Resumo: O presente artigo tem por escopo analisar a sucessão trabalhista, sob o enfoque da natureza jurídica do instituto e da responsabilidade empresarial derivada da transmissão das obrigações trabalhistas. Para tanto, examinou-se da relação entre sucessor e sucedido, buscando delinear o posicionamento das partes no que respeita à titularidade dos direitos e deveres transferidos.[1]
Palavras-chave: Sucessão trabalhista, natureza jurídica, responsabilidade, obrigações trabalhistas, sucessor, sucedido.
Abstract: This study has the scope to analyze the labor succession, from the standpoint of the legal nature of the institute and the business liability for the transmission of labor obligations. To this end, as it shall be the relationship between successor and succeeded, seeking to outline the position of the parties with respect to the ownership of the transferred rights and duties.
Keywords: Labor succession, legal , responsibility, labor obligations , successor, succeeded.
Sumário: Introdução. 1. A Sucessão no Direito do Trabalho. 2. A Sucessão de Obrigações no Direito Civil. 3. Natureza Jurídica da Sucessão Trabalhista. 4. Posição Jurídica do Sucessor. 5. A Responsabilidade do Sucedido. 6. A Eficácia da Cláusula de Exoneração de Responsabilidade do Sucessor. Conclusão. Referências
Introdução
O trabalho, em linhas gerais, pretende demonstrar a conexão entre institutos do direito civil e do direito do trabalho. As relações entre esses dois ramos do direito são não apenas de ordem histórica – tendo em vista que o direito do trabalho apresenta raízes no direito civil -, como também de ordem doutrinária, já que certas figuras civilistas são adaptadas à ótica trabalhista, como é o caso da sucessão de empregadores – objeto da nossa pesquisa. Ademais, não custa lembrar que o direito civil é fonte subsidiária do direito do trabalho, tal como preceitua a Consolidação das Leis do Trabalho, no seu artigo 8º, parágrafo único.
Sucessão Trabalhista, em termos simples, é a transferência, por força de lei, das obrigações trabalhistas de responsabilidade da pessoa jurídica sucedida ao adquirente de um empreendimento ou estabelecimento. Em sentido estrito, o instituto tem como requisitos: a) existência de uma relação jurídica de ordem obrigacional, ou seja, a presença de um complexo de direitos e obrigações que une credor e devedor; b) a substituição subjetiva nos direitos ou nas obrigações; c) intangibilidade do objeto e do conteúdo do vínculo.
A transmissão das obrigações, por sua vez, se manifesta da seguinte forma: como cessão de crédito (arts. 286 a 298, CC) – o direito de crédito perece para o antigo credor e assunção de dívida (arts. 299 a 303, CC) – o débito passa para o novo devedor. Essa noção é trasladada para o instituto da sucessão trabalhista, na medida em que esta possibilita a um só tempo a cessação das responsabilidades do sucedido e a assunção de obrigações ao novo titular do empreendimento/sucessor.
A princípio, abordou-se a temática da sucessão nas relações laborais, no intuito de apresentar o conceito do instituto. Em seguida, nos detivemos à análise da transmissão obrigacional nos moldes civilistas. Após, nos debruçamos especificamente sobre a temática da natureza civilista do instituto. Para ao final pontificar a responsabilidade dos sujeitos envolvidos na sucessão.
1. A Sucessão no Direito do Trabalho
A palavra "sucessão" provém do latim succedere e significa "vir no lugar de alguém". É um fenômeno que pode se operar inter vivos, mediante ato ou negócio jurídico, ou mortis causa, em virtude de falecimento. Em sentido amplo, o termo indica o modo pelo qual alguém sucede a outrem, investindo-se, total ou parcialmente, nos direitos que lhe pertenciam. Em sentido estrito, configura a transferência, total ou parcial, de herança, por ocasião da morte de um sujeito. (Diniz, 2012)
Para o Direito do Trabalho, contudo, interessa apenas o vocábulo em sua acepção ampla. Sendo assim, diz-se que com a sucessão uma pessoa (sucessor) assume o lugar de outra (sucedido), substituindo-a em todos os seus direitos e obrigações. Portanto, a sucessão acontece no momento da transferência de titularidade da empresa ou estabelecimento, quando ocorre uma verdadeira transmissão de créditos e assunção de dívidas trabalhistas entre alienante e adquirente. (Godinho, 1999)
Nos termos do artigo 10 da Consolidação das Leis do Trabalho, "qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados". Isso acontece porque os contratos de trabalho mantêm-se inalterados, razão pela qual a temática da sucessão interage com a técnica da despersonalização do empregador.
A ideia é simples: ao passo que se despersonaliza o empregador, personaliza-se a empresa, em tudo indicando que a empresa é o próprio empregador. Assim, o empregado não fica vinculado, pelo contrato de trabalho, à pessoa física ou jurídica, mas a uma estrutura denominada empresa.
Do mesmo modo, prevê o artigo 448 da CLT, que "a mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados". Em suma, a legislação consolidada não apenas manteve imunes os contratos individuais de trabalho aos efeitos da sucessão, como também resguardou os direitos adquiridos, prestigiando, dessa forma, a continuidade no emprego.
2. A Sucessão de Obrigações no Direito Civil
A transferência das obrigações pode ser ativa (cessão de crédito) ou passiva (assunção de dívida). Na primeira hipótese, o que se transmite é o direito creditício, havendo mudança subjetiva no polo ativo da relação, enquanto na segunda, o que se transfere é a obrigação, com alteração da posição do devedor. Vale ressaltar que a relação obrigacional permanece inalterada, isto é, promovem-se tão somente modificações subjetivas, sem que haja qualquer alteração em sua substância.
Na cessão de crédito, o cessionário ocupa a mesma posição do cedente, logo, poderá atuar em relação ao crédito como se fosse credor originário. Já na assunção de débito, o devedor, após anuência expressa do credor, efetua a transferência dos seus encargos obrigacionais a um terceiro – tem como pressupostos, portanto, não apenas a existência e validade da obrigação que será transmitida, mas também a prévia concordância do credor, pois é este que efetivamente terá de suportar eventuais prejuízos decorrentes do inadimplemento do novo devedor. Por outras palavras, a assunção de dívida presume a existência de uma obrigação, a desobrigação do antigo devedor e a colocação do terceiro como devedor da mesma obrigação.
No campo obrigacional existem ainda outras formas de transmissão creditória, como a novação e sub-rogação. A sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégio e garantias do anterior. Ao contrário da cessão de crédito, invariavelmente decorre do pagamento, como garantia de quem solveu a dívida e dispensa a notificação do devedor. Por outro lado, a novação implica a criação de uma nova obrigação, que extingue a pretérita. Vale ressaltar, ainda, que a sub-rogação substitui o credor por terceiro sem extinguir o vínculo, enquanto a novação representa o término da obrigação sem necessidade de pagamento. Enfim, na novação não há pagamento, apenas a substituição de uma relação creditícia antiga por nova.
3. Natureza Jurídica da Sucessão Trabalhista
A sucessão trabalhista tem natureza jurídica peculiar. A começar pela similaridade do instituto com algumas figuras do direito civil, tais como, sub-rogação, novação, cessão de crédito, assunção de dívida, já citadas no tópico precedente. O que não significa que se confunde com a sub-rogação, porque independe do consentimento do empregado e também não decorre de pagamento. Da mesma forma, não é hipótese de novação, por faltar intenção de novar, sequer há extinção da obrigação em relação ao sucedido.
Por outro lado, representa mais do que uma simples cessão de crédito, posto que o débito anterior persiste, com assunção pelo sucessor. Assim como revela legítima assunção de dívidas, já que a responsabilidade do sucessor trabalhista é imposta por lei.
Em verdade há dupla cessão, de crédito e de débito, por força de lei: o sucessor assume a totalidade da empresa ou estabelecimento, substituindo a pessoa do antecessor, como se fosse ele próprio. A relação jurídica é a mesma, porém com inteira liberação do antigo devedor. Por isso o novo titular sub-roga-se em todos os direitos e obrigações do sucedido, sendo que os débitos constituídos antes da cessão, à época do primeiro titular, passam para o patrimônio do sucessor.
4. Posição Jurídica do Sucessor
Para a doutrina contemporânea, não importa a operação adotada para a transferência de titularidade do empreendimento, seja por meio da venda, permuta, doação, arrendamento, cessão de clientela ou ativos, quer em virtude de privatização, transformação, incorporação e fusão de sociedades. Ocorrendo qualquer dos tipos, resta caracterizada a sucessão para os efeitos do contrato de trabalho. Desse modo, quem adquire uma empresa, mesmo que apenas sua parte orgânico-funcional, e continua executando o mesmo ramo de negócio sucedido, deve assumir todas as obrigações advindas dos contratos de trabalho, mesmo os firmados pelo antigo dono, no intuito de garantir a solvabilidade dos créditos trabalhistas. (Belmonte, 2009)
Nessa direção aponta Evaristo de Moraes Filho (1960, p.261) ao afirmar que o sucessor fica "inteiramente responsável por todos os direitos adquiridos durante a vigência anterior do contrato. Mesmo para os contratos já rescindidos pelo antigo empregador, inexistentes no momento do trespasse, fica privativamente responsável o sucessor".
Cumpre esclarecer que responsabilidade não se confunde com obrigação. Esta constitui o vínculo jurídico entre credor e devedor em torno de uma prestação. Aquela consiste na relação jurídica objetivando possível reparação de dano decorrente do inadimplemento de uma obrigação, ou seja, pretende garantir a satisfação do crédito, bem assim a liberação daquele que, sem consultar o credor (trabalhador) resolveu fazer substituir-se na condução do negócio empresarial.
5. A Responsabilidade do Sucedido
Pelo prisma trabalhista, não restaria qualquer responsabilidade, seja solidária ou subsidiária, para o empregador sucedido, pois o sucessor, ante os termos legais, assume inteiramente o papel de empregador, respondendo pelos contratos dos empregados. Ocorre que a legislação civil, subsidiariamente aplicável à CLT, sinaliza para conclusão diversa.
Com efeito, pelo Código Civil de 2002, até dois anos depois de averbada a modificação contratual, o sócio cedente responde solidariamente com o cessionário, perante a sociedade e terceiros, pelas obrigações que tinha como sócio (artigo 1003, parágrafo único). No mesmo sentido, o artigo 1.146, dispõe que o devedor primitivo continua solidariamente responsável por um ano, pelos débitos que adquiriu antes da transferência. Por isso, nos termos da lei civil, opera-se entre cedente e adquirente a assunção dos contratos em curso e das dívidas trabalhistas, mas com responsabilidade solidária e temporária do sucedido.
Aplicadas tais noções cumulativamente com os artigos 10 e 448 da CLT, tem-se que para o trabalhador que manteve contrato com o alienante, a sucessão importa a responsabilidade do adquirente pelas obrigações derivadas desse ajuste, sem, contudo, desaparecer inteiramente a responsabilidade do sucedido, tal que, continua solidariamente obrigado pelo adimplemento dos encargos transmitidas. Em última análise, importa registrar que, via de regra, a satisfação das obrigações pelo sucedido, com base na referida responsabilização, poderá ser resolvida entre cedente e cessionário através de ação regressiva.
6. A Eficácia da Cláusula de Exoneração de Responsabilidade do Sucessor
Em que pese a inserção da cláusula de não responsabilização no instrumento jurídico, a doutrina é categórica ao afirmar que esta é irrelevante para o Direito do Trabalho. Isso por causa da imperatividade dos artigos 10 e 448 da CLT, que estabelecem regras insuscetíveis de descumprimento. Como assevera Francisco Antonio de Oliveira (1993, p.201) "a responsabilidade do novo empregador (empresa) com relação aos empregados se opera de pleno direito, sendo de nenhum valor face aos empregados qualquer acordo feito entre sucessor e sucedido, visando a liberar de qualquer responsabilidade".
Evidentemente, não pode o sucessor exonerar-se de uma obrigação cujo correspondente titular do direito não tenha participado do ajuste. De forma que, se o adquirente assume as dívidas da empresa, sub-roga-se em sua titularidade.
Conclusão
Sabe-se que a sucessão trabalhista ocorre mediante simultânea cessão de crédito e de débito, por força da lei, assumindo autêntico viés sucessório, já que o sucessor se insere no empreendimento substituindo a pessoa do sucedido. A relação justrabalhista permanece inalterada, o que há, portanto, é a simples mudança de sujeito.
O fenômeno da sucessão repousa na manutenção da relação empregatícia e da atividade empresarial. Frise-se que o empregado não fica vinculado à pessoa física ou jurídica, mas sim a uma estrutura denominada empresa. Desse modo, se percebe que o contrato de trabalho é intuito personae quanto empregado, mas não para o empregador. Com efeito, a alteração subjetiva do empregador não é motivo para a cessação do contrato de trabalho, por ser este de trato sucessivo.
A figura envolve a transferência integral ou parcial da unidade econômico-jurídica, aí incluída a empresa como um todo ou mesmo alguns de seus estabelecimentos, tais como filiais e agências. O pressuposto da sucessão é a transmissão de uma universalidade, na qual se congregam coisas e pessoas voltadas à produção de bens e serviços, desenvolvendo uma atividade econômica. Por isso, quando ocorre a transferência desse conjunto, ainda que parcialmente, há sucessão, permanecendo íntegros os contratos individuais de trabalho. É inegável, pois, o protecionismo tendente a salvaguardar os direitos adquiridos pelos empregados no curso do contrato.
Por fim, a responsabilidade do adquirente, em função da sucessão, opera-se de forma legal, ante a incidência clara dos artigos 10 e 448 da CLT, os quais se aplicam a todos os empregados, seja da área urbana ou da rural.
Informações Sobre o Autor
Núbia Carine Costa Gonçalves de Mesquita
Acadêmica de direito da Universidade Estadual do Piauí