Resumo: O presente trabalho visa analisar parte dos dados no relatório emitido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), no ano de 2015, sobre o trabalho infantil. O referido documento aponta que 168 milhões de crianças no mundo realizam esse tipo de trabalho, evidenciando que tal situação é fruto da exploração humana e das marcantes desigualdades socioeconômicas existentes em todo o mundo, implicando em evasão escolar e no cerceamento da própria infância. Esses dados denotam o desrespeito aos direitos humanos assegurados às crianças, bem como o desatendimento ao direito fundamental à educação que também lhes é garantido[1].
Palavras-chave: direito da criança e do adolescente; trabalho infantil.
Resumen: El presente trabajo pretende analizar parte de los datos en el informe emitido por la Organización Internacional del Trabajo (OIT), en el año 2015, sobre el trabajo infantil. Este documento señala que 168 millones de niños en el mundo realizan este tipo de trabajo, evidenciando que tal situación es fruto de la explotación humana y de las marcadas desigualdades socioeconómicas existentes en todo el mundo, implicando en la evasión escolar y en el cercenamiento de la propia infancia. Estos datos denota el incumplimiento de los derechos humanos asegurados a los niños, así como el desatendimiento al derecho fundamental a la educación que también se les garantiza.
Palabras clave: derecho del niño y del adolescente; trabajo infantil.
Sumário: Introdução. 1. Da proteção à infância. 2. Do direito fundamental à educação e proteção ao trabalho infantil. 3. O Trabalho Infantil na Contemporaneidade. Conclusão. Referências.
Introdução
A proteção ao direito das crianças e dos adolescentes é garantida, no Brasil, pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Tal legislação trata-se de um grande avanço, pois dispõe sobre a proteção dos infantes contra toda e qualquer forma de violência, bem como visa à garantia de seu desenvolvimento integral, conferindo, a este grupo de pessoas, prioridade absoluta.
A Constituição Federal, em seu art. 227, declara que é dever da família, da sociedade e do Estado proteger crianças e adolescentes de todas as formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Percebe-se que a doutrina da situação irregular, presente no Código de Menores de 1979, foi substituída pela doutrina da proteção integral, representando em uma verdadeira mudança de paradigma. As medidas que anteriormente visavam à segregação de menores infratores ou filhos de famílias pobres foram substituídas por políticas públicas que visam à garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes, respeitando sua condição peculiar de pessoas em desenvolvimento.
1. Da proteção à infância
Inicialmente, sob o aspecto da proteção aos direitos humanos, quando se fala em trabalho infantil, não há como querer tratar da proteção à infância sem antes dissertar sobre a própria infância. Nesse sentido, destacamos: “Na sociedade medieval, que tomamos como ponto de partida, o sentimento da infância não existia – o que não quer dizer que as crianças fossem negligenciadas, abandonadas ou desprezadas. O sentimento da infância não significa o mesmo que afeição pelas crianças: corresponde à consciência da particularidade infantil, essa particularidade que distingue essencialmente a criança do adulto, mesmo jovem. Essa consciência não existia. Por essa razão, assim que a criança tinha condição de viver sem a solicitude constante de sua mãe ou de sua ama, ela ingressava na sociedade dos adultos e não se distinguia mais destes” (ARIÈS, 1986, p. 156).
Assim, em síntese, conclui-se que, historicamente, durante muito tempo, a infância sequer foi considerada ou mesmo protegida pelo Estado, na medida em que as crianças eram absolutamente ignoradas ou somente tratadas como “mine-adultos”, passando somente a ter alguma consideração a partir do século XIX.
O século XX foi marcado por lutas em prol dos direitos humanos, momento no qual as crianças e adolescentes deixaram de ser vistos como meros objetos e passaram a ser considerados sujeitos de direitos. No âmbito internacional, a Declaração Universal dos Direitos das Crianças de 1959 é considerando um marco, estabelecendo ser dever da comunidade mundial a busca pelo bem estar das crianças. A proteção jurídica internacional garantida às crianças é recente, sendo um dos marcos históricos a Declaração Universal dos Direitos da Criança, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1959.
2. Do direito fundamental à educação e proteção ao trabalho infantil
Entre os direitos fundamentais garantidos aos infantes no ECA, está o direito à profissionalização e à proteção do trabalho, disposto no art. 60 do referido diploma legal. Entende-se que a profissionalização é essencial para a formação do jovem, no entanto, deve ser observado um regime especial de trabalho, com direitos e restrições.
O trabalho é importante, pois estimula aptidões, noções de responsabilidade e ética, além de influenciar na formação humana, implicando em um processo de aprendizagem e autoconhecimento. Percebe-se que a intenção do legislador foi incentivar a profissionalização, todavia, vedando todo e qualquer tipo de trabalho que possa prejudicar o desenvolvimento físico, psíquico, moral e social do adolescente.
Apesar de toda a legislação protetiva existente, tanto em nível nacional quanto internacional, percebe-se que mesmo nos dias atuais a exploração ao trabalho infantil continua existindo. Crianças e adolescentes enfrentam cotidianamente condições marcadas por jornadas prolongadas, baixa ou inexistente remuneração, precariedade ocupacional e riscos à sua integridade física e moral.
A exploração do trabalho infantil no Brasil não é recente, sendo muito comum no período colonial. As poucas leis protetivas que existiam eram facilmente burladas, não representando uma proteção efetiva a essa parcela da população tão vulnerável. Felizmente, o ECA conseguiu mudar, pelo menos em parte, essa realidade, assegurando direitos aos infantes.
Nesse sentido, destacamos: “Entendendo que a infância e a adolescência devem representar um período lúdico, preservado de maiores responsabilidades e voltado para o desenvolvimento e a preparação para a idade adulta, o Estatuto proibiu qualquer trabalho a menores de 14 anos e procurou assegurar o direito à profissionalização e proteger a ocupação de aprendizes e demais adolescentes. Para isso, definiu a condição de aprendiz como uma situação de formação técnico-profissional conduzida de acordo com as diretrizes e bases da legislação educacional em vigor e exigiu que essa ocupação seja sempre compatível com a frequência escolar e lhes ofereça certas garantias, vedando o seu exercício em horários noturnos, condições insalubres e penosas ou locais que prejudiquem o desenvolvimento físico, psíquico, moral e social dos seus executores” (CARVALHO, 2008, p.553).
A questão do trabalho infantil é complexa e polêmica, pois envolve a discussão acerca da mão-de-obra humana na sociedade capitalista, que muito explora e pouco remunera.
3. O Trabalho Infantil na Contemporaneidade
A OIT, no novo relatório divulgado em junho de 2015, aponta que entre 20% e 30% das crianças em países de baixa renda abandonam a escola para se inserir no mercado de trabalho, muitas delas antes dos 15 anos de idade. Como consequência, essas crianças e adolescentes são menos propensos a conseguir empregos estáveis em suas vidas adultas, sujeitando-se a trabalhos mal remunerados e em condições precárias e perigosas.
A inserção prematura de crianças de adolescentes no mercado de trabalho implica em altos níveis de evasão escolar, visto que a maioria não consegue conciliar as duas atividades, de forma que acabam ficando atrasadas na escola, não conseguindo acompanhar o ritmo dos demais colegas. Importa referir ainda que a dupla jornada a que esses infantes são submetidos implica no aumento das taxas de reprovação e defasagem escolar, além do desestímulo pelos estudos, fazendo com que muitos estudantes abandonem a escola prematuramente, com baixos níveis de escolaridade.
Ainda, são inúmeras as crianças que deixam de frequentar o ambiente escolar para que seus pais e demais familiares possam trabalhar, ficando responsáveis pelas atividades domésticas. No Brasil, existe o agravamento da problemática do ensino público, marcado pela ausência de infraestrutura adequada, professores com qualificação deficiente e sem incentivo, além da falta de material e altos índices de violência no ambiente escolar.
Além da evasão escolar, o trabalho infantil também implica em outras consequências no desenvolvimento das crianças e adolescentes. Os danos à saúde desses pequenos trabalhadores são inúmeros e muito conhecidos, pois são mais suscetíveis a doenças e lesões relacionadas ao trabalho do que os adultos. São incontáveis os relatos de jovens acometidos por doenças respiratórias e dermatológicas, acidentes causados por objetos perfuro-cortantes, fadiga, dores musculares, problemas na coluna, fraturas, depressão, entre outros.
Os dados do relatório apontam, portanto, que o trabalho precoce tem implicações diretas na qualidade de vida dos jovens trabalhadores, devido tanto à baixa escolaridade quanto aos danos causados à saúde. Sem maiores perspectivas, os jovens obrigam-se a aceitar trabalhos perigosos e mal remunerados, tendo em vista as restritas oportunidades ocupacionais, reproduzindo o ciclo de pobreza.
Segundo o relatório, dos 168 milhões de jovens trabalhando atualmente no mundo, 120 milhões possuem entre 5 e 14 anos de idade. No Brasil, segundo dados do PNAD, em 2012 eram 3,1 milhões de trabalhadores entre 5 e 17 anos. Embora o número de crianças e adolescentes trabalhando tenha diminuído ao longo dos anos, os índices da erradicação vem caindo anualmente, em grande parte devido às falhas dos programas assistencialistas desenvolvidos.
Grande parte dos jovens trabalhadores faz parte de famílias cuja renda per capita é extremamente baixa, têm um grande número de filhos e os pais apresentam baixa escolaridade.
Destaca-se: “A trajetória de trabalho dos pais influencia a história dos filhos. Mais de 80% das crianças trabalhadoras com residência urbana têm pais que começaram a trabalhar com 14 anos ou menos. Outro fator apontado pelo estudo como importante é a idade da criança. Quanto maior a idade, menor é a chance de ela estudar. Um ano a mais aumenta em 3% a probabilidade de o menino trabalhar, enquanto para a menina o aumento é de 1%” (VIVARTA, 2003, p. 39/40).
Nas zonas urbanas, os jovens envolvem-se em atividades que variam desde a coleta de materiais recicláveis ao comércio ambulante. No meio rural, o trabalho infantil está muito associado ao trabalho nas lavoras, sendo muito frequente em famílias que desenvolvem a agricultura familiar. Nesses casos, as crianças e adolescentes ficam expostos à ação de agrotóxicos, picadas de insetos e animais peçonhentos, além dos efeitos da radiação solar e demais intempéries da natureza.
Ainda, muitas crianças, em sua maioria meninas, submetem-se a atividades como a prostituição e outras tantas se envolvem no trabalho doméstico, muitas não recebendo qualquer espécie de remuneração pelos serviços prestados.
Outro dado assustador presente no relatório aponta que 47,5 milhões de jovens em todo o mundo sujeitam-se a trabalhos classificados como perigosos ou insalubres. Nesse sentido, o relatório aponta que: “Os trabalhos perigosos entre os adolescentes com idades entre 15 a 17 anos constitui uma das piores formas de trabalho infantil e uma violação das normas internacionais do trabalho. Além disso, constitui um grande obstáculo para a realização do trabalho digno para todos, incluindo entre os jovens. A parte V [deste relatório] apresenta informações indicando que os números absolutos de adolescentes com idade entre 15 a 17 anos em trabalhos perigosos é considerável. Um total de 47,5 milhões de adolescentes dessa faixa etária estão em trabalhos perigosos, sendo responsável por 40 por cento de todos os adolescentes empregados com idade entre 15 a 17 anos e mais de um quarto de todas as crianças trabalhadoras. Estes números sublinham a importância de acordos com atenção especial para o grupo etário crítico de 15-17 anos nos esforços para combater o trabalho infantil e nos esforços para promover o trabalho decente para a juventude (ILO, 2015, p. 63, tradução livre[2])”.
Diante do exposto, percebe-se que a educação é essencial para o rompimento do ciclo de exploração e de pobreza, permitindo o desenvolvimento de habilidades cognitivas e artísticas. Afastando as crianças e adolescentes do trabalho precoce e lhes possibilitando acesso a um ensino de qualidade, as chances desses jovens se inserirem em empregos dignos aumentam, contribuindo para a redução dos índices de trabalho infantil. Deve-se ressaltar, no entanto, que “[…] o trabalho precoce não se deve apenas a razões de ordem econômica, estando igualmente associado à carência de uma rede de instituições e políticas sociais que apoiem efetivamente as famílias pobres na reprodução física e social dos seus filhos e a um complexo sistema de valores e representações. Muitas crianças começam a acompanhá-los pais no trabalho desde cedo também pela carência de creches e outras de instituições onde possam ser deixadas com proteção e segurança, e os programas de assistência às famílias pobres, implantados mais recentemente, têm uma cobertura insuficiente e impactos restritos sobre os seus beneficiários (CARVALHO, 2008, p. 566)”.
Nesse sentido, percebe-se a importância da criação de novas políticas públicas que visem assistir a população carente, permitindo a estes trabalho digno e proteção social. Por fim, deve ser assegurando a todos os jovens a permanência na escola até que atinjam a qualificação básica, promovendo aos mesmos a cidadania e o acesso aos direitos que lhes são garantidos.
Conclusão
Da análise até então realizada, a partir dos dados constantes do relatório da OIT acerca do trabalho infantil no ano de 2015, antes destacado, foi possível perceber que, em grande parte dos casos, o trabalho infantil possui suas raízes na desigualdade social, na pobreza de ampla parcela da população e na falta de oportunidades de trabalho digno e bem remunerado para os adultos. Apesar das tentativas mundiais de frear esta prática, as políticas públicas demonstram-se pouco eficientes, pois visam soluções pontuais e não atacam a raiz do problema. A mão-de-obra, seja ela infantil ou adulta, continua a ser explorada e pouco tem sido feito para mudar essa situação. Aliado a isso, existe muito preconceito contra o trabalhador desqualificado, de modo que este dificilmente conseguirá se estabelecer em um emprego digno.
Ainda, os danos à saúde causados aos trabalhadores mirins acabam acompanhando-os pelo resto de suas vidas, afetando-lhes o bem-estar físico, mental e psicológico. São mínimas as perspectivas para estes jovens, que acabam por reproduzir o ciclo de pobreza e exploração.
Os dados contidos no relatório da OIT de 2015 mostraram que, apesar dos esforços mundiais, muitas crianças e adolescentes ainda se encontram em situações de risco. Essas informações, contidas no relatório, tanto em nível mundial quanto nacional, permitiram observar o panorama atual, possibilitando a elaboração e discussão de novos meios de enfrentamento dessa problemática.
Referências
ARIÈS, Philippe. História social da criança e da Família. Rio de Janeiro: Guanabara, 2ª edição, 1986.
CARVALHO, Inaiá Maria Moreira de. Trabalho Infantil No Brasil Contemporâneo. In: Cad. CRH, Salvador, v. 21, n. 54, p. 551-569, set/dez 2008. Disponível em http://ref.scielo.org/fm9b4s.
ILO, International Labour Office. World Report On Child Labour 2015: Paving The Way To Decent Work For Young People. Geneva: ILO, 2015. Disponível em http://www.ilo.org/ipecinfo/product/download.do?type=document&id=26977.
VIVARTA, Veet (Coord). Crianças Invisíveis: O Enfoque Da Imprensa Sobre O Trabalho Infantil Doméstico E Outras Formas De Exploração. Série Mídia e Mobilização Social, v. 6. São Paulo: Cortez, 2003.
Notas
Informações Sobre os Autores
Dandara Trentin Demiranda
Acadêmica de Direito na Universidade Federal do Rio Grande
Bruno Bandeira Fonseca
Acadêmicos de Direito pela Universidade Federal do Rio Grande