Homicídio e lesões corporais de agentes de segurança pública e forças armadas: alterações da Lei 13.142/15

Resumo: Comentários à nova Lei 13.142/15

O Direito Penal Simbólico e a Magia Legislativa continuam firmes e fortes em nosso Congresso Nacional. Depois da famigerada Lei 13.104/15 que criou a inútil figura do “feminicídio” em uma demagogia legislativa tremenda, [1]agora eis que surge a Lei 13.142/15, apresentando um novo homicídio qualificado classificado como crime hediondo para os casos em que a vítima for integrante das forças armadas ou de segurança pública (artigos 142 e 144, CF). Também aumenta a pena para os casos idênticos de lesão corporal e torna a lesão corporal gravíssima e a lesão corporal seguida de morte crimes hediondos sempre que perpetrados nas mesmas circunstâncias objetivas e subjetivas preconizadas pela lei. Além disso, essa “especial proteção” legal é estendida a parentes e cônjuges ou companheiros dos agentes.

Antes de iniciar o estudo das alterações legais sob o prisma meramente técnico, é preciso deixar claro por que este é mais um capítulo do Direito Penal Simbólico, da Magia Legislativa e da Demagogia Legislativa brasileira.

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A questão está principalmente na divulgação do diploma como uma inovação e aumento de rigor punitivo nos casos de homicídios de integrantes das forças armadas e de segurança pública, bem como seus familiares próximos, cônjuges e companheiros em razão ou no exercício da função. A previsão dessa conduta como homicídio qualificado e, consequentemente, como Crime Hediondo, é alardeada aos quatro ventos.

Em primeiro lugar, a suposta “alteração” legislativa não passa de mais uma atuação cosmética. Não se trata e nem poderia, sob pena de violação do Princípio da Igualdade na proteção do bem jurídico vida humana, qualificar um homicídio e torná-lo hediondo somente pelo fato de que a vítima ocupa uma determinada função pública, ainda que ligada à segurança nacional ou pública. Não há justificativa para uma discriminação nesses casos. Uma vida humana não pode ter valor diferenciado de acordo com o cargo ou posição social do indivíduo. [2]

Tendo em mente a premissa acima, o legislador corretamente estabelece que não é somente o fator objetivo de que a vítima do homicídio seja agente das forças armadas ou de segurança pública ou mesmo seus parentes, cônjuges ou companheiros que vai qualificar o crime e o tornar hediondo. Exige o dispositivo um elemento subjetivo da conduta, qual seja, que a morte tenha se dado em razão ou no exercício da função. Ou seja, o autor do homicídio, para responder pela “nova” qualificadora, deve matar o agente das forças armadas ou de segurança, seus parentes, cônjuges ou companheiros porque tem em mente essa função por ele exercida.

Mas, se assim é, então não se trata de novidade alguma. Um crime que tal sempre foi qualificado na legislação penal brasileira ou por “motivo torpe” (artigo 121, § 2º., I, CP) ou “para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime” (artigo121, § 2º., V, CP).

Antes do advento da Lei 13.142/15, imagine-se que um sujeito matasse um policial por vingança devido à sua prisão pretérita. Comprovado esse elemento subjetivo, estaria configurada a qualificadora do “motivo torpe”. Ou então, imagine-se que num confronto com forças estatais, um infrator matasse um policial ou um integrante das forças armadas, por exemplo, para conseguir passar pela fronteira com contrabando. Ora, estaria configurada a qualificadora do homicídio perpetrado para assegurar a execução de outro crime, no caso, o contrabando. Por derradeiro, imagine-se que alguém matasse um parente próximo, cônjuge ou companheiro de agente público por vingança ou represália à sua atuação funcional. Estaria novamente claro e evidente o “motivo torpe” do homicídio. Os exemplos poderiam seguir “ad infinitum”. E nem se diga que antes não havia a menção expressa da “proteção legal” aos agentes das forças armadas e de segurança pública, porque este é apenas um elemento objetivo do tipo que de nada serve sem a motivação subjetiva da conduta. Ou seja, para essa mudança vale a frase cômica popular: “nada, nada, é nada mesmo”!

Uma breve passada de olhos pela doutrina e jurisprudência demonstra com clareza solar a verdade do que foi exposto no parágrafo anterior:

Com primeira edição em 1948, Nelson Hungria já deixava consignado que o “motivo torpe” é aquele “que mais vivamente ofende a moralidade média ou o sentimento ético – social comum. É o motivo abjeto, ignóbil, repugnante, que imprime ao crime um caráter de extrema vileza ou imoralidade”. Ora, matar um policial, por exemplo, por vingança devido ao cumprimento de seu dever funcional não se encaixa desde sempre nessa circunstância? Matar um agente da segurança pública por, por exemplo, “vaidade criminal” (firmar-se como um “matador de policial”), não é desde sempre outro exemplo de motivo torpe? [3]

Sem ainda precisar abandonar os clássicos, Mestieri também apresenta a “vingança” como exemplo típico de “motivo torpe”, indicando farta jurisprudência neste sentido. [4] O mesmo autor segue exemplificando a qualificadora da conexão do homicídio com outros crimes com o seguinte caso: um sujeito tenta estuprar uma mulher, outro intervém para impedi-lo e ele mata o interveniente para lograr a consumação do estupro. Trata-se de morte para assegurar a execução de outro crime, no caso o estupro. Observe-se que se esse interveniente morto for um policial, o crime obviamente é qualificado também. [5] E não por causa da Lei 13.142/15, já que Mestieri escreve em 1970.

Mas, será que não houve uma suposta evolução ou alteração nos entendimentos doutrinário – jurisprudenciais? Será que os autores modernos não interpretam de outra forma a situação enfocada? A resposta é, por obviedade, negativa.

Mirabete e Fabbrini elencam tal qual seus antecessores, a “vingança” como exemplo de “motivo torpe”. Eles fazem menção à vingança devida a “desentendimentos anteriores entre o agente e a vítima”. Ora, esses desentendimentos não podem ser prisões ou investigações levadas a cabo por agentes de segurança pública? É claro que sim. [6] Os mesmos autores para exemplificarem o homicídio conexo a outro crime como qualificado expõem a atuação daquele que mata “para fugir à prisão em flagrante”. Na maioria desses casos o morto será um policial, até porque em termos processuais penais, as Autoridades Policiais e seus agentes estão obrigados a prender quem quer que esteja em flagrante, enquanto isso constitui para qualquer outro do povo uma simples faculdade (Flagrante Compulsório e Flagrante Facultativo previstos no artigo 301, CPP). [7]

Ao analisar a chamada “conexão teleológica” (homicídio praticado para assegurar a execução de outro crime), Greco exemplifica com a morte de um “vigilante” para a prática de roubo. Basta substituir o “vigilante” por um “policial” e a mesma razão para a qualificadora estará presente de forma escancarada. [8]

Por seu turno, Bitencourt apresenta como exemplo de homicídio qualificado por conexão a conduta do “sonegador que mata o fiscal que o surpreende”. [9] A questão aqui é interessante porque um fiscal é também um agente estatal como membros das forças armadas ou de segurança pública. Se o crime se qualifica quando este é morto no exercício ou em razão de sua função, o mesmo não deve sempre ocorrer com os demais? Então novamente se indaga: o que foi que mudou com o advento da Lei 13.142/15?

Conforme já visto, a jurisprudência não vem destoando dessas orientações que demonstram a inocuidade da Lei 13.142/15:

“Configura-se a agravante do homicídio cometido para assegurar a ocultação, impunidade ou vantagem de outros crimes, se o acusado, para forrar-se à confrontação com a autoridade pública a qual, pelo seus antecedentes criminais em investigação, sabia ser-lhe desvantajosa, resiste e atira mortalmente no policial que o detinha” (TJSP – Rec. – Rel. Acácio Rebouças – RT 446/387).

Parece estar mais do que demonstrado que realmente a qualificação especial do homicídio e sua suposta ereção a crime hediondo pela Lei 13.142/15 não passa de fumaça de efeito especial, tiro de festim, engana – trouxa na dicção popular.

Não obstante, a previsão de um aumento de pena de um a dois terços para a lesão corporal nos mesmos casos ora estudados é realmente uma inovação (novo § 12, do artigo 129, CP). Também o é a previsão da lesão corporal gravíssima (artigo 129, § 2º., CP) e da lesão corporal seguida de morte (artigo 129, § 3º., CP) nas situações em destaque como crimes hediondos (novo artigo 1º., I-A, da Lei 8.072/90).

Há aqui realmente um recrudescimento da legislação quando tais crimes são perpetrados contra agentes da segurança pública ou membros das forças armadas e seus cônjuges, companheiros e parentes próximos no exercício ou em razão das funções.

Será que por isso a atuação legislativa é menos simbólica? Talvez um pouco menos, mas não perde esse seu caráter – ou seria falta de caráter?

Afirma-se isso porque é mais do que sabido que esses recrudescimentos penais não colaboram em praticamente nada para a redução da criminalidade ou sua inibição. A violência que campeia desmedida pelo país afora e atinge inclusive os agentes públicos responsáveis pela sua prevenção e repressão, jamais será contida com uma canetada do legislador. Toda e qualquer iniciativa legal com essa orientação é nitidamente simbólica, demagógica e mágica. Isso é inescapável.

Partindo para uma análise técnico – jurídica estrita das novas normas, a primeira providência tomada pela Lei 13.142/15 é criar, em um inciso VII do artigo 121, § 2º., CP, uma nova qualificadora especial para quando a vítima de homicídio for:

a)Militar das três armas (marinha, exército e aeronáutica) – inteligência do artigo 1º., da Lei 13.142/15 c/c artigo 142, CF;

b)Autoridade (Delegado de Polícia) ou agente Policial de qualquer natureza – inteligência do artigo 1º.., da Lei 13.142/15 c/c artigo 144, CF;

c)Integrante do Sistema Prisional;

d)Integrante da Força Nacional de Segurança Pública;

e)Cônjuge de qualquer das pessoas acima;

f)Companheiro de qualquer das pessoas acima;

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g)Parente consanguíneo até terceiro grau de qualquer das pessoas acima.

Os militares são abrangidos independentemente de sua graduação (oficial, praças), tendo em vista que a lei faz menção expressa ao artigo 142, CF sem qualquer distinção.

Da mesma forma não somente as Autoridades Policiais num sentido estrito (Delegados de Polícia Civil ou Federal), mas todo e qualquer Policial é abrangido pela norma. Novamente a legislação faz referência ao artigo 144, CF, sem qualquer ressalva. Portanto, estão contempladas “in totum” as Polícias Federal, Rodoviária Federal, Ferroviária Federal, Civis dos Estados, Militares e Bombeiros Militares (artigo 144, I a V, CF). Também não devem ser esquecidas as Guardas Municipais nos termos do artigo 144, § 8º., CF. Na verdade, seja no caso dos militares das três armas, seja no dos Policiais, qualquer distinção seria odiosa e a norma somente poderia mesmo ser abrangente como foi elaborada.

Um questionamento pode surgir devido à redação do “caput” do artigo 144, CF que determina que a segurança pública é “dever do Estado”, mas, concomitantemente, “direito e responsabilidade de todos” (grifo nosso). Grifa-se “responsabilidade” porque essa palavra pode levar os mais desavisados a terem o entendimento de que um particular, não investido de função policial, mas no exercício, por exemplo, de uma prisão em flagrante facultativa (Inteligência do artigo 301, parte inicial, CPP – “qualquer do povo poderá”), estaria abrangido pela norma em questão. Também poderia levar a uma interpretação errônea de que agentes de segurança privada também poderiam ser abarcados. Essa interpretação não é viável, tendo em vista que o artigo 121, § 2º., VII, CP dispõe claramente que os protegidos pela norma são “autoridades ou agentes” descritos nos artigos 142 e 144, CF. Assim sendo, somente funcionários públicos, devidamente investidos em seu cargo ou função poderão ser alcançados. Qualquer outra tentativa de aplicação constituiria analogia “in mallam partem”, vedada na seara penal. É bom lembrar, porém, que crimes nessas circunstâncias poderão normalmente ser qualificados por motivo torpe ou por conexão, nos termos do artigo 121, § 2º., I ou V, CP, fato este que, aliás, confirma a inocuidade da Lei 13.142/15 nesse aspecto.

Os integrantes do sistema prisional abrangem os agentes penitenciários, Diretores de Presídios, Secretários da Administração Penitenciária, Diretores de Centros de Detenção Provisória, Diretores de Cadeias Públicas e Carcereiros. Estes dois últimos já estão comtemplados dentre os Policiais, pois que os Diretores de Cadeias normalmente são Delegados de Polícia e os Carcereiros compõe uma das carreiras das Polícias Civil e Federal.

Os integrantes da Força Nacional de Segurança Pública são aqueles estabelecidos na Lei 11.473/07, que trata da cooperação federativa no âmbito da Segurança Pública.

Também surgem como sujeitos passivos dessa qualificadora os cônjuges e companheiros dos agentes públicos elencados. A palavra cônjuge designa o marido e a esposa em situação de casamento civilmente reconhecido. Já companheiro (a) se refere às pessoas que convivem em união estável também nos termos da lei civil. Importa lembrar que com o reconhecimento da possibilidade tanto de união estável como mesmo de casamento homoafetivo, essas pessoas também estão abrangidas pela normativa.

Finalmente também entram no âmbito da norma os “parentes consanguíneos até o terceiro grau”. Destacou-se a palavra consanguíneos, tendo em vista que ela impõe uma limitação que se considera indevida ao rol de pessoas alcançadas pela lei. Tão indevida que chega à inconstitucionalidade por deficiência protetiva, ao menos formalmente (já que já se demonstrou que o dispositivo em comento, na prática, é inútil). Explico:

O parentesco consanguíneo é apenas uma das espécies de parentesco no Direito Civil, mais precisamente no Direito de Família. Trata-se daquele existente entre pessoas que têm um ascendente comum ou elementos sanguíneos comuns, sendo também chamado de parentesco biológico ou natural.

Logo de início, o artigo 1593 do Código Civil estabelece que o parentesco é natural (leia-se consanguíneo) ou civil. A Constituição Federal de 1988 não permite discriminações negativas entre os parentescos natural e civil, conforme consta de seu artigo 227, § 6º. , determinação esta que é seguida à risca, como não poderia deixar de ser, pelo artigo 1596 do Código Civil. Em face disso é inafastável a conclusão de que nada justifica a proteção limitada ao parentes consanguíneo, deixando a descoberto o parentesco civil. Exemplificando: se um sujeito mata o filho consanguíneo de um policial (parentesco biológico ou natural), é atingido pela norma sob comento. Mas, se mata o filho adotivo do mesmo policial (parentesco civil), não é alcançado. Não é possível consertar o equívoco legislativo mediante o recurso da analogia porque isso constituiria analogia “in mallam partem”, vedada no âmbito criminal. Efetivamente houve um grande equívoco do legislador nesse ponto específico. A única consolação em meio a essa barbeiragem legislativa é o fato de que a morte de um filho adotivo de um policial, por exemplo, em represália ou vingança pela atividade deste último, configurará tranquilamente o “motivo torpe” e fará do homicídio um crime qualificado da mesma maneira, tendo em vista o mero simbolismo da norma que veio a lume com a Lei 13.142/15.

Também ficam de fora os casos de parentesco por afinidade, ou seja, aquele que decorre da lei (artigo 1595, CC), tendo em vista o casamento e o vínculo que então se forma com os parentes do marido e da mulher. A afinidade, portanto, advém do vínculo conjugal e se manifesta pela relação que une uma pessoa aos parentes de seu cônjuge (v.g. sogro, sogra, cunhado, cunhada, genro, nora, padrasto, enteado, madrasta). Novamente não se enxerga aqui motivação para tratamento diferenciado, mas o Princípio da Legalidade impede o alcance da lei que é limitadora e não admite no caso analogia e nem interpretação extensiva. Vale aqui o mesmo consolo acima mencionado de que a conduta acabará encontrando abrigo na velha qualificadora do “motivo torpe”, graças à inutilidade do dispositivo da Lei 13.142/15.

Outra limitação imposta pela lei é que o parentesco protegido só alcança até o terceiro grau consanguíneo. Isso significa que são protegidos apenas na linha reta do avô até o neto (avô, pai, neto) e na linha colateral do irmão até o sobrinho (irmão, tio, sobrinho), tudo de acordo com o artigo 1594 do Código Civil.

Quanto a essa limitação do grau de parentesco, trata-se de uma escolha política sobre a qual não se pode fazer um juízo de valor jurídico.

Importa reiterar que a qualificadora em estudo é dotada do elemento objetivo que se constitui no estabelecimento concreto dos sujeitos passivos, mas sua natureza é subjetiva, já que não basta o fato de a pessoa se enquadrar em alguma daquelas categorias funcionais ou de parentesco. É imprescindível que o móvel do infrator seja o exercício ou a simples função da vítima ou da sua ligação com a pessoa aparentada. A lei é clara ao estabelecer que o homicídio deva se dar “no exercício da função ou em decorrência dela”, exigindo a mesma “condição” para as mortes de cônjuges, companheiros ou parentes (vide artigo 121, § 2º., VII, CP, com a nova redação dada pela Lei 13.142/15).

O artigo 3º. da Lei 13.142/15 altera a Lei 8.072/90 para incluir essa nova modalidade de homicídio qualificado como crime hediondo com todas suas consequências penais, processuais penais e executórias. Nada mais coerente, uma vez que todo homicídio qualificado é considerado crime hediondo. A única questão se acha no fato já explorado neste texto de que esses homicídios já seriam não somente qualificados como consequentemente hediondos devido ao “motivo torpe” ou à conexão com outros crimes nos termos do artigo 121, § 2º., I e V, CP.

Como já dito, a real inovação legislativa está na criação de um § 12 no artigo 129, CP, prevendo, para os mesmos casos acima estudados, uma causa especial de aumento de pena que varia entre um e dois terços.

Sobre os sujeitos passivos e motivações subjetivas tudo que já foi dito é plenamente aplicável. Também já se abordou a questão do simbolismo dessa norma no que tange à tantas vezes desmentida teórica e praticamente crença pueril na inibição criminosa através do recrudescimento penal.

No entanto, a nova causa de aumento de pena está posta e tendo em vista a topografia do parágrafo no final do dispositivo, é aplicável a todas as modalidades dolosas de lesão corporal (leve, grave, gravíssima, seguida de morte). Obviamente não tem cabimento para as lesões corporais culposas do Código Penal ou do Código de Trânsito, pois que a exigência do elemento subjetivo de que a agressão se dê em razão da função ou no seu exercício somente é compatível com o dolo.

Outro aspecto importante é que tanto a qualificadora do homicídio como a causa especial de aumento de pena da lesão corporal são incompatíveis, vez que subjetivas, com as figuras privilegiadas que ensejam diminuição de pena (vide artigo 121, § 1º., CP e artigo 129, § 4º., CP).

Finalmente, no campo da lesão corporal, outra novidade emerge, conforme já mencionado. A Lei 13.146/15 converte em Crime Hediondo a lesão corporal dolosa de natureza gravíssima (artigo 129, § 2º., CP) e a lesão corporal seguida de morte (artigo 129, § 3º., CP), mediante a inclusão de um inciso I-A no artigo 1º., da Lei 8.072/90. Mas, esses crimes somente serão hediondos se os sujeitos passivos forem aqueles já comentados e a motivação obedecer a conexão com o exercício ou decorrer da função daqueles sujeitos passivos e sua relação com seus aparentados. Portanto, as lesões gravíssimas e seguidas de morte em geral não são hediondas, somente no caso específico previsto pela Lei 13.146/15.

A Lei 13.146/15 entrou em vigor na data da publicação, não sendo dotada de “vacatio legis”. Considerando a natureza mais gravosa de seus dispositivos, sua aplicação somente se dará para os casos ocorridos após sua vigência, não havendo possibilidade de retroação (inteligência do artigo 5º., XL, CF). Não obstante, aqueles casos de homicídio já qualificado pelo “motivo torpe” ou pela conexão nos termos do artigo 121, § 2º., I e V, CP em nada se alteram, vez que nem a Lei 13.146/15 pode retroagir, nem a situação do réu se agrava ou abranda com o seu advento, conforme já visto.

 

Referências
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Volume 2. 14ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Feminicídio: Aprovada a Lei 13.104/15 e consagrada a demagogia legislativa e o direito penal simbólico mesclado com o politicamente correto no solo brasileiro. Revista Jurídica Consulex. n. 439, p. 34 – 45, maio, 2015.
CASTELO BRANCO, Tales. Da Prisão em Flagrante. 4ª. ed. São Paulo: Saraiva, 1988.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Volume II. 12ª. ed. Niterói: Impetus, 2015.
HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Volume V. 4ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3ª. Ed. Sâo Paulo: Malheiros, 1999.
MESTIERI, João. Curso de Direito Criminal. São Paulo: Alba, 1970.
MIRABETE, Julio Fabbrini, FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal. Volume II. 31ª. ed. São Paulo: Atlas, 2013.

Notas
[1] Sobre o tema já se discorreu de forma crítica, remetendo o leitor ao texto específico que figurou como “Matéria de Capa” da Revista Consulex de 1º. de maio de 2015: CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Feminicídio: Aprovada a Lei 13.104/15 e consagrada a demagogia legislativa e o direito penal simbólico mesclado com o politicamente correto no solo brasileiro. Revista Jurídica Consulex. n. 439, maio, 2015, p. 34 – 45.

[2] Sobre o tema do Princípio da Igualdade e da possibilidade de discriminações somente em casos devidamente justificados por alguma diferença importante vide por todos: MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3ª. Ed. Sâo Paulo: Malheiros, 1999, “passim”.

[3] HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Volume V. 4ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958, p. 163.

[4] MESTIERI, João. Curso de Direito Criminal. São Paulo: Alba, 1970, p. 61.

[5] Op. Cit., p. 63.

[6] MIRABETE, Julio Fabbrini, FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal. Volume II. 31ª. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 34 – 35.

[7] Op. Cit., p. 39. Sobre o tema dos flagrantes compulsório e facultativo, ver por todos: CASTELO BRANCO, Tales. Da Prisão em Flagrante. 4ª. ed. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 66 – 67.

[8] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Volume II. 12ª. ed. Niterói: Impetus, 2015, p. 159.

[9] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Volume 2. 14ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 92.


Informações Sobre o Autor

Eduardo Luiz Santos Cabette

Delegado de Polícia, Mestre em Direito Social, Pós – graduado com especialização em Direito Penal e Criminologia, Professor de Direito Penal, Processo Penal, Legislação Penal e Processual Penal Especial e Criminologia na graduação e na pós – graduação da Unisal e Membro do Grupo de pesquisa em bioética e biodireito do programa de mestrado da Unisal.


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