Resumo: Esse artigo se propõe a identificar documentos formais que fazem parte do modelo orçamentário na constituição de 1988: Plano Plurianual – PPA; Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO; Lei Orçamentária Anual – LOA, bem como, a estrutura e as etapas definidas para a apreciação do orçamento com intuito de analisar as correntes doutrinárias referentes no tocante a participação no Poder Legislativo no processo, com foco nas emendas parlamentares, haja vista críticas quanto à pertinência do referido instrumento, uma vez que, eventualmente, em tese, o uso de emendas parlamentares individuais no Brasil tem sido moeda de troca de favores entre os Poderes Executivo e Legislativo e seu eleitorado, em detrimento do interesse público, afrontando-se o princípio da moralidade administrativa. O trabalho demonstra, ainda, a inadequação dos atuais instrumentos através dos quais o Estado estabelece vínculos de colaboração com as Organizações da Sociedade Civil. Analisar-se-á a Lei Federal 13.019/2014, como proposta capaz de ampliar a transparência, legalidade, impessoalidade e isonomia na escolha das entidades parceiras, concluindo-se que caso a lei seja aplicada as parcerias oriunda de recursos via emendas parlamentares o problema do direcionamento será minimizado e consequentemente a possibilidade de corrupção. O estudo possuirá como fundamento metodológico à verificação de textos, artigos e livros que guardem relação com o tema pesquisado, sendo utilizados dispositivos legais específicos e jurisprudência.
Palavras-chave: orçamento público; emendas parlamentares; transferências voluntárias, Lei 13019/2014.
Abstract: This article aims to identify formal documents that are part of the budgeting model in the 1988 Constitution : Multiyear Plan – PPA ; Budget Guidelines Law – LDO ; Annual Budget Law – LOA , as well as , the structure and steps defined for the consideration of the budget . Analyze the doctrinal trends related to Brazilian budget , especially regarding participation in the legislative branch in the process , focusing on congressional amendments , given criticism of the relevance of this instrument , since eventually , in theory , the use of parliamentary amendments individual in Brazil has been the currency of exchange of favors between the executive and legislative powers and its electorate , to the detriment of the public interest , defying the principle of administrative morality . The work also demonstrates the inadequacy of current instruments by which the state establishes links of collaboration with Civil Society Organizations . It will examine the Federal Law 13,019 / 2014 , as proposed able to improve transparency , legality, impartiality and equality in the choice of partner agencies , concluding that the resources deriving partnerships if the law is enforced through congressional amendments problem directing be minimized and consequently the possibility of corruption . The study will have as a methodological foundation for the verification of texts, articles and books that relate to any researched the topic , specific legal provisions and jurisprudence being used .
Keywords: public budget ; parliamentary amendments ; voluntary transfers , Law 13019/2014 .
Sumário: 1. Introdução; 2. Orçamento público na constituição federal de 1988; 2.1 Ciclo orçamentário 2.2 da emenda parlamentar; 3. Transferências voluntárias a entidades privadas sem fins lucrativos; 3.1. Alterações na formalização de parcerias com entidades privadas – lei 13019/2014; 3.1.1 do fomento e da colaboração; 3.1.2 do chamamento público. Conclusão. Referências.
1 Introdução
Com intuito de contextualizar a formalização de emendas Parlamentares, identificar-se-á os documentos formais que fazem parte do modelo orçamentário na constituição de 1988: Plano Plurianual – PPA; Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO; Lei Orçamentária Anual – LOA, bem como, a estrutura e as etapas definidas para a apreciação do orçamento, com ênfase a participação do poder legislativo.
A Constituição Federal de 1988 autoriza – art. 166 parágrafos 2º e 4º, que os legisladores, como representantes do povo, participem de modo direito na elaboração do Orçamento Público via emenda parlamentar.
O mandamento constitucional tem natureza de repetição obrigatória, sendo o assunto, em tese, legislado nas Constituições Estaduais e Leis Orgânicas dos Municípios.
As Emendas parlamentares são transferências intergovernamentais, ou seja, descentralizações de recursos federais, acrescidas à Lei Orçamentária Anual por solicitações de parlamentares individuais, bancadas ou comissões. Trata-se de despesas não-vinculadas, de finalidade não previamente determinada. Em âmbito municipal as emendas às leis orçamentárias são propostas de alteração de texto que se encontra em tramitação.
Nessa ótica, viabiliza-se que o Poder Legislativo participe das discussões referente ao planejamento do orçamento e descentralize voluntariamente recursos a instâncias locais com maior proximidade das demandas sociais.
No entanto, a doutrina vem destoando quanto à pertinência do referido instrumento, haja vista que, eventualmente, em tese, o uso de emendas parlamentares individuais no Brasil tem sido moeda de troca de favores entre os Poderes Executivo e Legislativo e seu eleitorado, muitas vezes em detrimento do interesse público, ocorrendo desvio de finalidade pública, afrontando-se o princípio da moralidade administrativa.
Posições mais moderadas entendem a importância das emendas, tanto pela participação do Poder Legislativo no planejamento, quanto pela necessidade de descentralização de recursos, entretanto, defende-se o aumento da transparência e controle.
Pretende-se enquadrar a problemática sob a ótica da ordem principiológica da Constituição Federal de 1988, já que, muito embora haja autorização legal, pois a referida descentralização é autorizada pela própria Constituição e Lei Orgânica dos Municípios, evidencia-se que o instituto afronta os princípios constitucionais, fato hábil a se considerar as emendas inconstitucionais.
Serão analisadas propostas que visem ampliar a transparência das transferências voluntárias mediante parceria decorrentes de emendas parlamentares, bem como apresentar sugestões para se efetivar maior nível de transparência, através do chamamento público.
O estudo possuirá como fundamento metodológico à verificação de sites oficiais, textos, artigos e livros que guardem relação com o tema pesquisado. Na área legislativa, a legislação existente e principalmente as alterações trazidas pela Lei Federal 13.019 – sancionada em julho de 2014, que entrará em vigor, em tese, em julho de 2015.
A nova legislação visa ampliar a isonomia, legalidade, moralidade, impessoalidade e publicidade na escolha das entidades parceiras, concluindo-se que, com a aplicação nas parceiras público – privada o problema do direcionamento será minimizado e consequentemente a possibilidade de corrupção.
2 Orçamento público na constituição federal de 1988
A Constituição Federal de1988 define, nos arts. 165 a 169, o modelo orçamentário brasileiro, cuja base é à ligação entre o planejamento e a fixação de despesas para determinado exercício, materializando-se em três documentos formais: Lei do Plano Plurianual (PPA), Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e Lei Orçamentária Anual (LOA).
O papel medular dessas leis é integrar as atividades de planejamento e orçamento, aspirando sucesso da atuação governamental.
O ciclo orçamentário corresponde a um período de quatro anos, inicia-se com a elaboração do PPA e termina com o julgamento das prestações de contas apresentadas pelo Poder Executivo e julgadas pelo Poder Legislativo. É um processo com várias etapas, contínuo e articulado, por meio dos quais os orçamentos são discutidos, elaborados, aprovados, executados, avaliados e julgados.
A competência para elaboração dos projetos de lei do PPA, da LDO e da LOA é exclusiva do Poder Executivo, – art. 35, parágrafo segundo, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT[i].
2.1 ciclo orçamentário
Conforme Manual técnico do Orçamento (2014). O ciclo orçamentário se inicia com a elaboração do projeto de lei do PPA no primeiro ano de governo do presidente, governador ou prefeito, e vigora a partir do ano seguinte até o primeiro ano de mandato do próximo governante, de forma a garantir a continuidade administrativa, sendo permitidas alterações durante a vigência, desde que apreciadas pelo Legislativo.
Por conseguinte são definidas as metas e prioridades do governo através da LDO que dita as regras para a formulação do LOA.
Na LOA o governo demonstra todas as receitas e despesas para o ano seguinte, composta de três documentos, também chamados de esferas: fiscal, seguridade social e investimento das empresas estatais.
O projeto da lei orçamentária deve ser aprovado pelo Congresso Nacional até o dia 31 de dezembro, a programação poderá ser executada para o atendimento das despesas que constituem obrigações constitucionais e legais da União.
A doutrina critica o modelo orçamentário estabelecido, principalmente no que tange à LDO, por ser autorizativa, ou seja, a efetivação das despesas não é obrigatória. Nesse sentido, cita-se jurisprudência do STF[ii]:
“O simples fato de ser incluída, no orçamento uma verba de auxílio a esta ou àquela instituição não gera, de pronto, direito a esse auxílio; […] a previsão de despesa, em lei orçamentária, não gera direito subjetivo a ser assegurado por via judicial.”
Por outro lado, outros autores ressaltam o avanço trazido pela Constituição Federal de 1988 no tocante a regulamentação da matéria orçamentária, principalmente pela garantia de harmonia entre os documentos.[iii]
A Constituição Federal de 1988 devolveu ao Congresso Nacional a prerrogativa de participar efetivamente do orçamento, instituindo uma comissão mista e permanente de senadores e deputados para tratar da matéria referente ao PPA, à LDO, à LOA e aos créditos adicionais, bem como às emendas a eles apresentadas.
O Congresso Nacional criou, pelo Regimento Comum, a Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização – CMO, regida pela Resolução nº 01, de 2001 – CN, até o exercício de 2006, quando foi baixada a Resolução nº 1, de 2006 – CN, posteriormente modificado pelas resoluções 03/2008-CN e 03/2013 – CN.
Além das competências previstas da Constituição Federal, a Lei de Responsabilidade Fiscal atribui a CMO o exame e emissão de parecer sobre o acompanhamento e fiscalização da execução orçamentária e financeira e da gestão fiscal.
O interesse da matéria orçamentária a nível federal é nacional, haja vista repasses aos Estados Municípios e Distrito Federal, seja por constarem do projeto elaborado pelo Poder Executivo e por inclusão de emendas de parlamentares.
Além disso, a regra orçamentária tem natureza de repetição obrigatória, portando, os estados e município, apesar de legitimados para legislar sobre suas próprias leis orçamentárias, devem seguir as linhas definidas na Constituição Federal de 1988.
2.2 da emenda parlamentar
A Constituição Federal de 1988 autoriza – art. 166 parágrafos 2º e 4º, que os legisladores, como representantes do povo, participem de modo direito na elaboração do Orçamento Público via emenda parlamentar, representando uma forma de efetiva participação do Congresso Nacional no processo orçamentário.
O mandamento constitucional tem natureza de repetição obrigatória, sendo o assunto, em tese, legislado nas Constituições Estaduais e Leis Orgânicas dos Municípios. Nessa ótica viabiliza que o Poder Legislativo, de todos os entes federados, participem das discussões referentes ao planejamento do orçamento, através de propostas de alteração de texto que se encontra em tramitação.
Helena Daltro Pontual explica que as emendas parlamentares feitas na Lei Orçamentária Anual (LOA) – enviada pelo Executivo ao Congresso anualmente –, são propostas por meio das quais os parlamentares podem opinar ou influir na alocação de recursos públicos em função de compromissos políticos que assumiram durante seu mandato, tanto junto aos estados e municípios quanto a instituições. Tais emendas podem acrescentar suprimir ou modificar determinados itens (rubricas) do projeto de lei orçamentária enviado pelo Executivo.
As emendas à LDO devem ser compatíveis com o PPA vigente, que é hierarquicamente superior, e as emendas à LOA subordinam-se a ambos, as quais devem obedecer às regras estabelecidas pela Constituição Federal: a) não aumentar o total de despesas previsto no orçamento; b) a inclusão de nova despesa, ou aumento de despesa já prevista, só pode ser acatada se houver a indicação de recursos provenientes do cancelamento de outra programação; c) proibição de cancelamento de recursos de despesas com pessoal, benefícios da previdência, transferências constitucionais, juros e amortização da dívida pública.
Em definição as Emendas parlamentares são transferências intergovernamentais, descentralizações de recursos federais, acrescidas à Lei Orçamentária Anual por solicitações de parlamentares individuais, bancadas ou comissões. Trata-se de despesas: não-vinculadas, de finalidade não previamente determinada, compatíveis com o Plano Plurianual do quadriênio que estão inseridas e com as demais disposições aprovadas anualmente.
Contudo, a doutrina vem destoando quanto à pertinência do referido instrumento, haja vista que, eventualmente, em tese, o uso de emendas parlamentares no Brasil tem sido moeda de troca de favores entre os Poderes Executivo e Legislativo e seu eleitorado, muitas vezes em detrimento do interesse público, ocorrendo desvio de finalidade pública, afrontando-se o princípio da moralidade administrativa. Nesse sentido Maurício Requião:
“A emenda individual é uma criação, um dedo do jeitinho brasileiro, no sistema. O executivo é o responsável pelo ordenamento de despesas e pelo “como e onde” aplicar os recursos. As emendas parlamentares foram um jeito de agradar os congressistas e dar a eles um pequeno poder gestor e executivo. É a emenda que traz o poder ao parlamentar de escolher para onde vai e quanto vai destinar de recursos aos municípios de sua base. Como disse, esta não é função do legislativo, e sim do executivo.”
Ainda comenta que por se tratar de “favor” do executivo ao legislativo, as emendas são de execução facultativa, sendo discricionário o pagamento. E essa discricionariedade na liberação de recursos é, muitas vezes, usada como moeda de troca:
“uma espécie de cheque pré-datado para a cooptação do parlamento pelo executivo. O parlamentar que votar com o governo ganha o empenho (pagamento) de suas emendas. Hoje, quando o governo, tanto o federal como estadual, em quase todos os estados, precisa de uma aprovação no legislativo, ele libera um percentual destas emendas para que a oposição vote com o governo.”
No ponto, destaca-se que tramita no congresso nacional uma Proposta de Emenda à Constituição- PEC 358/13, que pretende transformar o orçamento de facultativo a impositivo, a proposta pretende que a execução das emendas individuais seja obrigatória ao orçamento da União até o limite de 1,2% da receita corrente líquida realizada no ano anterior.[iv]
No entanto, consideramos que muito embora o orçamento impositivo possa diminuir, em tese, a troca de favores entre o executivo e o legislativo, não diminuirá os possíveis fins eleitorais, em relação ao legislativo e eleitorado, além disso, a função precípua do legislativo não é a execução de política pública e sim a fiscalização dos recursos públicos.
Em contrapartida, alguns defensores das emendas consideram-na como uma atividade legítima, inserida no contexto dos papéis típicos do Legislativo, e desperta a maior atenção dos parlamentares e das bancadas estaduais. Isto ocorre em razão de ser esta a oportunidade para realizar alocações de recursos em benefício das localidades que representam.[v]
Destaca-se que em 2014, a lei orçamentária da União Lei 12.952/14 destinou R$ 8,72 bilhões em emendas (R$ 14,68 milhões por parlamentar).[vi] Como visto, trata-se de um valor significativo e não se pode esquecer que, como todo o orçamento, as verbas provenientes de emendas parlamentares são verbas públicas, assim, devem se compatibilizar aos princípios da administração Pública e jamais poderiam ser direcionados a interesses pessoais do legislativo, ou com intuito “eleitoreiro”.
Com essa breve explanação sobre emenda parlamentares, iniciaremos um estudo sobre o possível direcionamento de verbas públicas provenientes de emendas parlamentares a entidade sem fins lucrativos, em que se pretende identificar possíveis alternativas como forma de combate à corrupção.
3 Transferências voluntárias a entidades privadas sem fins lucrativos
Uma das formas de parceria entre a administração pública e entidades da sociedade civil sem fins lucrativos é o repasse financeiro feito através de transferências voluntárias, assim chamada por não se constituir em transferências constitucionais ou legais.
A lei de responsabilidade, em seu artigo 25, conceitua transferências voluntarias: “entrega de recursos correntes ou de capital a outro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorra de determinação constitucional, legal ou os destinados ao Sistema Único de Saúde”.
Muito embora o conceito citado não inclua no rol de transferência às entidades privadas sem fins lucrativos, infere-se da doutrina que tais repasses se enquadram como tal no plano orçamentário. Nesse sentido, SALINAS (2008): “o repasse de recursos da União às entidades privadas sem fins lucrativos a título de cooperação, auxilio ou assistência financeira que não decorra de determinação legal é denominado transferência voluntária”.
As transferências voluntárias são formalizadas através de instrumentos jurídicos próprios, cujos principais são: convênios, termos de parceria e o contrato de repasse, todavia a Lei 13.019/2014, com vigência programada para julho de 2015, altera significativamente o procedimento das parcerias entre o poder público e as entidades da sociedade civil, surgindo dois novos instrumentais para a formalização das parcerias: o termo de colaboração e o termo de fomento, sendo o convênio restringido as parcerias governamentais.
3.1 alterações na formalização de parcerias com entidades privadas – Lei 13.019/2014:
O chamado Marco Regulatório das Entidades da Sociedade Civil – Lei 13.019/2014, publicada em 31 de julho de 2014, teria inicialmente um período de “vacatio legis” de 90 dias, conforme determinado no artigo 88, todavia antes de entrar em vigor o artigo foi alterado através pela Medida Provisória nº 658, de 29 de outubro de 2014, prorrogando-se o prazo de entrada em vigor da lei para julho de 2015, o período de vacatio legis de 90 dias passou para 360 dias da publicação oficial.
A nova legislação expressa uma tentativa de resposta aos arranjos que podem ensejar corrupção ou ausência de critérios no acesso aos recursos públicos. Como dito, trata-se de um mecanismo jurídico que regula as parcerias entre o poder público e as entidades privadas sem fins lucrativos.
Produzida com participação de gestores e entidades representativas, a nova legislação supre um cenário de insuficiências jurídicas e institucionais nas relações entre entidades privadas sem fins lucrativos e administração pública:
“Durante os estudos, constatou-se que há fortes divergências entres os órgãos públicos a respeito do tratamento de questões sensíveis relacionadas aos convênios. Essa situação agrava-se ainda mais no caso das entidades privadas sem fins lucrativos, já que os normativos existentes – art. 116 da Lei 8.666/93, Decreto nº 6.170/07 e Portaria Interministerial MPOG/CGU/MF nº 507/2011 – ainda não regulam de maneira adequada as peculiaridades desta relação.(…)
5. Como se verá em detalhes nesta Nota Técnica existem entraves para a execução das parcerias com as entidades privadas sem fins lucrativos, em razão principalmente da (i) instabilidade legislativa, já que grande parte das normas aplicáveis é infralegal e tem sido alterada de maneira bastante recorrente e da (ii) existência de lacunas jurídicas falta de clareza nas regras que têm dado margem à aplicação de analogias impróprias, criando situações de risco não apenas para as entidades, mas também para os gestores públicos.[vii]”
Em sucinta análise, concluímos que o Marco Regulatório pretende: a) estabelecer o regime jurídico das parcerias voluntárias, envolvendo ou não transferências de recursos financeiros, entre a administração pública e as organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público; b) definir diretrizes para a política de fomento e colaboração; c) instituir o termo de colaboração e o termo de fomento; d) limitar a figura dos convênios às relações entre entes federados (União, Estados, Municípios e Distrito Federal e suas entidades indiretas); e) tonar obrigatório o prévio Chamamento Público para escolha da entidade parceira; f) exigir experiência, capacidade técnica, operacional da entidade que postula a parceria; g) dispensar a contrapartida financeira como requisito para celebração de parceria; h) maior transparência com a determinação de publicação anual dos valores orçamentários destinados às parcerias entre estado e entidades da sociedade civil sem fins lucrativos, i) criação de comissões de monitoramento e avaliação; j) regras mais simplificadas de prestação de contas;
Portanto, seu mérito é estabelecer mecanismos e instrumentos mais transparentes e democráticos na relação público/privado. Para melhor visualização das alterações referidas, passaremos a expor os novos instrumentais à transferência voluntárias– fomento e colaboração – que substituirá o então vigente convênio, que permanece somente entre as transferências governamentais.
3.1.1 do fomento e da colaboração
A Constituição de 1988, em vários dispositivos, prevê o dever do Estado de fomentar atividades desenvolvidas por particulares. Tais dispositivos estabelecem que a atividade administrativa de fomento esta relacionada à atuação complementar do particular, que age na consecução indireta de interesses públicos, com intuito não lucrativo, sob o regime do direito privado parcialmente derrogado por normas de direto público.
Em relação à lei infraconstitucional a atividade de fomento já era prevista nas leis 91/35 e 4.320/64. Esta traz regras sobre direito financeiro, prevê concessão de auxílios, contribuições e subvenções às entidades privadas sem fins lucrativos, já a lei de 19/35 estabelece requisitos para que determinada entidade seja declarada de Utilidade Pública Federal.
Na lei 13.019/2014 os instrumentais estão definidos nos artigo 2º, inciso VII e VIII, e artigos 16 e 17[viii]:
A colaboração e o fomento se diferenciam somente pela iniciativa: no primeiro o ente público analisa a necessidade do serviço, abre chamamento público para selecionar os melhores projetos, já no segundo a iniciativa é da própria sociedade que traz a ideia ao ente público, que avaliará o interesse e sendo a proposta considerada relevante, abrir-se-á chamamento público para a seleção das parcerias. Ressalta-e que essa nova ótica utilizar-se-á de critérios objetivos e equiparação de oportunidades às entidades.
Nesse sentido o Boletim Técnico nº 78 – 2014 –da Delegação de Prefeituras Municipais:
“São os instrumentos jurídicos que formalizam as parcerias voluntárias entre a Administração Pública e as organizações da sociedade civil, para a consecução de finalidades de interesse público e em regime de mútua cooperação. Ambos são precedidos de chamamento público para a seleção da OSC. A diferença fundamental entre ambos, conforme art. 2º, incisos VII e VIII, é que o Termo de Colaboração deverá ser utilizado nas parcerias propostas pela Administração Pública, enquanto o Termo de Fomento será cabível quando a parceria for proposta pelas próprias OSC.”
Aline Magalhães Soares em analise ressalta:
“Ao instituir o Termo de Colaboração para a execução de políticas públicas e o Termo de Fomento para apoio a iniciativas das organizações – instrumentos próprios e adequados para as relações de parceria entre o Estado e as OSCs, em substituição aos convênios – a lei reconhece de forma inovadora essas duas dimensões legítimas de relacionamento entre as organizações e o poder público.”
Conclui-se, portanto, que Fomento e Colaboração são instrumentos passíveis de ser celebrado entre a Administração Pública e as entidades privadas sem fins lucrativos para realização de projeto ou atividade de interesse público ou de relevância social de iniciativa da própria entidade privada, ou que contribua para o alcance de objetivos e metas governamentais, sejam de natureza continuada ou não, e ocorra em caráter complementar à atuação do poder público. Sendo obrigatória para a formalização, de ambos, a seleção através de Chamamento Público.
3.1.3 do Chamamento Público
As parcerias entre o poder público e as entidades sem fins lucrativos através do fomento e da colaboração serão efetivados por meio de um procedimento denominado chamamento público.
A lei 13.019/14 conceitua o chamamento público como: “procedimento destinado a selecionar organização da sociedade civil para firmar parceria por meio de termo de colaboração ou de fomento, no qual se garanta a observância dos princípios da isonomia, da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos;”
A nova lei veio reafirmar e tonar obrigatória à necessidade do chamamento público, todavia, o instituto não é novo, haja vista previsão anterior em legislações esparsas.
O chamamento público foi introduzido no ordenamento jurídico por meio do Decreto 7.568/11, que alterou o Decreto 6.170/07, e também, previsto na Portaria Interministerial n.º 507 que regulamenta os convênios, os contratos de repasse e os termos de cooperação celebrados pelos órgãos e entidades da Administração Pública Federal com órgãos ou entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos, que envolvam transferência de recursos financeiros oriundos do Orçamento Fiscal e da Seguridade Social da União.
Depreende-se das normas, aplicáveis aos convênios e contratos de repasse, a obrigatoriedade de realização de chamamento público à formação de parceria para execução descentralizada de atividades com entidades privadas sem fins lucrativos, na medida em que o Decreto nº 6.170, de 2007 prevê que “a celebração de convênio ou contrato de repasse com entidades privadas sem fins lucrativos será precedida de chamamento público” e a Portaria Interministerial nº 507, de 2011, dispõe que “a formação de parceria para execução descentralizada de atividades, por meio de convênio ou termo de parceria, com entidades privadas sem fins lucrativos deverá ser precedida de chamamento público ou concurso de projetos”. As normas referidas trazem critérios e aspectos a serem observados na análise das propostas, além das informações que o edital deve conter, bem como a sua publicidade.
Contudo, apesar da legislação vigente, a matéria sempre causou polêmica, não havendo uma conclusão definitiva quanto à obrigatoriedade ou não do procedimento para celebração das parcerias, sendo que a regra nem sempre é observada, principalmente no âmbito Municipal, desse modo, o surgimento da Lei 13.019/2014, com vigência em âmbito Nacional, surge como um divisor de águas nas relações público – privadas, uma vez que torna, em regra, o chamamento público obrigatório para todos os entes federados, além disso, a nova legislação alterou a Lei de Improbidade Administrativa – Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992[ix], constituindo crime a não obediência as regras dispostas na Lei 13.019/14.
Através da nova legislação o chamamento público deixa de ser discricionário para o gestor, a seleção ganha importância e deverá ser precedida da fase de planejamento, privilegiando a transparência e a isonomia na contratação.[x]
Conclui-se que a legislação em comento inaugura um capítulo promissor na democracia brasileira, tão comprometida, pelos escândalos de corrupção, resta saber agora se a lei, realmente, será aplicada.
Conclusão
O que se coloca em pauta é se a Lei 13.019/14 será aplicada às parcerias realizadas com entidades privadas sem fins lucrativos, na hipótese de recursos com indicação em lei orçamentária, proveniente de emenda parlamentar. O questionamento se relaciona à necessidade de realização de chamamento público previamente à celebração das referidas parcerias.
O art. 3º, inciso II, da referida lei, aduz que não se aplicam as exigências da lei: “às transferências voluntárias regidas por lei específica, naquilo em que houver disposição expressa em contrário;”
Entendemos que a celebração da parceria, nos moldes anunciados, depende da realização do chamamento público, porque a hipótese de indicação nominal da entidade privada na lei orçamentária não figura como hipótese do artigo 3º, bem como não caracteriza como exceção de dispensa prevista no art. 30 da lei 13019/14[xi], além disso, consideramos que a indicação nominal fere o princípio da impessoalidade na administração pública, haja vista, que o parlamentar em tese, deve estar preocupado com o interesse público, e não com qual entidade deverá receber o recurso.
Desse modo, vislumbra-se que a parceria não poderá ser pactuada diretamente com a entidade privada beneficiada por emenda parlamentar, conforme ocorre, em virtude da necessidade de realização do Chamamento Público previsto na Lei 13.019/14.
Contudo, na legislação vigente, uma vez que a Lei 13.019/14 só entrará em vigor em julho de 2015, não existe posicionamento pacificado, havendo total discricionariedade nas parcerias decorrentes de emendas parlamentares, sendo as escolhas feitas mediante critérios de natureza pessoal. Assim, as críticas ao sistema são corriqueiras, haja vista que, muitas vezes, ocorre desvio de finalidade pública, afrontando-se o princípio da moralidade administrativa.
Em alguns municípios, há direcionamento das emendas propostas pelos vereadores na Lei Orçamentária Anual, muitas vezes o recurso é destinado a instituições que carecem de profissionalismo e os projetos não atendem a real demanda do Município.
Assim na prática, tem-se uma negociação entre a entidade privada e o vereador de sua preferência, que lhe destinará verbas públicas. Os recursos são destinados aos fundos inseridos aos Conselhos Municipais afetos a diversas áreas, tais como: Assistência Social, Criança e Adolescente, Pessoa Idosa e Pessoa com Deficiência. O papel dos conselheiros é analisar a documentação e o projeto da entidade e caso aprovado, a administração pública dá prosseguimento à formalização do convênio.
Na prática, admitem-se verbas casadas ou vinculadas, através da indicação pelo vereador dos projetos/entidades a serem beneficiadas com os recursos por eles destinados, geralmente como condição ou fator determinante da destinação.
Entretanto, tal direcionamento, apesar de concebidas e admitidas, significam usurpação indevida da função deliberativa dos Conselhos de Direitos, uma vez que, por antecipação, permitem ao vereador indicar qual entidade ou projeto será contemplado com recurso proveniente da emenda.
Consideramos que a prática, subverte o papel dos Conselhos de Direitos, que, abrem mão da autonomia e poder de decisão, prerrogativas indisponíveis dos conselheiros[xii], em favor da vontade pessoal do parlamentar, que nem sempre são as mais justas ou legítimas.
Evidente, portanto, que o direcionamento de verbas públicas afronta aos princípios da administração pública, sobretudo as normas de direito financeiro e orçamentário aplicáveis aos entes federados.
Infere-se da nova sistemática trazida pela Lei 13.019/14 a pretensão de se estabelecer, através de diagnóstico da sociedade que representam, quais áreas de atendimento devem ser priorizadas, bem como um sistema equânime para habilitação das entidades parceiras , com regras objetivas de seleção vinculada a um diagnostico objetivo da realidade territorial e não mais através de escolha de cunho pessoal.
A nova legislação visa ampliar a isonomia, legalidade, moralidade, impessoalidade e publicidade na escolha das entidades parceiras, concluindo-se que, com a aplicação nas parceiras público – privada o problema do direcionamento será minimizado e consequentemente a possibilidade de corrupção.
Desse modo a aplicação dos recursos proveniente de emendas parlamentares, assim, como em toda política pública, deverá obedecer aos princípios formais da administração pública e nortear-se pela finalidade precípua da Administração, que é o atendimento do interesse público.
O Brasil enfrenta dificuldades de fiscalização e grande quantidade de escândalos sobre malversação dos recursos advindos de emendas nas últimas décadas. Pires (2005), em que pese o presente artigo não estabelecer relação causal entre emendas e a corrupção, considera-se necessário à ampliação da transparência e do controle sobre as aprovações e execuções de emendas parlamentares em todos os entes federados, sob pena de corroborar com a corrupção no país e perpetuar o direcionamento verbas públicas.
Informações Sobre o Autor
Sandra Mara Likes
Advogada; Graduada em Direito Pontifícia Universidade Católica do Paraná 2012; Especialista em Direito Previdenciário – Universidade Anhanguera-Uniderp em parceria LFG 2013