Resumo: O presente artigo tem por escopo analisar a incidência de contribuição previdenciária sobre algumas verbas de natureza indenizatória, com destaque para o período de auxílio-doença pago pelo empregador nos termos da Medida Provisória n. 664/2015, para, então, discorrer sobre a possibilidade de restituição de valores pagos indevidamente. A jurisprudência já se consolidou no sentido de reconhecer a ilegalidade da incidência da referida contribuição e a doutrina majoritária se posiciona do mesmo modo. Com relação ao pedido de restituição, o entendimento jurisprudencial e doutrinário está em consonância com o entendimento relativo à não incidência, com possiblidade de restituição.[1]
Palavras-chave: Contribuição social previdenciária, incidência auxílio-doença, restituição.
Introdução
Nos termos do art. 6º da Constituição Federal, a seguridade social é um direito social que, segundo Tavares (2012, p. 1) “[…] destina-se a garantir, precipuamente, o mínimo de condição social necessária a uma vida digna, atendendo ao fundamento da República contido no art. 1º, III, da CRFB/1988”.
O referido direito está disciplina no Título XII da Constituição Federal e é conceituado no caput do artigo 194 como “um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar o direito à saúde, a previdência e à assistência social”. Portanto, a seguridade social constitui-se em “[…] um sistema de proteção tripartite, possuindo três subsistemas” (LEITÃO, MEIRINHO, 2014, p. 115).
O acesso à saúde e o direito à assistência social independente de pagamento, diferentemente do que ocorre com a previdência, que é “[…] organizada sob forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória” (KERTZMAN, 2013, p. 34). Isso equivale a dizer que,
“Nem todos os setores da Seguridade Social funcionam da mesma forma no que tange ao custeio por parte de seus usuários. Assim, como já visto acima, a Previdência Social apresenta, como toque diferenciador, o seu caráter contributivo. Isso significa que o beneficiário das prestações previdenciárias deve contribuir diretamente para o regime de previdência social a que estiver vinculado, tornando-se segurado dele e, por via de consequência, sujeito ativo (quem pode exigir as prestações previdenciárias) da relação de proteção” (LEITÃO, MEIRINHO, 2014, p. 115).
Apenas as contribuições da previdência social não seriam suficientes para custear todos os direitos assegurados pela Seguridade Social, que, organizada pelo Poder Público,
“[…] é financiada por toda a sociedade, de forma direta ou indireta, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e de contribuições sociais obrigatórias às empresas e aos trabalhadores, conforme previsto no art. 195 da Constituição Federal […]. O orçamento da Seguridade é, pois, autônomo, não constituindo parte integrante do Tesouro Nacional. O financiamento direto decorre das contribuições sociais, devidas pelos trabalhadores, empregadores e empresas, além de outras fontes de arrecadação, como a incidência sobre os concursos de prognósticos, por exemplo. O financiamento indireto, por sua vez, é realizado por meio de dotações orçamentárias fixadas no orçamento fiscal, de todos os entes federativos” (VIANNA, 2014, p. 181).
A previsão do financiamento da seguridade social está no artigo 195 da Constituição Federal e, de forma mais detalhada, no art. 11 da Lei 8.212/91. O inciso II deste último dispositivo trata das contribuições sociais, especificadas em seu parágrafo único:
“Art. 11. No âmbito federal, o orçamento da Seguridade Social é composto das seguintes receitas: I – receitas da União; II – receitas das contribuições sociais; III – receitas de outras fontes. Parágrafo único. Constituem contribuições sociais: a) as das empresas, incidentes sobre a remuneração paga ou creditada aos segurados a seu serviço; b) as dos empregadores domésticos; c) as dos trabalhadores, incidentes sobre o seu salário-de-contribuição; d) as das empresas, incidentes sobre faturamento e lucro; e) as incidentes sobre a receita de concursos de prognósticos.”
As contribuições sociais foram instituídas com base no art. 149 da Constituição Federal e a contribuição previdenciária “[…] é uma das contribuições sociais para a seguridade social, cuja particularidade mais marcante é incidir sobre a remuneração que se destina a retribuir o trabalho – subordinado ou não – prestado, de forma onerosa, por uma pessoa física a outra pessoa física ou a uma pessoa jurídica” (KERTZMAN, 2012, p. 15).
Assim, a base de cálculo para esta contribuição, nos termos do art. 195, I, a, da Constituição Federal é o rendimento do trabalho. No mesmo sentido, o art. 22, I, da Lei n. 8.212/91 aduz que a base de cálculo é o total das remunerações.
Todavia, segundo Modesto (2014, p. 22), “[…] o tema é controverso e vacilante no cenário nacional tanto na doutrina quanto na jurisprudência”, devido a ambiguidade das expressões e ao fato de que não há definição da natureza indenizatória remuneratória de algumas verbas, como o salário-maternidade, salário paternidade, aviso prévio indenizado, terço constitucional de férias, adicionais, primeiros trinta dias de afastamento por auxílio-doença, entre outras.
Para a corrente que defende a natureza indenizatória das referidas verbas, a qual é adotada no presente trabalho, a contribuição social previdenciária sobre elas é considerada ilegal.
Assim, diante dos pressupostos acima colocados, pretende-se analisar a possibilidade de restituição de valores pagos de modo indevido pelo empregador – respeitado o prazo prescricional – dos valores recolhidos a título de contribuição social previdenciária patronal referente aos trinta primeiros dias de afastamento do empregado por auxílio-doença, tendo em vista a falta de consenso na doutrina e jurisprudência.
Para tanto, será utilizado o método de revisão de bibliografia, bem como análise da jurisprudência consolidada nos tribunais superiores.
As contribuições sociais e a não incidência sobre o período de afastamento por auxílio-doença pago pelo empregador
Segundo Kertzman (2012), ao longo do tempo, a doutrina formulou muitas teorias para definir a natureza jurídica da contribuição previdenciária das contribuições previdenciárias, dentre elas: “1) Teoria do prêmio de seguro. 2) Teoria do salário diferido. 3) Teoria do salário atual. 4) Teoria da exação sui generis. 5) Teoria fiscal/Teoria parafiscal” (OLIVEIRA apud KERTZMAN, 2012, p. 15-16).
Destas, prevalece a última, que considera a contribuição previdenciária como um tributo, porque preenche os requisitos dispostos no art. 3º do Código Tributário Nacional, constituindo espécie tributária autônoma com especificidades próprias (KERTZMAN, 2012).
Corrobora o entendimento acima esposado, o fato de que “[…] a Constituição de 1988, ao tratar das contribuições sociais no seu art. 149, integrante do capítulo do ‘Sistema Tributário Nacional’, parece ter optado explicitamente pela corrente tributária” (KERTZMAN, 2012, p. 21). Hugo de Brito Machado (2005, p. 398), aduz que
“Diante da vigente Constituição, portanto, pode-se conceituar a contribuição social como espécie de tributo com finalidade constitucionalmente definida, a saber, intervenção no domínio econômico, interesse de categorias profissionais ou econômicas e seguridade social. É induvidosa, hoje, a natureza tributária dessas contribuições”.
Roque Antonio Carrazza (2013) também defende a natureza tributária das contribuições sociais, para quem a expressão “contribuição” significa “tributo”. Portanto, deve se submeter ao princípio da legalidade tributária, disposto no art. 150, I da Constituição Federal e no art. 97 do Código Tributário Nacional (MODESTO, 2014).
“Tal princípio exige que a lei defina in abstrato, os aspectos relevantes do tributo, dentre eles destacamos a alíquota, o fato gerador e o sujeito passivo, a serem introduzidos na regra-matriz de incidência tributária, que (os aspectos) deverão ser respeitados pelos agentes públicos responsáveis pela arrecadação de tributos, consequentemente, o contribuinte somente deverá suportar os tributos expressamente definidos em lei” (MODESTO, 2014, p. 24).
Destaque-se que a hipótese fática da Contribuição Previdenciária tem previsão no art. 22, I da Lei nº 8.212/91. Na sua ocorrência – fato gerador –, estabelece-se o vínculo jurídico-tributário entre o Fisco e o contribuinte, sujeitos ativo e passivo, respectivamente, sendo que o quantum a ser recolhido será calculado de acordo com a base de cálculo – total das remunerações – e a alíquota de 20% (MODESTO, 2014).
Sobre os sujeitos da relação jurídico-tributária, importa anotar que a União é sujeito ativo, sendo que a “Administração Tributária é realizada pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, que exerce o poder/dever de exigir o cumprimento do objeto da relação jurídica, na hipótese, a contribuição previdenciária e seus acessórios” (KERTZMAN, 2012, p. 27).
Nos termos do art. 195, I, a, da Constituição Federal, “O fato gerador da contribuição é o pagamento ou o crédito da remuneração do trabalhador (o que ocorrer primeiro)” (VIANNA, 2014, p. 187).
O art. 22, inciso I, da Lei nº 8.212/91 acrescenta à hipótese dos rendimentos pagos ou creditados, aqueles devidos, o que equivale a dizer que, “[…] mesmo que a parcela não tenha sido efetivamente paga, estando ela devida, há a necessidade de recolhimento de contribuição previdenciária” (KERTZMAN, 2012, p. 28).
Ivan Kertzman (2012, p. 28) afirma que, da leitura dos dispositivos legais, depreende-se que “o fato gerador da contribuição previdenciária ocorre com a prestação de serviço, momento no qual a remuneração passa a ser devida”.
Para o cálculo do valor a ser recolhido, deve ser considerado o salário de contribuição, definido no art. 28 da Lei nº 8.212/91, como “a totalidade dos rendimentos pagos, devidos ou creditados” (KERTZMAN, 2012, p. 38), do qual são excluídas as parcelas indenizatórias, tendo em vista que não são adimplidas como contraprestação ao trabalho prestado.
Vianna (2014) pontua que, em que pese a regra geral, o § 9º do art. 28 da Lei nº 8.212/91 e o § 9º do art. 214 do Decreto nº 3.048/99 excluem diversos pagamentos da base de cálculo.
Nos incisos dos referidos dispositivos não é mencionado o “salário-enfermidade”, aquele que é pago pelo empregador nos trinta primeiros dias de afastamento do empregado por auxílio-doença.
Ivan Kertzman (2014), em didático estudo sobre o assunto discorre sobre cada uma das parcelas integrantes e não integrantes do salário de contribuição. Ao tratar da contribuição sobre os benefícios da previdência social ressalta que
“Um tema bastante discutido nos tribunais é a incidência de contribuição previdenciária sobre os primeiros 15 dias de afastamento do empregado por motivo de doença, que são pagos pela empresa. O Fisco tem posição definida pela incidência de tributo sobre estes valores, com base no § 3º, do artigo 60, da Lei nº 8.213/91, que dispõe que “durante os primeiros 15 dias consecutivos ao afastamento da atividade por motivo de doença, incumbirá à empresa pagar ao segurado empregado seu salário integral”. Como o texto se referiu a “salário” o Fisco entende ser tal parcela tributável” (KERTZMAN, 2014, p. 151).
Cumpre anotar que a Medida Provisória n. 664/2015 alterou, recentemente, a redação do referido artigo, aumentando o período de responsabilidade do empregador de 15 para 30 dias.
Com base na leitura dos dispositivos legais (art. 28, I da Lei 8.212/91 e art. 195, I, a, da Constituição Federal), Vianna (2014, p. 197) defende que “[…] o legislador constitucional e também o legislador ordinário determinaram que as contribuições devem incidir sobre o total dos rendimentos do trabalho, pagos em decorrência da prestação dos serviços ao empregador”.
Segundo Modesto (2014, p. 36) “[…] o art. 28, § 9º, alínea a, da Lei nº 8.212/91, que os benefícios da previdência social não integram o salário de contribuição. Contudo, o autor explica que a lei não esclareceu se o período em comento, embora remunerado pelo empregador, é ou não considerado como benefício da Previdência Social (MODESTO, 2014).
Segundo Wladimir Novaes Martinez o INSS entende como verba de natureza salarial, assim como, para a Receita Federal, ela não constitui benefício previdenciário, conforme lição de Oscar Valente Cardoso, ambos citados por Modesto (2014).
Todavia, Vianna (2014) enfatiza que, nos trinta dias em que o empregado fica afastado pelo órgão previdenciário, embora receba rendimentos do empregador, não há por parte do empregado qualquer prestação de serviços. Portanto, o pagamento em questão não tem natureza salarial, mas indenizatória.
Pelos motivos acime expostos, Vianna (2014) advoga pela ilegalidade e inconstitucionalidade da cobrança de contribuição previdenciária na hipótese em comento. E neste sentido é a jurisprudência do STJ (KERTZMAN, 2014; VIANNA, 2014). Segundo Cardoso e Silva Júnior (2014, p. 85):
“[…] o Superior Tribunal de Justiça já pacificou o entendimento de que esse pagamento, pelo empregador, do auxílio-doença nos primeiros 15 dias de afastamento, não possui natureza salarial, logo, sobre tal valor não incide a contribuição previdenciária. Para o STJ, o valor pago pelo empregador ao empregado nos primeiros 15 dias em que recebe o benefício de auxílio-doença não possui natureza salarial, por não haver a prestação de serviço por parte do segundo. Por outro lado, não se defende necessariamente que se trata de uma verba indenizatória, mas sim que é um pagamento sui generis, de benefício previdenciário pelo empregador, e não pelo INSS”.
No julgamento do REsp 1230957, apesar de voto divergente do Ministro Benedito Gonçalves, o posicionamento de que “[…] o benefício previdenciário de auxílio-doença excepcionalmente pago pelo empregador durante os primeiros 15 dias de afastamento, por não ser remuneração […], não integra o salário de contribuição, e sobre ele não incide contribuição previdenciária” (CARDOSO e SILVA JUNIOR, 2014, p. 85), foi reiterado.
A possibilidade de restituição de contribuições previdenciárias pagas de modo indevido
Castro e Lazzari (2012, p. 338) ensinam que “Restituição é o procedimento administrativo mediante o qual o sujeito passivo é ressarcido pela RFB de valores recolhidos indevidamente à Previdência Social ou a outras entidades e fundos”, nos termos do art. 165 do Código Tributário Nacional e observado o prazo decadencial de 5 anos, disposto no art. 168 do mesmo diploma legal.
Ivan Kertzman (2012, p. 99) aduz que os valores a serem ressarcidos são aqueles “pagos a maior ou indevidamente pelo empregador, inclusive os referentes à atualização monetária, aos juros de mora e à multa”.
Segundo Tavares (2012), no pedido de restituição ocorre uma inversão no polo de cobrança, passando o contribuinte a figurar no polo ativo da demanda administrativa, sendo o pedido feito ao ente arrecadador.
Vianna (2014, p. 382) explica que deve ser utilizado o “programa Pedido de Restituição, Ressarcimento ou Reembolso e Declaração de Compensação (PER/DCOMP)”. Caso não seja possível utilizar o programa, o contribuinte deve preencher um formulário na própria Receita Federal.
No caso da contribuição previdenciária patronal sobre os dias de afastamento por auxílio-doença, diante da reconhecida ilegalidade pelos Tribunais, os tribunais têm decido no sentido de deferir os pedidos de restituição formulados, como exemplos:
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO LEGAL. CPC, ART. 557, § 1º. APLICABILIDADE. PEDIDO DE REFORMA DE DECISÃO. AUXÍLIO-DOENÇA. PRIMEIROS 15 (QUINZE) DIAS DE AFASTAMENTO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. NÃO-INCIDÊNCIA. RESTITUIÇÃO. PRAZO DECENAL. APLICABILIDADE. 1. A utilização do agravo previsto no art. 557, § 1º, do CPC, deve enfrentar a fundamentação da decisão agravada, ou seja, deve demonstrar que não é caso de recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior. Por isso que é inviável, quando o agravante deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada. Precedentes do STJ. 2. É inexigível a contribuição previdenciária sobre o auxílio-doença, na medida em que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido da natureza indenizatória dos valores pagos a tal título, nos primeiros 15 (quinze) dias de afastamento. 3. A aplicação do prazo de restituição decenal encontra-se em consonância com o entendimento jurisprudencial, que é no sentido da irretroatividade do art. 3º da Lei Complementar n. 118/05. 4. Agravo legal não provido”.[2]
Considerações finais
O presente trabalho teve por objetivo realizar uma revisão bibliográfica sobre as contribuições sociais e a não incidência em algumas verbas, dada a natureza diversa da salarial. Optou-se, aqui, por privilegiar a análise da não incidência no período de 30 dias de afastamento por auxílio-doença, que é pago ao empregado pelo empregador.
Com efeito, no referido período o empregado não exerce qualquer atividade laboral, não podendo haver a incidência do referido tributo, uma vez que o valor recebido não é a título de remuneração pelo trabalho prestado.
Em que pese a Receita Federal entender pela incidência, a jurisprudência do STJ – Superior Tribunal de Justiça – pacificou o entendimento de que sobre essa verba não há que se falar em contribuição previdenciária.
Assim sendo, os empregadores que realizaram o recolhimento têm o direito de requerer a restituição dos valores pagos indevidamente, respeitado o prazo de prescrição.
Considerando que o vale do Paraíba, local aonde foi realizada essa pesquisa, constitui polo industrial e que, ao longo dos anos tem se observado um relevante número de ações acidentários relacionadas ou não ao trabalho, o pedido de restituição pode representar a devolução de valores vultuosos aos empregadores que foram impelidos a pagar de modo indevido.
Portanto, conclui-se pela importância de se levar a tese jurídica aos tribunais não apenas para reiterar o pedido de não incidência da verba em comento, mas, também, para pleitear a concessão de direito – restituição – que foi suprimido da classe patronal, aumentando ainda mais a carga tributária.
Informações Sobre o Autor
Rodrigo Bonato Santos
Advogado bacharel em Direito pela Universidade de Taubaté pós-graduando em Seguridade Social pela Faculdade Legale e pós-graduando em Direito Processual Civil pelo Damásio Educacional