA, 2005, p.28).
Para os economistas tradicionais, só seriam países “desenvolvidos” aqueles que conseguissem, através de exploração econômica predatória, acumular petróleo e alimentos: dois recursos cada vez mais importantes diante da explosão do crescimento urbano. Porém, tal constatação não observa outras diretrizes importantes como alfabetização, expectativa de vida, mortalidade infantil, distribuição de renda, moradia, etc. Não se perceberia o mais importante na percepção atual do desenvolvimento: a “Sen-sacional[2]” análise da “liberdade no combate às absurdas privações, destruições e opressões existentes em um mundo de marcado por um grau de opulência que teria sido difícil até mesmo imaginar um ou dois séculos atrás” (ibid., p. 33). Uma noção de mudança fundamental para a sistemática do desenvolvimento é a trazida pelo cientista indiano Amartya Sen: “o desenvolvimento consiste na eliminação de privações de liberdade que limitam as escolhas e as oportunidades das pessoas de exercer ponderadamente sua condição de agente” (SEN, 2010, p. 17). Algo que vai ao encontro dos relatórios anuais da PNUD, pelo que deveria ser entendido como desenvolvimento:
“O desenvolvimento tem a ver, primeiro e acima de tudo, com a possibilidade de as pessoas viverem o tipo de vida que escolheram, e com a provisão dos instrumentos e das oportunidades para fazerem as suas escolhas. E, ultimamente, o Relatório do Desenvolvimento Humano tem insistido que essa é uma ideia tão política quanto econômica. Vai desde a proteção dos direitos humanos até o aprofundamento da democracia (VEIGA, 2005, p. 81).”
Amartya Sen, ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 1998, identificou o desenvolvimento como um comprometimento de ampliação das liberdades individuais. O crescimento econômico é um meio importante para tal fim, mas não é o único. O fomento da educação, dos direitos civis, da saúde, de todos os instrumentos que possibilitem a expansão da liberdade, deve ser buscado. Principalmente, o desenvolvimento promove o “crescimento” do ser humano sobre todas as suas formas. Nesse intuito, destaca-se a necessidade da eliminação de tudo o que vem a ser um obstáculo à expansão da liberdade, pois o que tem de ser combatido são “as fontes de privação de liberdade: pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência de Estados repressivos.” (VEIGA, 2005, p.34).
Amartya Sen (2010, p.18-20) distingue dois tipos de êxito na redução rápida das disparidades sociais: um é o crescimento econômico amplo, rápido e que abranja todas as classes sociais; outro é o custeio de programas sociais de manutenção social dos serviços de saúde, educação, etc. Uma economia dos custos relativos, na qual “uma economia pobre pode ter menos dinheiro para despender em serviços de saúde e educação, mas também precisa gastar menos dinheiro para fornecer os mesmo serviços, que em países ricos custariam muito mais” (VEIGA, 2005, p. 40).
Ocorre que muitas políticas de crescimento econômico (CEPAL, BNDES, Planos de Metas do governo JK, 1960), notadamente de produção voltada para o mercado exterior, adotaram a ideia de “crescimento a qualquer custo”, incluindo, sob impactos ambientais, explorações indevidas de matéria e energia: “uma divergência racional entre eficiência econômica e a eficiência ecológica” (REGO; NASCIMENTO, 2011; MANZINI; VEZZOLI, 2002, apud LOPES, CASAGRANDE, SILVA, 2014, p. 140).
Por fim, dentre essas ideias apresentadas, o desenvolvimento local é o destacável na promoção da mudança social no território, concebendo o desenvolvimento endógeno “como um processo de crescimento econômico implicando em uma contínua ampliação da capacidade de agregação de valor sobre a produção bem como da capacidade de absorção da região, cujo desdobramento é a retenção do excedente econômico gerado na economia local ou a atração de excedentes provenientes de outras regiões” (AMARAL, apud BUARQUE, 2002).
3.Números em prol do “desenvolvimento”.
O problema ainda era a medição do desenvolvimento e, logo, suas comparações futuras por meio de um indicador sintético que representasse a amplitude do termo. Viu-se a necessidade de tratar desenvolvimento como sinônimo de crescimento econômico, apenas a comparar a renda per capita (PIB) ano a ano. Eis que o problema seria muito simples, porém estéreo.
Depois, descobriu-se que desenvolvimento não se traduz, simplesmente, pela forma econômica. Várias perspectivas devem ser verificadas, não se permitindo uma análise tão simplória. Pois, novos e básicos elementos do desenvolvimento precisariam ser abordados, tais como: longevidade, escolaridade, acesso a bens mínimos para uma vida digna e possibilidade de participação cidadã na vida da comunidade (VEIGA, apud PÁDUA, 2009). Nisso, destacaram-se alguns indicadores sintéticos do desenvolvimento. O primeiro foi a renda per capita (PIB) anual; uma simples divisão da “riqueza” produzida pelo contingente populacional. Hoje, pode ser considerado um índice superado pela sua fragilidade e generalização do termo desenvolvimento.
Do mesmo modo, buscando aperfeiçoar o PIB, ou incluir outros exteriores, surge o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Trata-se de uma média aritmética de outros três índices que examinam a renda, a longevidade e a escolaridade da população. No entanto, o problema é que este índice pode não apresentar a informação fundamental se uma comunidade é ou não é desenvolvida. Tanto que, para José Eli da Veiga (2005) é possível existir um primeiro município muito rico e que apresenta péssimas condições de vida e escolaridade, apresentando um IDH maior que um segundo pobre, que possui melhores indicadores de longevidade e escolaridade. O IDH, então, pode apresentar estas distorções aritméticas em divergência com a realidade social nua.
Na trajetória por um melhor índice medidor do desenvolvimento, surgem os índices de quarta geração, a citar dois que merecem atenção: o DNA-Brasil e o IDS (Índice de Desenvolvimento Social). O DNA-Brasil não é propriamente um índice, mas um projeto do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (NEPP/Unicamp) de mobilização nacional em torno de desenvolvimento social e econômico. É uma compilação de 24 indicadores referente a sete dimensões, quais sejam: bem-estar econômico, competitividade econômica, condições socioambientais, educação, saúde, proteção social básica e coesão social. Aliados a estes dados, estariam os ângulos de uma estrela (dados espanhóis). Uma comparação com a Espanha, um país que apresenta grande disponibilidade de informações, que atingiu um alto nível de desenvolvimento em pequeno tempo. Então, quanto mais próximos dos índices espanhóis, mais próximo à figura geométrica da estrela: algo não facilmente aplicável ao Brasil. Enquanto o IDS é um índice que se caracteriza por analisar cinco componentes de igual valor de mensuração: saúde, educação, trabalho, rendimento e habitação. A conter mudanças de gerações entre os índices que procuram quantificar o desenvolvimento. São anexados índices referentes à desigualdade, à habitação, à proteção ambiental, etc. Apesar disso, como observado por Amartya Sen (2010), nenhum índice sintetizará com perfeição o termo desenvolvimento.
Portanto, a basilar função dos índices deve ser a orientação para uma pesquisa mais pormenorizada da realidade empírica de um estudo, considerando que “os vários índices sintéticos apresentados poderão ser muito úteis se servirem apenas de isca para cada uma das dimensões do desenvolvimento seja examinada sem paralelo, de forma que as principais discrepâncias sejam enfatizadas.” (VEIGA, 2005, p. 105).
4.Otimismos sobre a sustentabilidade.
No Brasil, a introdução do conceito de sustentabilidade deu-se primeiro com o estabelecimento das diretrizes básicas para o zoneamento industrial nas áreas críticas de poluição, em 1980, a partir da Lei 6.803. A preocupação com o desenvolvimento sustentável surge logo no artigo 1º: “nas áreas críticas de poluição (…), as zonas destinadas à instalação de indústrias serão definidas em esquema de zoneamento urbano, aprovado por lei, que compatibilize as atividades industriais com a proteção ambiental”.
Nesse período, a consciência ecológica tinha uma tímida força legislativa, mas que não era compatível com tecnologias e novas ciências, quanto mais com o crescimento econômico predatório ou extensivo que se fazia regra no Brasil. Sem embargo de ser, o final do século XX, marcado por significativas reflexões teóricas sobre crescimento e desenvolvimento integral (sociedade e meio ambiente natural) nas agendas políticas “ambientais”.
Quanto à aplicação prática do Princípio da Equidade Geracional, pode-se dizer que o Brasil está carente de valorizar sistemas interativos entre ciência e tecnologia em curto prazo através de investimentos públicos decisivos; do contrário, pois, estar-se-á ou na utopia ou na realidade desastrosa do esgotamento dos recursos naturais (VEIGA, apud PÁDUAS, 2009).
A noção de “sustentabilidade” surge em questão através de três teses. As duas primeiras são extremas (uma antítese da ciência). A terceira, procura um “meio termo” conciliador. Para respondê-las, é preciso uma análise crítica, separada em três formas básicas à indagação: “o que é sustentabilidade?”.
A primeira resposta não vê nenhum dilema entre conservação ambiental e crescimento econômico frente à concepção do que venha a ser sustentável. Isso porque depois de certo crescimento de renda per capita (PIB) a poluição tende a abrandar. Já os seguidores da segunda resposta descrevem o oposto da primeira tese, ou seja, que não é possível haver harmonia entre tal crescimento econômico tradicional e a conservação da natureza, mesmo em longo prazo. Por fim, a terceira tese propõe uma visão não tão otimista sobre a evolução do crescimento tecnológico sob o viés da economia, mas não descarta as formas de conservação ambiental através de alternativas tecnológicas.
Aos que creem no crescimento das riquezas econômicas como permissão para o aperfeiçoamento tecnológico e, por sua vez, da proteção ambiental, tais como Gene Grossman e Alan Krueger (apud VEIGA, 2005), a ideia é uma renda per capita de mais ou menos oito mil dólares o crescimento econômico. Só então, depois de alcançado tal patamar financeiro, o crescimento econômico não iria mais destruir o meio ambiente, senão ajudar a preservá-lo.
Ao revés daquela ideia, numa corrente pessimista, o economista Nicholas Georgescu-Roegen (1976) lançou o alerta de que a economia não poderia ser demonstrada por um processo mecânico e que estaria limitada a leis da termodinâmica. Isto é, a segunda lei da termodinâmica sucumbiria um dia à produtividade econômica, uma vez que os recursos naturais são finitos. Sua explicação sobre a Lei da Entropia merece ser reproduzia:
“No limite, trata-se de algo relativamente simples: todas as formas de energia são gradualmente transformadas em calor, sendo que o calor acaba se tornando algo tão difuso que o homem não pode mais utilizá-lo. Para ser utilizável, a energia precisa ser repartida de forma desigual. Energia completamente dissipada não é mais utilizável. A ilustração clássica evoca a grande quantidade de calor dissipada na água dos mares que nenhum navio pode utilizar. (ibid., p. 39).”
Afirma Georgescu-Roegen que para manter seu próprio equilíbrio, a humanidade retira dos recursos naturais os elementos de baixa entropia (crescimento predatório), e se assim continuar, em um dado momento do futuro, haverá decréscimo produtivo. Ele conclui que a espécie humana não apresenta compromisso com as gerações vindouras (Princípio da Equidade Geracional), pois está determinada a ter uma vida excitante e curta, para, ao final, deixar o Planeta às amebas. Em compensação, o autor sugere que o crescimento econômico atual deve parar. Ademais, pensar que se pode fazer uma tecnologia “milagrosa”, que represente a salvação ecológica, é ignorar o caráter da evolução e da história humana, cujo imbróglio é permanente. Algo longe de ser sanado por um processo físico-químico previsível e controlável, a exemplo de ferver água ou lançar um foguete. O pessimismo roegeneano rejeita a expressão “desenvolvimento sustentável”, onde tal termo deriva de um casamento forçado entre crescimento econômico e preservação ambiental, nos anos de 1960, nos Estados Unidos – país a defender a tese de que a economia certamente será absorvida pela ecologia: algo irreal de acontecer na visão dele, pois crescimento é encurtamento de expectativa de vida da espécie humana.
De outro modo, em divergência ao fatalismo exposto por Georgescu-Roegen, está o economista Robert Solow (apud VEIGA, 2005), um colaborador da teoria do crescimento econômico. Ele indica que o processo produtivo é composto de três noções básicas: trabalho humano, capital produzido e recursos naturais. Sustenta a tese de que a natureza jamais constituirá sério obstáculo à expansão econômica, pois sempre haverá novos meios tecnológicos a restaurar os ecossistemas. Na pior das hipóteses, o que pode advir no futuro são problemas temporários devidos à ausência de algum recurso natural. A expansão será sempre proporcionada pelas invenções. Depois, o crescimento não é limitado pela finitude dos recursos naturais devido à infinidade de inovações.
Para Solow, a sustentabilidade é simples capacidade de produção e reprodução, mesmo que somente justificado no trabalho humano e capital produzido. “É uma visão na qual a ideia de desenvolvimento sustentável acaba sendo absorvida e reduzida a crescimento econômico” (ibid., p. 123). Esse economista neoclássico propõe, então, uma “precificação” dos recursos naturais e uma negociação de bens naturais dentro de um sistema de mercado, pois o valor econômico do recurso (“valor da existência” de troca e gozo) deveria entrar no valor total de um novo elemento denominado “custo-benefício” em variação ao bem-estar humano. Contudo, os adeptos da economia ambiental convencional padecem de cegueira quanto ao valor econômico da diversidade biológica, eis que é a velha tendência de “precificação” de um bem natural que leva ao distanciamento entre crescimento econômico e preservação da natureza. Ademais, “o fortíssimo otimismo tecnológico [de Robert Solow] o leva a pregar pela fraqueza da sustentabilidade” (VEIGA, 2005, p.123).
“A noção usual de sistema econômico consolidou-se justamente pelo crescente distanciamento da natureza. Por isso, toda tentativa de incorporar variáveis ambientais nas contabilidades esbarra em obstáculos conceituais e práticos que acabam tornando os resultados muito suspeitos (ibid., p. 129).”
O uso de técnicas de valoração entre economistas ecólogos de vários temas leva a crítica de Georgescu-Roegen à tese de Solow. Daí merece trazer a ideia de sustentabilidade do Ilustre seguidor de Georgescu-Roegen, o economista Herman Daly (apud VEIGA, 2005). O ideal da sustentabilidade teria oportunidade de obter êxito se a economia modificasse o lamentável horizonte onde os recursos naturais podem ainda ser substituídos por capital (economia convencional). É necessária uma economia estável, mas não inerte. Um crescimento econômico quantitativo, mas não qualitativo. Por isso existe um antagonismo entre economistas convencionais e ecólogos a respeito da sustentabilidade. Daly, de forma pacificadora em um “meio termo”, busca superar o crescimento econômico através de uma ideia formulada por economistas clássicos, a exemplo de John Stuart Mill. É lamentável o ideal predatório vigente na visão de progresso, “enquanto as riquezas forem consideradas como poder, e o tornar-se o mais rico possível for um objetivo universal de ambição, o caminho para chegar a isso seja aberto a todos, sem favorecimento ou parcialidade” (ibid., p.131). Mill propõe que a sociedade estará segura com uma melhor distribuição de renda atingida adequadamente através da prudência, sobriedade dos indivíduos e sistema de legislação que favoreça igualdade de rendas. Sem abrir mão da utilização dos recursos naturais, a exemplo sugestivo do uso de tecnologias avançadas em parceria com a gestão compartilhada entre os vários atores sociais da pesca marinha de lagosta, no litoral nordestino brasileiro (VEIGA, apud PÁDUA, 2009).
Por sua vez, vários autores afirmam que a sustentabilidade somente seria possível em comunidades mais desenvolvidas, cujo nível econômico desse suporte às despesas com preservação ou reparação de recursos ambientais. Simplesmente. À noção de sustentabilidade estaria inserida a definição de renda (per capta), qual o montante máximo que a sociedade pode consumir no ano atual e ainda ser capaz de consumir no ano posterior. Desenvolvimento sustentável, pois, não significaria desenvolvimento sem crescimento econômico (ibid., 2009). A estratégia ambiental, aqui, iniciar-se-ia melhor nos países do “norte”, e no futuro caminharia para os países mais pobres na medida da sua elevação econômica. No entanto, essa visão é pouco “eficiente” quando se discutem organizações inovadoras sustentáveis, isto é, “não é a que introduz novidades de qualquer tipo, mas novidades que atendam as múltiplas dimensões da sustentabilidade em bases sistemáticas e colham resultados positivos para ela, para a sociedade e o meio ambiente” (BARBIERI, 2007, apud BARBIERI, VASCONCELOS, ANDREASSI, et al., 2010, p. 150). De modo que uma acepção de sustentabilidade pelo viés tão-somente econômico seria fraca demais, ou ainda pior, alimentaria a miopia frequente na compreensão da complexa (e inesgotável) noção de sustentabilidade ambiental.
5.Conclusão.
Existem percepções óbvias que não devem ser desprezadas quando se rediscutem temas como desenvolvimento, crescimento econômico, sustentabilidade e meio ambiente. São temas distinguíveis, mas que são caminhos para a explicação do desenvolvimento sustentável de um país.
O desenvolvimento sustentável deve ser concebido, porquanto, como “aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades” (Nosso Futuro Comum, 1991, p.46, apud, MILARÉ, 2011, p.77). Ainda mais quando se vive em sociedades industriais, quando “o crescimento econômico é algo sempre desejado e perseguido por empresários e políticos, o que explicaria a grande adesão que eles deram ao movimento da sustentabilidade” (BARBIERI, VASCONCELOS, ANDREASSI, et al., 2010, p.148).
É óbvio que a má ou insustentável utilização dos recursos naturais para a satisfação das necessidades humanas imediatas comprometerá a possibilidade de vida, ao menos humana; pois, ao que tudo indica, o ser humano está determinado a uma vida curta e excitante, deixando o futuro do planeta para as amebas.
Por outro lado, apesar desse contexto historicamente caótico, a partir da segunda década do século XXI, novas políticas normativas ambientais no Brasil se consolidam progressivamente com a execução de programas, ações e atividades desenvolvidas pelo Estado, direta ou indiretamente. A participação de entes privados que visam assegurar determinado direito de cidadania e meio ambiente, através de um selo verde e seus “isos”, são medidas ecologicamente corretas em seus espaços produtivos, ainda que sob a forma de “marketing ecológico”.
Por fim, a questão central está em como realizar políticas públicas de elevação econômica e social sem destruir o equilíbrio do meio ambiente natural. Muito embora sejam inúmeras as teorias que abordam o desenvolvimento como uma esfinge enigmática. Igualmente, a sustentabilidade é vista, por vezes, como utópica diante do consumismo industrial vigente, quando certos “padrões de vida” são festejados em nome dos “países do norte”, ao passo que abrir mão do conforto material ou preservar o meio ambiente seria o mesmo que o “atraso econômico do sul”. Em verdade, o pessimismo ambiental passa a tomar o lugar do realismo, quando o Princípio da Equidade Geracional não mais encontra sustento para as futuras gerações humanas, ou mesmo direitos quanto ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Tal princípio ainda carece de aplicações e espaço maior nas agendas públicas, estas, por vezes, sob políticas ambientais superficiais e formais.
Informações Sobre o Autor
Diego da Rocha Fernandes
Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente PRODEMA/UFRN. Advogado. Bacharel em Direito – Universidade Potiguar UNP. TÃcnico em GestÃo Ambiental – SENAI. Membro da ComissÃo de Direito Ambiental da OAB/RN