A educação brasileira sob o enfoque do direito

Resumo: Este estudo tem como base a educação no atual contexto da Constituição brasileira. É manifesto que é dever do Estado assegurar uma educação de qualidade com acesso para todos com vistas à construção de uma sociedade mais justa. Para poder compreender melhor se houve avanços ou não, fez-se necessário abordar a história do sistema educacional brasileiro desde os primórdios, passando pela reforma protestante que foi um marco na educação mundial. Dessa forma foi possível traçar parâmetros que nos conduziram analisar a educação através do contexto social onde está inserido o indivíduo dando ênfase aos valores sociais e culturais a ele agregados. Por conseguinte, estabeleceu-se como diretriz na busca das respostas aos problemas enfrentados, o estudo dos dispositivos legais envolvidos na defesa das lides que envolvem a educação com o escopo de garantir que a relação Estado versus cidadão seja realizada de forma democrática e justa, elucidando-se dessa forma o tema proposto.

Palavras Chave: Educação. Constituição. Sociedade. Direitos. Poder Judiciário.

Abstract. This study are based on education in the current context of the Brazilian Constitution. It is clear that it is the State's duty to ensure a quality education with access for all with a view to building a more just society. In order to better understand whether there was progress or not, it was necessary to address the history of the Brazilian educational system from the beginning, through the Protestant Reformation that was a milestone in global education. Thus it was possible to trace parameters that led us to analyze education through the social context in which the individual, emphasizing the social and cultural values ​​to it aggregates is inserted. Therefore, it was established as a guideline in the search for answers to the problems faced, the study of legal provisions involved in the defense of litigations involving education with the aim of ensuring that the relationship State versus citizen being held in a democratic and fair manner, elucidating If thus the theme.

Keywords: Education . Constitution. Society. Rights. Judicial power.

Sumário: Introdução. 1. A história da educação no Brasil. 2.A educação depois da Constituição de 1988. 3. O Direito à educação no Brasil. 4. A judicialização da educação. 5. O Direito à educação nos dias atuais. 6.Considerações finais. 7. Referências.

Introdução

A história do direito começa antes mesmo do surgimento das grandes civilizações. Junto vieram os direitos fundamentais intrínsecos aos seres humanos que vão muito além do conjunto de regras e princípios que regem a vida social contidos nas constituições e legislações esparsas.

E dar oportunidades e criar facilidades à uma educação de qualidade, onde o indivíduo possa estruturar o seu aprimoramento moral, intelectual, educacional, espiritual e social só é possível se houverem garantias jurídicas criadas por meio de leis e outros meios que tenham esse objetivo.

Para identificar se isso de fato é uma realidade em nosso país, é imperativo que seja delineado como a evolução da educação percorreu os caminhos da história brasileira fazendo uma relação entre os fatos mais marcantes e que envolvem o instituto do direito. Isso se faz com a intenção de analisar como foram inseridas as políticas voltadas à educação e como essas políticas estão sendo aplicadas atualmente.

Através do estudo de como houve essa materialização da educação no Brasil, percebe-se que existiu uma manipulação ideológica das classes dominantes que geraram desigualdades e distanciamentos, tendo como consequência uma grande desestabilização nas relações sociais.

Diante do estudo realizado dos temas abordados, obteve-se um parâmetro de como os legisladores estão debatendo atualmente as questões educacionais bem como pode-se ter a visão do Estado gestor, o que culminou no entendimento do dever que esse Estado têm de concretizar uma educação de qualidade à todos os indivíduos, sem qualquer tipo de distinção.

Quando se faz uma abordagem do tema proposto vinculada as questões legais, pode-se considerar a existência ou não de uma educação de qualidade e um melhor desenvolvimento social e cultural da população envolvida, com vistas a perceber se, de fato, essa educação de qualidade é uma opção para o combate as mazelas do Estado brasileiro, tais como a criminalidade, a violência e as diferenças culturais.

Com isso busca-se neste artigo discutir como o indivíduo é visto perante a sociedade, se esse indivíduo de fato têm direito à educação sob a ótica dos educadores mais conceituados, bem como está sendo tratada a judicialização da educação e a viabilização do direito à educação no Brasil.

Para tanto foi utilizado o método da pesquisa bibliográfica em obras correlatas e afins, como também em periódicos e sites de bibliotecas virtuais

1. A história da educação no Brasil

O estudo da educação brasileira, nos leva a buscar subsídios no período renascentista durante a Reforma Protestante, onde foi instituído o controle do Estado sobre a educação como um todo em razão de ser a religião o mote que sustentava esse Estado.

EBY Frederick afirmava que:

“nenhum aspecto da vida humana ficou intacto, pois abrangeu transformações políticas, econômicas, religiosas, morais, filosóficas, literárias e nas instituições. Foi, de fato, uma revolta e uma reconstrução do norte” (EBY, 1976, p. 52)

E, apesar de teoricamente essa reforma ter a intenção de cuidar do coletivo, é sabido que essa educação que pregava Martinho Lutero era voltada à elite burguesa, sobrando para aos menos abastados apenas o que era indispensável, como por exemplo, a doutrina cristã.

Sabe-se que a época a igreja era poderosa e única responsável pela organização e manutenção da educação, vindo a sofrer oposição apenas a partir do século 16, quando surgiram os Estados-Nações.

Diz o historiador Rev. José Carlos de Souza que

“o comércio, a atividade pública e as próprias igrejas, entre muitos outros setores, possuíam demandas que requeriam cuidadoso preparo. Toda mudança social traz novos desafios. Certamente, por essa razão, Lutero sentiu-se impelido para falar e se pronunciou de modo enfático sobre a necessidade das autoridades civis investirem na educação”. (DE SOUZA, 1979, p. 115)

É inegável a contribuição da Reforma Protestante no campo da educação. Segundo Luzuriaga

“A contribuição da Reforma no contexto educacional é tamanha que, de acordo com o educador espanhol Lorenzo Luzuriaga, a educação pública teve origem nesta época. O movimento já estimulava a educação pública, universal e gratuita, para quem não poderia custeá-la. A educação pública, isto é, a educação criada, organizada e mantida pelas autoridades oficiais – municípios, províncias, estados – começa com o movimento da Reforma religiosa”. (LUZURIAGA, 1977, p. 87)

O professor Alvori Ahlert explica que Martinho Lutero desafiava a sociedade a promover uma educação integral: “Lutero queria todos os cidadãos bem preparados, para todas as tarefas na sociedade. Propôs uma escola cristã que visasse não uma abstração intelectual, mas a uma educação voltada para o dia-a-dia da vida”. (AHLERT, 2007, p. 154)

Ahlert afirma ter Martinho Lutero escrito que

“Pela graça de Deus, está tudo preparado para que as crianças possam estudar línguas, outras disciplinas e história, com prazer e brincando. As escolas já não são mais o inferno e o purgatório de nosso tempo, quando éramos torturados com declinações e conjugações. Não aprendemos simplesmente nada por causa de tantas palmadas, medo, pavor e sofrimento”. (AHLERT, 2007, p. 155)

A educação de qualidade construiria indivíduos capacitados, honestos e responsáveis. Era exatamente esta a necessidade do novo modelo de sociedade que surgia na época.

Com isso surgiram nos séculos 16 e 17 na Alemanha as instituições de ensino determinadas pelo progresso da religião, com conotação bastante idêntica com o desenvolvimento da teologia protestante.

Diz Nestor Beck que

“a Universidade de Wittenberg atraiu um número crescente de novos alunos, pela fama que passou a ter, entre os anos de 1517 a 1520. A Reforma Protestante deixou a concepção de que a ignorância é o grande mal para a verdadeira religião, por isso, superá-la é uma responsabilidade de todos. “O melhor e mais rico progresso para uma cidade é quando possui muitos homens bem instruídos, muitos cidadãos ajuizados”, dizia Martinho Lutero”. (BECK, 2011, p. 235)

No Brasil a educação acontecia conforme a prática, ou seja, usava-se os costumes e o cotidiano pois não haviam escolas e nenhum método. O que era utilizado era a experiência como forma de garantir a difusão à outras pessoas do que havia sido aprendido por determinado grupo.

Na época da colônia onde a exploração da classe trabalhadora era manifesta, a partir do momento que passou-se a operar mudanças em relação a produção de bens materiais quanto ao nível de valores, também operou-se mudanças no modo de comunista primitivo para o modo capitalista e mercantil, o que gerou mudanças também no modo de se enxergar a educação.

Ainda nessa época a educação passou a ser a formadora apenas da elite burguesa com a intenção única de desempenhar a superioridade cultural e política dessa classe. Tinha como objetivo principal formar padres e administradores. E isso perdurou por dois séculos quando o Estado, retirando da educação aquela conotação de servidora da fé passando a servir aos interesses do Estado.

Com isso percebeu-se que era preciso trazer novos ambientes com a introdução de disciplinas voltadas a profissionalização do indivíduo para que ele pudesse atender as necessidades da modernização da época. Mas ainda esse avanço se deu sem que houvesse nenhum planejamento educacional que o sustentasse.

Freitag sustentava que

o modelo seletivo da educação perdurou por todo o período agroexportador, ou seja, o período Colonial, Império e Primeira República, concretizando as necessidades do protótipo social soberano da época. Objetivava-se prosperar a ordem social e econômica, pregando a desnecessidade da qualificação da mão de obra para o trabalho rudimentar.

O ensino fundamental instituído pelas províncias (desprovidas de recursos e de interesse pela educação popular) contava com poucas e mal distribuídas escolas, com exceção da capital do império, onde as escolas eram projetadas por meio do governo central. Os escravos eram impedidos de estudar e as classes trabalhadoras livres eram alvo de preconceitos e descrédito”. (FREITAG, 1989, p. 25)

Esse movimento trouxe uma certa independência política que por sua vez exigia um fortalecimento da sociedade através da formação de indivíduos com capacidade técnica e administrativa capazes de atender a essa necessidade. Daí o surgimento das escolas militares e de ensino superior no início do século XIX. Mas ainda assim, essas escolas surgiram para as elites e não para o povo.

Foi Cunha Bueno que introduziu uma linha básica onde a divisão do ensino era fator importante a ser considerado. Dessa forma, foi criada a sistematização em graus, sendo o primário a educação voltado para todos os cidadãos de todas as regiões, o secundário somente para as províncias e para a União ficou destinado o ensino superior.

Segundo Xavier, Ribeiro e Noronha novas reformas do sistema educacional vieram a partir de 1879, sendo a reforma de Conto Ferraz a que ficou incumbida de regulamentar o ensino superior, e a de Leôncio de Carvalho, que veio a atribuir liberdade à educação. (XAVIER, 2010, p. 95)

Com o advento da Constituição de 1934, a educação passou a ser olhada como maneira de formar a personalidade do indivíduo. Outras conquistas foram introduzidas tais como a obrigatoriedade das empresas proverem o ensino primário de forma gratuita, bem como a contratação de professores com a introdução do concurso público e, por fim, a obrigatoriedade de se criar o Plano Nacional da Educação que era desenvolvido pelo Conselho Nacional da Educação.

Ainda segundo Xavier, Ribeiro e Noronha em 1968

“Houve uma ampliação da crise na educação brasileira no período da política de recuperação econômica, devido ao crescimento da demanda educacional a partir do ano de 1968.

Tal crise propiciou acordos internacionais de assistência técnica e cooperação financeira à educação brasileira nos anos 1960, entre o Ministério da Educação brasileiro (MEC) e a United States Agency for International Development (USAID).

Em 1971, o ensino de primeiro e segundo graus passou por uma reformulação, passando a ter como objetivo geral proporcionar ao educando a formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de autorrealização, qualificação para o trabalho e preparo para o exercício consciente da cidadania”. (XAVIER, 2010, p.99)

2. A educação depois da Constituição de 1988

A educação é tema recorrente em quase todas as Constituições pelo mundo e no Brasil não podia ser diferente, já que foi conferida à ela status de direito fundamental insculpida no rol dos direitos sociais de nossa Carta Magna.

Bobbio em sua obra A era dos direitos afirma que

“no que tange às competências acerca do tema, determinou a Constituição vigente que compete privativamente à União legislar sobre as diretrizes e bases da educação no Brasil, embora tenha feito constar como competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios proporcionar os meios de acesso à educação e legislar, concorrentemente, sobre os demais temas ligados à educação. Atualmente, com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 53/2006, compete aos Municípios manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental”. (BOBBIO, 2004, p. 87)

Dentre os dispositivos constitucionais que princípios norteadores da educação brasileira, é preciso destacar os artigos 206 e 207. O primeiro destaca a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, a gratuidade do ensino público e a garantida de qualidade do mesmo. O parágrafo único do mencionado artigo determina que lei posterior irá determinar quais são as categorias de trabalhadores envolvidos com a educação básica e fixa prazo para elaboração de planos de cargos carreiras e salários.

Já o artigo 207 assegura que haverá continuidade de aprendizado e de busca de conhecimento porque para as instituições voltadas às pesquisas estará assegurada autonomia em razão do princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.

Para assegurar aplicabilidade a esses dispositivos, dispõe o artigo 212 que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não poderão deixar de aplicar na manutenção e desenvolvimento do ensino respectivamente 18% (dezoito por cento) e 25% (vinte e cinco por cento) da receita de impostos inclusive as advindas de transferências.

Conclui-se por ilação que há consubstanciado na Constituição e nas leis esparsas que os direitos à educação estão assegurados, mesmo que a despeito do que a prática nos mostra, já que em alguns casos a realidade é outra. Há deveres do Estado insculpidos nesses dispositivos que se aplicados conforme escritos, nos colocariam em uma posição de destaque no mundo. O que se têm que buscar é uma integração entre essas normas e a efetividade das ações governamentais para que se alcance essa realidade.

Há que se ressaltar que é dever constitucional do Estado a obrigação de fornecer condições para que haja bem-estar social, e uma das condicionantes para alcançar tal objetivo é buscar entender como se integra a dignidade humana e as teorias que discorrem sobre os direitos fundamentais os direitos sociais em paralelo aos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da discricionariedade, já que atualmente os indivíduos estão mais inteirados a respeito dos direitos fundamentais que lhe são compatíveis.

Ressalta Penna que “no sentido de que o rol de direitos fundamentais nas constituições costuma regular de modo excessivamente aberto e controverso a questão acerca da estrutura normativa mínima do Estado e da sociedade.” (PENNA, 2011. P. 18)

Dessa forma, resta claro que há de fato uma obrigação direcionada ao Estado para que cumpra os deveres impostos constitucionalmente na busca da concretização das políticas educacionais, e isso ficou mais evidenciado após o advento da Constituição de 1988 que elevou a educação a níveis de essencialidade.

Mas essa condição só será alcançada se efetivamente a população envolvida tiver a real noção da importância que a educação têm em suas vidas e exigir que a mesma seja de qualidade e indistinta.

Não é exagerado lembrar que uma educação de qualidade oportunizada indistintamente irá proporcionar à nação brasileira, condições de resolução de muitos dos problemas que assolam o nosso país, porque um povo mais culto é um povo que cobra mais, que exige mais e, consequentemente, têm mais voz e obtém resultados práticos e efetivos.

É certo que uma atitude voltada para o alcance de uma educação nos moldes dos países mais desenvolvidos contribuiria em muito para a diminuição da criminalidade e violência, causa de muitos dos nossos problemas sociais. Essa ação estatal bem conduzida têm como escopo alcançar o bem estar social da nação.

3. O direito à educação no Brasil

Falar em educação no Brasil, necessariamente nos conduz a estudarmos os parâmetros internacionais que a regem, em razão da extensão construída através da cidadania que é a base dessa construção e passagem obrigatória para transmissão reconhecimento de outros direitos inerentes à sociedade.

Segundo Cury

“A Relatoria Nacional para o Direito Humano à Educação  analisa à luz das normas legais os campos legislativos nacional e internacional  que regulamentam  o direito a educação e das políticas públicas brasileiras que tiveram vigência nos últimos anos”. (CURY, 2005, p. 28)

Em razão disso, é bastante razoável que vários sejam os entendimentos a respeito do tema, e várias também são as conclusões que foram alcançadas através dos tratados internacionais que versaram e que exerceram influência nas políticas educacionais do Brasil que apontaram a divisão entre a literatura e a prática que revelou uma polêmica positiva e apontou os rumos para as reformas que aconteceram na educação nos últimos anos.

E esses avanços alcançados tratam a educação como direito humano, e é preciso dar crédito que isso só foi possível através das lutas dos movimentos sociais históricos que forçaram a comunidade internacional a debater o tema e apontar soluções.

Segundo a interpretação de Cury sobre o Relatório do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966 ratificado pelo Decreto nº 591 de 6 de julho de 1992

“a literatura trata mais do tema da Educação para o Direito Humano e muito pouco sobre Educação como Direito Humano, esta última parte do principio que o ser humano  é  único ser vivo  com a capacidade ontológica de transformar o meio em que vive e ao mesmo tempo conviver em sociedade, buscando sua condição de existência no mundo. Deste modo a Educação é um direito de todos, conforme expressa a Constituição Federal (art.205)”. (BRASIL, 1992)

O texto base desse tratado preconiza que

“Os Estados Partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda a pessoa à educação. Concordam que a educação deve visar ao pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido da sua dignidade e reforçar o respeito pelos direitos do homem e das liberdades fundamentais. Concordam também que a educação deve habilitar toda a pessoa a desempenhar um papel útil numa sociedade livre, promover compreensão, tolerância e amizade entre todas as nações e grupos, raciais, étnicos e religiosos, e favorecer as actividades das Nações Unidas para a conservação da paz. (art. 13 §1)”. (BRASIL, 1992)

Em sentido mais amplo, infere-se que a educação têm que ter como  prioridade o alcance da efetiva aplicação dos direitos humanos conforme apontado pelo artigo 13 do mesmo diploma.

“Os Estados Partes no presente Pacto reconhecem que, a fim de assegurar o pleno exercício deste direito: O ensino primário deve ser obrigatório e acessível gratuitamente a todos; O ensino secundário, nas suas diferentes formas, incluindo o ensino secundário técnico e profissional, deve ser generalizado e tornado acessível a todos por todos os meios apropriados e nomeadamente pela instauração progressiva da educação gratuita; O ensino superior deve ser tornado acessível a todos em plena igualdade, em função das capacidades de cada um, por todos os meios apropriados e nomeadamente pela instauração progressiva da educação gratuita;  A educação de base deve ser encorajada ou intensificada, em toda a medida do possível, para as pessoas que não receberam instrução primária ou que não a receberam até ao seu termo”. (BRASIL, 1992)

Desse entendimento, após a Constituição de 1988 o legislador brasileiro concebeu a educação como um direito de todos, indistintamente. Temos que o marco regulatório dessa mudança se deu com a aplicação de políticas educacionais voltadas para o entendimento de que se iniciaria pela educação fundamental e básica, passando pelo ensino médio e finalizando com o ensino superior.

Nessa conjuntura, o texto constitucional é rígido quando o assunto é a educação porque dá à ela caráter prioritário no aspecto quanto ao acesso e a universalização em razão do resultado pretendido ser a ascensão social baseada em uma boa formação humana.

Nesse entendimento Cury destaca que

“O direito à educação parte do reconhecimento de que o saber sistemático é mais do que uma importante herança cultural. Como parte da herança cultural, o cidadão torna-se capaz de se apossar de padrões cognitivos e formativos pelos quais tem maiores possibilidades de participar dos destinos de sua sociedade e colaborar na sua transformação”. (CURY, 2005, p. 7/8)

Dessa forma, é apropriado que tenhamos uma visão de direito à educação além da simples garantia de entrada ao sistema de educação pública e gratuita. O direito à educação é o meio indispensável para se atingir o principal objetivo que é o aprendizado.

Cury ressalta que

“O discurso das politicas educacionais nos últimos anos é voltado à universalização do ensino, a equidade, o acesso e permanência do aluno na escola, bem como a expansão do ensino de qualidade dentro dos padrões mínimos observados no inciso IX do art. 3º da LDB. Também é congruente com a Constituição, quando nos art. 12,13,14 apresenta como direito a oferta do ensino de qualidade, sendo direito do aluno o acesso ao conhecimento, e cabe aos estabelecimentos de ensino dar  condições para o ato, tendo como objeto de planejamento o projeto politico pedagógico, sendo dever docente participar na sua elaboração. No art. 15, reforça quando infere a necessidade do sistema primar não só pelo acesso, mas também  a  permanência”. (CURY, 2005, p. 12)

Mas é sabido que a nossa realidade é outra. Motivado pela crise econômica, o Estado brasileiro foi conduzido a se posicionar de forma a se adequar a essa nova conjuntura. Parcerias com instituições particulares, privatizações e outras ações foram tomadas em contramão ao que foi conquistado ao longo dos tempos. Essas ações só fizeram aumentar o tamanho do fosso da desigualdade social em toda a sociedade.

Conclui-se, com isso, que o que vale atualmente é a dura lei do mercado em detrimento das conquistas duramente conseguidas. Hoje, principalmente a educação superior é tratada como mercadoria e não como um direito social fundamental, um bem público.

4. A judicialização da educação

A legislação pátria conclama o direito à educação como um direito social, sendo, portanto, direito de todos e dever do Estado. Contudo, não é isso que ocorre no nosso cotidiano. Para que esse direito seja exercido em sua plenitude há um caminho tortuoso a ser trilhado que indubitavelmente passa pela judicialização.

Há em nosso ordenamento jurídico leis que asseguram o acesso à educação à todos de forma a não privar ninguém desse direito. A Constituição, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, o Estatuto da Criança e do Adolescentes são exemplos disso.

Barcellos em sua pesquisa aduziu que

“no que diz respeito aos objetos que podem ser alvo de controle jurisdicional, quando se trata de políticas públicas em matéria de direitos fundamentais, a fixação de metas e prioridades, apresentação de um resultado final esperado, a quantidade de recursos a ser investida, o atendimento ou não das metas fixadas pelo próprio Poder Público, a eficiência mínima na aplicação dos recursos públicos devem ser o norte da Administração Pública. E, portanto, se as metas do Plano nacional de educação, assim como as do orçamento público, não são alcançadas deveriam ser alvo de controle jurisdicional”. (BARCELLOS, 2008, p. 33)

Muito embora tenhamos a convicção de que o Estado Social alcançado pela Constituição de 1998 está distante do que já foi alcançado pelos países europeus, é imperioso aceitar que houve um progresso evidente no sentido de reconhecer a educação como direito social.

Santos conclama que

“a Constituição brasileira de 1988 foi responsável pela ampliação de direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais, e os de terceira geração: direitos do consumidor, meio ambiente, qualidade de vida, além de ampliar as “estratégias e instituições das quais se pode lançar mão para invocar os tribunais”. Devido a esse fato, a redemocratização e o novo marco constitucional tendem “a aumentar as expectativas dos cidadãos de verem cumpridos os direitos e as garantias consignadas na Constituição, de tal forma que, a execução deficiente ou inexistente de muitas políticas sociais pode transformar-se num motivo de recurso aos tribunais”. (SANTOS, 2014. P. 55)

Isso originou nas pessoas uma maior consciência de seus direitos e não só isso, as motivou à buscarem esses direitos quando os mesmos são negligenciados pelo Estado. E recorrer ao judiciário é o caminho para isso. Mas isso não é inerente ao indivíduo. Ainda que o mesmo tenha essa consciência, ainda há a necessidade de se perceber se esse dano é reparável. E essa é uma conduta que ainda encontra resistência em determinados indivíduos de determinadas classes sociais.

Mesmo nas pessoas que têm a consciência definida de seus direitos, a busca pelos mesmos encontra resistência em reivindicá-los em razão do pouco conhecimento de seus direitos.

Nesse contexto, Cury ressalta que

“o processo de judicialização da educação ocorre “quando aspectos relacionados ao direito à educação passam a ser objeto de análise e julgamento pelo poder judiciário”.  Esse fenômeno se verifica quando da ofensa ao direito à educação decorrentes de: “(a) mudanças no panorama legislativo; (b) reordenamento das instituições judicial e escolar; (c) posicionamento ativo da comunidade na busca pela consolidação dos direitos sociais”. (CURY, 2010, p. 81)

O que se percebe, é que com o advento da nova Constituição houve uma crescente demanda na procura do judiciário para reivindicar e questionar as políticas voltadas à educação.

Essa procura propiciou demandas em demasia que geraram conflitos de toda ordem no judiciário, levando juízes e até desembargadores a proferirem decisões diferentes para casos semelhantes, o que fez com que o Supremo Tribunal interferisse consolidando entendimento igual sobre os temas propostos em demandas repetitivas.

Esse “desentendimento” anterior evidenciou que nem sempre acessar o judiciário é o melhor caminho em razão de que os quadros muitas vezes não estão preparados para julgar causas que envolvam as dinâmicas do cotidiano da educação.

Outro fator que contribui para o pequeno acesso ao judiciário é a demora em se alcançar uma tutela capaz de satisfazer aos anseios da sociedade envolvida. Anteriormente a Constituição de 1988 essa morosidade induzia nas pessoas o sentimento de que nada seria resolvido por essa via.

A partir do momento que houve uma maior conscientização das pessoas de que era possível lutar por seus direitos, aliados a implementação dos movimentos sociais que contribuíram muito para organizar a sociedade de modo a buscar efetivamente esses direitos, houve uma procura maior pelo judiciário na tentativa de resolver os conflitos oriundos da educação.

Essa mudança está intrinsicamente ligada a baixa efetividade dos direitos declarados e com o aparecimento de leis e instrumentos jurídicos que possibilitam uma maior facilidade de acesso a justiça.

De acordo com o entendimento de Arantes

“no Brasil, a expansão do Judiciário ainda pode ser relacionada ao desenvolvimento e crise do estado-providência, e, também, à ampliação do acesso à Justiça dos atores coletivos da sociedade. Todavia, é preciso considerar que embora não tenha se construído no Brasil um estado social semelhante ao dos países europeus, se aceita que a CF/88 seja uma tentativa de construção de um estado de Bem-estar social, no sentido que reconhece os direitos sociais. no entanto, foi aprovada em um momento histórico mundial de crise deste modelo de estado. em outro contexto, as emendas Constitucionais dos anos 90 retratam um processo de reforma do estado brasileiro”. (ARANTES, 2013, p. 94)

Dessa forma, no cenário que nos encontramos onde a exigência pelo direito é crescente principalmente em razão das demandas também crescentes, a participação dos atores envolvidos (Partes, Advogados, Juízes, Ministério Público) na busca pelo cumprimento das leis e consequentemente da efetivação do direito é de suma importância.

5. O direito à educação nos dias atuais

O Direito à educação é reconhecido constitucionalmente inclusive como direito social e é exercido dentro do espaço do indivíduo independente de sua condição social.

E buscar saber se esse direito fundamental está sendo exercido é o objetivo deste trabalho.

Nesse sentido Duarte analisa:

“Na realidade, o fato de a Constituição atual ter enunciado de forma expressa o direito público subjetivo como regime específico do direito ao ensino fundamental conferiu aos indivíduos, irrecusavelmente, uma pretensão e uma ação para exigirem seus direitos, o que, no caso de outros direitos sociais, vem suscitando maiores objeções, pois o seu objeto primário é a realização de políticas públicas”. (DUARTE, 2004, p. 113)

O que se depreende é que o Estado muitas vezes procura eximir-se de sua responsabilidade invocando a responsabilidade intrínseca que lhe é peculiar constitucionalmente, o que na prática deve ser combatido inclusive utilizando o judiciário para que se tenha efetivo acesso à educação. A Constituição inclusive responsabiliza o gestor público que não cumpre de forma regular a aplicação desse direito fundamental.

Como já dito anteriormente, além da Constituição, leis esparsas também regulamentam o direito à educação como o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e da Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB e o Plano Nacional de Educação são alguns exemplos dessas leis.

Essa legislação têm a mesma conotação que é definir o dever do Estado e os direitos de todos os cidadãos, onde a ótica é garantir escola de qualidade para todos através de criação de mecanismos para que isso se efetive.

A partir do momento que impôs-se a obrigação de se abrigar na escola fundamental todas as crianças, passou-se a conviver mais de perto com as diferenças e características pessoais o que levou a desmistificar a homogeneização padrão que era recorrente passando a individualizar o tratamento à essas crianças.

 Em um primeiro momento, essa mudança na legislação intensificou os direitos à educação, mas pegou o judiciário despreparado para suprir a demanda que surgiu. Os atores envolvidos (MP, Defensoria, Segurança, Conselhos) foram desafiados a enfrentar o problema e hoje já demonstram estar mais organizado para enfrentar a situação.

Esse preparo gerou possibilidade de que as demandas fossem distribuídas e processadas com mais efetividade. Muniz diz que

“Quando um destes direitos relacionados à educação não for devidamente satisfeito pelos responsáveis públicos ou, quando for o caso, privados, gera aos interessados, a possibilidade do questionamento judicial. Daí o surgimento da JUDICIALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO, que ocorre quando aspectos relacionados ao direito à educação passam a ser objeto de análise e julgamento pelo Poder Judiciário. Em outros termos, a educação, condição para a formação do homem é tarefa fundamental do Estado, é um dos deveres primordiais, sendo que, se não o cumprir, ou o fizer de maneira ilícita, pode ser responsabilizado. Esta responsabilização com a intervenção do Poder Judiciário consolida o processo de judicialização da educação”. (MUNIZ, 2012 p. 211)

Há que se reconhecer que a instrumentalização do judiciário para receber demandas educacionais que estão sendo processadas e julgadas muitas vezes de acordo com o almejado pelos autores de ações voltadas à educa provocou melhores condições para a maioria das instituições voltadas ao ensino, desde o nível básico até o nível superior.

Muitos conquistas foram realizadas após a vigência da nova Constituição, entre elas o aumento significativo do índice de escolaridade, a inserção das crianças no ensino fundamental em cumprimento ao comando legal que impõe ao gestor essa obrigação

Pode-se concluir que a intervenção do judiciário é de suma importância principalmente por não se limitar apenas a casos que envolvam responsabilidade civil ou criminal de pais e educadores, ou seja, questões voltadas à educação passaram a ser suscitadas com fito de se proporcionar uma visão mais social das dificuldades encontradas na educação.

6. Considerações finais

Muito embora é sabido que a educação é um direito social público e subjetivo decorrente da Constituição e assegurado por leis esparsas, e que a busca por essa garantia se dá tanto na esfera política como administrativa, a judicialização da educação passou a ser um instrumento utilizado para que, de fato, esses direitos sejam garantidos e tenham efetividade.

A partir desse marco inicial, procedeu-se mudanças positivas na interpretação e na exigibilidade da lei quando as ações envolviam reinvindicações voltadas à educação, que levaram inclusive a decisões diferenciadas tanto na primeira quanto na segunda instância, consolidando uma jurisprudência mais favorável aos educadores.

Há que ser considerada essa ampliação em todos os aspectos, dentre eles que o judiciário ainda é ineficaz em razão principalmente da falta de conhecimento de seus membros quando o assunto envolve a dinâmica educacional. Esse despreparo muitas vezes induz as pessoas a questionarem a efetividade dessa judicialização justamente pelo fato de ser notória a morosidade em se julgar os processos.

Mas ainda assim, utilizar o judiciário para reivindicar direitos e políticas educacionais foi o meio encontrado pela população após a mesma ter se conscientizado desses direitos. É fato que é dever do Estado através de sua atividade jurisdicional dar guarida aos direitos dos seus cidadãos concedendo-lhe a tutela útil e efetiva.

Infere-se que a sociedade atual procurou firmar relação intrínseca com a justiça nessa busca da afirmação pelo Direito. E essa relação gerou frutos principalmente quando se observa as decisões proferidas quando das ações que envolvem a educação serem, de certa forma, acolhidas em sua totalidade quando resta evidenciado o vilipêndio aos seus direitos.

Conclui-se que judicializar a educação é buscar maior representatividade e instrumentos de defesa aos direitos que foram atingidos pelo Estado. O que se pretende com isso é que se avance em direção a construção de uma sociedade que cobre do Estado a sua real função que a de guardar os direitos fundamentais de seus cidadãos e que esse mesmo Estado cumpra a sua obrigação de transformar o legal em real.

 

Referências
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Informações Sobre o Autor

Rubens Pinto Fiuza Junior

graduado em Direito pela Universidade de Cuiabá, pós-graduado em Docência para o Ensino Superior pela Faculdade Afirmativo – FAFI/MT, pós-graduando em Direito Processual Civil – Novo CPC pela Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT


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