Holding familiar como estrutura de planejamento sucessório em empresas familiares

Resumo: O presente trabalho possui como objetivo analisar e demonstrar teoricamente como o problema da sucessão nas empresas familiares é fator determinante para a afirmação da prosperidade da sociedade ao longo das gerações. Assim, procurou-se enxergar a questão de maneira a se concluir, em determinado momento, pela ineficiência da adoção do atual modelo de sucessão previsto pelo Código Civil de 2002. Como alternativa a este sistema, foi lançado mão da constituição da sociedade holding, visando o planejamento de maneira organizada e eficiente.

Palavras-chaves: Empresa familiar; Holding; Holding Familiar; Sucessão

Abstract: The present work has an objective to analyze and show how the succession process in a family company is especial factor to a prosperity and your maintenance by many generations. We search to prove how de Civil rules can’t be applied because his rules can’t give to the commercial relations the necessary speed and support. This way, the constitution of family holding (kind of the society) is beast think to do if you want make a efficient succession progress. With this model, we can to plan how is going on and how will be the company future. Even, we can to reduce the cost of taxation e make the transfer of the control a fast progress.

Keywords: Succession process. Family company. Family holding company.

Sumário: Introdução. 1.  Holding e Sua Função. 1.1. Classificação. 1.2. Tipos Societários. 2. O Problema da Sucessão nas Empresas Familiares. 3. Holding Familiar. 4. Responsabilidade da Sociedade Holding. 5. Sucessão Tradicional x Sucessão Através da Holding Familiar. Conclusão.

INTRODUÇÃO

As sociedades familiares são as mais antigas formas de se organizar uma sociedade que se conhece. Seja pela proximidade, afetividade ou comunhão de objetivos, tende-se, na grande maioria das vezes, serem as próprias famílias as geradoras de empreendimentos mercantis. Além de toda essa boa relação que se tem, inicialmente, entre os sócios, ainda podemos acrescentar o fato de que os vínculos de afeto e confiança que fundam esse tipo societário são um atrativo para investidores, que vêem aqui uma janela para algo bem estruturado e próspero.

Busca-se a ratificação da sociedade com entes familiares, o que se conhece no direito empresarial como affectio societatis, ou seja, a vontade das pessoas em estabelecerem sociedade com outras previamente determinadas. Aqui, essa relação é fundada essencialmente sob os laços de parentesco, razão pela qual a entrada de terceiros estranhos a família não é vista com bons olhos.

Dado esse caráter pessoal da sociedade, o presente trabalho busca demonstrar as inúmeras dificuldades vivenciadas quando ocorre a morte do sócio fundador e se estabelece o processo sucessório. Conectada com as questões emocionais que surgem neste momento, a família pode, inconscientemente, prejudicar o bom andamento da empresa. Disputas de poder e herança, conflitos pessoais e, muitas vezes, interesses egoístas são extremamente prejudiciais à administração, atrasando ainda mais o processo sucessório e a definição da nova administração. Isso, nos dias atuais, de um mercado cada vez mais competitivo, pode ser um passo irreversível para o processo de decadência do empreendimento, chegando ao ponto mais melancólico de qualquer sociedade, que é a fadada falência.

Desta forma, uma das alternativas para a criação de uma administração mais profissional para esse tipo de sociedade é a constituição da chamada holding familiar. Com o objetivo precípuo de proteger e manter os interesses da família na empresa e ainda facilitar o processo sucessório, essa espécie de sociedade busca administrar os seus bens de maneira organizada e desvinculada das minúcias geradas pelas relações pessoais, fazendo com que o empreendimento fique de fora das questões familiares.

Para tanto, o presente trabalho terá como objetivo o estudo teórico e doutrinário acerca da constituição das sociedades holding e, análise jurisprudencial.

1 HOLDING E SUA FUNÇÃO

“A fim de atender aos termos conceituais, o vocábulo holding tem origem na expressão inglesa “to hold”, ou seja, segurar ou manter. Assim, contextualizando, o termo tem o sentido de estabelecer domínio” (MAMEDE, Gladston; MAMEDE, Eduarda Cotta, 2011, p.6).

Sua origem remonta meados de 1780, nos Estados Unidos, mais especificamente no estado da Pensilvânia, onde havia uma autorização legislativa para que cerca de quarenta sociedades assumissem participação no capital de outras sociedades. Entretanto, é em 1888, no estado de Nova Jersey, que surge a primeira lei geral autorizando a aquisição de ações de uma companhia por outra sociedade. O sucesso dessa legislação foi tão grande que o Estado passou a notar um grande incremento financeiro com a constituição de inúmeras sociedades desse tipo. Seguindo esta linha e visando também o aumento das arrecadações, logo todos os estados da Federação passaram a copiar o de Nova Jersey, fazendo com que, em pouco tempo, a rede de holdings cobrisse quase o território nacional. A criação e difusão das sociedades holdings, ainda coincidiu com o momento grande movimento de integração vertical de empresas que ocorria nos Estados Unidos no final do século passado, o que gerou um mercado nacional de bens de consumo. Até então, as empresas dependiam de agentes comissários para a comercialização de produtos fora da localidade que estavam instalados. Porém, com a legalização das holdings, tornou-se possível a criação de companhias satélites, especializadas no aprovisionamento e na distribuição, sob o controle das empresas industriais.

A sociedade holding pode ser definida como aquela concebida para que o seu objeto social seja a participação societária em uma ou várias sociedades, podendo ou não exercer o controle das mesmas. Fábio Konder Comparato definiu, em sua obra: “A palavra controle passou a significar, corretamente, não só vigilância, verificação, como ato ou poder de dominar, regular, guiar ou restringir” (COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto, 2014, pp. 142).

Ainda, conforme Edna Pires Lodi:

“As sociedades holdings, diferentemente daquelas empresas tradicionais, conhecidas como operadoras (que visam a produção ou circulação de bens e serviços) formam grupos societários, o que possibilita, desta forma, o compartilhamento da gerência e do controle. Sua atividade não visa, diretamente, a relação entre fornecedor e consumidor, mas garantir melhor rentabilidade aos sócios e às empresas em que participa” (LODI, Edna Pires; LODI, João Bosco, 2011, pp. 11-12).

No que se refere à sucessão, aspectos já citados acima são um excelente meio de entendermos como este modelo facilita a organização deste processo. Como já dito, a holding terá a função de concentrar e organizar a administração, evitando a fragmentação dos votos dos integrantes da família. Isso a torna uma blindagem para a empresa quanto ao interesse de terceiros, já que mantém todo o poder de controle nas mãos da família.

Discussões e divergências entre familiares acionistas não interferirão na administração direta da sociedade familiar, uma vez que a controladora é quem a comanda. Assim, evita-se também que disputas de cunho exclusivamente familiar, interfiram de forma negativa em sua gerência, o que pode, inclusive, levar ao encerramento das atividades após a morte do sócio proprietário.

1.1 Classificação

No Direito brasileiro não há, em nenhum diploma, qualquer referencia à denominação holding. Entretanto, inúmeros dispositivos fazem menção à participação de sociedade nas ações de outras.

A Lei 6.404/76, em seu artigo 2º, é um dos principais argumentos favoráveis à existência deste tipo societário, uma vez que autoriza que o objeto social de certas empresas seja, exclusivamente, a participação em outras empresas[1]. O §2º do art. 2º da referida Lei é claro ao trazer que o estatuto social da sociedade controladora deverá determinar o modo como a participação acionária no capital de outra empresa será realizada. O §3º, por sua vez, traz uma exceção. Prevê que mesmo que haja previsão no estatuto da sociedade para a participação no capital social de outra empresa, esta poderá ser realizada se como meio de realizar o objeto social ou para se beneficiar de incentivos fiscais. Podemos perceber, aqui, uma tendência do legislador ao favorecimento das sociedades e a tentativa de fazer com que essas permaneçam no mercado, dado toda a função social que realizam.

Outros diplomas ainda abordam de maneira superficial este modelo societário, como por exemplo as leis 9.430/1996, 10.833/2003 e 11.033/2004. Todas, entretanto, tem o enfoque tributário, buscando a regulamentação da arrecadação deste tipo de sociedade.

Focando na conceituação de sociedade holding, agora referente ao que consta em seu contrato ou estatuto social como objeto, a doutrina é unanime em classificá-la como possuindo dois tipos básicos. Segundo Fábio Ulhoa:

“Essa variação será determinada em relação ao que pretende a sociedade controladora, quanto a realizar somente o controle de outras sociedades ou, também, organizar atividade de produção e circulação de bens, que é conceito para se definir qualquer atividade como empresária”. (COELHO, Fabio Ulhoa, 2014. p. 12).

A modalidade de holding pura estará prevista no contrato/estatuto social da holding e refere-se àquela sociedade que será formada única e exclusivamente para exercer participação no capital social de outra sociedade.

Remete aos conceitos clássicos e formação histórica deste modelo (criação de sociedades voltadas exclusivamente para o controle de outras), sendo mecanismo de centralização das decisões e manutenção da hierarquia de administração, capaz de gerenciar qualquer grupo societário com o mesmo objetivo, através da mesma estratégia comercial.

Já a modalidade de holding mista será, basicamente, o contrário do conceito apresentado como holding pura, ou seja, este modelo de organização previsto no contrato/estatuto social prevê que a sociedade exerça, além da participação no capital social de outra sociedade, também a organização e circulação de bens de consumo e serviços, em atitude, como já ressaltada, essencialmente de empresa.

É aquela empresa criada para a participação no capital social de outra sociedade, mas que não tem somente esse objetivo. Possui fábricas, funcionários, tem relação direta com o mercado de clientes, fornecedores e compradores, ou seja, realiza todas as atividades que se espera de qualquer empresa normal. Além disso, ainda participa no capital social de outras sociedades.

1.2 Tipos Societários

A constituição de uma sociedade no modelo de holding, inicialmente, é como a constituição de qualquer empresa. Para tanto, deve possuir registro na Junta Comercial de seu estatuto/contrato social, CNPJ, bem como todos os outros requisitos para que qualquer empresa seja constituída seguindo a nossa legislação, conforme previsão do art. 967 do Código Civil brasileiro. Esse registro é disciplinado hoje pela Lei 8.934/94[2] e pelo Dec. n. 1.800/96. Devemos lembrar aqui que somente para as sociedades empresárias o registro é obrigatório. Essa exigência não se faz àquelas sociedades simples (art. 983 do Código Civil), que deverão ser registradas no Cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas.

Um dos principais documentos que será levado a registro deverá ser o estatuto/contrato social da empresa. Neste termo, a sociedade decide todas as questões que nortearão sua estrutura de funcionamento, bem como o seu tipo societário. A definição do tipo societário escolhido indicará a responsabilidade dos sócios frente aos compromissos assumidos pela empresa, bem como se poderá haver participação ou não de terceiros. Definirá ainda se o seu capital social se repartirá em ações ou quotas e se deverá elaborar um contrato social ou um estatuto social.

Holding, portanto, não é, por si só, um tipo societário, mas sim modelo de sociedade voltada à participação no capital social de outra. Significa ser uma sociedade independente, constituída com essa função específica.

Por fim, devemos levar em consideração alguns importantes fatores, conforme lições de Alexandre Nolasco:

“A escolha do tipo deverá levar em conta inúmeros fatores, como a responsabilização dos sócios com as obrigações da sociedade (no caso da sociedade limitada, a sócio responderá até o limite das do valor do capital social que subscreveu. Naquelas por ações, responderá de acordo com o valor das ações que detêm), questões tributárias, questões procedimentais (os artigos 80 e 81 da Lei 6.404/76 prevêem uma série de requisitos preliminares para que uma sociedade anônima constituída, como subscrição por pelo menos duas pessoas; realização de no mínimo 10% do valor das ações e depósito no Banco do Brasil ou em qualquer outro estabelecimento autorizado pela CVM) e questões que levam em conta o affectio societatis.” (NOLASCO, Alexande Linares, 2010, p.84).  

Poderão, portanto, ser constituídas como sociedades simples, sociedades limitadas e sociedades anônimas.

Conforme disposição do Código Civil brasileiro, mais precisamente em seu artigo 966, as sociedades simples não constituem atividade empresária.

Segundo Fábio Ulhoa, “atividade empresária será aquela que houver organização da produção voltada ao fornecimento de bens ou serviços por parte do empresário” (COELHO, Fabio Ulhoa, op.cit., p. 126).

A sociedade limitada surgiu devido aos interesses de pequenos e médios empreendedores que queriam se beneficiar, na exploração da atividade econômica, da limitação da responsabilidade, mas sem ter que se submeter às complexas formalidades que esta exige, nem se sujeitar a prévia autorização estatal. Como sociedade limitada, o Gladston Mamede vaticina:

“A sociedade simples aproxima-se do conceito de sociedade de pessoas, principalmente nas empresas familiares, sendo de suma importância a questão do affectio societatis. Entretanto, o contrato social poderá delimitar que seja constituída sob forma de sociedade de capital, o que não é comum, já que, na maioria das vezes, o vínculo pessoal existente é relevante.” (MAMEDE, Gladston, op.cit. p. 113).

Por fim, sociedade anônima é aquela constituída por ações, ou seja, seu capital social se divide em inúmeros tipos de ações e seus sócios são conhecidos como acionistas. Estes respondem pelas obrigações sociais até o limite do preço de emissão das ações que possuem. Ação pode ser conceituada como uma espécie de valor mobiliário, ou seja, títulos de créditos impróprios. É o valor mobiliário representativo de uma parcela do capital social da sociedade emissora que atribui ao seu titular a condição de sócio desta.

A sociedade anônima organiza-se e constitui-se através da elaboração do estatuto social, razão pela são conhecidas como estatutárias. Devido à sua complexidade, tem legislação própria. A Lei 6.404/76[3] prevê as condições para que este tipo societário se forme e se regule.

2 O PROBLEMA DA SUCESSÃO NAS EMPRESAS FAMILIARES

Família, por toda sua complexidade de interligações, é uma entidade basilar de qualquer ser humano. Entretanto, suas relações são extremamente difíceis, razão pela qual, todos os dias o judiciário recebe inúmeras ações ligadas a este tema.

Ramo especial do direito civil, suas especificidades a tornam importante figura para o Judiciário brasileiro, bem como para todas as ciências sociais que a acompanham. Quando este complexo assunto se relaciona à constituição de uma sociedade empresarial, outro não poderia ser o resultado senão uma serie de acontecimentos que podem, em inúmeras situações, levar até ao termino do empreendimento. E a quebra do affectio societatis é consagrada pela jurisprudência como condição determinante para a dissolução da empresa. Foi o que ficou explicito do acórdão do STJ, REsp: 1303284 PR 2012/0006691-5, onde a Relatora Nancy Andrigui considerou plausível a dissolução da sociedade anônima fechada de cunho familiar quando houve a quebra do affectio societatis[4].

Dando a devida importância a este tipo de sociedade, dados demonstram que, mundialmente, 60% das empresas são familiares. No Brasil, este número pode chegar a incrível marca de 90%[5], razão pela qual o estudo de alternativas que possam auxiliar em seu processo sucessório não pode ser deixado de lado.

Empresas familiares são aquelas fundadas com a atividade laboral de toda uma família. Na maioria das vezes, seu fundador exerce o cargo de administração, já que labutou durante toda sua vida para a constituição da sociedade. Com o passar dos anos, o nascimento de filhos, a participação de outras pessoas da família como sócios, o crescimento da empresa e o envelhecimento de seu sócio fundador, as relações vão se tornando mais complexas, até chegar o ponto de se ter realizar a transferência dessa administração, bem como de seu capital, para outras pessoas. O professor Gladston Mamede assim define:

“O ambiente familiar, muitas vezes, não é saudável ao diálogo, razão pela qual este processo pode-se tornar a maior fraqueza de uma sociedade. Ainda, outras questões podem ser destacadas, uma vez que também influenciarão no processo, como por exemplo, a incompetência dos herdeiros pra administrar a empresa”. (MAMEDE, Gladston, op.cit. p. 79).

Ao se tratar de sucessão de sociedades, principalmente da familiar, deve-se lembrar que todos os sócios, quando da morte do administrador, são herdeiros. Estes, por sua vez, não podem ser discriminados em relação aos demais.

Com a sucessão, as participações societárias serão transferidas para os sucessores, bem como o comando da empresa. Este último poderá ser exercido por todos ou por somente um deles. Entretanto, mesmo que mais capaz que os demais, essa tomada de frente das decisões por um único administrador pode ser o estopim para o inicio da disputa entre os herdeiros, já que, legal e acionariamente, estão em situação de igualdade.

Porém, em se tratando de questões familiares, muita atenção deve ser tomada neste momento. Decisões poderão ser postas em prática levando-se em conta histórias antigas ou sentimento de posse com a empresa. Assim, deixa-se de lado a aptidão e competência para se determinar o administrador. Ao invés disso, instaura-se uma disputa de egos e concepções que não ajudarão, em nada, a conservar o patrimônio social, bem como a desenvolver a sociedade.

Toda essa situação criada não gira em torno da estratégia negocial e visão empreendedora dos membros, mas sim em problemas familiares mal resolvidos.

Neste confuso cenário, a criação da holding surge como alternativa para que toda indecisão não seja transferida à sociedade. Seus votos não serão unanimes, bem como as disputas não cessarão.

Porém, o grande diferencial será a exteriorização de decisões uníssonas. A empresa familiar não participará de qualquer conflito interno familiar. Ao contrário, receberá da holding ordens certas e claras. Isto quer dizer que, por mais difícil que seja a votação na holding, seus reflexos não serão transmitidos à empresa operadora. Assim, não se perceberá, exteriormente à holding, qualquer abalo na administração ou confusão de decisões. Isso faz com que não haja fuga de investidores e as atividades permaneçam a serem desenvolvidas, demonstrando ao mercado, funcionários e sociedade o profissionalismo da gestão da empresa, mantendo sua credibilidade com consumidores, fornecedores e favorecedores.

Por fim, apesar de toda dificuldade que possa existir entre as relações pessoais, a família deve se preocupar com o planejamento sucessório através da constituição da holding, mas não somente através dela. Ainda, deve-se buscar também a qualificação profissional dos herdeiros que tenham interesse em assumir a administração do grupo e, principalmente, o relacionamento cordial dos sócios.

Por mais difícil que possa ser, separar problemas familiares das questões societárias é o passo fundamental para a manutenção do sucesso do empreendimento.

3 HOLDING FAMILIAR

Diante do exposto, já possuímos conceito formado sobre o que seria a sociedade holding, bem como empresa familiar. Portanto, importante agora que se crie um vínculo entre toda a explanação para chegarmos à conclusão sobre o que é a holding familiar e como ela deverá contribuir para o processo sucessório naquelas empresas. Essa também é a interpretação de Gladston Mamede:

“Como o próprio nome diz, holding familiar é aquela formada entre os membros de uma determinada família buscando a simplificação do processo sucessório, a organização do patrimônio e eficiência na gestão administrativa. Entretanto, não devemos entendê-la como uma espécie única de holding. Poderá ser de ambos os tipos, pura ou mista. Seu diferencial básico é ser formada exclusivamente por membros da família”. (MAMEDE, Gladston, op.cit. p. 5).

O que se busca nesse tipo de sociedade é a manutenção das ações e participações da empresa familiar na própria família, sem a participação de terceiros. Assim, perpetua-se os laços sanguíneos no empreendimento, tornando este um legado de gerações.

Outros bens podem ser transferidos à holding, principalmente à título de integralização do capital social. Deve-se destacar que este processo deverá ser realizado de maneira com que o patrimônio equivalha ao seu valor constante na declaração de bens da pessoa física, evitando-se, assim, a incidência do imposto de renda por ganho de capital sobre o valor a maior.

Todo este processo tem o condão de centralizar os bens, tanto da empresa familiar como da própria família, tornando a sua administração mais simples, já que todas as decisões serão orquestradas mediante analise da real situação financeira. Teremos diante de uma administração, a completude da situação financeira familiar. Isso fará com que se torne mais claro sua real situação frente ao mercado financeiro e as possibilidades de investimento.

Os sócios da sociedade holding são proprietários da participação societária que os couber no patrimônio. Lembrando, que esta participação deverá ser organizada em forma de cotas ou ações, dependendo do tipo societário que for eleito no ato de formação da holding, sociedade limitada ou por ações, respectivamente.

4 RESPONSABILIDADE DA SOCIEDADE HOLDING

Para analisarmos a questão da responsabilidade da sociedade controladora, devemos entender que se trata de uma pessoa jurídica como qualquer outra. Assim, deverá ser responsável por todos os atos de sua gestão, bem como as possíveis conseqüências do seu fracasso. Deverá observar os interesses das sociedades controladas, de maneira muito semelhante a qualquer acionista controlador, seja pessoa física ou jurídica. Portanto, a sociedade controladora será regida pelas mesmas regras de responsabilidade previstas para o acionista controlador. Fernando Netto Boiteux assim classifica:

“A chamada Lei das Sociedades Anônimas, ou Lei 6.404/76, prevê em seus artigos 116 e 117 os deveres e responsabilidades que essa espécie de acionista deverá ter para com a sociedade. Assim, podemos considerar que o acionista controlador detém a função de gerenciar as atividades e órgãos do grupo, sendo a peça fundamental para fazer que se alcance o objeto social.” (BOITEUX, Fernando Netto, 1988. p. 55).

O §1º do art. 117 da Lei 6.404/76 traz rol exemplificativo sobre as questões que poderão ser levantadas como referentes ao exercício abusivo de poder pelo sócio controlador. Assim entendeu o Superior Tribunal de Justiça ao julgar o Recurso Especial número 798264 de São Paulo[6]. Nessa oportunidade, compreendeu a Corte que o legislador utiliza-se de um modelo apenas exemplificativo para definir as condições nas quais se configuram os atos abusivos praticados pelo acionista controlador, dando inicio a sua responsabilidade.

Portanto, pode-se concluir que a sociedade holding, assumindo a função de controladora, assim como qualquer sócio controlador, deverá ser responsável pelos danos e prejuízos que vier a causar com sua administração. Ainda, deverá observar a gestão das controladoras no sentindo de direcioná-las sempre ao alcance do que foi previsto em seu objeto social, quando da sua constituição. Atividade ou atitudes que divergirem deste fim, podem enquadrar a holding no que se chama de abuso de poder acionário.

5 SUCESSÃO TRADICIONAL X SUCESSÃO ATRAVÉS DA HOLDING FAMILIAR

A partir de toda a análise que se buscou traçar neste trabalho, importante que se ressalte a maneira tradicional pela qual o processo sucessório é realizado, para termos um ponto de referencia como base de comparação e, por fim, conseguirmos concluir pela utilidade e eficiência do tema que se propôs debater.

A sucessão no direito brasileiro encontra-se regida nos artigos 1.748 a 2.027 do Código Civil. Nesse contexto, um dos institutos principais adotados pela nossa legislação, é o chamado droit de saisine[7]. Destarte, Maria Helena Diniz elucida ainda mais o tema e define:

“A morte gera automaticamente a abertura da sucessão, transmitindo aos herdeiros os bens de direito da herança. Aberta esta, no prazo de 30 dias deverá ser instaurado o inventário do patrimônio hereditário para fins de liquidação e possível partilha de herança”. (DINIZ. Maria Helena, 2007 v.6. p. 32).

Importante ainda que se destaque, a sucessão será constituída em duas maneiras: a primeira, conhecida como legítima, tem bases nos laços sanguíneos e familiares que restam da relação do de cujus com seus herdeiros. Já a segunda, é constituída pela vontade do falecido, que dispõe acerca do destino da herança ainda em vida, por meio de testamente ou qualquer outro instrumento de expressão da vontade aceito pelo direito brasileiro.

 Entretanto, esse processo, nas empresas familiares, pode muitas vezes acabar por comprometer de maneira vital a continuidade do empreendimento. Em alguns casos, por inúmeros motivos, sejam eles o despreparo dos herdeiros; a emoção da família; a disputa pela herança e a demora no processo de inventário, o bom andamento da empresa pode ser obstruído, o que, na grande maioria das vezes, se torna um passo irreversível para a diminuição na dinâmica e rendimentos, podendo culminar até na falência[8].

Como pudemos olvidar, o processo de constituição, desenvolvimento, aprimoramento e manutenção de uma empresa familiar é árduo e complexo, dependendo de inúmeros fatores. Entretanto, não podemos esquecer que teve origem no desejo de sócio fundador, que muitas vezes dedicou a integralidade de sua vida a fazer com aquela empresa fosse próspera.

Ao se constituir a holding, o sócio fundador da empresa irá doar para cada um de seus herdeiros o equivalente em cotas/ações. Assim, todos deixam de ser herdeiros e passam a se tornar acionistas da sociedade. Caso pretenda continuar no controle das atividades até a sua morte, cabe ao sócio fundador, no momento da doação, gravar as ações com cláusula de usufruto. Isso quer dizer que o processo de transferência já foi realizado, mas até que venha a se afastar do comando, ainda será, por direito, o sócio administrador. Entretanto, conforme podemos analisar no julgado do Resp 1424617 RJ 2013/0406655 pelo STJ:

COMERCIAL, CIVIL E PROCESSO CIVIL. USUFRUTO. CONSERVAÇÃO DA COISA. DEVER DO USUFRUTUÁRIO. NULIDADE. SIMULAÇÃO. LEGITIMIDADE. TERCEIRO INTERESSADO. REQUISITOS. OPERAÇÃO SOCIETÁRIA. ANULAÇÃO. LEGITIMIDADE. CONDIÇÕES DA AÇÃO. ANÁLISE. TEORIA DA ASSERÇÃO. APLICABILIDADE. DISPOSITIVOS LEGAIS ANALISADOS: ARTS. 168 DO CC/02; E 3º, 6º E 267, VI, DO CPC. 1. Ação ajuizada em 26.01.2012. Recurso especial concluso ao gabinete da Relatora em 10.12.2013. 2. Recurso especial que discute a legitimidade do nu-proprietário de quotas sociais de holding familiar para pleitear a anulação de ato societário praticado por empresa pertencente ao grupo econômico, sob a alegação de ter sido vítima de simulação tendente ao esvaziamento do seu patrimônio pessoal. 3. O usufruto – direito real transitório de fruir temporariamente de bem alheio como se proprietário fosse – pressupõe a obrigação de preservar a substância da coisa, sem qualquer influência modificativa na nua-propriedade, cabendo ao usufrutuário a conservação da coisa como bonus pater famílias, restituindo-a no mesmo estado em que a recebeu. 4. As nulidades decorrentes de simulação podem ser suscitadas por qualquer interessado, assim entendido como aquele que mantenha frente ao responsável pelo ato nulo uma relação jurídica ou uma situação jurídica que venha a sofrer uma lesão ou ameaça de lesão em virtude do ato questionado. 5. Ainda que, como regra, a legitimidade para contestar operações internas da sociedade seja dos sócios, hão de ser excepcionadas situações nas quais terceiros estejam sendo diretamente afetados, exatamente como ocorre na espécie, em que a administração da sócia majoritária, uma holding familiar, é exercida por usufrutuário, fazendo com que os nu-proprietários das quotas tenham interesse jurídico e econômico em contestar a prática de atos que estejam modificando a substância da coisa dada em usufruto, no caso pela diluição da participação da própria holding familiar em empresa por ela controlada. 6. As condições da ação, entre elas a legitimidade ad causam, devem ser avaliadas in status assertionis, limitando-se ao exame do que está descrito na petição inicial, não cabendo ao Juiz, nesse momento, aprofundar-se em sua análise, sob pena de exercer um juízo de mérito. 7. Recurso especial provido.

(STJ – REsp: 1424617 RJ 2013/0406655-4, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 06/05/2014,  T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 16/06/2014) (grifo nosso).

Podemos, aqui, ver a possibilidade do nu-proprietário das participações acionarias de questionar ações praticadas pelo usufrutuário administrador, visando a manutenção de seu interesse econômico e patrimonial:

Assim, com sua morte, transferem-se as participações a quem lhes couber de direito e o processo estará encerrado, devendo agora, em assembleia, eleger uma nova administração, se já não foi feito antes.

Percebemos a simplificação que toda essa operação gera. A título de elucidação, em relação ao processo normal de sucessão, teremos a incidência do imposto de transmissão causa mortis e doação (ITCMD) para todos os herdeiros quando da doação. Este imposto tem variação estadual e, portanto, sua alíquota dependerá dos valores estabelecidos pelo Estado que se registra o processo, conforme Constituição da Republica Federativa do Brasil, em seu art. 155, I.

A grande diferença que se tem nessa tributação é que ela incide somente sobre o valor dos bens transmitidos no momento da doação. Isso faz com que se pague um determinado imposto sobre um determinado bem. Entretanto, se este bem se valorizar depois, não há que se falar em nova cobrança. Assim, tem-se a possibilidade de, na morte do sócio fundador, as cotas valerem muito mais do que valiam quando transferidas, ou seja, houve uma economia no pagamento do tributo em relação ao que ocorreria no procedimento comum. Isso é esperado e planejado, tendo em vista que o objetivo de qualquer empresa é sempre expandir seu capital e seus lucros e nunca o contrário.

Ainda podemos citar a economia com honorários advocatícios, já que o processo se opera apenas com a sucessão das cotas/ações e o fim a extinção das clausulas de usufruto.

Por fim, podemos citar a economia de tempo na sucessão da administração da empresa, fator essencial quando se pensa em um mercado cada vez mais dinâmico no qual as empresas familiares estão inseridas.

De acordo com Tiago Pereira Barros, tabela abaixo é uma ótima forma de se avaliar questões referentes às vantagens e desvantagens de se constituir uma holding familiar como estrutura de planejamento sucessório:

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CONCLUSÃO

O modelo de sociedade familiar é o mais vigente em todo o mundo e no Brasil representa cerca de 80% ou mais das sociedades registradas. Por isso, muito se debate acerca da sua eficiência administrativa e gerencial, seus modelos societários, suas aplicações sociais e sua manutenção por diversas gerações.

Referente a isso, percebeu-se que a grande maioria das empresas familiares tendem a encerrar suas atividades na geração seguinte daquela do seu sócio fundador e somente raríssimas exceções tem o êxito de alcançar a terceira geração da família. Diante disso, traçamos uma abordagem acerca das principais dificuldades que passam esses empreendimentos para se manterem no mercado por tanto tempo, esbarrando então com questão da sucessão.

O que se pode perceber, a priori, é que o sistema legal aplicado às sociedades não mais atende aos requisitos de um mercado cada vez mais dinâmico, tendo em vista todas as relações comerciais digitais e globalização como um todo. Além disso, questões familiares históricas ainda geram grandes empecilhos à esta perpetuação, como disputas por poder, herança, imóveis e qualquer outro patrimônio que seja oriundo da sucessão. Assim, em meio a este turbilhão de alternativas, uma modalidade empresarial tipicamente utilizada por grandes empresas para controlar suas subsidiarias surge aos olhos como uma alternativa.

A constituição de uma sociedade holding se dará de maneira tradicional, como a das outras sociedades, sendo aconselhável que seu tipo societário fique entre a sociedade limitada e a sociedade anônima de capital fechado, uma vez que se pretende manter a questão do affectio societatis, já que estamos tratando de família, e da proteção do patrimônio individual dos sócios. Importante frisar ainda que a holding, por definição, deverá possuir em seu contrato/estatuto social o objetivo de participar do capital social de outra sociedade.

Assim, transfere-se todo o patrimônio da empresa familiar para a sociedade holding e nesta, o que antes se tornaria herança, transforma-se em cotas/ações. Essas participações acionárias serão doadas aos, antes herdeiros e agora sócios, podendo, através de clausulas de usufruto, manter a administração nas mãos do sócio fundado ate sua morte.

Desta maneira, a holding será a acionista majoritária da empresa familiar, emitindo decisões uníssonas e precisas, não transparecendo as questões familiares à sociedade operadora. Com isso, tem-se a credibilidade desta perante todo o mercado de investidores, funcionários e cliente, fazendo com que seja prospera.

Ainda, busca-se, na holding, o desenvolvimento de uma gerência profissional e estruturada, eliminando a questão dos casos de família interferindo no aspecto profissional da empresa familiar.

Portanto, inúmeros benefícios podem ser ressaltados deste processo, como a economia tributária em relação, por exemplo, ao ITCMD; economia com honorários advocatícios; economia com tempo que seria gasto no processo de sucessão pelas vias tradicionais.

Conclui-se, enfim, ser este modelo de sociedade muito atrativo às empresas familiares no que tange ao planejamento de sucessão e, consequentemente, à sua perpetuação no mercado por inúmeras gerações e não somente àquelas próximas à de seu sócio fundador, como é muito comum encontrarmos hoje.

 

Referências
BARROS, Tiago Pereira. Planejamento sucessório e holding familiar/patrimonial . Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3529, 28 fev. 2013. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/23837>. Acesso em: 23 abr. 2016.
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Notas:
[1] COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÂO FILHO, Calixto, op. Cit.; p. 172-173.

[2] BRASIL. Lei 8.934 de 18 de novembro de 1994. Registro público de empresas mercantis e atividades afins

[3] BRASIL. Lei 6.404 de 15 de dezembro de 1976, Sociedades por ações.

[4] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1303284 PR 2012/0006691-5, Brasília, DF, 16 abr. 2013. Disponível em http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23336126/recurso-especial-resp-1303284-pr-2012-0006691-5-stj. Acesso em: 05 mar. 2016. 

[5] OLIVEIRA, Djalma de Pinho Rebouças de. Empresa familiar: como fortalecer o empreendimento e otimizar o processo sucessório. São Paulo: Atlas, 1999. p. 20.

[6] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 798264 SP 2005/0190864-1, Brasília, DF, 06 fev. 2007. Disponível em www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?processo=798264&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO&p=true. Acesso em: 26 jan. 2016.

[7]Art. 1.784 do Código Civil. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.

[8] Afirmações elaboradas com base no sítio eletrônico do SEBRAE, onde se aponta os pontos fortes e fracos das empresas familiares.


Informações Sobre o Autor

Diogo Luís Manganelli de Oliveira

Graduado em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora; Pós-graduando em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais


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