Controle dos Atos Administrativos Discricionários

Resumo: A atuação da Administração Pública está adstrita à fiel execução das leis. Ocorre que existem atos administrativos completamente vinculados ao texto legal e atos discricionários, para a prática dos quais a Administração possui uma margem de liberdade, diante das peculiaridades de cada caso concreto. Nestes casos, cabe ao administrador um juízo de valor, devendo analisar critérios de conveniência e oportunidade. Tratando-se de atos administrativos discricionários que o risco de lesões a direitos e garantias individuais aumenta, de que o administrador ultrapasse os limites da liberdade que a lei lhe confere, praticando atos arbitrários e ilegais. Conclui-se que a motivação, isto é, a exposição dos motivos determinantes do ato, é indispensável, seja nos atos vinculados ou nos discricionários, como forma de prestação de contas do agente público ao povo, titular do poder, permitindo que este fiscalize a atuação de seu representante. A motivação permite à sociedade exercer fiscalização e ainda possibilita o controle jurisdicional. Não se defende ao Judiciário um controle ilimitado, usurpatório. Não cabe ao Poder Judiciário substituir o administrador, mas verificar se este atuou em conformidade com o ordenamento jurídico.

Palavras-chave: Ato administrativo, discricionariedade, controle.

Introdução

O poder estatal, embora uno, indivisível e indelegável, se desmembra em três funções, quais sejam, a legislativa, a judiciária e a administrativa.

À Administração Pública cumpre precipuamente administrar, aplicando a lei de ofício para realizar as finalidades públicas. Para tanto, é necessária a prática constante de atos administrativos, que são manifestações unilaterais de vontade da Administração ou de quem a represente que tenha por fim adquirir, transferir, modificar ou extinguir direitos e obrigações.

Na realização de suas funções, a Administração Pública possuiu prerrogativas, poderes, que, em nome do interesse público, a colocam em posição de superioridade em relação aos particulares.

Em virtude das prerrogativas da Administração Pública, seus atos possuem atributos como a presunção de legitimidade, a imperatividade e a auto-executoriedade, tudo a possibilitar sua validade, obrigatoriedade e execução de forma célere, não se fazendo necessário acionar o Poder Judiciário anteriormente à sua aplicação.

Embora a atuação da Administração Pública esteja adstrita à fiel execução das leis, em obediência ao princípio da legalidade, é necessário ressaltar que existem atos administrativos completamente vinculados ao texto legal e, por outro lado, atos discricionários, para a prática dos quais a Administração possui uma margem de liberdade.

Ante a impossibilidade de a lei prever, exaustivamente, todas as situações vivenciadas na prática administrativa, alguns comandos normativos conferem ao agente público uma certa margem de liberdade para a prática do ato, diante das peculiaridades de cada caso concreto. Nestes casos, cabe ao administrador um juízo de valor, devendo analisar critérios de conveniência e oportunidade, possuindo, assim, maior subjetividade.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro assim conceitua a discricionariedade:

“pode-se, portanto, definir a discricionariedade administrativa como a faculdade que a lei confere à Administração para apreciar no caso concreto, segundo critérios de oportunidade e conveniência, e escolher uma dentre duas ou mais soluções, todas válidas perante o direito.”[1]

Diante de atos administrativos discricionários o risco de lesões a direitos e garantias individuais aumenta, eis que há uma margem maior de possibilidades de atuação O ato praticado sem respeito a limites é arbitrário e ilegal.

Ressalta-se que a Administração Pública ao desempenhar suas funções, exerce atividade em nome de terceiros, representando os interesses da coletividade. Por isso, a sua atuação é limitada por lei e por princípios e deve ser externada de forma a permitir fiscalização, seja pela sociedade ou pelo Poder Judiciário.

No Direito Administrativo, por tratar-se de ramo não codificado, os princípios desempenham relevante papel. Nesse contexto, cabe destacar alguns princípios limitadores da atuação da Administração.

O princípio da legalidade determina a submissão administrativa às exigências normativas, de maneira que o Poder Público possa agir somente nos casos em que a lei permite e de modo a cumprir o que nele encontra-se estabelecido.

Ademais, pelo princípio da supremacia do interesse público, a finalidade a ser alcançada pela Administração Pública encontra-se delimitada não somente pela lei, mas também pela necessidade de se obter a satisfação dos interesses da coletividade. Assim, toda a sua atuação deve pautar-se pela busca do atendimento às necessidades coletivas.

Por outro lado, conforme consignado no parágrafo único do art. 1º da Constituição Federal, “todo poder emana do povo”, razão pela qual influi-se que o poder-dever outorgado a seus representantes nada mais é do que um instrumento entregue à Administração para que esta atue em função do administrado. Como consequência lógica, surge a obrigatoriedade de prestação de contas permanente pelo administrador de seus atos ao titular do poder.

Assim, depreende-se que a motivação, isto é, a exposição dos motivos determinantes do ato, é indispensável, seja nos atos vinculados ou nos discricionários, como forma de prestação de contas do agente público ao povo, titular do poder, permitindo que este fiscalize a atuação de seu representante. Dessa forma, torna-se possível aferir a legalidade dos atos administrativos, bem como controlar sua legitimidade, a partir da análise da congruência do suporte fático e jurídico com a finalidade da norma.

A motivação permite à sociedade exercer fiscalização e possibilita também o controle jurisdicional.

Quanto ao controle jurisdicional, com relação aos atos vinculados há consenso na doutrina de que, sendo todos os seus elementos e requisitos previamente definidos na legislação, cabe ao Poder Judiciário examiná-los a fim de verificar a sua convergência com a lei, não havendo restrições ao controle judicial.

Lado outro, para os atos discricionários, embora não haja consenso, a doutrina majoritária entende que o controle jurisdicional é perfeitamente cabível para aferir a legalidade e verificar se a Administração Pública não ultrapassou os limites da discricionariedade permitida em lei.

Não se defende ao Judiciário um controle ilimitado, usurpatório. Não cabe ao Poder Judiciário substituir o administrador, mas verificar se este atuou em conformidade com o ordenamento jurídico.

Permanece, para os atos administrativos discricionários, um campo intocável pelo Poder Judiciário, que se traduz no mérito administrativo. A análise judicial deve se deter aos aspectos de legalidade e juridicidade, ou seja, se os atos estão de acordo com a lei e com os princípios que regem o Direito Administrativo.

O controle de juridicidade, portanto, vai além do exame da legalidade, consistindo no exame da congruência da valoração dos motivos e da definição do conteúdo do ato administrativo predominantemente discricionário com os princípios jurídicos, como, por exemplo, com o princípio da razoabilidade, da proporcionalidade, da impossibilidade, da moralidade administrativa, da eficiência, da transparência, entre outros.

Ressalva-se, mais uma vez, que não cabe ao Poder Judiciário reexaminar o mérito do ato administrativo, ou seja, não poderá o Poder Judiciário dizer qual a melhor opção, em substituição à opção da Administração, quando a legislação efetivamente lhe conferir faculdade de escolha.

Trata-se de um equilíbrio entre as prerrogativas da Administração Pública, que, em virtude de buscar a finalidade de atender o interesse público, está em posição de superioridade com relação aos particulares, e de sua submissão à lei e aos princípios jurídicos. Tal equilíbrio encerra-se no sistema de freios e contrapesos, pelo qual devem se relacionar as funções estatais.

Como bem definiu Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

“Assim, tem-se de um lado, a Administração Pública que personifica o poder, dotada de prerrogativas de autoridade e, de outro lado, a Administração Pública que personifica um sujeito de direitos subordinado à lei e ao controle judicial. Ora, sendo a Administração Pública, em seus vários aspectos, objeto central do direito administrativo, este se caracteriza essencialmente pela busca de um equilíbrio entre as prerrogativas de autoridade e os direitos individuais”[2]

Frisa-se que a atividade da Administração Pública é limitada pela lei e por princípios integrantes do ordenamento jurídico, de modo a resguardar os direitos dos administrados.

Lado outro, o controle exercido pelo Poder Judiciário não é ilimitado e deve respeitar o mérito dos atos administrativos discricionários, não cabendo ao Poder Judiciário substituir o administrador em sua margem de liberdade, que lhe foi legalmente conferida.

Deve haver, portanto, um controle não meramente legalista, mas de caráter principiológico e teleológico.

Atributos dos atos administrativos

O ato administrativo está sempre atrelado a uma função, a uma finalidade, consubstanciada no interesse público. Para atingir essa finalidade, o ato administrativo possui atributos inexistentes nos atos de direito privado.

A justificação desses atributos reside na relevância dos interesses que incumbem à Administração prover. Por um bem maior, o da coletividade, arma-se a Administração Pública de prerrogativas, na medida em que se façam necessárias para a satisfação do interesse público, dotando os atos por ela editados de atributos que a colocam em posição de supremacia em relação ais administrados. São eles: presunção de legitimidade, imperatividade e autoexecutoriedade.

Assim, há uma presunção de que os atos administrativos foram praticados em conformidade com a lei, com o ordenamento jurídico vigente. Maria Sylvia Zanella Di Pietro, explica trata-se de presunção de legitimidade e veracidade, lecionando que:

“A presunção de legitimidade diz respeito à conformidade do ato com a lei; em decorrência desse atributo, presumem-se, até prova em contrário, que os atos administrativos foram emitidos  com observância da lei. A presunção de veracidade diz respeito aos fatos; em decorrência desse atributo, presumem-se verdadeiros os fatos alegados pela Administração. Assim ocorre com as certidões, atestados, declarações, informações por ela fornecidos, todos dotados de fé pública.”[3]

Lado outro, a imperatividade é o atributo que confere aos atos administrativos a característica de impor-se a terceiros, independente de sua anuência. Ou seja, embora os atos administrativos sejam manifestações unilaterais da Administração, obrigam os particulares.

Por fim, a autoexecutoriedade assegura que o ato administrativo possa ser executado imediatamente pela Administração Pública, não se fazendo necessária intervenção anterior do Poder Judiciário.

Verifica-se, portanto, que os atributos dos atos administrativos possibilitam sua validade, obrigatoriedade e execução de maneira célere e unilateral, colocando a Administração em posição de supremacia em relação aos particulares.

Tal supremacia acentua-se quando trata-se de ato discricionário, em que o administrador possui certa margem de liberdade na sua atuação.

Destarte, imprescindível a análise da discricionariedade administrativa, bem como de seus limites e formas de controle.

Vinculação

O exercício da competência administrativa pode aparecer contida dentro de limites de extrema objetividade, em que o conjunto normativo delimita a forma e a providência que o agente público deve adotar, diante das circunstâncias concretas, para alcançar a finalidade legalmente estabelecida.

Nesses casos, fala-se em atuação vinculada do Poder Público, pois ao administrador não é conferida qualquer possibilidade de avaliação subjetiva, devendo ele se ater aos termos da prescrição legal. A atuação vinculada caracteriza pela existência de uma única solução possível diante de determinada situação de fato. A lei fixa todos os requisitos, os quais a Administração deve tão somente constatar, aplicando o comando normativo, sem qualquer margem de apreciação.[4]

Isto é, trata-se de mero silogismo, decorrendo o ato administrativo da observância dos preceitos legais que minuciosamente regulam todo o processo de declaração da vontade, inadmitindo-se liberdade ou juízo apreciativo do administrador. A previsão normativa é exaustiva e à Administração Pública cabe unicamente reproduzir materialmente o conteúdo da norma legislativa, não lhe sendo possível questionar acerca de oportunidade, conveniência ou conteúdo do ato. O administrador atua somente a constatar a hipótese da norma e aplicar no caso concreto as consequências nela previstas.[5]

Celso Antônio Bandeira de Mello assim define os atos vinculados:

atos vinculados são aqueles que a Administração pratica sob a égide de disposição legal que predetermina antecipadamente e de modo completo o comportamento único a ser obrigatoriamente adotado perante situação descrita em termos de objetividade absoluta. Destarte, o administrador não dispõe de margem de liberdade alguma para interferir com qualquer espécie de subjetivismo quando da prática do ato”.[6]

Ou nos dizeres de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

“esse regramento pode atingir os vários aspectos de uma atividade determinada; neste caso se diz que o poder da Administração é vinculado, porque a lei não deixou opções; ela estabelece que, diante de determinados requisitos, a Administração deve agir de tal ou qual forma.”[7]

Controle dos atos administrativos vinculados

Diante da exigência legal da prática do ato, na ocorrência dos pressupostos estabelecidos normativamente, a Administração Pública tem o dever de agir executando os ditames legais, não sendo permitido qualquer outro comportamento que não aquele previsto em lei.

A ausência de prática do ato, ou seu exercício de modo diverso do que foi estabelecido, gera para os prejudicados o direito subjetivo de se ter o ato corrigido, pela própria Administração Pública ou pelo Poder Judiciário.

As súmulas nº 346 e 437 do Supremo Tribunal Federal explicitam a possibilidade de ser realizado o autocontrole (controle pela própria Administração). Senão, vejamos:

“STF Súmula nº 346 – “A administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos.”

STF Súmula nº 473 – “A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.”

Lado outro, o art. 5º, XXXV da Constituição Federal erige o Poder Judiciário como instância encarregada por excelência de apreciar e solucionar os litígios acasos existentes. Assim, o administrado prejudicado por ato vinculado manifestamente ilegal pode também recorrer às vias judiciárias buscando a anulação do ato.

Uma vez que os elementos do ato estão todos pré-definidos em lei, qualquer desobediência a um destes determina sua ilegalidade, ensejando a correção.

O controle pelo Judiciário nos casos dos atos vinculados é amplo e irrestrito, porquanto será analisada a congruência dos seus elementos com os aspectos definidos em lei, declarando a sua nulidade quando constatada qualquer desconformidade.

Discricionariedade

A Administração Pública, para o desempenho de suas funções, dispõe de uma série de prerrogativas que, com maior ou menor grau de liberdade, são manejadas para a consecução de seus fins.

Apesar de em um Estado Democrático de Direito a atuação do Poder Público ser limitada por lei e princípios, a dinâmica social impede a previsão exaustiva de todas as situações de possível ocorrência. Resta claro que não é possível ao legislador pontuar minuciosamente cada passo do agente público, dada a riqueza dos fatos sociais que ensejam a atuação administrativa.

Com efeito, o Poder Legislativo não consegue acompanhar a mutabilidade social, devendo ser concedidos legalmente à Administração Pública os meios necessários para garantir-lhe uma flexibilidade adequada que lhe permita agir diante de novas realidades.

Por isso, paralela à vinculação, que limita e cerceia a atividade administrativa ao juízo de constatação da hipótese legal, existe a discricionariedade, consubstanciada na prerrogativa do administrador de eleger a melhor solução para a consecução da finalidade pública, nos casos em que a lei lhe confere uma margem de liberdade.

Os particularismos e nuances da realidade não podem ficar contidos em juízos hipotéticos de verificação, pois caso o legislador previsse normativamente todas as situações, estaria o Poder Executivo cerceado pelo Poder Legislativo.

Assim, verificando o legislador que é necessário dar margem para uma análise casuística ao administrador, não se prefixa o conteúdo de todos os atos, dando ao agente público a possibilidade de decidir, mediante critérios de oportunidade e conveniência, qual a melhor solução para a consecução da finalidade pública.

A discricionariedade é, desta maneira, o instrumento conferido à administração Pública para adequar sua atuação em face das novas necessidades coletivas e mudanças ocorridas no âmbito social. A discricionariedade é justificada pela necessidade de se obter uma Administração efetiva, sem que seu exercício seja engessado pela função legislativa.

O conceito de discricionariedade é apresentado por Celso Antônio Bandeira de Mello nos seguintes termos:

“discricionariedade, portanto, é a margem de liberdade que remanesça ao administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos cabíveis, perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução adequada à satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente, uma solução unívoca para a situação vertente.”[8]

A definição formulada por Di Pietro é mais usual entre os administrativistas, por conter o elemento “faculdade de escolha”, bem como os critérios de “conveniência e oportunidade” que orientarão tal escolha. In verbis:

“a atuação é discricionária quando a Administração, diante do caso concreto, tem a possibilidade de apreciá-lo segundo critérios de oportunidade e conveniência e escolher uma dentre duas ou mais soluções, todas válidas perante o direito.”[9]

Queiró, por fim, conceitua o ato discricionário relacionando-o com a existência de conceitos imprecisos no texto legal:

“trata-se de uma faculdade de escolher uma entre várias significações contidas num conceito normativo prático, relativo às condições-de-fato do agir administrativo – escolha feita sempre dentro dos limites da lei. Esta escolha é feita livremente pela Administração, entendendo-se aqui por liberdade aquilo que vimos de expor.”[10]

Dos conceitos de discricionariedade abordados, depreende-se ao menos um elemento comum: a liberdade de escolha, sempre limitada, por critérios que são variáveis conforme a concepção de cada autor. É na liberdade de escolha que se manifesta a subjetividade do administrador.

Controle dos atos administrativos

Discricionários

A discricionariedade administrativa, em decorrência da margem de liberdade conferida à Administração Pública para a edição de seus atos, pode ensejar abusos e desvios.

Todavia, é inaceitável a antiga idéia de que os atos administrativos discricionários são insuscetíveis de controle e revisão pelo Poder Judiciário. O controle, inclusive jurisdicional, se estende a esta categoria de atos, visando evitar e coibir os abusos praticados em nome da livre apreciação e da conveniência e oportunidade do administrador, como forma de garantia do administrado em face da atuação unilateral do Poder Público e em respeito ao Estado Democrático de Direito.

Desvio de poder – controle pela finalidade legal

A atuação do Poder Público está submetida à determinação legal, de tal modo que a atividade administrativa é considerada lícita apenas nos casos em que a lei permite, da maneira que indica, visando sempre à consecução dos fins nela pré-determinados. É assim, atividade funcional serviente da concreção da finalidade legal para satisfação dos interesses da coletividade:

“O fim, – e não a vontade, – domina todas as formas de administração.

Supõe, destarte, a atividade administrativa a preexistência de uma regra jurídica, reconhecendo-lhe uma finalidade própria. Jaz, conseqüentemente, a administração pública debaixo da legislação, que deve enunciar e determinar a regra de direito.”[11]

A finalidade legal limita o poder discricionário da Administração Pública. O plexo de poderes que é conferido ao agente público será disponibilizado e mobilizado somente diante de circunstâncias específicas, visando à realização de determinados fins, através de certas formas. Caso tais poderes sejam manejados fora daquelas circunstâncias, em desacordo com a finalidade legal ou através de formas diferentes daquelas legalmente estabelecidas, esta atuação será fora da competência do agente público. Configura-se, assim, o que se denomina de desvio de poder.

O desvio de poder configura o descompasso da atividade administrativa com a finalidade legal estabelecida, seja finalidade em sentido amplo, consistente no interesse público a ser atingido por qualquer medida administrativa, ou em sentido estrito, considerada como aquela específica para cada ato administrativo. A não observância de qualquer uma delas vicia o ato.

Assim, quando ocorre o desvio de poder, a atividade administrativa transgride a lei por não ter atendido a finalidade nela prevista. É, portanto, um vício de legalidade, que enseja a correção jurisdicional.

Ressalta-se que o desvio de poder não ocorre nos casos que o agente público era incompetente para a prática do ato. Nesta situação, verifica-se um vício de ordem formal, que macula o ato em sua própria formação. Já na hipótese de desvio de poder, o agente é competente, porém atua em desacordo com a finalidade legal.

Verifica-se este tipo de vício em duas situações específicas: quando pratica-se um ato administrativo visando a atingir finalidade diversa daquela estabelecida em lei; e também quando o agente atinge fim público, porém em desacordo com aquele pré-determinado pela regra jurídica. A primeira hipótese caracteriza as situações em que o ato é praticado pelo agente administrativo tendo em vista um fim pessoal. É típico de atos emanados por favoritismos ou perseguições, onde se evidencia não somente o desvio de poder, mas também o desvio de intenção do próprio agente. Os interesses da coletividade são relegados a segundo plano, prevalecendo o interesse particular do agente público.

O desvio de poder, desta forma, viola também o princípio da impessoalidade estabelecido na ordem jurídica nacional, que veda a concessão de benefícios ou perseguições a terceiros, em detrimento do interesse público

“Contudo, a Administração Pública tem como norma básica a proteção de interesses coletivos, ainda que peculiares a grupos definidos em lei e, por esta forma, submetidos a tratamento especial.

O princípio da impessoalidade repele atos discriminatórios que importem favorecimento ou desapreço a membros da sociedade em detrimento da finalidade objetiva da norma de direito a ser aplicada.

Não é indiferente, porém, a Administração Pública a personalidade do administrado. O que se veda é a personificação de seus atos na medida em que abandonem o interesse público para conceder favores ou lesar pessoas ou instituições.

Em síntese, a atividade administrativa pode, em certos casos deve, distinguir entre pessoas, em função de peculiaridades que a lei manda observar. Não poderá jamais discriminar entre elas, sobrepondo o juízo personalista à objetividade legal de tratamento.”[12]

Já nos casos em que a atuação administrativa atinge um fim público em desacordo com aquele preestabelecido configura-se também o desvio de poder. Tem o administrado a segurança de que determinado plexo de poderes será direcionado para a consecução não de qualquer fim público, mas daquele exigido para determinada circunstância, que foi assim considerado adequado e satisfatório para uma dada situação. A competência é deferida ao agente não para atingir qualquer finalidade pública, mas aquela especificamente considerada em lei para aquele ato.

Por constituir-se o desvio de poder em um vício objetivo, de legalidade, o controle pelo Poder Judiciário do ato emanado em desvio de poder não invade a esfera do mérito, sendo, portanto, um controle de legalidade que não agride a chamada liberdade administrativa.

Teoria dos motivos determinantes – Controle pela motivação e motivos do ato discricionário

O motivo, elemento facultativamente discricionário do ato administrativo, se refere à situação de fato ou de direito que autoriza a expedição daquele ato. Ocorrendo o pressuposto fático, a Administração Pública encontra-se autorizada a adotar a medida cabível àquela circunstância.

Quando a lei é omissa na expressão dos motivos, cabe ao agente público, no exercício de competência discricionária, escolher ou indicar os motivos que embasam a expedição do ato. É o que se denomina de motivação, que corresponde, assim, à exposição da situação fática ou jurídica que autorizou a atuação do Poder Público em face do caso concreto. A validade do ato fica condicionada à existência da situação que foi exposta.

O cerne da questão gira em torno da necessidade ou não de se motivar o ato administrativo.

Em décadas anteriores, era forte o entendimento doutrinário de que a motivação não é obrigatória nos atos administrativos discricionários. Contudo, atualmente, esse entendimento já não possui o mesmo respaldo. O Estado Democrático de Direito (art. 1º da Constituição Federal), o princípio da publicidade (art. 37 da Constituição Federal) e a garantia do contraditório (art. 5º da Constituição Federal) impedem que qualquer ato administrativo possa ser editado sem motivação.

Florivaldo Dutra de Araújo encerra a necessidade de fundamentação da atuação dos agentes públicos essencialmente no princípio democrático. Vejamos:

“Prestar contas dos fundamentos tácitos e jurídicos, sobre os quais se assenta o desenvolvimento dessas funções, em cada manifestação de vontade, pelos agentes públicos, é, no Estado que se pretenda democrático, imperativo inarredável, seja para o legislador, para o juiz ou para o administrador .”[13]

Ademais, a Lei nº 9.784/99, que regula o procedimento administrativo, em seu art. 50, explicita a necessidade de motivação dos atos administrativos, não diferenciando entre vinculados ou discricionários.

Frise-se, ainda, que o art. 93, X, também da Constituição Federal, obriga que o Poder Judiciário, no exercício de função atípica, motive suas decisões administrativas. Com mais razão, portanto, a Administração Pública (Poder Executivo, principalmente), no exercício de sua função típica, deverá, obrigatoriamente, motivar todos os atos administrativos que editar.

A motivação é, portanto, exigida para qualquer ato e possui fundamental importância para o controle dos atos discricionários, tendo o Supremo Tribunal Federal já manifestado sobre o tema: “O ato administrativo discricionário torna-se arbitrário e nulo por falta de motivação legal.[14]

Assim, a motivação do ato viabiliza o controle pelo Poder Judiciário, ficando sua validade condicionada a existência efetiva dos motivos indicados. É o que se denomina de “teoria dos motivos determinantes”.

A indicação de motivos falsos, inexistentes ou incoerentes vicia o ato, ensejando a sua invalidação, podendo o ato ser apreciado pelo Poder Judiciário, que anulará a medida administrativa. É vício não passível de convalidação pelo Poder Público, uma vez que a lisura de sua atividade estava diretamente atrelada à situação explicitada.

O controle pelo Poder judiciário será feito averiguando materialmente a existência do motivo, bem como a sua correspondência com a providência adotada. Através da motivação, é possível verificar a existência e a veracidade dos motivos indicados, bem como analisar a adequação entre tais motivos e o resultado obtido. Ou nos dizeres de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

“a motivação é, em regra, necessária, seja para os atos vinculados, seja para os atos discricionários, pois constitui garantia de legalidade, que tanto diz respeito ao interessado como à própria Administração Pública; a motivação é que permite a verificação, a qualquer momento, da legalidade do ato, até mesmo pelos demais Poderes do Estado. (…)”[15]

Assim, pela motivação, o agente justifica a sua atividade administrativa indicando os pressupostos fáticos e de direito que determinaram sua atuação. Dessa maneira, ela representa o meio pelo qual se demonstra que a escolha feita restringiu-se aos limites legais, sendo o instrumento de verificação dos limites estabelecidos à discricionariedade.

Princípios – limitações à discricionariedade

A discricionariedade implica em liberdade de apreciação pela Administração Pública em relação à oportunidade e conveniência para tomar determinada medida. É um regime de liberdade vigiada, limitada pela lei.

Contudo, não apenas a lei limita a atividade do Poder Público, mas os princípios que informam todo o Estado Democrático, decorrentes implícita ou explicitamente da ordem constitucional brasileira. A escolha pela Administração Pública não se atém somente aos ditames legais, mas a todo um conjunto principiológico que informa e sobre o qual encontra-se assentado todo o ordenamento jurídico nacional, e ao qual se submete o Poder Público.

Não somente o ato discricionário praticado em desconformidade legal será eivado de nulidade, mas também toda atividade discricionária que desobedeça a qualquer um dos princípios integrantes do ordenamento jurídico, estejam eles expressos ou não.

Ao deliberar sobre as medidas a serem adotadas, principalmente quando se fala de ato discricionário, o agente público deve pautar sua escolha não somente por critérios de conveniência e oportunidade, mas também por valores de probidade e moralidade que regem sua atuação.

Lado outro, é igualmente fundamental verificar a razoabilidade, que informa a adequação entre os meios e fins, considerando os fatos que ensejaram a decisão administrativa. No conteúdo do ato administrativo, deve haver adequação lógica e proporção entre meios e fins.

Para a validade e eficácia de um ato administrativo, é necessária a adequação entre a medida adotada e os motivos que ensejaram, fundamentaram a atuação da Administração Pública. A moralidade está relacionada com a conduta do agente em valorar e declarar os motivos reais que ensejaram sua atuação, enquanto que a razoabilidade indica adequação lógica entre eles e o conteúdo do ato

Evolução do entendimento doutrinário sobre o controle jurisdicional dos atos administrativos

O entendimento doutrinário predominante há décadas atrás entendia que a Administração Pública apenas tinha o dever de motivar a edição de atos administrativos vinculados ou sob expressa exigência legal. Mas não havia qualquer controle sobre os atos discricionários. Durante muito tempo vigorou no Direito Administrativo a regra da não obrigatoriedade de enunciar os motivos que ensejaram a edição de atos administrativos discricionários, se assim a lei não impusesse.

Posteriormente, embora permanecesse majoritário o entendimento de que não era obrigatória a motivação dos atos administrativos discricionários, considerava-se que os motivos eventualmente apresentados condicionavam a validade do ato e ensejavam o exame do mesmo pelo Poder Judiciário. Foi nesta época que surgiu e começou a se firmar a “teoria dos motivos determinantes.”

A doutrina evoluía no sentido de exigir a motivação, mormente nos casos que o ato restringia exercício de direitos, aplicava sanções e anulava e revogava sanções.

Segundo a teoria dos motivos determinantes, os motivos apresentados pelo agente público como razões de sua atividade condicionavam a validade o ato e vinculavam o próprio agente. Assim sendo, mesmo considerada a não obrigatoriedade de motivar o ato, se o agente o fizesse, a inexistência dos fatos, a falsa subsunção destes ao preceito legal, ou mesmo a inexistência da previsão legal, prejudicariam a validade do ato, eivando-o de vícios.

Os motivos determinantes estariam consubstanciados em determinadas situações de fato ou de direito que recomendariam a edição de determinado ato administrativo. Esses integrariam a validade do ato. Assim, a invocação de motivos fáticos inexistentes, falsos ou incorretamente qualificados viciaria o ato, mesmo quando a lei não houvesse estabelecido, antecipadamente, os motivos que ensejariam a prática do ato. Com o passar do tempo, a teoria dos motivos determinantes ganhou adeptos e se fortaleceu.

Frise-se que com a modificação do próprio modo que passou a ser enxergado o Estado e as relações de poder (“teoria da representação”, o povo como titular do poder) ensejou mudança na forma de se pensar o controle dos atos administrativos.

A partir de então, era entendida como regra geral o dever de motivar o ato discricionário, admitindo-se, contudo, algumas exceções. Passou a considerar-se que os motivos invocados integram a validade do ato, sujeitando-os ao controle judicial, tendo como fundamento a teoria dos motivos determinantes.

Nessa linha de raciocínio, Hely Lopes Meirelles defende que, em virtude da ampliação do princípio do acesso judiciário (CF, art. 5º, XXXV), conjugado com o da moralidade administrativa (CF, art. 37, caput), a motivação é, em regra, obrigatória. Para o autor, apenas quando a lei dispensar ou quando a natureza do ato for com ela incompatível, a motivação não seria necessária. O agente público está obrigado, então, na atuação vinculada ou na discricionária, a demonstrar a existência do motivo, caso contrário o ato será inválido ou, pelo menos, anulável, por ausência de motivação.

No que se refere à evolução do entendimento sobre o controle dos atos administrativos, na fase seguinte, predominante até a atualidade, passou-se a entender que há o dever de motivar todos os atos administrativos, que estão sujeitos a controle exercido pelo Poder Judiciário.

No entendimento do Supremo Tribunal Federal, motivação é necessária em qualquer ato administrativo. Ressalta-se, mais uma vez, que a própria Constituição Federal exige que até as decisões administrativas dos Tribunais sejam motivadas (art. 93, X, CF/88). Se o Poder Judiciário é obrigatório motivar, no exercício de função atípica, não há como conceber esteja o administrador desobrigado de motivar os atos administrativos emitidos no exercício de sua função típica.

Portanto, é entendimento dominante que, independente da existência de aspectos vinculados ou discricionários do ato, a motivação é indispensável à sua legitimidade.

É de fundamental importância reconhecer a obrigatoriedade de motivação dos atos administrativos, sejam discricionários, sejam vinculados, pois que a motivação que permite analisar da pertinência da medida, principalmente nos casos de atos administrativos discricionários. De igual forma, a motivação permite analisar se o ato foi legítimo, legal, proporcional, em suma, se cumpriu a finalidade pública geral e especifica embasada pelo ordenamento.

Observa Diógenes Gasparini que a discussão sobre o dever de motivar qualquer ato administrativo

“parece resolvida com o advento da Lei federal n. 9784/99, que regula o processo administrativo no âmbito federal. Pelo art. 50 dessa lei todos os atos administrativos, sem qualquer distinção, deverão ser motivados, com a indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos.

Assim, tanto os atos administrativos vinculados como os discricionários devem ser motivados. O fato desse artigo elencar as situações em que os atos administrativos devem ser motivados não elide esse entendimento, pois o rol apresentado engloba atos discricionários e vinculados”[16]

Quanto ao controle, o Poder Judiciário pode examinar os atos da administração de qualquer natureza, sejam gerais ou individuais, unilaterais ou bilaterais, vinculados ou discricionários, sempre sob o aspecto da legalidade e por parâmetros principiológicos e teleológicos.

Nos ditos atos vinculados, não existe restrição ao controle jurisdicional – sendo seus elementos e requisitos definidos previamente na legislação, cabe ao Judiciário examiná-los para verificar se convergem com a lei, ou para que decrete a nulidade do ato, caso contrário.

Acerca dos atos possuidores de aspectos discricionários, o controle judicial é perfeitamente cabível para aferir a legalidade e verificar se a administração não ultrapassou os limites da discricionariedade. Não se defende ao judiciário um controle ilimitado, usurpatório. Não cabe ao judiciário substituir ao administrador, mas verificar se esse atuou em conformidade com os princípios e normas do ordenamento jurídico.

Há de se ressaltar que a evolução na doutrina e jurisprudência no tocante a discricionariedade e controle jurisdicional não autorizou o juiz a perscrutar, de modo irrestrito, a atuação do administrador. Permanece, quando da discricionariedade, um campo intocável pelo Poder Judiciário, traduzido pelo mérito administrativo – a análise do juiz se deterá sob o aspecto da legalidade e da juridicidade – no âmbito legal e principiológico.

O que antes estava restrito ao controle de legalidade estrita, evoluiu para amparar um conceito muito mais amplo, o de juridicidade. Não basta que a atuação do administrador esteja em conformidade com a legislação – é necessário também que esteja em conformidade com os princípios constitucionais – valores máximos do nosso Estado Democrático de Direito. Em última análise, o controle de legalidade dos atos administrativos deu lugar ao controle constitucional, e a legalidade é agora apenas um dos princípios a serem respeitados pela atuação administrativa.

O controle de juridicidade vai além do exame de legalidade, consiste no exame da congruência da valoração dos motivos e da definição do conteúdo do ato administrativo predominantemente discricionário com os princípios jurídicos, como, por exemplo, com o princípio da proporcionalidade, da impessoalidade, moralidade e probidade administrativa, princípio da máxima transparência, da confiança e boa-fé, da segurança jurídica, princípio da eficiência, etc.

Ressalve-se, mais uma vez, que remanesce a impossibilidade do controle jurisdicional de mérito. Não cabe ao Poder Judiciário reexaminar o mérito do ato administrativo, vale dizer, não poderá o Poder Judiciário dizer qual a melhor opção, em substituição à opção da Administração, quando efetivamente a norma lhe conferir uma faculdade de livre escolha.

Juarez Freitas sintetiza de forma brilhante o equilíbrio entre a amplitude e limites do controle jurisdicional. A saber:

“No encalço de reforçar tal relação mutuamente vitalizante dos princípios e das normas administrativas, jamais se deve colhera impressão de que se esteja a preconizar um controle destemperado, absoluto ou usurpatório, tampouco o abandono de precauções e cautelas quanto às regras formais. Bem ao revés.

A compreensão do papel do controlador sistemático dos atos administrativos, com ênfase para os princípios, nada mais representa do que a adequada ciência do sistema jurídico,, que somente existe se tal ênfase for respeitada. Pressupõe-se o saber de que,subjacente às exigências formais, oculta-se invariavelmente uma teleologia que requer, para ser desvendada, a inteligência ponderada para bem operar a junção dos princípios e das normas. Desta maneira, todos os cuidados são imprescindíveis, no lidar com os atos administrativos, para bem cumprir o desiderato de, rigorosamente, compatibilizá-los com a totalidade dinâmica e axiológica, regente das relações de administração ”[17]

A par deste entendimento, atualmente majoritário, há um posicionamento divergente, minoritário, segundo o qual além do dever de motivar todos os atos administrativos, não há limites para o controle judicial – exclui a discricionariedade ao afirmar que sempre exige um único comportamento ótimo para a Administração.

O princípio da moralidade, elevado a categoria de princípio constitucional, segundo o referido entendimento, teria rompido com os limites ao controle jurisdicional do ato administrativo. A moralidade exigida do administrador seria incompatível com a discricionariedade.

Tal posicionamento não encontra guarida na maior parte da doutrina, ao argumento de que haveria aí patente inconstitucionalidade ao se colocar o juiz como substituto do administrador público, invadindo função precípua constitucionalmente definida.

Considerações finais

A discricionariedade não comporta mais os antigos entendimentos de que era absoluta e estava isenta de qualquer apreciação pelo Poder Judiciário. Os órgãos judicantes não podem se eximir de apreciar questões sob a mera alegação de que se tratam-se de atos discricionários.

A própria atividade administrativa não pode ser pensada em termos de poder, mas sim de dever de consecução da finalidade legal para satisfação do interesse público. É atividade desempenhada sempre no intuito de outrem, ainda que seja deferida, pela norma, uma margem de liberdade ao agente público.

Tem o particular a garantia de que seus direitos e interesses serão respeitados em face da atuação unilateral do Estado. Assim, o ato administrativo lesivo, vinculado ou discricionário, será apreciado pelo Poder Judiciário.

Tratando-se de ato vinculado, o exame pelo Poder Judiciário pautará sobre a verificação da conformidade da medida administrativa com o que foi prescrito pela norma.

Reconhecido que o ato é discricionário, o Poder Judiciário terá então que verificar, não obstante a liberdade conferida à Administração Pública, se a atividade administrativa ateve-se aos limites estabelecidos, considerando as formas de controle anteriormente expostas.

Pela motivação, o Poder Judiciário examina a conformidade do conteúdo do ato com as alegações expendidas pela Administração Pública. A desproporção, inadequação ou inexistência dos motivos expostos com a medida praticada viciam e tornam o ato nulo.

E ainda, todo o conjunto de princípios que informa o ordenamento jurídico nacional pode ser levantada para questionar a validade dos atos discricionários.

A discricionariedade, abrangendo as situações de liberdade de escolha e de intelecção dos conceitos imprecisos, fica assim bastante restrita, e o controle dos atos discricionários torna-se assim um controle amplo, mas que deve também ser exercido com cautela, sob o risco de não se ter uma “ditadura judicial”. A última palavra caberia ao judiciário para determinar até que ponto iria a discricionariedade da administração pública e daí a própria possibilidade da medida ser controlada.

O critério da razoabilidade serve como parâmetro para verificação dos limites da discricionariedade.

Referências
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DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1988. São Paulo: Atlas, 1991.
FREITAS, Juarez. O Controle dos Atos Administrativos e os Princípios Fundamentais. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999.
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MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 13ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001.
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MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Legitimidade e Discricionariedade. Rio de Janeiro: Forense, 1991.
QUEIRÓ, Afonso Rodriguez. A teoria do “Desvio de Poder” em Direito Administrativo. Coimbra, 1942.
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TÁCITO, Caio. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 1975.
 
Notas:
[1] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1988.  1991, p.40.

[2] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1988.  1991, p. 9.

[3] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo.  22ª ed. 2008, p. 197-198.

[4] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo.  22ª ed. 2008, p. 212.

[5] GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo Fernandez Tomás-Ramón.  Curso de Direito Administrativo. 1991, p. 389.

[6] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 2001. P.339.

[7] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo.  22ª ed. 2008, p. 212.

[8] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e Controle Jurisdicional. 2000, p.48.

[9] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo.  22ª ed. 2008, p. 212.

[10] Queiró, Afonso Rodriguez. A teoria do “Desvio de Poder” em Direito Administrativo. 1942, p. 77-78.

[11] CIRNE LIMA, Ruy. Princípios de direito administrativo brasileiro. 1982, p.22.

[12] TÁCITO, Caio. Vinculação e Discricionariedade. Revista de direito administrativo, São Paulo, v. 205, n. 95, p. 125-130, jul./set. 1996 (p. 129).

[13] ARAÚJO, Florivaldo Dutra de. Motivação e Controle do Ato Administrativo.  1992, p. 20.

[14] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 69.486. Relator: Thompson Flores. Acórdão de 18 de Nov. de 1970. Revista de direito administrativo, Rio de Janeiro, v. 108, p.276-302. Abr./jun. 1972.

[15] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo.  22ª ed. 2008, p. 211

[16] GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo.  5ª ed. 2000, p. 60.

[17] FREITAS, Juarez.. O Controle dos Atos Administrativo e os Princípios Fundamentais.  2ª ed. 1999, p.20.


Informações Sobre o Autor

Maíra Costa Val Fajardo

Graduada em Direito na Universidade Federal de Minas Gerais. Pós-graduação pela PUC/MG em Ciências Penais e pela FIJ/IGES em Direito Administrativo. Analista do Ministério Público de Minas Gerais


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